29/6/2020

Jornal da Rede ALESP: Procurador Chefe da CJ da Secretaria da Educação aborda o papel da PGE-SP nas políticas públicas da área durante a pandemia!

Em 26/6, o Procurador do Estado Chefe da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, Marcelo de Aquino, foi entrevistado no Jornal da Rede ALESP para tratar do papel da PGE-SP nas políticas públicas da área educacional durante a pandemia.

Aquino disse que o maior desafio – enfrentado por todos os colegas da CJ de Educação, com apoio do GPGE – foi criar concepções jurídicas, em tempo recorde, para dois programas essenciais à Administração: o “Merenda em Casa” e o Ensino à Distância.

O Procurador Chefe da CJ ressaltou que as refeições sempre foram entregues aos alunos em espécie, na própria escola, e em dias letivos. O “Merenda em Casa”, de forma pioneira, possibilitou a destinação de recursos aos pais e responsáveis para a compra de alimentos, tornando-se um paradigma para outros Estados.

Com relação ao ensino à distância, o assessoramento jurídico da CJ da Educação possibilitou a criação de um programa de mídia da escola, um canal de televisão e os aplicativos com os quais os alunos estão estudando.

Nesse caso, a grande novidade jurídica foi a possibilidade de uma cobrança reversa de créditos, que possibilita o pagamento pela Secretaria da Educação dos custos que os alunos têm ao acessar o aplicativo no celular.

Transmissão

O programa foi transmitido ao vivo pelo canal da Rede ALESP no YouTube e por canais de TV a cabo com alcance em cidades da Grande São Paulo, Interior e Litoral. Assista AQUI ao vídeo com a íntegra da entrevista.

 

Fonte: site da APESP, de 26/6/2020

 

 

Estado deve pagar danos morais por morte de advogado em fórum de SP, diz STJ

As excludentes de responsabilidade afastam a obrigação de indenizar apenas nos casos em que o Estado tenha tomado medidas possíveis e razoáveis para impedir o dano causado. Não é o caso quando o poder público permite o ingresso no fórum de pessoa portando arma de fogo, réu em ação penal.

Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a recurso especial para obrigar a Fazenda Pública de São Paulo a indenizar em danos morais a família do advogado José Aparecido Ferraz Barbosa, morto a tiros no Fórum de São José dos Campos em 2012.

José Aparecido estava no local com uma cliente. O marido dela, réu em processo por violência doméstica no qual ela iria depor, foi o responsável pelos disparos. Após matar o advogado e atingir a própria ex-mulher, o homem trocou tiros com uma equipe policial que fazia a escolta de um preso no local, e morreu no confronto.

Em primeiro grau, o juízo condenou o estado a pagar R$ 70 mil a cada um dos três familiares autores da ação. Já o Tribunal de Justiça de São Paulo afastou a indenização. “Não é possível estabelecer, com a segurança necessária, nexo de causalidade entre a presença de seguranças ou porta com detector de metais funcionando e o evento danoso”, diz o acórdão.

Relator, o ministro Herman Benjamin descartou a argumentação e afirmou que se aplica ao caso o artigo 927 do Código Civil, segundo o qual há obrigação de reparar o dano, “independentemente de culpa”, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

As excludentes de responsabilidade afastam a obrigação de indenizar apenas nos casos em que o Estado tenha tomado medidas possíveis e razoáveis para impedir o dano causado, o que não ocorreu, segundo entendimento unânime da 2ª Turma do STJ.

Por ser incontestável que a porta do Fórum com detector de metal estava avariada na ocasião e que não havia seguranças na entrada que pudessem revistar os frequentadores, o relator identificou culpa, embora desnecessária, e o nexo causal suficientes para responsabilizar o Estado. Se o fato tivesse ocorrido na rua, a responsabilização seria impossível.

