Momento de refletir sobre
remuneração e ética
Procurador aposentado em
idade provecta, havia programado
encerrar minha modesta folha de
serviços prestados à carreira como vice-presidente
da APESP. Quis, porém, o destino –
se não os deuses, cujos desígnios costumam ser insondáveis –
que nosso presidente, Marcos Nusdeo, fosse
guindado à chefia suprema da nossa carreira e,
como os vices devem viver em permanente stand
by,
pois estão fadados à eventualidade de uma convocação, vim
assumir o compromisso de conduzir a
mais respeitada confraria de advogados públicos do
nosso país, dando continuidade aos trabalhos desenvolvidos
pelos meus antecessores.
Nessa condição, como tive
poucas oportunidades de me comunicar
com os integrantes da carreira,
principalmente com os procuradores nomeados
nos últimos concursos, faço-o nesta oportunidade,
utilizando-me deste espaço tradicionalmente reservado
às falas do presidente da instituição.
Em primeiro aceno, acredito
que, à data da edição deste jornal,
a carreira já terá recebido instruções
para a outorga de procuração ao escritório Ferreira
& Camilo, para a propositura das
ações visando à cobrança dos resíduos de honorários
acumulados e retidos após a Resolução GPG
n.139/2002, tendo em vista o êxito obtido na maioria
das demandas intentadas com o mesmo objetivo,
relativamente aos períodos anteriores.
A matéria foi objeto de
deliberação da primeira reunião da
diretoria da APESP, em conjunto com o
Sindiproesp – representado pelo seu presidente, José
Procópio de Souza Dias e por Ney Duarte Sampaio
–, por tratar-se de assunto de interesse comum
da carreira. Nunca é demais alertar os colegas
para se aprestarem no encaminhamento das
procurações, tendo em vista o início do prazo prescricional,
a partir do próximo mês de março.
Nesta oportunidade,
gostaria, ainda, que os colegas
fizessem uma reflexão sobre o atual momento político
vivido pelas carreiras jurídicas.
Uma avassaladora crise de
valores, decorrente da violação dos
mais qualificados princípios éticos, se abate
sobre a Administração pública, projetando sua
sombra sobre os setores mais hierarquizados dos
três poderes. Na zona de penumbra em que estamos
imersos, vicejam interesses corporativos menores.
Enquanto, no Poder Legislativo, nossos congressistas
projetam aumentos salariais que ultrapassam
aos limites do razoável, no Poder Judiciário, nosso
tão acalentado Conselho Nacional de
Justiça frustra expectativas ao fixar o teto da remuneração
dos seus membros em níveis incompatíveis com
a moralidade administrativa.
A história nos ensina que
sempre que se defronta com um processo
de deterioração político- institucional,
a sociedade civil pode passar da
indignação à ação. Não seria por outra razão que
já se fala na convocação de uma Assembléia Nacional
Constituinte, se não para rever nosso texto
constitucional, pelo menos para promover uma
profunda reforma política e administrativa, capaz
de abolir todas as benesses concedidas aos segmentos
mais privilegiados do setor público, com
destaque para os foros privilegiados e para as imunidades
parlamentares.
Por todo o exposto, sem
abrir mão da defesa intransigente do
interesse público e de dar continuidade à
luta pela paridade remuneratória com as
demais carreiras jurídicas – encetada por José Damião
Trindade e Marcos Nusdeo – estou convencido de
que, diante de tão eloqüente demonstração de
insensibilidade social de nossos homens públicos,
não podemos aplaudir a vertiginosa escalada
salarial urdida nos bastidores dos Poderes Legislativo
e Judiciário.
Por último, diante de
freqüentes notícias sobre a prática
de atos lesivos aos cofres públicos cometidos por
servidores e agentes públicos inescrupulosos, não
posso deixar de convidar os colegas para uma
reflexão a respeito da ampliação das nossas atribuições
institucionais, com vistas ao ressarcimento dos
prejuízos causados ao erário, por meio da
propositura de ações civis públicas, de ações de reparação
dos danos decorrentes de improbidade administrativa,
bem como de ações anulatórias das licitações
públicas fraudulentas.
Muito embora os integrantes
do Ministério Público estejam se
desincumbindo desse mister, tratase de
legítima atribuição de nossos quadros, enquanto advogados
públicos, sem contar que, para ocuparmos
esse espaço, não será preciso deflagrar nenhuma
reforma legislativa ou constitucional, basta
exercitarmos prerrogativas e competências que
já conquistamos e que, sem nenhuma razão plausível,
se encontram adormecidas.
Zelmo Denari
PRESIDENTE DA APESP
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