29/11/2022

Pacheco põe na pauta adicional para juízes

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), incluiu na pauta da sessão de amanhã a proposta de emenda constitucional (PEC) 63/2013, que prevê novamente o quinquênio, um aumento automático de 5% nos vencimentos salariais de juízes a cada cinco anos. De acordo com o texto, os integrantes do Judiciário federal e do Ministério Público podem receber até sete aumentos salariais.

O benefício, conforme mostrou o Estadão, foi restabelecido para parte dos magistrados federais pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) no dia 16 deste mês e estava suspenso desde 2006. Responsável por julgar a demanda, o órgão é um colegiado formado em parte por integrantes da própria Justiça Federal. Compõem o órgão ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e desembargadores federais.

PRIVAÇÕES.

Como mostrou o Estadão em maio, Pacheco já tinha sinalizado que poderia colocar a PEC em votação e defendeu o apoio à pauta. Segundo Pacheco, o resgate do penduricalho é importante para a “valorização” da carreira da magistratura e para compensar “privações”, como não poder ter outro emprego. “É importante para ter uma carreira estimulada e profissionais independentes”, afirmou. De acordo com ele, que se dispôs até mesmo a relatar a proposta, a extensão do quinquênio para aposentados e pensionistas precisa ainda ser discutida no Congresso.

 

Fonte: Estado de S. Paulo, de 29/11/2022

 

 

Conselho reativa benefício salarial retroativo para juízes federais

O CJF (Conselho da Justiça Federal) aprovou o retorno de um benefício salarial para juízes federais que estava extinto havia 16 anos. A decisão é de 16 de novembro.

O ATS (adicional por tempo de serviço), também conhecido como quinquênio, gera um aumento automático de 5% no salário desses magistrados a cada cinco anos.

De acordo com a decisão, revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmada pela Folha, a vantagem individual será concedida a juízes que ingressaram na carreira até maio de 2006, com pagamento retroativo corrigido pela inflação.

O pedido ao conselho, feito pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), foi julgado procedente por 7 votos a 4.

A relatora do caso, que também é presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Maria Thereza de Assis Moura, foi contra a medida.

Ela disse que o STF (Supremo Tribunal Federal) firmou entendimento de que as parcelas relativas ao adicional por tempo de serviço foram absorvidas com a instituição do subsídio salarial. O sistema foi implantado em 2006 e estabelece uma parcela única para os vencimentos dos magistrados, vedando, com exceções, acréscimos remuneratórios.

A ministra também argumentou que, no caso concreto julgado pelo STF, o autor era um servidor estadual aposentado que não recebia seu benefício pelo regime de subsídio.

"A questão resolvida envolvia o teto constitucional e, tão somente, fixou-se a tese de que vantagens pessoais devem ser consideradas para fins de limitação de pagamento", disse.

Em nota, a Ajufe afirmou que "os valores devidos aos beneficiários estarão sujeitos a todos os tributos devidos, especialmente contribuição para a Previdência e Imposto de Renda".

Além disso, acrescentou que o requerimento formulado pela entidade para o CJF teve por base o entendimento do STF de que todos os juízes brasileiros devem ter igual tratamento.

"Por esse entendimento, ficam assegurados aos juízes federais todos os direitos garantidos aos magistrados da Justiça estadual, assim como o contrário", disse.

Também afirmou que, "apesar da especulação por parte da imprensa, ainda não há dados concretos sobre o número exato de associados que serão beneficiados".

"O próprio CJF, que é o órgão de controle, não tem como apurar os valores até o momento. Mesmo assim, ressaltamos que qualquer vencimento na magistratura federal se limita ao teto constitucional para o serviço público", diz a nota.

A associação afirma ainda que "qualquer estimativa aleatória de valores correspondentes à decisão do CJF não goza de fundamento técnico, amparo de dados oficiais e, tampouco, conta com chancela dos órgãos de controle, se limitando a mero palpite e a uma frágil perspectiva estatística".

A recriação do quinquênio para magistrados e para o Ministério Público também é assunto que tem sido articulado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na casa legislativa. Como mostrou o Painel, ele incluiu na pauta de quarta-feira (30) a votação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que retoma o pagamento do adicional por tempo de serviço.