“Se não fosse por sua conduta omissiva, tendo deixado de agir com o cuidado necessário a garantir a segurança, no Fórum, dos funcionários e das partes, o evento danoso não teria ocorrido. É certo ainda que a exigência de atuação nesse sentido não está, nas circunstâncias em que se deram os fatos, de forma alguma, acima do razoável”, concluiu. A decisão restabelece a sentença de primeiro grau.

 

Fonte: Conjur, de 26/6/2020

 

 

Toffoli pede vista em ADI que questiona competência estadual sobre energia

O ministro Dias Toffoli pediu, na última quinta-feira (25/6), vista na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6406, que questiona a competência das assembleias legislativas para definir regras sobre a suspensão de corte de energia elétrica durante a pandemia da Covid-19. Com isso, o julgamento do pedido de liminar está suspenso e a lei do estado do Paraná continua valendo até nova apreciação pelo colegiado.

Toffoli pediu vista após cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acompanharem o relator, ministro Marco Aurélio Mello, e formarem maioria para julgar o pedido de liminar da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) improcedente.

Dessa forma, por seis votos a um, prevalecia a permanência da energia elétrica no rol dos serviços que não podem ser cortados durante a pandemia para grupos específicos como famílias de baixa renda, idosos, trabalhadores informais, pequenos comerciantes e pessoas diagnosticadas com o coronavírus, previstos em lei estadual no Paraná.

Até então, o único voto divergente era o do ministro Gilmar Mendes, que defendeu que a legislação estadual adentrou a competência da União. Após o pedido de vista, o julgamento será remarcado e os ministros que já votaram podem manter o voto ou alterá-lo.

Entendimentos
Em seu voto, o relator da ADI, ministro Marco Aurélio, defendeu que o texto constitucional não impede a edição de lei estadual que produza impacto na atividade desempenhada pelos concessionários de serviço público federal, desde que não adentre prestação dos serviços nem a regulação da atividade, que são competências da União. Para ele, a lei do Paraná não usurpou a competência da União.

“A edição da norma não instituiu obrigações e direitos relacionados à execução contratual da concessão de serviços públicos. Buscou ampliar mecanismo de tutela da dignidade dos usuários – “destinatários finais”, na dicção do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, considerada a quadra inesperada, a quarentena, implementando providências necessárias à mitigação das consequências da pandemia, de contornos severos e abrangentes”, escreveu em seu voto.

Já o ministro Gilmar Mendes entendeu que a legislação estadual adentrou a competência da União. Para ele, medidas nacionais em relação ao corte de energia elétrica durante a pandemia já estão contempladas em resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e na Medida Provisória 950/2020.

Gilmar Mendes destacou ainda que é preciso manter a uniformidade no tratamento da prestação de serviços de energia elétrica no país. Alertou ainda que o STF tem demonstrado o entendimento sobre a “impossibilidade de interferência de estado-membro, mediante a edição de leis estaduais, nas relações jurídico-contratuais entre Poder concedente federal e as empresas concessionárias”.

Fonte: site JOTA, de 26/6/2020

 

 

Cancelamento de concurso público por fraude enseja responsabilização subsidiária do Estado, decide STF

Em julgamento virtual, o plenário do STF decidiu que o Estado responde subsidiariamente por danos materiais causados a candidatos em concurso público organizado por pessoa jurídica de direito privado quando os exames são cancelados por indícios de fraude.

Os ministros, por maioria, seguindo voto do relator, ministro Luiz Fux, deram provimento a recurso da União, entendendo que a mesma responde apenas subsidiariamente pelos danos relativos a despesa com inscrição e deslocamento.

Neste sentido foi fixada tese para fins de repercussão geral.

O caso

Trata-se de recurso no qual a União questiona acórdão da Turma Recursal da Seção Judiciária de Alagoas que, ao confirmar sentença de Juizado Especial Federal, declarou sua responsabilidade objetiva em caso de cancelamento da realização de concurso público na véspera da data designada. A anulação do certame teria ocorrido mediante recomendação do MPF baseada em indício de fraude.

