Não é de hoje que os
procuradores do Estado vivem no embate por uma política
remuneratória justa. Fora alguns períodos, essas dificuldades
fizeram parte do cotidiano dos procuradores durante quase toda sua
história.
Quando José Francisco Lopes
de Miranda Leão entrou na PGE, em 1981, na Procuradoria Fiscal, o
sistema de remuneração era muito parecido com o de hoje: verba
honorária triplicada mais a tabela fixa. "Ou melhor, como
deveria ser, porque hoje tem esse tal de limite. Em 1986 houve uma
modificação, quando entrou em vigor a atual lei orgânica da
Procuradoria. O chamado ‘triplique’ da verba honorária foi
substituído por uma tabela maior. Era época do Plano Cruzado. Com
estabilidade monetária, o sistema até seria razoável, porque o
aumento dado na parte fixa compensaria a redução do ‘triplique’",
analisa Miranda Leão, que foi o primeiro secretário-geral do
SindiproesP (1989-1992) e presidente da entidade por outras duas
gestões (1992 a 1996). Miranda Leão lembra que, quando a
inflação voltou, comia muito da parte fixa dos vencimentos.
"Começamos a ganhar cada vez menos. Depois de muita briga, o
sistema de triplique da verba acabou voltando e nesse primeiro
momento isso foi útil". Com o tempo, os procuradores
alcançaram a magistratura e até ultrapassaram. "Segundo o
gabinete do procurador-geral, começaríamos a ganhar mais que juiz
e promotor, e isso seria muito mal visto. Então introduziram esse
tal de corte: atingida a mesma remuneração das outras carreiras, o
que sobrasse ficava como resíduo de arrecadação para o mês
seguinte". Segundo ele, a regra, do jeito que está hoje, já
seria razoável se fosse cumprida: "Arrecadou? Mais três
vezes, distribui para todo mundo e acabou".
Para Dirceu José Vieira
Chrysostomo, procurador de Ribeirão Preto que entrou na carreira em
1980, um bom período foi o início da década de 90, quando o valor
da verba honorária passou a ser bem significativo.
"Alcançamos a efetiva equiparação remuneratória com as
outras carreiras jurídicas. A partir de 94 tivemos isonomia, a
mesma remuneração das outras carreiras jurídicas, inclusive o
resíduo da verba honorária." Essa situação, de acordo com o
procurador, perdurou até o início de 95, quando o governo Covas
assumiu e determinou o corte daquele pagamento de resíduos, e não
houve mais distribuição. "Os resíduos ficaram acumulados.
Hoje temos vários procuradores que moveram ação contra o Estado,
porque são honorários com base no que é arrecadado pelo Estado e
que a lei determina que são dos procuradores, mas que não nos
foram repassados."
Dirceu Chrysóstomo, que foi
procurador-geral do Estado de 1992 a 1994, e hoje é vice-presidente
da Apesp, é favorável a um sistema próximo ao do início dos anos
90. "Nós somos uma das poucas carreiras do Estado cujo
vencimento depende da nossa produtividade. Do nosso trabalho a gente
consegue fazer uma arrecadação boa para o Estado e boa para
nós".
Na opinião de Marcelo de
Aquino, da Procuradoria Judicial e conselheiro eleito da PGE no
biênio 1995/1996, desde meados de 1994 a verba honorária tem
permitido manter o padrão remuneratório dos procuradores do Estado
em níveis aceitáveis, embora não ideais: "Se estivéssemos
na dependência exclusiva da iniciativa legislativa do governador,
estejamos certos de que a nossa situação remuneratória seria
precária". Para o futuro, de acordo com Aquino, os
procuradores deveriam buscar alternativas para restabelecer a
natureza jurídica da verba honorária há algum tempo
descaracterizada, e se libertar "dessa ficção jurídica
chamada triplique". Para isso, sugere, seria necessário um
projeto de lei para revalorização do salário-base. "Desse
modo, a verba honorária seria suficiente para complementar a nossa
remuneração, garantindo a paridade com os membros da Magistratura
e do Ministério Público, sem as dificuldades atuais."
A difícil caminhada –
A paridade remuneratória pela qual se luta há quase cinco anos é
resultado de muita mobilização da carreira. O diretor da Apesp
Marcos Nusdeo lembra que todo esse pesadelo começou em setembro de
2000, quando a Magistratura e o MP tiveram reajuste de 38%.
"Esperava-se que os procuradores também recebessem esse
reajuste, lastreado na sistemática então em vigor, pela qual os
valores da verba honorária arrecadados e não pagos nos anos
anteriores ficariam guardados na Secretaria da Fazenda para serem
utilizados quando houvesse aumento para as demais carreiras
jurídicas. Naquele momento, o Governo rompia, unilateralmente, a
sistemática por ele mesmo criada."