Aliados afirmam que o presidente do Senado já havia acordado a votação até o fim de sua gestão com líderes do Senado, tanto os que apoiam o presidente Jair Bolsonaro (PL) quanto os que apoiam o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Justiça Federal em números

Número de juízes federais na primeira instância: 1.803*
Número de juízes federais na segunda instância: 138
Total de Varas Federais: 777
Total de Juizados Especiais Federais: 211
Salário juiz federal: R$ 33,6 mil
Teto salarial oficial: R$ 39.293,32 ATS (adicional por tempo de serviço) aprovado: aumento automático de 5% no salário dos magistrados a cada cinco anos
Benefícios extras recebidos por juízes federais em 2020: R$ 543 milhões
Principais benefícios de juízes federais: licença-prêmio, gratificações por acúmulo de ofícios, pagamentos retroativos, auxílio-alimentação, auxílio-saúde, abono permanência
*Desconsiderando os cargos vagos

 

Fonte: Folha de S. Paulo, de 29/11/2022

 

 

ICMS: leis de São Paulo, Bahia e Alagoas sobre energia elétrica e telecomunicações são inconstitucionais

O Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou normas dos Estados de São Paulo, da Bahia e de Alagoas que fixavam a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para energia elétrica e telecomunicações em patamar superior ao das operações em geral. A decisão unânime foi tomada na sessão virtual encerrada em 21/11, no julgamento de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 7112, 7128 e 7130) ajuizadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.

Serviços essenciais

Em voto pela procedência dos pedidos, o ministro André Mendonça, relator das ADIS 7112 (São Paulo) e 7128 (Bahia), observou que, ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) 714139, com repercussão geral (Tema 745), o STF fixou a tese de que, em razão da essencialidade, as alíquotas de ICMS incidentes sobre esses serviços não podem ser maiores do que a fixada para as operações em geral.

Já o ministro Luiz Fux, relator da ADI 7130, destacou que a utilização da técnica da seletividade do ICMS pelo legislador estadual, sem levar em conta que os bens e os serviços taxados são essenciais, como no caso, resulta na inconstitucionalidade da norma. Ele lembrou que, em ações idênticas, o Tribunal reafirmou esse entendimento.

Modulação dos efeitos

Também conforme o que foi estabelecido no julgamento do RE 714139, as decisões terão eficácia a partir do exercício financeiro de 2024. O colegiado levou em consideração a segurança jurídica e o interesse social envolvido na questão, em razão das repercussões aos contribuintes e à Fazenda Pública dos três estados, que, além da queda na arrecadação, poderão ser compelidos a devolver os valores pagos a mais. O consenso é o de que a modulação dos efeitos dessas decisões uniformiza o tratamento da matéria para todos os entes federativos.

Estados

Já foram julgadas 18 das 25 ações ajuizadas pela PGR contra leis locais fixando alíquotas de ICMS para energia e telecomunicações acima da alíquota geral. Anteriormente foram invalidadas normas similares do Distrito Federal (ADI 7123), Santa Catarina (ADI 7117), Pará (ADI 7111), Tocantins (ADI 7113), Minas Gerais (ADI 7116), Rondônia (ADI 7119), Goiás (ADI 7122), Paraná (ADI 7110), Amapá (ADI 7126), Amazonas (ADI 7129), Roraima (ADI 7118), Sergipe (ADI 7120), Pernambuco (AID 7108), Piauí (ADI 7127) e Acre (ADI 7131).

 

Fonte: site do STF, de 28/11/2022

 

 

STJ: vendedor é responsável solidário pelo IPVA apenas mediante lei estadual

Os ministros da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiram que, nos casos de não comunicação de venda aos órgãos de trânsito, o vendedor de veículo automotor somente poderá ser considerado responsável solidário pelo pagamento do IPVA se houver previsão em lei para tanto. A decisão foi unânime.

Como a decisão foi tomada pela sistemática de recursos repetitivos — REsps 1881788/SP, 1937040/RJ e 1953201/SP (Tema 1118) —, o entendimento deverá ser aplicado por tribunais de todo o Brasil em casos idênticos.

Entre outros argumentos, os estados e o Distrito Federal alegam que o vendedor é responsável solidário pelo pagamento do IPVA com base no artigo 134, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Segundo esse dispositivo, expirado o prazo de 30 dias para o novo proprietário expedir o novo registro do veículo, o antigo proprietário deverá encaminhar a comunicação ao órgão de trânsito em 60 dias, “sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação”.