Segundo o acórdão atacado, o ato administrativo que suspendeu as provas, mesmo que praticado com vistas à preservação da lisura do certame, gerou danos ao candidato consistentes nas despesas com a inscrição no concurso, passagem aérea e transporte terrestre. A União foi condenada à restituição dos respectivos valores, sem que se reconhecesse a ocorrência de danos morais.

Entre os fundamentos do recurso, a União sustenta a inaplicabilidade do art. 37, § 6º, da CF/88, considerando a alegação de culpa exclusiva da vítima, "que teria deixado de ler comunicado posto na internet, o que lhe teria evitado as despesas". Aponta, ainda, que a instituição contratada para a realização do certame não era prestadora de serviços públicos, o que também afastaria a incidência do art. 175 da CF. Por fim, argumenta a responsabilidade subsidiária do Estado por eventual quebra de sigilo envolvendo a banca organizadora.

Voto do relator

No caso concreto, o ministro Fux votou por dar provimento ao RE, assentando que a União Federal responde apenas subsidiariamente pelos danos materiais relativos às despesas com taxa de inscrição e deslocamento, causados ao autor em razão do cancelamento de exames para o provimento de cargos na polícia rodoviária Federal.

O ministro destacou a fundação universitária organizadora do concurso tem responsabilidade direta e objetiva quanto às despesas com taxa de inscrição e deslocamento. Assim, a União responde subsidiariamente, apenas no caso de insolvência da entidade organizadora do concurso.

Assim, considerou que o apelo merece prosperar, porquanto o Tribunal a quo assentou responsabilidade direta da União pelos danos causados ao candidato.

Quanto à tese jurídica objetiva, a ser assentada para fins de repercussão geral, o ministro propôs o seguinte:

"O Estado responde subsidiariamente por danos materiais causados a candidatos em concurso público organizado por pessoa jurídica de direito privado quando os exames são cancelados por indícios de fraude."

O ministro foi acompanhado por Marco Aurélio, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Celso de Mello.

Leia a íntegra do voto.

Divergência

Inaugurando a divergência, ministro Alexandre de Moraes votou por dar provimento ao recurso para excluir a responsabilidade do Estado sobre o caso. O ministro destacou que o art. 37, § 6º da CF, consagrou em nosso ordenamento jurídico a responsabilidade civil objetiva das pessoas jurídicas de Direito Público, bem como das pessoas jurídicas de Direito Privado prestadoras de serviço público, nos casos em que a conduta de seus agentes causarem prejuízos a terceiros.

Explicou ainda que, para caracterização da responsabilidade civil objetiva do Estado, pressupõe-se a existência de três elementos: conduta, dano e nexo de causalidade entre a conduta e o dano. E, de acordo com a teoria da causalidade direta, apenas o ato lesivo que diretamente causou o dano poderá ser considerado no campo da responsabilidade civil.

Assim, disse o ministro, deveria o particular demonstrar que a conduta estatal foi diretamente responsável pelos danos sofridos - o que não ocorreu. Para Moraes, o dano causado ao candidato decorreu de fato de terceiro (banca examinadora), o que rompe o nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano. Por conseguinte-, afasta-se a responsabilidade civil objetiva do Poder Público.

Concluiu, portanto, que, rompido o nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano, não há que se falar em responsabilidade do Estado.

O ministro propôs a seguinte tese:

"O Estado não é responsável por danos materiais causados a candidatos em decorrência do cancelamento, por suspeita de fraude, de concurso público organizado por pessoa jurídica de direito privado."

O voto foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

Fonte: Migalhas, de 26/6/2020

 

 

Macrolitigância tributária, precedentes vinculantes e controle de aplicação

POR LÁZARO REIS PINHEIRO SILVA

O nível de litigiosidade entre o fisco e os contribuintes no Brasil de há muito alcançou patamares elevadíssimos. Os números não deixam dúvidas: de acordo com recentes estudos, o estoque de créditos tributários da União objeto de contencioso, judicial ou administrativo, alcançou em 2018 o volume de R$ 3,4 trilhões, correspondendo a 50,5% do PIB no mesmo ano[1].

