Defesa de
agente público
não é função de procurador
O governador
Cláudio Lembo apresentou, em 10 de maio, à Assembléia Legislativa
de SP, o Projeto de Lei Complementar n° 33/2006, que altera a Lei
Orgânica da PGE, incluindo como atribuição do procurador do
Estado: "representar, mediante requerimento expresso, as
autoridades do Poder Executivo e das entidades autárquicas do
Estado, exceto das universidades públicas, nas ações judiciais e
processos administrativos de que sejam partes em razão de atos
praticados no exercício regular do cargo ou função, desde que em
consonância com as orientações gerais ou especificas do
respectivo órgão jurídico". O PLC encontra-se atualmente na
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
A polêmica
proposta foi remetida ao governador pelo procurador geral do Estado,
Elival da Silva Ramos. "A PGE vem, ao longo de várias
décadas, procurando ser o órgão responsável pela orientação
jurídica do Estado. Nenhum administrador deixará de consultá-la a
partir de uma legislação como essa, porque ele sabe que terá
adversários em qualquer decisão polêmica", justificou. O
procurador geral diz ainda que a aprovação do PLC viabilizaria o
trabalho dos procuradores em alguns setores, onde atualmente não se
tem uma atuação consultiva adequada, como por exemplo na área
tributária.
Na sua exposição
de motivos, Elival Ramos utiliza como paradigma a Lei n° 9.028, de
12 de abril de 1995, que em seu artigo 22, define: "cabe à
Advocacia-Geral da União, por seus órgãos, inclusive os a ela
vinculados, nas suas respectivas áreas de atuação, a
representação judicial dos titulares dos Poderes da República
(...) concernente a atos praticados no exercício de suas
atribuições institucionais ou legais (...)". O referido
artigo é alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade,
proposta pelo Conselho Federal da OAB, que não teve até o momento
o seu mérito julgado.
O PLC foi analisado
pelo Conselho da PGE (Processo CPGE n° 4092/2006) e rejeitado pela
maioria dos conselheiros. "Ouso discordar integralmente da
proposta de alteração de nossa Lei Complementar (...). Aceitando o
procuratório do agente público, estaria o procurador do Estado
atuando como advogado privado – ainda que remunerado pelo erário
– em ações envolvendo o ente público, o que, a par das
evidentes implicações éticas dessa confusão, resultaria numa
eventual ineficiência na defesa de um dos clientes, visto que nem
sempre as alegações que convém a um servem a outro", votou o
conselheiro Carlos Toledo.
Para o conselheiro
Jivago Petrucci, existem "intransponíveis empecilhos de ordem
constitucional para a aprovação da alteração proposta. (...)
Quando o texto constitucional fixa como atribuições das
Procuradorias dos Estados a representação judicial e a consultoria
jurídica das unidades federadas está circunscrevendo, com tinta
indelével, a atividade de todo e qualquer procurador do Estado à
defesa do interesse público, à representação judicial e à
consultoria jurídica da pessoa jurídica de direito público
interno. Não há espaço, pois, para atribuir à instituição a
defesa de interesses privados, ainda que diretamente relacionados ao
exercício de uma função pública".
A conselheira Ana
Rinaldi, relatora do processo, votou favoravelmente à proposta:
"Com efeito, todos os agentes políticos e públicos terão bem
claro o fato de que, se agirem em conformidade com a orientação
fixada pelo órgão jurídico, terão a garantia de pela PGE terem
seus atos defendidos em juízo ou administrativamente (...).
Ademais, é a meu ver medida de justiça. Não é razoável que
alguém que tenha de contratar em nome próprio a defesa do ato
praticado exclusivamente em razão do cargo ou função
ocupado".
Elival da Silva
Ramos afirma não ter nenhuma dúvida quanto à constitucionalidade
do projeto de lei. "A relação atual prevê a representação
dos Estados e a consultoria jurídica (para o Executivo) e ela nunca
foi entendida por nós como algo que inviabilizasse outras
atribuições correlatas", afirma. Para o ex-procurador geral
Estado Márcio Sotelo Felippe, o projeto é "inconstitucional e
desfigura completamente a Procuradoria. O agente público pode se
sentir estimulado a praticar irregularidade, já que deixa de sofrer
certo ônus por isso", afirmou em recente entrevista ao jornal Folha
de S. Paulo (edição n° 28.213, de 02/07/2006).