Para a relatora, ministra Regina Helena Costa, no entanto, o artigo 134 do CTB, por si só, não imputa ao vendedor a responsabilidade solidária pelo pagamento do IPVA. Por outro lado, a magistrada afirmou que os estados e o Distrito Federal podem editar leis definindo essa responsabilidade, com base no artigo 124, inciso II, do Código Tributário Nacional (CTN). Esse dispositivo define que são solidariamente obrigadas “as pessoas expressamente designadas por lei”.

“O artigo 124, II, do CTN, aliado ao entendimento vinculante do STF, autoriza os estados e o DF editarem lei específica para disciplinar, no âmbito de suas competências, a sujeição passiva do IPVA, podendo, por meio de legislação local, cominar a terceira pessoa a solidariedade ao pagamento do imposto”, disse Regina Helena Costa.

Os ministros fixaram a seguinte tese: “somente mediante lei estadual ou distrital específica, poderá ser atribuída ao alienante responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto sobre propriedade de veículos automotores do veículo alienado na hipótese de ausência de comunicação da venda do bem ao órgão de trânsito competente”.

Regina Helena ressaltou que a decisão foi uma reafirmação da jurisprudência do STJ. Tanto a 1ª quanto a 2ª Turmas do STJ têm decisões que responsabilizam solidariamente o vendedor a pagar o IPVA na falta de comunicação ao órgão de trânsito sobre a transferência do veículo. A condição é que haja previsão nas leis estaduais para essa responsabilização. Esse entendimento foi fixado pela 1ª Turma, por exemplo, no AgInt no REsp 1736103/SP, julgado em 2018. A 2ª Turma aplicou o mesmo entendimento no REsp 1775668/SP, também em 2018.

 

Fonte: site JOTA, de 28/11/2022

 

 

Locadoras tentam resolver impasse sobre IPVA no STF

O IPVA, o imposto cobrado sobre veículos, virou um pandemônio tributário e jurídico. Tramita no Supremo Tribunal Federal uma ação com repercussão geral que pode gerar um passivo bilionário para as empresas e, eventualmente, até para o condutor.

O caso ficou tão confuso que o ministro André Mendonça, por cautela, mandou suspender os efeitos de todas as leis estaduais.

As locadoras, donas das maiores frotas no país, costumavam emplacar os veículos nos estados com a menor alíquota de IPVA. Foi assim, por exemplo, que Minas Gerais e Paraná passaram a atrair as sedes dessas empresas.

No entanto, os estados para onde os veículos eram posteriormente enviados –onde o IPVA é mais alto– passaram a cobrar a diferença, o que gerou o contencioso atual.

Segundo advogados envolvidos no processo, em São Paulo a situação chegou a tal ponto que uma legislação impôs penalidade ao condutor. Era obrigado a pagar a diferença do imposto de todos os veículos da locadora, forma, ainda segundo os advogados, de inibir esse mercado. Tudo isso agora está suspenso e a expectativa das locadoras é que o caso volte à pauta do STF ainda neste ano.

 

Fonte: Folha de S. Paulo, Coluna Painel S.A., de 29/11/2022

 

 

Presença negra na advocacia pública ainda é assunto negligenciado

Por Derly Barreto e Silva Filho

Dados obtidos com base nas leis federal e estaduais de acesso à informação entre setembro e outubro de 2022 revelam que a presença negra nas instituições responsáveis pela advocacia pública [1] do país ainda é assunto negligenciado. A maioria das unidades federadas às quais foram endereçados pedidos de informação não dispunha de elementos numéricos acerca da cor/raça de advogadas e advogados públicos [2], e as que lograram levantá-los dão conta de que o número de pessoas pretas e pardas em seus quadros é diminuto [3], a despeito de elas corresponderem a 56% da população brasileira, segundo o IBGE.

No âmbito federal, a presença negra na Advocacia Geral da União é de 17,63%; na Procuradoria Geral do Banco Central, de 10,62%; na Procuradoria Geral Federal, de 15,38%; e na Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, de 15,45%.

A Procuradoria Geral do Estado de Rio Grande do Sul é a que apresenta o menor percentual de procuradoras e procuradores negros (3,41%), seguida da de São Paulo (PGE-SP), instituição que merecerá aqui análise mais detida, seja porque é o órgão da advocacia pública que congrega o maior contingente de profissionais entre os 26 estados e o Distrito Federal, seja porque os dados fornecidos a pedido pelo Serviço de Informações ao Cidadão (SIC-SP) sobre a cor/raça e o número, inclusive de provimentos em confiança, das servidoras e servidores públicos em exercício em todas as secretarias, autarquias, fundações e universidades públicas do Estado permitem evidenciar, a partir de comparativos, a relevância do tema das políticas públicas de inclusão e equidade racial.

