O que têm em comum a Serra do Mar, o
aeroporto de Guarulhos, a estação da Luz, o Rodoanel e o Projeto
Pomar de reflorestamento das encostas do Rio Pinheiros? Todos
passaram pela Procuradoria do Patrimônio Imobiliário do Estado de
São Paulo, que trata de ações reivindicatórias, de
reintegração de posse, usucapião, retificação de registro
imobiliário, ações discriminatórias e, desde agosto de 2002, de
mandados de segurança, ações populares e ações civis públicas
de cunho ambiental.
Essa imensa gama de assuntos
dá à PPI, como é conhecida, um perfil muito peculiar. Lá são
analisados os impactos de determinada obra para o meio ambiente e
questões do patrimônio histórico e cultural. Quando o Estado
desapropria, também é a PPI que analisa os valores a serem pagos e
responde às ações que reclamam o reajuste desses valores. Além
disso, toda a matéria do contencioso ambiental e imobiliário das
Procuradorias Regionais passa pela PPI em grau de recurso, aí
inclusas, por exemplo, as ações referentes à questão fundiária
do Pontal do Paranapanema.
"Se o volume de
processos não é tão grande quando comparado a outras áreas da
PGE, as ações lidam com grandes interesses e o trabalho exigido é
intenso", afirma o procurador-chefe, Pedro Ubiratan Escorel de
Azevedo. "Cuidamos de todo contencioso imobiliário e de todo
contencioso ambiental na Região Metropolitana de São Paulo."
Ele explica que a atual PPI responde, desde agosto de 2002, além do
patrimônio imobiliário, pela 1ª Subprocuradoria Administrativa (a
antiga PA 1) e pela parte contenciosa da Procuradoria de Defesa do
Meio Ambiente. "A proposta era reestruturar uma unidade que
estava subaproveitada em termos de espaço e recursos humanos",
conta. Apesar de ter sido criada em 2001, a Procuradoria do Meio
Ambiente não estava ainda implantada. "Todo o contencioso foi
implementado na unidade, aproveitando a experiência dos que vieram
da Procuradoria Administrativa e, pelo concurso de remoção, de
outras unidades do contencioso e da consultoria, além dos colegas
que já estavam aqui", completa, lembrando que a PPI é uma das
unidades mais antigas da PGE no Estado (foi criada em 1934).
Com esse novo formato, a PPI
instalou-se em 7 dos 10 andares de um antigo edifício na Praça da
Sé que também é um patrimônio histórico, construído em 1941.
Lá funcionou um seminário da Cúria, o que empresta à PPI mais
uma peculiaridade: muitas das antigas "celas" onde ficavam
os seminaristas, transformaram-se em salas em que cada procurador
pode desenvolver com tranqüilidade os trabalhos de alta
complexidade que são característicos da PPI.
Mais diferenças
– Uma outra particularidade é a atribuição metropolitana.
"Como somos uma Procuradoria especializada em patrimônio e
meio ambiente, é conveniente que esses assuntos sejam, o quanto
possível, tratados de maneira uniforme pelo Estado", comenta
Pedro Ubiratan.
Tamanha responsabilidade dá
aos 17 procuradores da Procuradoria do Patrimônio uma grande
demanda de trabalho realizado em interface com áreas técnicas da
PGE. Além disso, são ações que exigem soluções rápidas, de
acordo com Ubiratan. "As pessoas querem que as coisas andem,
que seu usucapião seja julgado, que as desapropriações sejam
pagas. E esses interesses fazem com que tenhamos que movimentar os
processos numa velocidade muito grande."
O procurador Sebastião
Vilela Staut Júnior destaca que o trabalho dos procuradores da PPI
tem uma característica multidisciplinar. "Isso nos leva a uma
constante integração com outros setores da administração
pública, em todos os seus níveis." Staut está na PPI há
dois anos e ingressou na carreira em 1987 no contencioso da
Procuradoria Regional da Grande São Paulo. Trabalhou na Fiscal por
mais de dez anos e foi removido voluntariamente, por concurso, para
a PPI onde atua na 1ª Subprocuradoria. "Metade de todas as
ações civis públicas ambientais na Capital e Grande São Paulo
estão na minha banca, assim como mandados de segurança, autos de
infração ambiental, ações indenizatórias por desapropriação
indireta etc. Um trabalho que compreende não só a defesa do Estado
em juízo, mas também a defesa de direitos difusos como o meio
ambiente natural e artificial", descreve Staut.
