28/7/2021

Professora temporária não tem direito a adicional de insalubridade

Por Tábata Viapiana

O adicional de insalubridade não prescinde de previsão legal específica, uma vez que não se trata de garantia constitucional assegurada aos servidores públicos em geral (CF, artigo 39, §3º), não sendo possível estender aos temporários um benefício previsto para celetistas e efetivos.

O entendimento é da 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo ao reformar sentença de primeiro grau e isentar o Estado de São Paulo do pagamento de adicional de insalubridade em grau médio a uma professora temporária.

A servidora foi admitida, por meio de contrato temporário, para o exercício da função de professora de educação básica em uma unidade de internação hospitalar pediátrica no Hospital das Clínicas. O contrato durou oito meses e, após o encerramento, a professora ajuizou ação para receber o adicional de insalubridade.

O pedido foi deferido em primeira instância com base em laudo pericial que reconheceu as condições insalubres do local de exercício funcional da autora. Entretanto, por unanimidade, o TJ-SP deu provimento ao recurso do Estado para afastar o pagamento do benefício.

Isso porque, segundo o relator do processo, desembargador Carlos Von Adamek, o adicional de insalubridade previsto na LCE 432/85 é devido apenas aos servidores contratados em caráter permanente, o que não é o caso da autora.

"O pagamento do adicional pressupõe o exercício permanente da função por servidor público titular de cargo efetivo, não sendo devido aos servidores contratados por vínculo temporário, especialmente considerando que a LCE 1.093/09 não prevê o pagamento do benefício", afirmou.

O magistrado ressaltou que a remuneração adicional por atividades insalubres é prevista no artigo 7º, inciso XXIII, da CF, sendo, portanto, um direito garantido aos trabalhadores submetidos ao regime celetista, e não aos servidores públicos, por disposição do artigo 39, §3º, da CF.

"Assim, realizada a contratação temporária com fundamento no artigo 37, inciso IX, da CF, o direito à percepção do adicional de insalubridade não pode ser reconhecido, na ausência de previsão expressa na lei que disciplina o contrato temporário no âmbito do respectivo ente federativo. No caso, a LCE 1.093/09 prevê, além do pagamento da remuneração, apenas o direito ao 13º e às férias remuneradas", completou.

Além disso, para o relator, entendimento em sentido contrário implicaria em violação à Súmula Vinculante 37 do STF ("não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia").

1020207-48.2017.8.26.0344

 

Fonte: Conjur, de 27/7/2021

 

 

Senado ressuscita proposta de reforma que une tributos estaduais e municipais

Por Adriana Fernandes

Enquanto a Câmara avança na discussão do IR, relator da PEC 110 quer apresentar seu parecer em agosto, prevendo criação da Contribuição sobre Bens e Serviços, união de PIS e Cofins, e do Imposto sobre Bens e Consumo, fusão de tributos estaduais e municipais

Com o avanço das negociações do projeto do Imposto de Renda na Câmara, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), decidiu ressuscitar uma proposta de reforma tributária mais ampla, que abrange também os impostos estaduais e municipais.

O relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), trabalha para apresentar o seu parecer no início de agosto com um modelo de tributação conhecido como “dual”. Por esse desenho tributário, o Brasil passaria a ter dois tributos sobre o consumo: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), unindo os impostos federais PIS e Cofins, e o Imposto sobre Bens e Consumo (IBS), fusão dos tributos estaduais e municipais. O prazo de transição do IBS seria de 4 anos, incluindo um ano de teste.

Reuniões técnicas estão ocorrendo há cerca de três semanas com a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, e da Receita para buscar um acordo.

Ao Estadão, Rocha disse que o objetivo é ter uma reforma ampla que respeite o pacto federativo e as relações já consolidadas no setor privado. Segundo ele, “para ficar ruim”, o sistema tributário brasileiro “precisa melhorar muito”. “Tem um olho para o futuro e incorpora os avanços do passado”, disse o relator. Ele está buscando uma convergência com a equipe do ministro e com os governos regionais para conseguir aprovar a PEC.