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Os
procuradores manifestaram sua insatisfação com a questão
remuneratória da carreira, inúmeras vezes e de forma
contundente nos últimos anos, em atividades, assembléias
lotadas e nas reuniões do Conselho.
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Uma grave crise instalou-se
e um sentimento de desânimo e indignação tomou conta da carreira.
Num primeiro momento, confiaram na palavra da procuradora-geral do
Estado, que afirmou que "conversaria" com o governador e
que a questão seria logo resolvida. O tempo passou e nada
aconteceu. Em meados de 2001, a carreira percebeu que a paridade
não viria e que seriam necessárias outras formas de luta. Em 7 de
junho de 2001, uma grande mobilização foi realizada, com uma
jornada de paralisação e protesto. Os procuradores mostraram que a
bandeira da paridade não havia sido esquecida. "Infelizmente,
o comando da instituição não ficou do lado dos procuradores e a
crise não se resolveu", recorda Nusdeo. A carreira assistia a
um final de um ano melancólico, com uma defasagem remuneratória de
mais de 30% em relação às demais carreiras jurídicas. Todavia,
trocou-se o comando da instituição, de modo que algumas
esperanças renasceram.
O atual procurador-geral do
Estado assumiu, em dezembro de 2001, informando ao Conselho da PGE
que tinha firmado com o governador uma sistemática para a
honorária segundo a qual ela seria reajustada anualmente, de acordo
com a média da arrecadação do ano anterior. "Era um avanço:
o PGE exigiria do Governo o cumprimento de uma sistemática. Em
abril de 2002, após muita pressão e mobilização, foi anunciado
um reajuste de cerca de 28% na verba honorária", destaca
Nusdeo.
Segundo informou o
procurador-geral, nesse primeiro momento a verba honorária foi
reajustada pela média de sua arrecadação entre junho de 1998
(data da entrada em vigor da Emenda Constitucional n° 19) e 31 de
dezembro de 2001, expurgados valores excepcionais altos e baixos.
Ressalte-se que nesse período, a média mensal real de
arrecadação da verba (sem desconsiderar meses de arrecadação
excepcionalmente alta ou baixa) foi cerca de 32% maior do que a
média anunciada.
Naquele mesmo ano, dois
meses depois, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei nº 10.474,
que concedeu aos magistrados e membros do Ministério Público
federais um aumento de cerca de 15%. Esse aumento logo foi repassado
para os membros da Magistratura e Ministério Público estaduais e a
carreira voltava, no segundo semestre de 2002, à situação
anterior, precisando de mais 30% para recuperar a perdida paridade
remuneratória.
Novas mobilizações
– Entre outros eventos, os procuradores participaram da
Assembléia Geral Extraordinária da Apesp e decidiram
democraticamente que a luta deveria prosseguir até se reconquistar
a paridade remuneratória com as demais carreiras jurídicas, e não
por qualquer aumento.
Chegou o ano de 2003.
"Aguardávamos o cumprimento da sistemática. A arrecadação
da verba honorária de 2002 foi altíssima, sobretudo em razão de
anistia de débitos concedida pelo Governo", conta Marcos
Nusdeo. A diretoria da Apesp fez minucioso cálculo e apurou que a
arrecadação daquele ano superou em cerca de R$ 72 milhões o valor
anual projetado, configurando um aumento de quase 44%. Se fosse
cumprida a sistemática, o percentual de reajuste da verba em 2003,
deveria também ser de quase 44%. "Como, para se recuperar a
paridade com as demais carreiras jurídicas, seria suficiente, em
média, um índice de 33%, a carreira até aceitaria um aumento
menor do que a arrecadação real, exatamente para se recuperar a
paridade e o saldo poderia ficar guardado para o ano seguinte. Em
2003, com quase dois anos e meio de atraso, poderíamos ter
reconquistado a paridade remuneratória", ressalta o presidente
da Apesp, José Damião.
Mas não foi o que
aconteceu. Após tensas conversas, foi anunciado um reajuste de
11,7% sobre a verba. Segundo argumentou o PGE, a arrecadação de
2002 foi "inflada" pela anistia fiscal concedida, fato que
não se repetiria em 2003. Por essa razão, o valor total arrecadado
não poderia servir de parâmetro para reajustar a verba daquele
ano. "Os procuradores não concordaram com o argumento. Seria
perfeitamente possível fixar-se o percentual de 33% e se, ao longo
de 2003, a arrecadação fosse insuficiente, ainda sobraria uma
parte significativa do resíduo de 2002", descreve o presidente
da Apesp. O PGE não aceitou essa argumentação e os procuradores
tiveram de aceitar o expurgo dos valores relativos à anistia.