Em 1º de setembro de 2022, a PGE-SP somava 813 membros em atividade: 454 procuradores (33 deles negros) e 359 procuradoras (17 delas negras). Entre os que ocupavam cargos em comissão, 42 eram homens (dois deles negros) e 39, mulheres (uma delas negra); em funções de confiança, existiam 87 homens (quatro deles negros) e 57 mulheres (quatro delas negras). Ou seja, dos 813 procuradores e procuradoras, somente 50 eram negros e negras [4] (6,15%); e, dos 225 cargos e funções de confiança, apenas 11 eram providos por pessoas pretas e pardas (4,88%), o que denota, além da falta de diversidade e igualdade racial, que, quanto mais alto é o nível hierárquico e mais destacadas as atribuições, menor é a presença negra, diferentemente do que ocorre com pessoas autodeclaradas brancas, que compunham 87,57% da carreira (712 membros) e 90,22% dos cargos e funções de confiança (203 procuradoras e procuradores).

A propósito, cabe indagar, em rápida digressão: por qual razão as pessoas negras, mesmo quando exitosas em concursos públicos, não são dignas de "confiança" para ocupar posições comissionadas? Se o são, o que explica a sua quase ausência nos postos de direção, chefia e assessoramento [5]? Na PGE-SP, assim como em todos os órgãos da advocacia pública, os seus membros situam-se teoricamente em pé de igualdade funcional, pois, para o ingresso na carreira, é necessária a aprovação em concurso público de provas e títulos, e para a posse, entre outros requisitos objetivos, a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Logo, o que poderia representar uma barreira à ascensão funcional de pessoas negras — o desnível de escolaridade —, não se verifica na Advocacia Pública — muito pelo contrário, visto que, segundo o SIC-SP, 32 dos 50 procuradores negros são pós-graduados (22 especialistas, cinco mestres e xinco doutores [6]). Então, insista-se: a que se deve o escasso número de pessoas pretas e pardas em cargos e funções de confiança?

Os dados estatísticos da PGE-SP dissonam não apenas dos das outras instituições da advocacia pública nacional, mas também — e muito — da média do funcionalismo público paulista: dos 543.722 servidores estaduais em atividade em 1º de setembro de 2022, 25,76% eram negros; e, dos 17.823 cargos e funções de confiança, 23,25% eram ocupados por pessoas pretas e pardas.

Outrossim, diversamente da Defensoria Pública e do Ministério Público paulistas, a PGE-SP não adota cotas raciais [7]. A Deliberação CSDP nº 400, de 27 de maio de 2022 [8], do Conselho Superior da Defensoria Pública de São Paulo, prevê, no artigo 1º, I a III, reserva de vagas nos concursos públicos de ingresso na carreira de defensor público para pessoas negras e indígenas (30%), para pessoas com deficiência (5%) e para pessoas trans (2%); e, no artigo 3º, prescreve que caberá à instituição "implementar, na medida do possível, medidas afirmativas na contratação de cargos comissionados e nos contratos de prestação de serviços contínuos". Por sua vez, a Resolução nº 676/2011-PGJ-CPJ, de 10 de janeiro de 2011, reserva aos candidatos negros 20% dos cargos abertos em concurso público de ingresso na carreira do Ministério Público (artigo 5º [9]).

E não poderia ser diferente. O Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem a cidadania e a dignidade da pessoa humana entre os seus fundamentos (artigo 1º, II e III); estabelece como objetivos fundamentais, a par de outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, I e IV); e repudia a desigualdade (artigos 3º, III, 5º, caput e I, 7º, XX, XXX e XXXIV, 14, caput, 39, § 3º, 43, caput, 150, II, 165, § 7º, 170, VII, 196, 206, I, 212-A, V, c, 226, § 5º), o racismo (artigos 4º, VIII, e 5º, XLII) e o tratamento desumano ou degradante (artigo 5º, III).

