ASSOCIAÇÃO DOS PROCURADORES DO ESTADO DE SÃO PAULO


 
Entrevista ______________________________________

Reforma deve privilegiar a transparência

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, fala da
 importância de operações como a Anaconda no combate à
 corrupção e defende o controle externo do Poder Judiciário

A Operação Anaconda, deflagrada em outubro passado, como resultado de uma investigação realizada pela Polícia Federal há mais de um ano, captou o indício de conduta criminosa de juízes, advogados, delegados e policiais. Três juízes são acusados de participar do esquema. Anaconda é o nome de uma cobra que tem como característica movimentos lentos, mas que na hora do bote é rápida e precisa. Para o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a operação é motivo de orgulho e deve ser repetida em outros estados. Mas alerta: o Poder Judiciário precisa ser mais transparente e o seu controle externo é uma necessidade.

O Procurador – Como o senhor avalia a Operação Anaconda?

Márcio Thomaz Bastos – Foi um êxito, motivo de orgulho para nós, e deve ser repetida em outros estados. Ela é um dos resultados visíveis do combate à corrupção, em todos os níveis, que estamos levando a cabo no Brasil, como nunca se fez antes. É, também, a demonstração do fortalecimento da Polícia Federal, que passou em 2003 por uma importante reestruturação. O comando do órgão foi descentralizado em sete diretorias, entre as quais a Diretoria de Combate ao Crime Organizado, que inclui as divisões de repressão ao tráfico de entorpecentes, combate ao tráfico de armas ilícitas, aos crimes contra o patrimônio e aos crimes financeiros. Mas é importante lembrar que estas operações não significam que a corrupção aumentou no Brasil e, sim, que está sendo combatida com rigor.

O Procurador Alguns setores da Polícia Federal afirmam que houve quebra da hierarquia durante as investigações. O que o senhor acha disso?

Thomaz Bastos – Não houve nada disso. A corporação está mais fortalecida e atuando de maneira integrada. No caso da Anaconda, toda a investigação contou com o apoio do Ministério Público Federal. É fato que algumas operações têm que ser compartimentadas, mas isso é normal. A atuação de agentes de outros estados é procedimento comum nesses casos. O importante é o volume de outras operações realizadas em 2003 no combate ao crime organizado, como a Operação Águia, com o desmantelamento da maior quadrilha de roubo de carros e tráfico de drogas da região norte do país, em junho, e o desmantelamento, em julho, de uma quadrilha de falsificação de passaportes e lavagem de dinheiro no Rio de Janeiro. Houve também a Operação Sucuri, em março, na fronteira com o Paraguai, quando foi desmantelada quadrilha de contrabandistas que incluía vários policiais federais, a Operação Praga do Egito, em dezembro, que descobriu desvio de mais de R$ 100 milhões na folha de pagamento em Roraima e, agora, a Operação Zaqueu, que prendeu 25 auditores fiscais e empresários em Manaus. A Polícia Federal está atuante e agindo de maneira integrada.

O Procurador A denúncia de juízes que vendem sentenças foi surpresa para o senhor?

Thomaz Bastos – Infelizmente, nenhuma atividade profissional conta com uma categoria livre de eventuais desvios de conduta. O fato de juízes serem denunciados pelo Ministério Público é uma questão que precisa ser enfrentada. Se eles são suspeitos, devem ser investigados e, caso confirmada sua culpa, devem ser punidos, assegurado seu amplo direito de defesa. O que não podemos é generalizar o desvio de função de um juiz para todo o Judiciário.

O Procurador Em que medida o episódio afeta a imagem do Poder Judiciário?

Thomaz Bastos – A Operação Anaconda é uma investigação da Polícia Federal que apurava denúncias de corrupção. Os desdobramentos, que acabaram por envolver integrantes do Judiciário, aconteceram no decorrer das investigações. O fato de a operação resultar na acusação contra um ou dois juízes não pode ser visto como um sinal de que o Judiciário como um todo está corrompido. Mas ele deve, sim, ser mais transparente. O controle externo do Judiciário, proposta que atualmente tramita na reforma constitucional do Judiciário no Senado, é uma necessidade. Mas esta é uma idéia que defendemos há muito tempo, e não tem relação com a Operação Anaconda.

O Procurador Como a Reforma do Judiciário pode contribuir para coibir a corrupção?

Thomaz Bastos – Ela é fundamental para dar maior transparência ao Judiciário, com a criação do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, órgãos que terão como atribuição a fiscalização financeira, administrativa e de desvios de funções de juízes e promotores. O Judiciário é o único dos três poderes da República que não é fiscalizado. Não existe um órgão que possa receber denúncias de má conduta por parte dos juízes. Existem as corregedorias dos tribunais, mas elas são órgãos de composição interna e não têm a abrangência de atribuições que se espera dos órgãos de controle externo.

 
OUTRAS PALAVRAS

Judiciário requer profunda reestruturação

Abstraindo qualquer consideração sobre casos específicos como esse da Operação Anaconda, há uma longeva necessidade de reestruturação mais profunda do Poder Judiciário no Brasil. O Judiciário manteve-se praticamente inalterado em suas estruturas mais fundamentais, basicamente as mesmas desde a ditadura militar: os órgãos das cúpulas exercem poderes absolutos, isentam-se de afrontar a profunda desigualdade social que impera no país, subscrevem ilegalidades cometidas por outros poderes, não prestam explicações para suas decisões internas. Até o momento, no entanto, podemos extrair duas certezas. A primeira delas é a de que teremos, em algum momento próximo de nossa história política-constitucional, uma profunda reforma do Judiciário, provocando uma maior e mais vigilante participação da sociedade brasileira em seu funcionamento, o que certamente dificultará a corrupção, o isolamento e a alienação dos magistrados; a segunda certeza é a de que tudo hoje nos leva a acreditar que, infelizmente (ou talvez felizmente?), essa reforma virá de fora e não de dentro do próprio Poder Judiciário.

Sérgio Mazina Martins

Diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) 





Reforma coíbe mas não elimina corrupção

Não há uma avaliação feita pela Associação Juízes para a Democracia (AJD), quanto à Operação Anaconda. Pessoalmente, entendo que ela é muito importante, pois está revelando eficiência dos nossos órgãos de investigação. Se ficar mesmo provado que houve venda de sentenças, o nível de confiança da sociedade no Judiciário, que já está longe do ideal, sofrerá novo abalo. Mas entendo que, nessa hipótese, devemos ter uma ótica positiva, qual seja, considerar tudo isso também como resultado da democracia que aos poucos vamos construindo em nosso país.

A Reforma do Judiciário pode ajudar a coibir a corrupção, mas não devemos esperar que ela venha a eliminá-la, pois, em maior ou menor grau, esse mal existe em todos os países. O verdadeiro sucesso da reforma vai depender das reais intenções dos legisladores. Eles responderão: Queremos uma reforma profunda, que realmente mude para melhor o Judiciário? Ou queremos vender mais uma ilusão, com o apoio de importantes setores da mídia?

Antonio Carlos Villen

Secretário da Associação Juízes para a Democracia (AJD)

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