A referida proposta representa um ataque direto à separação de Poderes, ao pacto federativo e à autonomia administrativa e financeira de Estados e Municípios, pilares fundamentais da organização constitucional brasileira.
Membros das carreiras típicas de Estado possuem regime jurídico próprio e, além disso, Poderes e órgãos autônomos são dotados de reserva de iniciativa sobre a legislação relativa à disciplina remuneratória de seus servidores, prerrogativa que assegura aos ocupantes dos cargos públicos a independência e a autonomia necessárias ao pleno exercício de suas funções.
Os entes subnacionais possuem realidades econômicas, sociais e orçamentárias próprias, que demandam soluções locais adequadas às suas peculiaridades. Ao transferir para a União a competência para regulamentar temas relacionados à remuneração de servidores públicos estaduais e municipais, ignora-se a diversidade e as especificidades de um país continental como o Brasil.
Retirar-lhes essa prerrogativa é, ainda, desconsiderar os avanços conquistados por muitos Estados e Municípios que, com grande esforço, já implementaram reformas administrativas e fiscais necessárias à sua sustentabilidade financeira.
Além disso, a proposta não resolve o nó górdio da questão fiscal brasileira, que reside na renúncia fiscal. Em 2024, os gastos tributários atingirão a expressiva cifra de R$ 1,055 trilhão, ou cerca de 10% do PIB, enquanto o máximo recomendado pela OCDE é de 2%. Apesar da Emenda Constitucional 109/2021 determinar a redução da renúncia fiscal da União, ainda não houve aprovação do Projeto de Lei 3203/2021, essencial para regulamentar essa redução. Soma-se a isso a necessidade de aprovação do PLP 41/2019, que cria mecanismos de avaliação e revisão de benefícios fiscais concedidos pela União.
O Brasil, portanto, abre mão de vultosas receitas tributárias, sem garantir eficaz fiscalização ou retorno social proporcional, perpetuando a concentração de renda e comprometendo o equilíbrio fiscal. Para enfrentar esse grave quadro de desperdício de recursos públicos, confiamos que o Parlamento aprovará as medidas legislativas mencionadas, que são verdadeiramente necessárias para a retomada do crescimento econômico e o equilíbrio das contas públicas.
Por fim, destacamos que a centralização das decisões acarretará graves consequências para a administração pública e para a prestação de serviços essenciais à população. Longe de promover ajuste fiscal, estimulará a aposentadoria em massa de servidores, aumentando os gastos com inativos e forçando a contratação de novos profissionais. Também haverá uma fuga de quadros para a iniciativa privada, comprometendo a continuidade e a qualidade do serviço público em áreas estratégicas.
Não se pode admitir que, sob o pretexto de ajuste fiscal da União, Estados e Municípios sejam punidos por terem feito o “dever de casa”. A PEC 45/2024 ignora os princípios da descentralização administrativa e da cooperação entre os entes federados, promovendo um retrocesso institucional que fere o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes e esvazia a autonomia federativa garantida pela Constituição.
Por essas razões, conclamamos o Congresso Nacional a rejeitar essa proposta, preservando os valores constitucionais que estruturam nosso Estado Democrático de Direito e garantindo que Estados e Municípios continuem exercendo, de forma plena, suas competências constitucionais em benefício da população brasileira.