Para além disso, o dever de implementação, promoção e proteção dos direitos e garantias de igualdade e diversidade racial pelas instituições que integram o sistema jurídico fundamenta-se, especialmente, conforme a dicção do artigo 5º, §§ 2º e 3º, do Texto Constitucional, em atos internacionais, como a recém-promulgada Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, aprovada com status de emenda constitucional, que preceitua: "Os Estados Partes comprometem-se a adotar as políticas especiais e ações afirmativas necessárias para assegurar o gozo ou exercício dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas ou grupos sujeitos ao racismo, à discriminação racial e formas correlatas de intolerância, com o propósito de promover condições equitativas para a igualdade de oportunidades, inclusão e progresso para essas pessoas ou grupos. Tais medidas ou políticas não serão consideradas discriminatórias ou incompatíveis com o propósito ou objeto desta Convenção, não resultarão na manutenção de direitos separados para grupos distintos e não se estenderão além de um período razoável ou após terem alcançado seu objetivo" (artigo 5). E, no artigo 9, prescreve: "Os Estados Partes comprometem-se a garantir que seus sistemas políticos e jurídicos reflitam adequadamente a diversidade de suas sociedades, a fim de atender às necessidades legítimas de todos os setores da população, de acordo com o alcance desta Convenção".

Refletir, como dito alhures [10], é reproduzir a imagem, espelhar. O sistema jurídico deve, por conseguinte, ser o retrato da sociedade brasileira, e à advocacia pública incumbe diversificar os seus quadros funcionais e o provimento de seus cargos e funções de confiança, atenta às cores/raças compositivas do tecido social brasileiro e ao imperativo de combate ao racismo, particularmente o institucional, que, nas palavras de Adilson José Moreira, encerra "ações, políticas ou ideologias que produzem desvantagens relativas para grupos raciais minoritários ou vantagens para grupos raciais majoritários quando comparadas", e que "podem englobar a intenção de excluir grupos minoritários de posições dentro de instituições, a aceitação de minorias nas instituições em posições subalternas, o impedimento que estas possam alcançar posições de comando, a preferência por pessoas brancas dos círculos de relacionamento pessoal e as exigências de qualificação não relacionadas com as funções do cargo, com o objetivo de excluir minorias" [11]. "No caso do racismo institucional — Silvio Almeida esclarece —, o domínio se dá com o estabelecimento de parâmetros discriminatórios baseados na raça, que servem para manter a hegemonia do grupo racial no poder. Isso faz com que a cultura, os padrões estéticos e as práticas de poder de um determinado grupo tornem-se o horizonte civilizatório do conjunto da sociedade. Assim, o domínio de homens brancos em instituições públicas — o legislativo, o judiciário, o ministério público, reitorias de universidade etc. — e instituições privadas — por exemplo, diretoria de empresas — depende, em primeiro lugar, da existência de regras e padrões que direta ou indiretamente dificultem a ascensão de negros e/ou mulheres e, em segundo lugar, da inexistência de espaços em que se discuta a desigualdade racial e de gênero, naturalizando, assim, o domínio do grupo formado por homens brancos" [12].

Convertidas em mandamento constitucional [13], as ações afirmativas preordenam-se a assegurar o acesso de pessoas negras a cargos públicos efetivos e comissionados e a democratizar e dinamizar o sistema jurídico sob o prisma racial. Diante desse novel cenário jurídico-constitucional, não há mais como as instituições que integram o sistema de justiça nacional seguirem inconstitucionalmente omissas na adoção, implementação e efetivação de políticas públicas e de medidas legais e administrativas com as quais o País se comprometeu internacionalmente, voltadas ao combate ao racismo e à promoção da diversidade e igualdade racial, que não devem limitar-se à mera previsão de reserva de vagas para pessoas negras, mas ao seu efetivo preenchimento, a partir de imprescindíveis aperfeiçoamentos nas regras de concursos de ingresso, como a formação de bancas examinadoras com pessoas pretas e pardas e paridade de gênero, a vedação de nota de corte ou cláusula de barreira para candidato(a)s negro(a)s aprovado(a)s com nota mínima na prova objetiva seletiva, a instituição de comissões de heteroidentificação, para confirmar a condição de negro(a)s do(a)s candidato(a)s, e a inclusão do Direito Antidiscriminatório dentre as disciplinas obrigatórias [14].