Saiba
com votou o Conselho da PGE
Contra
A favor |
Carlos
Toledo
Ana Rinaldi |
Cíntia Orefice
José Renato |
Jivago Petrucci
Luiz Avólio |
José Alexandre
Campos
Sérgio D’Amico |
Maria Inez Vanz
Silvia Furtado |
Maria Luisa
Grieco |
Rogério Pereira
da Silva |
Saiba
com votou o Conselho Assessor da APESP
Contra
A favor |
Ada Pellegrini
Grinover
Fernanda Dias Menezes de Almeida |
Ana Cristina
Leite Arruda |
Carmen Lúcia
Brandão |
Nilson
Berenchtein Júnior |
Tânia Henriqueta
Lotto |
PLC foi encaminhado à Alesp sem apreciação do Conselho
O procurador geral
encaminhou o PLC n° 33/2006 ao governador e este à Assembléia
Legislativa, antes mesmo de o processo ter seu trâmite ordinário
finalizado no Conselho da PGE. A exposição de motivos do
procurador geral ao governador é de 09/05/2006, sendo que o envio
à Assembléia ocorreu em 10/05/2006. No Conselho da PGE, a proposta
de alteração legislativa deu entrada em 10/05/2006, mesma data em
que o processo foi entregue à conselheira relatora Ana Rinaldi, que
o colocou na ordem do dia na Sessão Ordinária de 1º/06/2006.
"Sou obrigado,
em qualquer mudança de estrutura da Procuradoria, a encaminhar o
assunto ao Conselho. No mesmo dia que encaminhei o projeto ao
governador, também encaminhei ao Conselho. Cheguei a dizer ao
governador que se podia esperar cerca de 30 dias, prazo médio de
uma manifestação do Conselho. Porém, o governador – por
decisão própria – resolveu encaminhar imediatamente",
relembrou o procurador geral.
Para alguns
conselheiros, o episódio denotou descaso com um órgão superior da
Instituição, que tem desempenhado papel fundamental em decisões
de interesse da carreira. O conselheiro Carlos Toledo, em seu voto
contrário ao projeto, protestou: "Essa discordância se coloca
de forma um tanto desconfortável, por inócua, em razão do
trâmite aqui adotado: primeiro leva-se o projeto ao governador,
depois se colhe a opinião do Conselho. É certo que a competência
do colegiado é opinativa, mas no presente caso, ela acabou reduzida
a menos que isso, pois opinar sobre um fato consumado chega a ser
uma perda de tempo".
APESP
referenda posição contrária ao projeto
Por se tratar de um
tema controverso, a diretoria da APESP, cumprindo o artigo 13, item
3, do seu Estatuto – pelo qual compete à diretoria da entidade
"manifestar oficialmente a opinião da classe, nos assuntos
relevantes de interesse desta, ouvido o Conselho Assessor" –
consultou esse órgão, que se pronunciou contrário ao PLC n°
33/2006. Dessa forma, por votação unânime de seus diretores, a
APESP referendou a opinião da maioria do Conselho Assessor "de
que essa nova atribuição não fortalece a PGE e nem se concilia
com o interesse público. Sendo assim, lutaremos pela rejeição do
projeto na Assembléia Legislativa", comenta Marcos Nusdeo,
presidente da entidade.
"A nosso ver,
não é atribuição constitucional do procurador de Estado a defesa
de agente público, seja ele autoridade ou mero servidor público
(...). Espero, com as informações aqui alinhavadas, poder
contribuir para que as conclusões da diretoria naveguem no sentido
de não ser possível a atribuição que se pretende conferir aos
procuradores do Estado, por meio da alteração de sua Lei
Orgânica, visto que a norma constitucional vigente é vinculante e
cogente, permitindo que suas atribuições tenham relação somente
com a representação da unidade federada", afirmou Tânia
Henriqueta Lotto.
Para Ada Pellegrini
Grinover, "a permissão da Constituição Estadual, no sentido
de a lei atribuir outras funções, que não as expressamente
definidas à PGE, não pode abranger aquelas que escapem de suas
funções institucionais (...). O procurador de Estado, ainda
institucionalmente, é encarregado da advocacia pública, que não
pode se confundir com a advocacia privada, como o é a defesa dos
interesses do servidor. (...) Poderá surgir conflito de interesses
entre a representação judicial do Estado e a defesa do servidor
processado".
Ana Cristina Leite
Arruda entende que "as alterações propostas são contrárias
aos esforços da APESP no sentido de fortalecer a Instituição, bem
como a luta de todos nós para torná-la independente",
lamentando que "a postura do procurador geral do Estado, que
não submeteu a questão a uma discussão interna da carreira,
principalmente considerando que a alteração muda o perfil da PGE,
trilhando caminho contrário à independência a ao fortalecimento
da Instituição". Carmen Lúcia Brandão e Nilson Berenchtein
Júnior manifestaram-se concordando com o voto dos conselheiros
Carlos Toledo e Jivago Petrucci.
O voto favorável
ao PLC foi proferido por Fernanda Dias Menezes de Almeida, que
defendeu: "Sem desrespeito aos que, preocupados, por certo, com
a reverência devida aos comandos constitucionais pertinentes e com
a preservação do interesse público, hostilizam o projeto de lei
em causa, permito-me alinhar-me aos que não vêem óbice de
natureza constitucional ao seu acolhimento, nem preterição do
interesse público em benefício de interesses particulares" (leia a íntegra dos votos no site da APESP
<www.apesp.org.br>).
|