“Retrocesso à vista no combate à improbidade administrativa”, por Fabrizio Pieroni

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🔴 📰 APESP na Mídia: confira abaixo o artigo “Retrocesso à vista no combate à improbidade administrativa”, de autoria do Presidente da APESP, Fabrizio Pieroni, publicado no JOTA, sobre a proposta em análise na Câmara dos Deputados que retira do ente público lesado o direito de propor ação de improbidade!

Retrocesso à vista no combate à improbidade administrativa

Em meio às discussões econômicas sobre as reformas tributária e administrativa, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n° 10.887/2018, que altera a Lei de Improbidade Administrativa. Aos poucos, a proposta gestada em uma comissão de juristas avança na Câmara dos Deputados, com parecer já apresentado pelo relator da comissão especial, o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP).

O relatório divulgado tem sido objeto de severas críticas e elogios. Há claro interesse suprapartidário na votação do projeto que, em tese, pretende trazer mais segurança jurídica aos gestores públicos. A principal intenção é evitar o já popularizado termo “apagão das canetas”, isto é, a paralisia de autoridades que relutam em assinar decisões por temor da responsabilização.

É certo que a missão de reequilibrar um instrumento jurídico tão forte é complexa e precisa ser feita com o máximo de cuidado, sob pena de seu esvaziamento, por isso, retrocessos do projeto precisam ser apontados e afastados.

Um desses retrocessos é a previsão de legitimidade privativa do Ministério Público para a propositura da ação de improbidade. No regime atual, detêm legitimidade para ajuizar a ação o Ministério Público e também a pessoa jurídica lesada, que pode ser qualquer entidade da Administração Direta ou Indireta, federal, estadual ou municipal.

Com uma justificativa simples e pueril (“por se tratar de ação que tem como fito a aplicação de sanções que envolvem sensíveis direitos fundamentais, como a suspensão de direitos políticos”), o texto dá ao Ministério Público a exclusividade de iniciativa, retirando do ente público lesado o direito de buscar a reparação do dano e a punição dos atos ímprobos.

A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) é considerada o primeiro grande avanço legislativo no combate à corrupção após a Constituição de 1988. Durante os quase trinta anos de vigência, constitui-se em um instrumento bastante eficaz contra condutas que causam prejuízo ao erário, ofendem princípios administrativos ou que configuram enriquecimento ilícito de agentes públicos.

Suas sanções são severas e podem resultar ao condenado por improbidade a suspensão de direitos políticos, perda do cargo, proibição de contratar com o poder público, multas, além do ressarcimento dos danos. Aplicadas pelo Judiciário, embora duras, as penas previstas não são estranhas à atividade administrativa, pelo contrário, estão consagradas em diversos instrumentos legais, como no estatuto dos servidores públicos de todos os entes, Lei de Licitação (Lei nº 8.666/93) e Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), não se compreendendo as razões expostas no relatório.

Na verdade, o projeto acaba por retirar da vítima a possibilidade de se defender dos atos de corrupção e improbidade que a atingem e a viabilidade do manejo de medidas cautelares que podem fazer cessar a ação ou garantir o ressarcimento dos danos.

Caso o texto seja aprovado como está, a União, os estados e os municípios ficarão totalmente dependentes da atuação do Ministério Público. Ora, seus membros não são os únicos interessados na defesa da ética e dos interesses republicanos, não sendo possível admitir que o Brasil atual se dê ao luxo de reduzir a ação dos órgãos de combate aos atos de improbidade.

Melhor para o interesse público que mais instituições trabalhem no combate à corrupção, de modo articulado e transparente, gerando um verdadeiro accountability horizontal, essencial em uma democracia, em que órgãos e instituições de mesmo nível exercem suas atribuições e realizam mútua fiscalização e controle, em busca do bem comum.

Com a mesma estatura constitucional do MP, a advocacia pública tem a essencial função de defender os interesses do Estado e, consequentemente, os interesses da sociedade. E, para avançar no combate à corrupção nos espaços públicos, é preciso dar instrumentos aos atores responsáveis pela institucionalidade repressiva e preventiva.

Por estar mais próxima dos gestores públicos, a atuação dos advogados públicos vai além da fundamental contenção e prevenção da improbidade administrativa. Não se trata somente de atuar para restabelecer o patrimônio perdido. O trabalho dos últimos anos demonstra um relevante salto de eficiência na reparação, na concertação de erros e no aperfeiçoamento da Administração Pública. Retirar a competência da Advocacia Pública de ingressar com ações de improbidade é retirar do Estado a possibilidade de melhorar e desenvolver a cada dia, por meio de uma gestão correta, com o melhor uso dos recursos públicos em prol do cidadão.

FABRIZIO PIERONI – Procurador do Estado de São Paulo, presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (APESP) e diretor de Assuntos Legislativo da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (ANAPE)