Nesta perspectiva, a litigiosidade tributária, de proporções crescentes, passa a reclamar soluções abrangentes, capazes de lidar eficazmente com o efeito multiplicador próprio dos conflitos tributários. Daí afigurar-se intuitivo que o estudo das ferramentas de solução dos conflitos tributários não prescinde de uma visão igualmente abrangente, é dizer, de uma visão macro: uma visão da macrolitigância tributária.

O estudo das contendas tributárias passou a reclamar o emprego de medidas de racionalização e solução adequada de conflitos, de que são perfeitos exemplos as diversas ferramentas implementadas no âmbito da União, inicialmente através de portarias da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que desenharam um “novo modelo de cobrança do crédito tributário federal”[2] e, mais recentemente, com a edição da Lei nº 13.988/20, que instituiu no âmbito da União a transação tributária a que se referem os artigos 156, inciso III e 171, do Código Tributário Nacional. São medidas que, em última análise, buscam precisamente a racionalização do sistema processual, a fim de que ele se torne mais apto à consecução de sua finalidade precípua de solução de conflitos.

É também nesta perspectiva que tem especial importância o exame dos mecanismos de formação e aplicação de precedentes contemplados em nossa legislação processual, sobretudo a partir do Código de Processo Civil de 2015. Conquanto certos institutos viabilizadores da solução jurisdicional uniforme dos conflitos já estivessem presentes entre nós, caso da sistemática de recursos repetitivos e da repercussão geral, ambas introduzidas no CPC/73 pela Lei nº 11.418/06, é certo que o CPC/15 aperfeiçoou tais instrumentos, materializando deliberada guinada rumo a um modelo processual de respeito aos precedentes judiciais.

Tais instrumentos possuem inegável importância para a solução da macrolitigância tributária, permitindo que uma mesma solução seja aplicada a uma multiplicidade de casos análogos, o que, ao fim e ao cabo, mostra-se de todo consentâneo com os ideais de igualdade e justiça tributária. Afinal, se a atividade estatal de exigir tributos não deve descurar do tratamento isonômico aos particulares e agentes econômicos em geral, a fim de que o tributo não se afaste da desejada neutralidade concorrencial[3], forçoso é reconhecer que a uniformização da aplicação da lei tributária pelos tribunais é medida que vem ao encontro do mesmo fim.

Ocorre que a implementação de uma cultura de observância dos precedentes em um sistema com raízes profundas no civil law não se dá sem alguns percalços, como, ademais, tem-se apontado desde os primeiros instantes de vigência do CPC/15. Inegavelmente, a primeira perplexidade que se verifica diz respeito ao processo de formação dos precedentes[4], já que, entre nós, a decisão judicial paradigma já nasce incumbida de orientar uma multiplicidade de casos análogos, muitos deles já sobrestados nos tribunais locais e regionais, à espera da fixação da tese que lhes apontará a adequada solução.

Ademais deste primeiro ponto problemático, surgem com igual ou maior preocupação os problemas atinentes à aplicação dos precedentes. À medida em que se pretende aplicar a solução adotada em um caso paradigma a outros casos análogos, é indispensável aferir se existe efetiva similitude com o caso em julgamento, o que, todavia, somente se pode verificar em concreto, após uma comparação analógico-problemática, de modo que o precedente consiste no ponto de partida, mas não necessariamente no ponto de chegada para a solução do caso[5].

Não por acaso, o artigo 489, §1º contempla importante preceito, a apontar que não se considera fundamentada a decisão judicial que “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos”. Veja-se que referido preceito vale-se da noção de “fundamentos determinantes”, que é própria à teoria dos precedentes e consiste precisamente naqueles fundamentos que determinam o resultado ou a conclusão, ou seja, sua ratio decidendi[6].

