Uma das principais demandas da sociedade civil na direção do
acesso ao atendimento jurisdicional pelas camadas mais pobres
da população está muito próxima de começar a ser atendida
em São Paulo. A criação da Defensoria Pública é uma
pendência que atravessou o último ano da gestão Quércia,
todo o governo Fleury e onze anos do período tucano. Mas
antes de o governo Alckmin entrar em seu ritmo de apagar das
luzes, a Defensoria paulista deverá estar finalmente
instalada.
Depois de longos anos
de pressões daquele que se tornou o Movimento pela Defensoria
Pública, o projeto do governo do estado enviado à
Assembléia Legislativa no início de julho entrou em processo
irreversível de tramitação – no momento de fechamento
desta edição, no dia 22 de setembro, estava próximo de ser
votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). De
acordo com o presidente da Alesp, deputado Rodrigo Garcia
(PFL), após ser apreciado pela CCJ o texto segue para a
Comissão de Finanças e Orçamento. "Depois, é
encaminhado à presidência, que buscará acordo para
votação em plenário o mais rápido possível", prevê.
Para o presidente do
Sindicato dos Procuradores do Estado de São Paulo (SindiproesP),
Antônio José Maffezoli Leite – uma das principais
lideranças do movimento pró-defensoria –, o projeto tem
grandes virtudes ao assegurar a autonomia administrativa e
financeira à Defensoria e por incorporar uma série de
reivindicações da sociedade civil. "A maioria dos
pontos que defendemos está no texto. Vamos batalhar para
incorporar o que ficou de fora durante a tramitação ou no
processo de regulamentação", avalia Maffezoli.
O presidente da
Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep),
Leopoldo Portela Júnior, observa que São Paulo, embora seja
o estado mais rico e com a menor proporção de pobres (menos
de 15%), tem uma grande população que o coloca entre os
três com maior contingente de pessoas com renda inferior a
meio salário mínimo. "Em que pese o brilhantismo e a
excelência dos procuradores do estado de São Paulo que, por
meio da PAJ fazem as vezes de defensor público, já está
mais do que na hora de se criar a Defensoria Pública
paulista. Logo que instalada, ela iniciará seus trabalhos
absorvendo uma grande demanda, com certeza reprimida ao longo
do tempo", acredita Portela. "Ao longo de anos,
privilegiou-se o Estado acusador em detrimento do Estado
defensor, situação inadmissível para um país com mais de
50 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de
pobreza", afirmou, durante audiência pública na
Assembléia Legislativa paulista no último dia 31 de agosto.
O secretário da
Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Pierpaolo
Bottini, declarou na mesma solenidade que ao se falar em
acesso à justiça e no papel da Defensoria, está se falando
também dos indivíduos, da coletividade e de distribuição
de cidadania. "Democratizar o acesso à justiça é
prioridade do Ministério da Justiça, expressa na emenda 45.
O projeto está em consonância com esses objetivos."
Portela:
Defensoria já
nasce com grande demanda |
Pierpaolo,
do MJ: distribuição de cidadania |
Maffezoli:
defender as conquistas e ampliá-las |
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Desafios a superar –
Antônio Maffezoli ressalta
que o projeto em discussão é resultado de intensos debates,
com envolvimento das 440 entidades reunidas em torno do
movimento pró-Defensoria, e pode conferir ao órgão
atuações "revolucionárias" para o mundo
jurídico. Para ele, a Defensoria tem de ir além da mera
prestação de assistência jurisdicional, que por si só não
resolve todos os conflitos. "Daí a proposta de
funcionamento e atendimento interdisciplinar – com a
participação de psicólogos, assistentes sociais,
sociólogos – de modo a ampliar a capacidade de
identificação da origem dos conflitos, atuar de maneira
preventiva e permitir soluções mais efetivas", destaca.