O procurador-chefe Pedro
Ubiratan ressalta o fato de os processos na PPI terem grande
complexidade e valores muito altos. "Cuidamos da ponta pagadora
do Estado, daquilo que sai do Tesouro e do que entra em termos de
ativo imobiliário." Isso exige dos profissionais muito
esforço. "E um esforço qualificado porque se traduz em
economia concreta dos dispêndios do erário."
Todo passivo patrimonial e
imobiliário do Estado é da ordem de R$ 6 bilhões. Graças à
atuação dos procuradores, metade desse valor está suspenso e, nos
casos novos, houve uma redução de mais de 500 milhões de reais,
inclusive graças ao intenso trabalho das Procuradorias Regionais,
da Procuradoria de Brasília e da troca de experiências e
informações com a PPI . Sebastião Staut recorda que havia no
Estado uma indústria da indenização. "Isso foi sendo
mitigado, revertemos essa tendência."
Na mídia
– Uma das muitas ações polêmicas que tramitam pela PPI
refere-se ao licenciamento ambiental do Rodoanel. Staut conta que o
Estado de São Paulo foi réu em ação civil pública proposta pelo
Ministério Público perante a Justiça Federal, que pretendia
deslocar a competência do licenciamento para o Ibama. "Nesse
caso, nós defendemos, com êxito, a competência do órgão
estadual para tal atividade, preservando o Sistema Nacional do Meio
Ambiente, o regime federativo e também os interesses ambientais
envolvidos, posto que acreditamos estar o órgão estadual (SMA)
melhor aparelhado para o licenciamento."
|
|
|
|
Pedro
Ubiratan chefia a equipe da PPI que conta com 17 procuradores.
Dentre eles: Guilherme Purvin, Yara Scudero, e Sebastião
Staut (da esquerda para direita) |
O procurador Guilherme José
Purvin de Figueiredo destaca algumas ações de grande repercussão
na grande imprensa, como a que trata das obras de aprofundamento da
calha do Rio Tietê na região metropolitana de São Paulo e da
proteção das áreas de mananciais no entorno das Represas Billings
e Guarapiranga – que dizem respeito ao direito de acesso à água
potável para milhões de pessoas e, ao mesmo tempo, envolvem outro
direito igualmente relevante, o de moradia das populações que
habitam irregularmente essas regiões. E há outras, até
peculiares. "Lembro de uma ação indenizatória muito curiosa,
intentada por uma empresa paranaense, que alega que "onças
paulistas" têm atacado os bois de fazenda de sua propriedade.
Como é que os advogados chegaram à conclusão de que as onças
são de "propriedade" do Estado de São Paulo é um
mistério a ser ainda desvendado", diverte-se Purvin, Chefe da
1a. Subprocuradoria da PPI. "Ou uma
outra, em que os autores pedem a restituição de um papagaio
apreendido pela Polícia Ambiental, alegando que os seus filhos se
apegaram tanto ao papagaio que sofreram abalo psicológico com a
apreensão. Lembrando-me da garotinha do filme "Procurando Nemo",
fico me perguntando se não é caso de interpor um mandado de
segurança em favor do papagaio submetido ao cativeiro",
brinca.
Demandas – O contencioso
imobiliário representa grande parte da demanda da PPI. Dos cerca de
7 mil processos em andamento nessa Procuradoria, mais de 4.500 são
da área imobiliária. Reintegrações de posse, usucapião,
retificações de registro imobiliário, mandados de segurança,
ações civis públicas, desapropriações demandam muita
disposição e tempo para atender ao público e às consultas do
Executivo.
Se a emergência é uma
marca da PPI, o longo tempo de duração das ações também é uma
característica. "Estamos em fase de pagamento, de
complementação de precatórios em relação aos vários planos
econômicos, das ações de desapropriação do aeroporto de
Guarulhos, que aconteceu em 1982", conta a procuradora Yara
Escudero Paiva, que atua nesta área há 15 anos e tem 21 anos de
PGE. Yara era da PA 1 que foi absorvida pela PPI em 2002; há dois
anos e meio está na chefia da 2a.
Subprocuradoria. "Trabalhei no Grupo de Estudos do Contencioso
Imobiliário. Gostei de tudo que fiz na PGE. Achei que aqui seria
mais tranqüilo, mas não. A diversidade de assuntos é
enorme", descreve a procuradora. "Tem coisa que a gente
nem aprendeu na faculdade, que os professores falavam que a gente
nunca ia mexer. Pois bem, aqui a gente mexe."
