No dia 7 de março comemora-se o Dia Nacional da Advocacia Pública, uma das funções essenciais à justiça cujo papel no combate à corrupção sistêmica que se abateu sobre o país nas últimas décadas ainda é pouco conhecido da sociedade.
No maior período democrático da história republicana nacional, o país assiste à redefinição de papeis e ao amadurecimento das instituições e poderes constitucionais, momento crucial na caminhada do Estado Democrático de Direito.
Se a tripartição coordenada das funções estatais é peça determinante nesse ambiente democrático, avulta a importância da criação e modelagem de instrumentos e órgãos que possibilitem a fiscalização e perpetuidade deste regime e das liberdades essenciais.
Fundamental para concretização do Estado de Direito e o aperfeiçoamento da ordem jurídica, a Advocacia Pública tem como missão a representação judicial do ente público, a consultoria e o assessoramento jurídico do ente federado, atuando em juízo na defesa do erário e cooperando para garantir a juridicidade dos atos e negócios da Administração Pública.
Como Advocacia de Estado, essas atribuições dão ao órgão plena capacidade de agir preventivamente, garantindo sustentabilidade jurídica das políticas públicas nos diversos testes de controle social e institucional a posteriori. Também conferem visão sistêmica, com o potencial de avaliar juridicamente a atuação da Administração Pública em todas as fases da política pública, desde a montagem da agenda e sua formulação, passando pela implementação e avaliação do projeto escolhido.
Como nenhum outro profissional do Direito, o Advogado Público tem a possibilidade de conhecer os limites financeiros, orçamentários, de pessoal e de material, enfim, as agruras da Administração Pública e, assim colaborar para a elaboração de políticas públicas mais eficientes, interligando o sistema jurídico ao sistema político, permitindo que a representatividade democrática ocorra dentro do quadro legal, orientando medidas jurídicas realistas e auxiliando na prevenção de conflitos e na adoção de métodos de pacificação adequados, preferíveis à solução litigiosa dos impasses administrativos.
Também na função contenciosa a Advocacia Pública tem ampla contribuição a dar no combate à corrupção, pois possui competência para buscar em juízo a responsabilização de pessoas públicas e privadas pela prática de atos ilícitos e ímprobos, além de recuperar os recursos perdidos.
O Tribunal de Contas da União, em 2018, já alertava que a dispersão de energia e de recursos públicos pela debilidade das instâncias administrativas e dos processos de governança pública é fator de maior vulnerabilidade à fraude e à corrupção (Acórdão 588/18).
Ao tempo em que se assiste a uma disputa ferrenha de forças entre os agentes das instituições repressoras e do establishment centrada em inovações legislativas destinadas ao recrudescimento do processo e das sanções, ainda permanecem pouco desenvolvidas estratégias eficazes de prevenção à corrupção, pois se deixa de lado o aprimoramento da governança pública e de funcionalidades que caracterizam a atuação de instituições como Advocacia Pública.
Não por outro motivo o Brasil é um dos países que mais fortemente mudou os comportamentos públicos e privados mas, paradoxalmente, caiu 37 posições nos últimos 5 anos, passando a ocupar a 106ª colocação no ranking de percepção da corrupção da ONG Transparência Internacional.
A corrupção oculta, coberta pelo manto da aparente legalidade, a malversação dos recursos públicos, a confusão entre o que é público e o que é privado, são fenômenos que ofendem a sociedade e que clamam por uma repressão, mas que podem ser prevenidos ou coibidos pela atuação institucional e não político partidária de uma Advocacia Pública que respeita o poder democrático e eleito ao mesmo tempo em que está apta a ajudar a construir um Estado ético e regido pelos princípios constitucionais.
O país precisa sair do lugar comum da agenda revanchista e começar a preocupar-se em aprimorar outros meios que tornem a proteção ao erário mais eficaz, de modo que a Advocacia Pública possa atuar ao lado dos órgãos de gestão governamental, gozando de proteção institucional adequada para utilizar os instrumentos administrativos e judiciais à disposição que encurtam os espaços da corrupção.
A atuação como Advocacia de Estado impõe a sensibilidade de compreender os dilemas legítimos dos representantes do povo. Entretanto, não se rege pelo código binário da política (governo x oposição), mas pelo da juridicidade (lícito x ilícito), tendo muito a contribuir para impedir que desvios aconteçam e diminuir a distância entre o ilícito, a reparação dos danos e a aplicação das sanções.
Sabe-se que um dos maiores desafios a ser enfrentados é a própria cultura de corrupção que contamina a classe política e os particulares que com ela se relacionam. Por isso é preciso dotar a Advocacia Pública de meios e instrumentos que tornem viável o exercício de proteção ao erário, conferindo a seus membros autonomia para impedir qualquer influência indevida sobre a sua atuação.
Somente assim a Advocacia Pública tornar-se-á elemento cada vez mais essencial para o equilíbrio entre o interesse público e a discricionariedade inerente à representação democrática – que pode muito, mas não pode tudo -, contribuindo para melhorar o nível de eficiência administrativa e construir um país efetivamente republicano e regido pelos valores constitucionais.
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*Fabrizio de Lima Pieroni é procurador do Estado de São Paulo e presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (APESP).
*Marcello Terto e Silva é procurador do Estado de Goiás e presidente da Comissão Nacional da Advocacia Pública da OAB.