Diretores da
Apesp reuniram-se com Cláudio Lembo, vice-governador do
Estado de São Paulo, para uma entrevista que se transformou
em uma conversa agradável sobre o Estado brasileiro e as
instituições públicas. A entrevista foi realizada um mês
antes de o governador Geraldo Alckmin anunciar sua candidatura
à Presidência da República.
Quando
você estiver recebendo essa edição de O Procurador,
Lembo, que é presidente do PFL em São Paulo e bacharel em
Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, estará às vésperas de assumir o
governo do Estado pelos próximos nove meses. O
vice-governador já exerceu os cargos de secretário municipal
de Negócios Extraordinários (1974/1979), de Negócios
Jurídicos (1986/1989) e de Planejamento (1993). |
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Com
a desincompatibilização de Alckmin, Cláudio Lembo estará
à frente do governo estadual até o final de 2006 |
Afável, bem-humorado, muito
transparente e incisivo em seus posicionamentos, o vice-governador
não poupou críticas à Faculdade de Direito do Largo São
Francisco, à chamada reforma do Judiciário e aos processualistas
brasileiros. Ressaltou a importância da Procuradoria Geral do
Estado e de instituições públicas bem estruturadas para a
democracia. Ao final desse encontro, o vice-governador recebeu dos
diretores da Apesp um documento em que estão expostas as principais
reivindicações da carreira, necessárias para o fortalecimento da
instituição, e conseqüentemente do Estado e do interesse
público. E destacou: "Gostaria de dizer sobre minha
satisfação em recebê-los. Sinto-me homenageado em poder dialogar
com procuradores do Estado de São Paulo".
O essencial desse encontro
está registrado a seguir.
O Procurador
- Quem é o cidadão Cláudio Lembo?
Cláudio Lembo
- Um paulistano como qualquer um, nada mais do que isso. Estudei
quatro anos no Colégio Anglo Latino, da rua São Joaquim, depois
três anos no Colégio São Luiz, com uma bolsa de 70% que me foi
dada pelos padres jesuítas, a quem sou grato até hoje. Depois
cursei Direito no Largo São Francisco, o que nem sempre me deixa
grato, porque nem sempre a escola me deixou plenamente satisfeito.
O Procurador
- Em que aspectos a Faculdade de Direito não deixou o senhor
satisfeito?
Lembo
- Vários. Primeiro, o ensino não foi o que eu imaginava que
deveria ser. Entrei em 1954 e saí em 1958. Eram anos muito
tumultuados da política brasileira. Havia uma situação
ideológica muito presente e situações de romantismo político.
Havia uma série de pessoas que conflitava de tal forma que não
havia curso. Havia greves contínuas, o que é muito grave em uma
escola. O outro ponto é essa falácia de que a Faculdade de Direito
é uma escola de liberais, uma escola de defensores da lei. O Brasil
está muito cheio de fantasias. É preciso mostrar, particularmente
para a juventude, a realidade. A Faculdade de Direito do Largo São
Francisco nem sempre foi um exemplo de democracia, muito pelo
contrário. Formou os piores autoritários da história do Brasil e,
mais do que isso, formou aqueles que mais foram servis aos
militares. Foram os civis servis.
O Procurador
- Qual a opinião do senhor sobre a chamada Reforma Constitucional
do Judiciário?
Lembo
- Eu achei um fracasso total. Tudo que é feito precipitado, tudo
que é feito a partir de uma emoção popular ou de um
artificialismo criado na opinião pública dá errado. A Emenda
Constitucional nº 45 não tem grande importância para a efetiva
reforma do Poder Judiciário. A reforma do Judiciário passa pela
alteração da lei processual e pela instrumentalização do
Judiciário com métodos modernos de exercício burocrático das
situações. Mas o que foi feito? Foi criado um Conselho fora da
estrutura de poder, cujas decisões não têm eficácia e não são
aceitas, resultando em um conflito ingênuo, pouco sadio, piorando
ainda mais a situação. A reforma do Judiciário foi acima de tudo
uma forma de saciar uma opinião pública que havia sido criada
artificialmente contra o Judiciário.
O Procurador -
Então o senhor acha que o essencial da reforma do Poder Judiciário
é a reforma do processo?
Lembo -
Veja o caso dos processualistas brasileiros. Eles estudaram os
processualistas alemães, os processualistas austríacos e os
processualistas italianos, mas nunca se debruçaram sobre as normas
brasileiras do tempo do Império. O Regulamento 737 diz tudo o que
está se dizendo hoje, como conciliação, mediação etc. Os
processualistas desestruturaram o Regulamento 737 e criaram uma
confusão que ninguém entende. Uma tragédia! A tradição do
direito processual brasileiro foi esquecida. Tomaram uma tradição
européia que é vinculada diretamente aos processos da Santa
Inquisição, que tinha como objetivo manter o réu debaixo do
Juízo o máximo de tempo possível porque havia custas, então
gerava renda. Não é o caso do presente, do mundo contemporâneo.
Deveria ser feita uma profunda reforma no processo, esquecendo os
processualistas, mas chamando os procuradores do Estado, os
promotores, os juízes, os advogados militantes, aí haveria um
grande avanço. Para não dizerem que estou apenas falando, temos
dialogado com o Poder Judiciário para que surja uma eventual
legislação do procedimento do processo do Estado de São Paulo.
Ainda ontem tivemos uma reunião longa com advogados militantes para
levantar pequenas situações práticas que poderiam ser alteradas.