Por fim, tem lugar e pertinência a exortação de Lívia Sant'Anna Vaz e Chiara Ramos: "Essa reflexão e esse compromisso precisam estar na pauta dos órgãos do sistema de justiça, incapazes de efetivamente garantir o direito à igualdade racial se, eles próprios, não olham para dentro, no sentido de reconhecer e enfrentar o racismo institucional que impede pessoas negras de acessarem seus quadros" [15] e, acrescente-se, progredirem nas respectivas carreiras.

[1] De acordo com os arts. 131 e 132 da Constituição da República, a advocacia pública é uma das instituições que integram as funções essenciais à justiça, responsável pela representação judicial e extrajudicial da União, dos estados e do Distrito Federal e pela consultoria e assessoramento jurídicos dos respectivos entes da federação.

[2] Alagoas, Amapá, Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins.

[3] As três exceções foram as Procuradorias Gerais dos Estados do Acre (40,81%), Amazonas (90,9%) e Roraima (48,78%), que, no entanto, não acusaram a presença de preto(a)s em seus quadros. Nas demais, a presença negra variou entre 3,41% e 20,75%, cabendo esclarecer que, como o serviço de informações do Estado da Bahia ficou suspenso entre 1º de julho até o fim das eleições, em outubro de 2022, não foi possível obter dados da respectiva Procuradoria Geral.

[4] Sendo 1 preta (0,12%), 6 pretos (0,74%), 16 pardas (1,97%) e 27 pardos (3,32%).

[5] Em nota técnica sobre o perfil racial do serviço civil ativo do Executivo Federal (1999-2020), Tatiana Dias Silva e Felix Lopez afirmam que a sub-representação das pessoas negras é uma constante: "A participação de negros e negras no corpo burocrático do Executivo civil federal expande-se ao longo da série histórica, ainda que minoritários e sub-representados em praticamente todos os indicadores e recortes, quando se compara a participação desse grupo com o total da população e da força de trabalho. Quando se consideram as posições de maior remuneração, qualificação ou autoridade e poder, a presença de servidores negros é ainda mais reduzida, em particular, das mulheres negras" (https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10673/1/NT_49_Diest_PerfilRacial.pdf - acesso em 20 nov 2022).

[6] Comparativamente, o número de especialistas e doutores negros na PGE-SP é superior ao de não negros — 44% a 40%, no caso de especialistas, e 10% a 5,6%, no caso de doutores. Já quanto aos titulados mestres, o percentual é o mesmo (10%).

[7] No processo legislativo que resultou na promulgação da Lei Complementar Estadual nº 1.270, de 25 de agosto de 2015, que reorganiza a PGE-SP, define suas atribuições e as de seus órgãos e dispõe sobre o regime jurídico de integrantes da carreira, foi apresentada a emenda nº 794, que propunha a reserva "aos negros, no mínimo, [de] 20% (vinte por cento) das vagas nos concursos públicos para o provimento de cargos de Procurador do Estado". Referida proposição, no entanto, em que pese a histórica disparidade numérica entre pessoas pretas, pardas e brancas na carreira de Procurador do Estado, foi rejeitada pela Assembleia Legislativa.

[8] Precedentemente, o art. 4º, caput, da Deliberação CSDP nº 307, de 19 de novembro de 2014, estabelecia: "Pelo período de 10 (dez) anos serão reservadas aos candidatos negros e indígenas 20% (vinte por cento) das vagas nos concursos para ingresso na carreira de Defensor Público".

[9] Referido dispositivo foi incluído pela Resolução nº 1.031/2017-CPJ, de 18 de maio de 2017.

[10] Quinto constitucional: diversidade e igualdade na OAB, disponível em https://www.conjur.com.br/2021-dez-21/opiniao-quinto-constitucional-diversidade-igualdade-oab, acesso em 20 nov 2022.

[11] Tratado de direito antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020, p. 458 e 459. Sem grifos no original.

[12] Racismo estrutural. São Paulo: Jandaíra, 2020, p. 40 e 41.

[13] Vaz, Lívia Sant'Anna. Cotas raciais. São Paulo: Jandaíra, 2022, p. 120 a 143 e 163 a 175.

[14] Neste sentido, as Resoluções CNJ nºs 423, de 5 de outubro de 2021, e 457, de 27 de abril de 2022.

[15] A Justiça é uma mulher negra. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2021, p. 196.

Derly Barreto e Silva Filho é procurador do estado de São Paulo e mestre e doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP.

 

Fonte: Folha de S. Paulo, Coluna Painel S.A., de 29/11/2022

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