Nessa análise, não basta que se realize um exercício de subsunção da tese firmada, a fim de aplicá-la ao caso concreto, impondo-se ainda ao órgão julgador que proceda ao cotejo entre o paradigma e o caso a decidir, a fim de verificar analiticamente sua aplicabilidade. Em outras palavras, deve-se aferir se a questão de direito que reclama solução no caso em julgamento está efetivamente resolvida na ratio decidenci do caso paradigma[7].

Ocorre que, ademais dessa primeira mensagem normativa mais explícita, o meditar sobre o artigo 489, §1º do CPC veicula ainda uma mensagem subjacente que, a despeito de certa obviedade, pode passar despercebida: a aplicação dos precedentes não está imune à falibilidade humana, e, por isso mesmo, há de cercar-se de mecanismos que lhe viabilizem o controle. É dizer, o sistema de precedentes não se esgota em seu processo de formação, mas também abrange os processos de aplicação aos inúmeros casos análogos que chegam ao Judiciário, e que reclamam o emprego de método próprio, bem como a existência de mecanismos efetivos, através dos quais se possa corrigir eventuais equívocos de aplicação.

Nesta perspectiva é que assume especial importância o exame dos mecanismos de controle da aplicação dos precedentes, previstos na legislação processual. São eles que permitirão delinear os limites da aplicação dos precedentes ao universo de conflitos jurídicos análogos àqueles solucionados pelo caso paradigma, mediante o cotejo entre a ratio decidendi do precedente, e as questões de direito existentes nos processos em julgamento.

Conquanto o agravo interno previsto no artigo 1.030, §2º do CPC já traga consigo a missão precípua de viabilizar o controle da aplicação dos precedentes no âmbito dos tribunais locais e regionais, ao permitir à parte prejudicada pela equivocada aplicação de tese de repercussão geral ou de recurso especial ou extraordinário repetitivo inadequada ao seu caso fazer o distinguishing, apontando as distinções entre o caso paradigma e o caso em julgamento a fim de que seu recurso seja regularmente processado, surge com incontrastável importância um último mecanismo de controle: a reclamação, fundada no artigo 988, §5º, inciso II do CPC.

A existência de mecanismos de controle da aplicação dos precedentes vinculantes parece indispensável à própria efetividade do exercício da jurisdição pelos tribunais superiores. É a partir do ato de aplicação dos precedentes firmados em repercussão geral ou em julgamento de recursos especial e extraordinário repetitivos pelos tribunais que se pode melhor compreendê-los, identificando-se adequadamente sua ratio decidendi, confrontando-a com o caso em julgamento, e promovendo-se a distinção quanto às situações que, por versarem casos substancialmente distintos – leia-se, não análogos –, devem receber tratamento diverso.

Para que possamos implementar entre nós um verdadeiro modelo de respeito aos precedentes, é indispensável ter em conta que o sistema de precedentes, focalizado de maneira abrangente, não se esgota com a delimitação dos enunciados das teses firmadas, mas também é integrado pelo processo dialético de aplicação, que permite explicitar o seu alcance, a partir dos fundamentos determinantes que compõem a ratio decidendi.

Assim, a formação-aplicação de precedentes reclama uma sucessão de expedientes analíticos que, longe de se encerrar com o ato de julgamento do caso paradigma, depende intrinsecamente dos sucessivos atos de aplicação que se seguirão, e que, ao se depararem com a multiplicidade de caracteres que os fatos sociais podem assumir, acabarão por delimitar o efetivo alcance do precedente, potencialmente distinto daquele que se imaginou quando da prolação do acórdão paradigma.

O Supremo Tribunal Federal vem admitindo a reclamação como mecanismo de controle da aplicação dos precedentes formados em julgamento de repercussão geral ou de recurso extraordinário repetitivo[8], desde que esgotadas as instâncias ordinárias[9]. Em sentido oposto, todavia, o Superior Tribunal de Justiça não partilha do mesmo entendimento, tendo sua Corte Especial assentado que o manejo da reclamação não encontra guarida em tais casos[10].