Entre os pontos pelos
quais o movimento não abre mão de lutar está a inclusão,
no projeto, da garantia de cota de 30% para negros no processo
de seleção. Para outros pontos, parcialmente contemplados,
se buscará aperfeiçoamento, tais como: inclusão de
matérias de acentuado cunho humanista no concurso de
admissão, a fim de se identificarem, tanto na seleção
quanto no período de treinamento, profissionais mais
vocacionados para a carreira de defensor, além de bem
preparados tecnicamente, com elevado nível de consciência
social; assegurar participação mais ativa, com direito a
voto, do ouvidor-geral da Defensoria, valorizando a voz da
opinião pública no Conselho do órgão; assegurar o mais
amplo espaço para a sociedade civil nas discussões de
planejamento, gestão e nos destinos da Defensoria, por meio
da realização de conferências regionais e estadual.
Outro item considerado
não adequado no projeto do governo – e que só o Executivo
tem prerrogativa para corrigir por demandar despesas para o
estado –, é o número de vagas abertas para a carreira:
quatrocentas, ante uma necessidade estimada em 1.500
defensores públicos. Além disso, a não previsão de
contratação tanto de pessoal administrativo e de suporte
quanto de profissionais essenciais para o bom funcionamento
interdisciplinar e atuação mais preventiva, como
psicólogos, assistentes sociais e sociólogos.
Questionado sobre se a
Defensoria já não começaria com sua capacidade de
atendimento comprometida, o procurador-geral, Elival da Silva
Ramos, defendeu o recurso aos convênios: "Isso
garantiria o atendimento em todo o estado". Sobre o fato
de o déficit de pessoal prejudicar também a própria PGE, o
procurador-geral disse que está em tramitação concurso de
ingresso na carreira de procurador para provimento de cem
cargos vagos. "Afora isso, a carreira contará com
remanescentes da PAJ que não façam opção pela carreira da
Defensoria, tão logo seja implantada a nova carreira, o que
aliviará, certamente, a PGE", afirma.
Elival Ramos não vê
possibilidade de equacionar, antes da votação do projeto,
lacunas como a não previsão de concurso para pessoal
administrativo nem para profissionais ligados ao aspecto
multidisciplinar do novo órgão. "Com a implantação da
carreira, será possível pensar em afastamento de servidores
de outras secretarias, se for o caso, antes da organização
do quadro funcional da nova instituição", acredita.
"Não podemos pensar nos óbices, mas nas vantagens de se
ter uma lei das mais avançadas na tutela dos hipossuficientes.
Sua implantação, em todos os seus termos, certamente
ocorrerá paulatinamente, mas sempre num ritmo de crescimento
e engrandecimento dos serviços."
O presidente do
SindiproesP, Antônio Maffezoli, pondera os avanços já
conquistados com a apresentação do projeto e considera mais
importante, agora, fazer com que o projeto ande enquanto se
busca criar circunstâncias que tornem possíveis novos
avanços. "O ideal é concentrar esforços para sairmos
da situação de atraso em que nos encontramos", defende.
Emendas – A Apesp formulou
três propostas de emendas ao projeto de lei, subscritas pelo
deputado estadual Sidney Beraldo (PSDB), visando a
aperfeiçoar a regra de transição prevista nas Disposições
Transitórias. A primeira delas altera a redação do
parágrafo 1° do artigo 3°: em vez de
"afastamento" dos procuradores que estão em
exercício na PAJ, e que permanecerão na PGE quando da
criação da nova instituição, prever a prestação
"concomitante" dos serviços de assistência
judiciária, pela Defensoria e pela PGE, por até um ano após
a criação da Defensoria. O objetivo é assegurar a
continuidade dos serviços prestados pela PAJ sem a
necessidade de afastamento, evitando-se assim quaisquer
prejuízos funcionais.
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Procuradores,
entre eles diretores da Apesp, ocupam plenário JK em
audiência pública sobre projeto da Defensoria.
Damião, da Apesp (acima), pede atenção a emendas de
constitucionalidade questionável e passíveis de
contestação futura
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A segunda emenda
altera a redação do parágrafo 2º do artigo 3º, dispondo
que a regulamentação da transição dos serviços de
assistência judiciária será disciplinada em resolução
conjunta do procurador geral do Estado e do defensor público
geral. Com isso, visa-se a evitar possíveis atropelos na
transição dos serviços. E a terceira emenda, que altera o
parágrafo 3º do artigo 4º, também das Disposições
Transitórias, traduz uma preocupação dos que hoje atuam na
área da Assistência Judiciária das regionais e que
permanecerão na PGE, ao referir-se à possibilidade de
classificação de seus cargos na própria regional se nela
não houver número de vagas suficientes no contencioso. Se
aprovada, essa emenda assegurará a permanência do procurador
nessa situação na própria regional em que está atualmente
classificado, atendendo plenamente ao interesse público, pois
estão familiarizados com a organização e o trabalho de cada
unidade, com o ambiente jurídico e social em que convivem.
