ASSOCIAÇÃO DOS PROCURADORES DO ESTADO DE SÃO PAULO


 


Crônicas da Procuradoria


Os espiões da Suprema Corte

Em meados do ano de 1985, no apagar das luzes do governo militar, assumimos a Chefia da Procuradoria do Estado de São Paulo em Brasília. Sabíamos da nossa responsabilidade e das dificuldades que iríamos enfrentar, pois a Procuradoria, no começo do Governo Franco Montoro, acabara de ser surpreendida com a decretação do seqüestro das rendas públicas do Estado de São Paulo.

E essa responsabilidade ganhava proporções, tendo em vista o volume das causas afetas à Fazenda do Estado. Levantamento empírico feito na ocasião nos dava conta de que as ações envolvendo a Fazenda Pública do Estado de São Paulo somavam 50% do movimento do Supremo Tribunal Federal, com a desqualificação de que 90% dos recursos por ela propostos sequer chegavam a ser conhecidos, além do que somente 5% dos que eram conhecidos, se não estou exagerando, eram providos.

Não podemos esquecer que naquela época era mais fácil recorrer do que justificar a não interposição do recurso da Fazenda Pública do Estado.

Como inicialmente alertei, vivíamos o final do governo militar de João Figueiredo, quando o Serviço Nacional de Informações (SNI) ainda se fazia presente.

Dentre as várias providências tomadas para que a Procuradoria não fosse mais surpreendida por decisões contrárias à Fazenda do Estado, uma consistia em manter plantão permanente em todas as sessões do Supremo Tribunal Federal, nas turmas e no plenário. Em nossa avaliação, essa providência, além de nos manter atualizados sobre as teses jurídicas ali apresentadas, nos colocava a par das novas questões de lei federal suscitadas perante a Suprema Corte, pois a competência do STF era mais abrangente, envolvendo não só a negativa de vigência de tratado ou lei federal, como a unificação da legislação infraconstitucional federal – que era argüida tendo em vista a natureza, espécie , valor pecuniário da causa e a relevância da questão federal. Por essa razão, todas as sessões das turmas e do plenário do Supremo eram acompanhadas por um Procurador do Estado, que dali não arredava pé, do começo ao fim...

As sessões plenárias do Supremo eram sempre assistidas pelos interessados na causa e prestigiadas pela presença de enorme público, tendo em vista os ensinamentos jurídicos que delas se extraía, sem contar o conteúdo jurídico dos votos defendidos pelos seus mais destacados ministros.

Por sua vez, as sessões das turmas só eram presenciadas pelos advogados que iriam fazer sustentação oral ou por aqueles que pediam preferência de julgamento da pauta. Porém, numa ou noutra sessão, lá estava de plantão a figura inabalável do procurador de Estado, em permanente vigilância, até o final julgamento dos processos. Alguns deles se destacavam até pelo porte militar...

Pois bem, soubemos mais tarde que os ministros da Suprema Corte, apesar de não se sentirem incomodados, começaram a ficar intrigados com a presença constante daqueles estranhos plantonistas que marcavam presença em todas as sessões do Tribunal. Qui prodest, indagavam, em bom latim.

Os dias se passaram, e mais tarde em conversa amigável com um deles soube que era voz corrente na casa a suposição de que se tratava de agentes do Serviço Nacional de Informações, verdadeiros espiões, infiltrados nas sessões para dedurar as tendências liberais dos membros da Suprema Corte do país. O pior é que, após prestar os devidos esclarecimentos e nos divertirmos com o episódio, notei um certo ar de desapontamento na fisionomia do meu interlocutor. Ficou, então, uma dúvida atroz, para a qual nunca obtive uma resposta convincente: será que, após ouvir os meus esclarecimentos, os ministros da nossa Excelsa Corte se sentiram desvalorizados, melhor dizendo, diminuídos no prestígio que supunham desfrutar dos detentores do Poder ? Só o tempo poderá responder...
_____________________________________________________________________
José Chizzotti é procurador do Estado aposentado e ex-procurador chefe
 
da Procuradoria do Estado de São Paulo em Brasília


Envie seu artigo!


A seção “Crônicas da Procuradoria” já é um sucesso. 
Participe você também, enviando seu artigo. 
O endereço eletrônico da seção é jornaldoprocurador@apesp.org.br

 

.

E

[1] [2] [3] [4/5] [6] [7] [8]

F