Quando esse trabalho estiver avançado, nós iremos apresentá-lo à
sociedade e ao Poder Judiciário, que nos autorizou a debatê-lo com
os advogados, procuradores etc. Ao mesmo tempo, está em curso na
Assembléia Legislativa – talvez seja um dos primeiros no País
– um projeto de lei sobre a mediação e a conciliação no estado
de São Paulo, elaborado a meu pedido por uma juíza. Então acho
que há caminhos para avançar nesse emaranhado criado pelos sábios
do processo civil.
O Procurador
- Como o senhor avalia o papel constitucional da Procuradoria Geral
do Estado?
Lembo
- Eu vibro muito com as carreiras jurídicas do Estado. Acho que o
Estado deve ter carreiras bem estruturadas, porque só é possível
haver democracia quando há uma burocracia qualificada. Obviamente
que, no caso dos procuradores, não é uma burocracia pura e
simplesmente, mas uma instituição qualificada. Quando não há
órgãos e instituições bem estruturados no Estado, com operadores
aprovados mediante concurso, não há nunca democracia, porque aí
cada governante virá e fará uma desestruturação da mecânica do
Estado. Sou muito simpático a todas as carreiras do Estado,
particularmente aos procuradores do Estado, porque eles dão a
segurança da certeza do direito, isso faz com que o administrador
público, que é limitado no tempo pelos próprios mandatos, possa
ter segurança em exercer a sua função e acima de tudo preservar o
interesse público. O risco é quando os procuradores eventualmente
assumem a posição de administradores. Aí acho que há um
equívoco. Deve haver distinção da função política e da
função jurídica. A função jurídica é acima de tudo dar
coordenadas, não é decidir.
O Procurador
- É possível que o senhor assuma o Governo do Estado por nove
meses. Qual é a marca que o senhor gostaria de imprimir à sua
gestão para que sempre fosse lembrada?
Lembo -
Em primeiro lugar, não será meu governo. Oito meses não é
governo de ninguém, é uma mera circunstância histórica. A marca
do meu governo será a marca Geraldo Alckmin. Irei preservar a
filosofia do governador e as visões administrativas do governador.
Preservar o governo Geraldo Alckmin, ser coerente e respeitoso com a
administração que antecede e mais do que isso com um companheiro
de chapa são marcas pouco comuns no Brasil, que serão
demonstrações de um governo de oito meses diferente. Portanto,
não haverá meu governo, mas será o governo Geraldo Alckmin até
31 de dezembro próximo, se eu vier a assumir o governo.
O Procurador -
A Lei da Defensoria Pública foi recentemente promulgada pelo
governador Alckmin. Como o senhor analisa o papel dessa
instituição?
Lembo -
Eu sou tão simpático à Defensoria e entendo que essa
instituição é tão importante que pedi licença ao governador
Geraldo Alckmin para que fosse editada pela Imprensa Oficial essa
publicação da Lei Orgânica da Defensoria que eu estou entregando
aos senhores. O Estado de São Paulo é um dos últimos a elaborar
ou o penúltimo a elaborar a Lei Orgânica da Defensoria Pública,
mas é uma lei extremamente bem elaborada. A demora valeu pela
qualidade e pela consistência da lei. Creio que a Defensoria
Pública é o que está previsto com muita precisão na
Constituição de 88, no artigo 5º. No anteprojeto elaborado pelos
procuradores, que acabou sendo transformado nessa Lei Orgânica, é
perceptível que o art. 5º da Constituição está presente quase
que na sua amplitude ao tratar das atribuições. A Defensoria era
inevitável. Não podíamos continuar como estava, com um segmento
da Procuradoria prestando Assistência Judiciária. O convênio com
a OAB é inevitável e positivo. Houve antagonismo com relação à
inclusão do convênio com a OAB no texto da lei, mas eu fui
favorável. É preciso haver o convênio como está previsto na Lei
Orgânica. Claro que o Estado tem de tomar as cautelas necessárias
na elaboração do convênio, nos valores etc. Mas é necessário
que a OAB participe, pois pode dar uma boa assistência ao
hipossuficiente.
O Procurador
- Qual é a opinião do senhor a respeito do projeto de lei, em
tramitação no Congresso Nacional, que dispõe sobre revisão da
constituição com quorum reduzido?
Lembo
- A questão é complexa. É um projeto do deputado por São Paulo
Luiz Carlos Santos. Eu não sei como anda a tramitação. O próprio
deputado me disse que está indo muito rapidamente, que tem um clima
muito favorável à aprovação. Nesse caso, teríamos de fazer um
exercício de Direito Comparado. No projeto do deputado há
previsão de revisões cíclicas, a cada dez anos. Portugal tem
alguma coisa parecida, avançou de uma Constituição socialista da
Revolução dos Cravos para uma Constituição equilibrada, que é a
atual Constituição Portuguesa. Eu diria que a reforma
constitucional da forma atual é muito demorada, embora dê
segurança do direito e afaste a fragilidade de mudanças muito
profundas. Porém, vamos ter pela frente, durante o próximo governo
que se iniciará em 1º de janeiro de 2007, algumas reformas
inevitáveis, que são a reforma previdenciária, caso contrário o
Brasil quebrará, e a reforma tributária. Então essa questão da
revisão tem de ser pensada com calma. De 10 em 10 anos haver uma
revisão constitucional mais célere me parece positivo, mas a
questão do quorum precisa ser examinada com cuidado.
(Participaram desta
entrevista os procuradores José Damião de Lima Trindade, Marcia
Junqueira Sallowicz Zanotti, Marcos Fabio de Oliveira Nusdeo e
Marcelo de Aquino)