Não tencionamos aprofundar-nos no exame da controvérsia acerca do cabimento da reclamação em tais hipóteses, o que reclamaria incursão nos fundamentos favoráveis ou contrários ao seu emprego. Também não pretendemos sustentar que a Reclamação venha a servir como ampla oportunidade de rediscussão da controvérsia, o que acabaria por convertê-la em verdadeiro sucedâneo recursal.

Porém, é indispensável que o sistema processual esteja aparelhado com efetivos mecanismos de controle da aplicação dos precedentes, capazes viabilizar a correção de aplicações claramente equivocadas, mormente porque é no processo de aplicação que o precedente se consolida como tal. Urge compreender os mecanismos de controle da aplicação dos precedentes como parte indispensável de seu processo constitutivo, tomado em sentido abrangente, a fim de que o modelo de precedentes obrigatórios delineado pelo Código de Processo Civil não se esgote numa mera codificação de teses firmadas pelos tribunais superiores.

É através do emprego adequado da reclamação que se poderá reafirmar a força dos precedentes, o que, longe de atentar contra a sua autoridade, acaba por afirmar-lhes a eficácia, oportunizando-se que o próprio tribunal superior dê a precisa delimitação do seu alcance, quando emergirem dúvidas fundadas sobre a sua aplicabilidade aos casos em julgamento. Somente assim é que se alcançará o ponto de equilíbrio entre o emprego de soluções abrangentes para a macrolitigância e uma aplicação efetiva e isonômica do Direito, com larga repercussão nas relações jurídico-tributárias.

—————————-

[1] Desafios do Contencioso Tributário Brasileiro: a evolução do contencioso, os modelos de solução de conflitos de seis países e medidas que poderiam ser aplicadas para mitigar o problema no Brasil – São Paulo: Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, 2019, p. 9. Disponível em: https://www.etco.org.br/projetos/desafios-do-contencioso-tributario-brasileiro/.

[2] ARAUJO, Juliana Furtado Costa. A efetividade da cobrança do crédito tributário federal como fundamento legitimador da Portaria PGFN 33/18. In: ARAUJO, Juliana Furtado Costa; CONRADO, Paulo Cesar. Inovações na cobrança do crédito tributário. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 24.

[3] SCHOUERI, Luís Eduardo. Livre concorrência e tributação. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Org.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2007b. v. 11. p. 254

[4] RIBEIRO, Diego Diniz. Precedentes em matéria tributária e o novo CPC. In: CONRADO, Paulo Cesar (Coord.). Processo Tributário Analítico – Volume III – São Paulo: Noeses, 2016, p. 122.

[5] RIBEIRO, 2016, p. 123.

[6] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios – 5ª ed. – São Paulo: Thomson Reuters, 2016, p. 338.

[7] MARINONI, 2016, p. 339-340.

[8] Rcl 30326 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 06/09/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 19-09-2019 PUBLIC 20-09-2019.

[9] Nos casos em que não tem admitido a Reclamação o STF tem afirmado a necessidade de prévio esgotamento das instâncias ordinárias. Veja-se: Rcl 37762 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 15/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-118 DIVULG 12-05-2020 PUBLIC 13-05-2020; Rcl 31361 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 14/02/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-049 DIVULG 06-03-2020 PUBLIC 09-03-2020; Rcl 31486 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 19/11/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-251 DIVULG 23-11-2018 PUBLIC 26-11-2018; Rcl 37964 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 15/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-097 DIVULG 22-04-2020 PUBLIC 23-04-2020.

[10] Rcl 36.476/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/02/2020, DJe 06/03/2020.

LÁZARO REIS PINHEIRO SILVA – Mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Procurador do Estado de Goiás em Brasília.

Fonte: site JOTA, de 26/6/2020

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