Yara está envolvida com uma
ação discriminatória que a obrigou a pesquisar a legislação
imperial para afastar a posse dos particulares sobre os imóveis
devolutos, antes do Código Civil de 1916, visando a regularização
do domínio público. "Tenho que checar a história do imóvel
para saber porque ele veio para o patrimônio do Estado",
conta. E isso não é incomum para ela que, apesar de sofrer com sua
rinite, vê-se obrigada, por vezes, a manusear processos muito
antigos, empoeirados, cheios de mofo e até carcomidos pelo tempo.
"É um trabalho de pesquisa histórica. Numa ação do Pontal
do Paranapanema, tive que voltar até 1856, fazer um levantamento
fotográfico, para fundamentar os recursos e provar ao Tribunal que
não havia apossamento nessa época", explica a procuradora.
Advocacia plena – Colocar o pé na
estrada também faz parte da rotina dos procuradores da PPI. Sua
atuação metropolitana obriga o deslocamento para grande parte dos
municípios de compõem a Grande São Paulo. "Hoje, viajo no
mínimo duas vezes por semana para Guarulhos para atender despachos
judiciais referentes a aproximadamente 3 mil ações
expropriatórias relativas a desapropriações para a instalação
do Aeroporto de Cumbica", diz o procurador Ademilson Pereira
Diniz, um dos mais antigos na carreira que abraçou em 1980.
"Iniciei na Procuradoria Fiscal, depois integrei a Corregedoria
onde fiquei por aproximadamente cinco anos, vindo depois, acho que
em 1993, para a Procuradoria do Patrimônio Imobiliário, onde estou
até hoje."
|
|
|
A PPI
está instalada num antigo prédio na Praça da Sé. Sete dos
10 andares são ocupados pelos procuradores que contam até
com laboratório de geoprocessamento |
Ademilson destaca o perfil
de advocacia plena da PPI. "Nossos prazos correm em comum com
os da outra parte, não temos o benefício da intimação pessoal, e
os juízes dos feitos acompanhados pela PPI, nas comarcas da Grande
São Paulo, na sua grande maioria não entendem as dificuldades que
temos para cumprir um ou outro despacho e levam o princípio da
isonomia processual muito a sério, indeferindo pedidos de dilação
ou de restituição de prazo ou adiamento de audiência." Tanta
correria faz com que, muitas vezes, os procuradores tenham que
percorrer as grandes distâncias entre as comarcas com seus
próprios recursos. "Pois, se é certo que se dispõe de um
veículo oficial, as necessidades superam sua disponibilidade."
Para ele, essas e outras
dificuldades fazem parte do dia-a-dia da PPI e agradam. "Essa
Procuradoria guarda o sabor de uma advocacia verdadeira, agradável
para aqueles que, como eu, ainda gostam de ir ao Fórum, encostar o
umbigo no balcão, compulsar volumes de autos e, quiçá, lançar
cotas de próprio punho nos autos."
Para descrever a gama de
situações a que um procurador da PPI está exposto, Ademilson
lembra o caso de um casal de velhinhos. "Abandonados por todos,
ocupavam uma pequena moradia localizada num imóvel desapropriado
para a instalação de uma escola pública, mas que não foi
atingida pela construção, e ali ficaram por décadas, sem que
fossem molestados. Até que foi necessária a utilização daquele
resto de terreno e tivemos de propor a ação de reintegração.
Então, surgiu o impasse: o Oficial de Justiça, condoído, levou o
fato ao Magistrado que recolheu o mandado de liminar concedida e
exigiu assistente social, local para acomodar o casal etc...
alongando o desfecho da causa, obviamente por motivos
compreensíveis, apesar de não-jurídicos."
Na PPI é assim, tempo e
espaço se cruzam e exigem dos procuradores um trabalho exemplar na
defesa do patrimônio público, sem perder de vista, é claro, o
bem-estar da sociedade.
Raio-X
da Procuradoria do Patrimônio Imobiliário
Atuam
na PPI, 17 procuradores: sete na 1ª Subprocuradoria
Ambiental, oito na 2ª Subprocuradoria Imobiliária e dois
na chefia.
São
7 mil processos em andamento que abarcam todo passivo
patrimonial e imobiliário do Estado, o que corresponde a um
estoque de dívida de cerca de 6 bilhões de reais. Mais da
metade desse valor está suspenso e a atuação dos
procuradores da PPI já garantiu a redução desse montante,
nos últimos dois anos, em cerca de 500 milhões de reais.
Para ter uma idéia da dimensão disso, a arrecadação da
dívida ativa do Estado é da ordem de 400 milhões de
reais.
A
PPI investe alto em tecnologia. No 8º andar do prédio da
Praça da Sé funciona um laboratório de geoprocessamento:
ferramenta importante para melhorar a defesa do Estado. |