No dia 22 de março foi apresentado pela Presidência da República, com solicitação de urgência na tramitação, Projeto de Lei Complementar 257/2016 (PLP 257/2016) que “estabelece o Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal; altera a Lei 9.496, de 11 de setembro de 1997, a Medida Provisória 2.192-70, de 24 de agosto de 2001, a Lei Complementar 148, de 25 de novembro de 2014, e a Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000; e dá outras providências”.
Em meio à crise econômica e política que assola o país, o projeto, concebido nos ministérios da Fazenda e do Planejamento, conta com apoio de diversos governadores, pois estabelece condições para o refinanciamento das dívidas dos Estados e do Distrito Federal com a União, com alongamento do prazo para pagamento em até 240 meses, mediante celebração de aditivo contratual, com redução de até 40% no valor das prestações nos 24 meses posteriores à celebração do acordo.
Além disso, autoriza as instituições públicas federais a repactuarem financiamentos concedidos aos estados e Distrito Federal, com recursos do BNDES e com dispensa da verificação dos requisitos exigidos para a realização de operações de crédito e concessão de garantia pela União, inclusive aqueles definidos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000).
O projeto ainda altera 38 disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal, o que, por si só, mereceria detida análise, pois soa no mínimo estranho que alteração de tal magnitude ocorra sem ampla discussão, em regime de urgência.
Este breve estudo, no entanto, frisará as contrapartidas e condicionantes estabelecidas no projeto para adesão ao plano de auxílio, pois, boa parte delas atingem em cheio a autonomia dos entes federados, impondo limitações na capacidade destes de autoadministração, com violação do pacto federativo, cláusula pétrea de nossa Constituição da República.
Para adesão ao plano de refinanciamento, o projeto exige, no prazo de até 180 dias da assinatura dos termos aditivos contratuais, que os entes sancionem e publiquem leis determinando a adoção durante os 24 meses subsequentes de diversas medidas para redução de suas despesas, sob pena de revogação dos benefícios concedidos, das quais destacamos:
Em um cenário de queda significativa de receita, os governadores, “com a faca no pescoço” diante da iminente paralisação de atividades essenciais e serviços fundamentais prestados ao cidadão, têm exercido enorme pressão para aprovação do PLP 257/2016, visto como panaceia para este momento de deterioração orçamentária e financeira dos entes federados.
No entanto, a autonomia do Estado membro, elemento essencial à configuração do Estado federal, não pode ser objeto de renúncia, muito menos de um contrato que determine, de forma compulsória e coercitiva a sanção e publicação de leis idealizadas pelo ente central.
Não é preciso discorrer sobre o relevo que a autonomia do Estado membro mantém na configuração do federalismo para concluir pela inconstitucionalidade dos dispositivos citados que limitam capacidade de autoadministração dos entes federados ao arrepio da Constituição Federal.
Basta destacar que a autonomia do Estado membro, no Direito Constitucional brasileiro, apresenta três elementos: capacidade de auto-organização, exercido por meio do seu poder constituinte decorrente; autogoverno, exercido pela escolha direta de seus representantes no Legislativo e Executivo, sem subordinação ou tutela da União; e autoadministração, pelo exercício de suas competências administrativas, legislativas e tributárias, definidas constitucionalmente.
É a Constituição Federal o texto matriz do princípio da autonomia e, ao mesmo tempo, a fonte de suas limitações, na feliz expressão de Raul Machado Horta.
A imposição aos entes federados por lei infraconstitucional de sancionar e publicar leis previamente definidas pelo ente central por si só viola o pacto federativo. No entanto, quando se analisa o teor das medidas obrigatórias, nota-se a brutal invasão da União na autonomia dos Estados.
Com efeito, apenas para exemplificar, o inciso I do artigo 4º do PLP 257/2016 impõe aos Estados a instituição do regime de previdência complementar, o qual, a teor do artigo 40, §§ 14 e 16 da CF/88, é facultativo.
E mais, o inciso IV do artigo 4º do PLP 257/2016 determina a aprovação do aumento da alíquota da contribuição previdenciária dos Estados e Distrito Federal, ao passo que o artigo 149, §1º da CF/88, estabelece que esta alíquota apenas não pode ser inferior à cobrada pela União de seus servidores.
E como se falar em autonomia e autoadministração em um cenário de imposição pela União aos Estados de vedação de reajustes remuneratórios, suspensão de admissão de pessoal, reforma de regime jurídico de servidores? E o que dizer da imposição aos Estados de limitação de benefícios, progressões e vantagens ao que é estabelecido para os servidores federais?
Sendo a forma federativa de Estado cláusula pétrea, nem mesmo emenda constitucional poderia absorver tamanho terreno de autoadministração dos Estados membros.
Aqui não se discute se as medidas são boas ou ruins, pertinentes ou impertinentes para o enfrentamento da crise financeira, mas apenas a forma como estão sendo impostas pela União em detrimento dos enfraquecidos Estados, aniquilando o princípio federativo.
As obrigações e condicionantes previstas no PLP 257/2016 para adesão dos Estados ao refinanciamento de suas dívidas atentam contra a própria federação e esperamos sejam rejeitadas pelos parlamentares.
Fabrizio de Lima Pieroni é procurador do Estado de São Paulo. Diretor Financeiro da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp).
Fonte: Conjur, de 4/4/2016