A defasagem com as demais
carreiras jurídicas era, nessa época, de cerca de 15% – para o
nível V chegava a 21%. Em grande assembléia geral extraordinária
da Apesp, em 23 de maio de 2003, os procuradores reafirmaram que a
luta deveria continuar até a reconquista da paridade.
Chegou o ano de 2004 e o
prognóstico de baixa arrecadação não se confirmou: não se
consumiu o saldo de 2003 e ainda houve um aumento de mais de 9
milhões de reais em relação à arrecadação projetada. O saldo
acumulado, agora de mais de R$ 80 milhões, permitiria – e com
sobras – o retorno da paridade remuneratória com as demais
carreiras jurídicas. "Todavia, o governo do Estado, em
flagrante desrespeito à sistemática por ele mesmo implantada,
concedeu reajuste zero aos procuradores", lembra Marcos Nusdeo.
Defasagem salarial
- A situação se agravou. Os procuradores do Estado são, de acordo
com a Constituição de 1988, junto com os integrantes das demais
carreiras jurídicas, essenciais à Justiça. Essa igualdade foi
reafirmada pela Emenda Constitucional n° 41, que estabeleceu para
todas as carreiras jurídicas estaduais o mesmo subteto
remuneratório. "Não recuperar a paridade indicaria que, para
o governo estadual, somos mesmo uma carreira jurídica de segunda
classe – o que só poderia acarretar desestímulo e evasão de
colegas, prejudicando muito a defesa do interesse público",
afirma José Damião.
Foram realizadas duas
memoráveis assembléias: a primeira em 4 de junho e a segunda em 28
de junho de 2004. Em ambas foi reafirmada a bandeira da paridade
como a única a ser perseguida. No intervalo entre elas surge uma
possibilidade de negociação: o secretário-chefe da Casa Civil,
Arnaldo Madeira, juntamente com o procurador-geral do Estado,
recebeu representantes da Apesp e do SindiproesP. "Para nossa
surpresa ficamos sabendo que, para o procurador-geral, no ano de
2004 a revalorização da verba honorária não era a prioridade e
sim a nomeação dos novos colegas e a revalorização do PIQP dos
servidores da PGE. Discordamos veementemente dessa postura, pois
sabíamos que mesmo havendo prioridades anuais específicas, elas
não deveriam impedir o cumprimento de uma sistemática já
acordada", destaca Damião.
Novos atos de protesto: em 5
de agosto, o dia do silêncio no Conselho da PGE e, seis dias
depois, uma jornada com ato público na Avenida Liberdade, em frente
à PAJ. O procurador-geral do Estado voltou a garantir que a
sistemática estava em pleno vigor e que seria cumprida no ano
seguinte. Mais ainda: afirmou expressamente que, ao concordar com o
"reajuste" zero de 2004, teria se tornado
"credor" do Governo para, em 2005, pleitear a volta da
paridade "de uma só tacada". A pressão da carreira e o
empenho dos dirigentes da sua entidade de representação conduziram
a esse aumento anunciado em julho deste ano. "Desde o ano 2000,
os procuradores estão lutando. Lutaram sempre. Nunca deixaram de
entoar a bandeira da paridade nem se acomodaram", afirma o
presidente da Apesp.
Para o futuro
– Apesar da tardia conquista da paridade até o Nível IV, a
situação está longe de se consolidar. Recentemente, o Congresso
Nacional aprovou projetos de lei enviados pelo STF e pelo
procurador-geral da República fixando subsídios dessas carreiras,
inclusive com aumento já projetado para 2006. "Assim, já
estamos retomando a luta por "nova" volta da paridade
remuneratória. Se a sistemática está mesmo em vigor – e o
procurador-geral afirma isso com todas as letras – o saldo da
verba dos primeiros seis meses deste ano está fabuloso, o que
certamente nos dará lastro para pleitearmos idêntico
aumento", avisa Damião.
O número de níveis da
carreira também deve ser rediscutido. Tanto a Magistratura quanto o
Ministério Público estaduais remeteram à Assembléia Legislativa
projetos de lei que reduzem de seis para cinco os níveis funcionais
de suas carreiras. "Se quisermos continuar lutando pela
paridade e manter os atuais paradigmas, teremos de pensar em
estrutura funcional semelhante", destaca Marcos Nusdeo.
E, principalmente, a
carreira deverá debater a atual sistemática da verba honorária.
Para o presidente da Apesp, se fosse sempre mantida e cumprida,
dificilmente haveria problemas. "Eis que graças à dedicação
e empenho dos procuradores, a verba honorária, assim como a
arrecadação, sempre cresceram nestes últimos anos. Mas o tempo e
a história têm-nos ensinado que muitas vezes a Administração
não reconhece o trabalho dos procuradores."