Ao fazer uma análise
das emendas apresentadas, o presidente da Apesp, José Damião
de Lima Trindade, afirmou, na referida audiência pública,
que várias são inconstitucionais o que implicaria na
necessidade de a Comissão de Constituição e Justiça fazer
rigorosa análise para que se evite a aprovação de matérias
que poderão, no futuro, vir a ser contestadas. Posição
semelhante foi defendida pela subprocuradora-geral da área da
Assistência Judiciária, Mariângela Sarrubbo, que
representou a PGE na audiência.
Referências –
Recentemente,
o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud),
em parceria com a Anadep, realizou um diagnóstico sobre as
defensorias públicas de todos os estados (exceto SP, PR, GO e
SC). Constatou-se que em apenas seis unidades da federação
são atendidas todas as comarcas locais (RR, AP, AL, RJ, MS e
DF). E que os estados que menos investem nas defensorias são
justamente os que apresentam os piores indicadores sociais. Os
que contam com o menor número de comarcas atendidas são onde
se encontram os maiores volumes de atendimentos por
intermédio de convênios: "O grande número de
convênios impede o fortalecimento da estrutura das
defensorias e compromete a sua qualidade", enfatiza o
diagnóstico. Por outro lado, o estudo aponta que as ações
cíveis correspondem a 76% das ações ajuizadas ou
respondidas no país pelas defensorias. "Isso permite
concluir que a instituição tem se distanciado de sua origem
histórica na defesa criminal para atuar prioritariamente na
garantia de direitos", diz o estudo.
O fato de a Defensoria
Pública de São Paulo nascer com autonomia administrativa e
orçamentária é um indicador de que o órgão já começa
mais "maduro" em relação a outros órgãos
estaduais. O projeto determina que o chefe daquela
instituição será o defensor público geral, escolhido de
uma lista tríplice pelo governador, para um mandato de dois
anos, renovável por igual período e auxiliado por três
subdefensores por ele nomeados. No segundo escalão estarão
os defensores públicos regionais e o defensor público da
Capital, que correspondem às subdefensorias, encarregados da
assessoria administrativa. O órgão contará, ainda, com um
Conselho Superior, Corregedoria Geral e Ouvidoria. Os
defensores públicos ingressarão na carreira por meio de
concurso público como defensores públicos substitutos. Os
níveis funcionais da nova carreira são semelhantes aos hoje
existentes na PGE, chegando, portanto, até o cargo de
defensor público nível V. A remuneração do defensor
público geral será de R$ 12.720, acrescidos das vantagens
pessoais hoje existentes (qüinqüênio e sexta-parte), sendo
que a de defensor público nível V equivale a 80% desse
total, ou seja, R$ 10.176. O projeto garante irredutibilidade
de vencimentos caso o procurador do Estado que optar pela
Defensoria Pública receba atualmente remuneração superior
ao de seu nível na nova carreira. O projeto de lei
complementar também prevê que a Defensoria terá
independência funcional e vai atuar em questões relacionadas
à erradicação da pobreza, da marginalidade e na redução
das desigualdades sociais e regionais, na questão dos
direitos da criança e do adolescente, do idoso e das pessoas
portadoras de necessidades especiais, além de atuar nos
estabelecimentos policiais, penais e de internação.
"Os colegas
procuradores que já atuam na PAJ, com notável vocação para
a Assistência Judiciária, não devem ter receio de optar
pela Defensoria por temor de redução salarial. As lutas para
se corrigirem distorções e injustiças são uma constante em
todas as carreiras jurídicas. A todo momento, temos de estar
dispostos a lutar pela justiça remuneratória na PGE, e uma
vez criada a Defensoria não será diferente", afirma o
presidente da Apesp, José Damião de Lima Trindade.
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