Parece que as águas de
março levaram de roldão ao menos uma parte da esclerose que obstruía as
artérias do parlamento do país: ainda atordoado com a derrota que lhe
impusera o "baixo clero", o governo federal foi, literalmente,
surpreendido com a decisão do novo presidente da Câmara dos Deputados de
colocar em pauta a PEC "paralela" da Previdência – matéria
postergada desde o final de 2003 e que, se dependesse da bancada governista,
não iria jamais a voto.
Com sua "base"
momentaneamente desnorteada, os governistas assistiram, cindidos e
estarrecidos, a Câmara aprovar no dia 16 de março, com rapidez inaudita,
aquela PEC que desfaz parte das maldades cometidas contra os funcionários
públicos pela anti-reforma palaciana da Previdência. A perplexidade e as
ameaças de "desobediência" eram tantas que o partido governante,
malgrado a importância da votação, foi obrigado a "liberar" o
voto de seus deputados – naquela conjuntura, "fechar" a questão
novamente redundaria em matemática desmoralização.
Trincar de dentes na Granja
do Torto, comemoração de nossa parte: a PEC "paralela" confirmou
a paridade do teto remuneratório entre desembargadores e procuradores do
Estado, introduziu a paridade de reajustes entre servidores ativos e
aposentados e tornou um pouco menos cruentas as condições para a
aposentadoria dos servidores que ingressaram jovens no mercado de trabalho.
Claro: palacianos caninos e governadores com cérebros de guarda-livros
tentarão a desforra no Senado. Que venham, os servidores públicos, de sul
a norte, já estamos afiando novamente as unhas!
As mesmas águas de março
também restituíram algo de vida própria à Assembléia Legislativa de
São Paulo: a antiga, monótona e "sólida" maioria do palácio
dos Bandeirantes (ainda mais pétrea do que aquela do Palácio do Planalto)
viu seu granito inesperadamente trincar. Comemoremos também: a cisão (e a
cizânia) da base palaciana estadual, mesmo se vier a revelar-se
epidérmica, melhora um pouquinho as condições de parlamentarmos nessa
casa de parlamentares há tanto tempo dóceis às doces brisas sopradas das
verdejantes colinas do Morumbi.
Águas de março:
impaciência acumulada, irresignação não mais contida, inconformismo
caudaloso capaz de romper barragens aparentemente sólidas, derrubar
estátuas, rasgar caminhos contra todos os estorvos. Que nos tragam, agora
em abril, a longamente esperada paridade remuneratória – real,
verdadeira, completa – com a Magistratura e o Ministério Público. Pois
nós, procuradores, já estamos prestes a transbordar, como maremoto, como
vaga encapelada.
Em maio, comemoraremos. Ou
nada será capaz de conter a inundação.
José Damião de Lima
Trindade
Presidente da Apesp