Apesar de convergências em pontos importantes do texto, Guedes quer colocar “arestas” porque vê ainda risco de o Senado ressuscitar a proposta de reforma tributária ampla do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), a PEC 45, com um imposto único, fundindo todos os tributos federais, estaduais e municipais. Essa ideia foi engavetada depois da apresentação de parecer pelo relator Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-pb). A equipe econômica teme “infiltrados” da PEC anterior na elaboração do novo texto.

O ministro também já deixou claro nas reuniões que não aceita a criação de um fundo regional com recursos da União para compensar eventuais perdas de Estados e municípios.

Divisão. No acordo político costurado entre Pacheco e o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), a reforma tributária foi dividida em partes: os projetos da CBS e do Imposto de Renda ficaram com a Câmara; a PEC 110 do IBS e o projeto do Refis (parcelamento de débitos tributários), com o Senado. Mas, enquanto a discussão da proposta do IR tem avançado na Câmara, com apresentação do parecer preliminar do deputado Celso Sabino (PSDBPA), o Senado não andou com a da PEC e, agora, pretende recuperar o tempo perdido.

A proposta da PEC já deve prever a criação da CBS, permitindo que funcione como uma espécie de “passe” constitucional para o mesmo tributo previsto no projeto do governo em tramitação da Câmara.

Outro avanço importante nas negociações trata do aporte de recursos para que os Estados possam fazer políticas de desenvolvimento regional. Pela proposta em negociação, os recursos viriam de uma parcela do próprio IBS, sem aporte da União. A proposta foi apresentada aos secretários de Fazenda e há uma tendência de menor resistência do que antes. Os Estados defendiam antes uma reforma ampla, com um único imposto. As resistências continuam com os municípios, que não querem abrir mão do ISS (o principal imposto municipal). Guedes propôs uma alíquota de 10% para o IBS e 10% para os Estados, sem o ISS dos municípios.

Segundo o diretor institucional do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz), André Horta, os Estados estão aceitando que os recursos para o desenvolvimento regional saiam de uma parcela de arrecadação do novo imposto. A ideia é que uma parcela do IBS seja depositada nos Estados para investimentos. Horta estima recursos de R$ 80 bilhões por ano, valor, segundo ele, negociável. .

 

Fonte: Estado de S. Paulo, de 28/7/2021

 

 

Justiça de SP recebe denúncia, e Procurador do estado vira réu por homofobia nas redes sociais

Por Fabio Turci

A Justiça de São Paulo recebeu denúncia e tornou réu por homofobia o Procurador do Estado Caio Augusto Limongi Gasparini devido a postagens discriminatórias nas redes sociais entre os anos de 2019 e 2020.

Na denúncia, a promotora Maria Fernanda Balsalobre Pinto, do Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância (Gecradi), argumentou que o acusado "promoveu discriminação e preconceito, atribuindo inferioridade ao grupo LGBT+ ao classificar a homossexualidade como algo 'errado'".

O Procurador tem dez dias para apresentar uma defesa preliminar. Depois disso, o juiz decidirá se dará andamento ou não ao processo. O G1 tentou contato com Gasparini, solicitando manifestação sobre o caso, e aguarda retorno.

A investigação teve início após denúncias de postagens do Procurador nas redes sociais chegarem ao conhecimento da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), que abriu uma sindicância para apurar o caso e alertou o MP. Foi aberto, também, um inquérito policial na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) para investigar o caso.

Durante o inquérito, o Procurador negou a prática de “discurso de ódio ou de atos de preconceito e discriminação”, afirmando que as publicações feitas por ele na internet tinham a intenção de afirmar “seus valores conservadores e cristãos”.

O Procurador entendeu ser vítima de abuso de autoridade, alegando que houve vazamento de informações sigilosas do processo administrativo instaurado contra ele na Corregedoria da PGE.

Em nota, a PGE disse que "os procedimentos disciplinares instaurados para apuração de eventuais infrações disciplinares imputadas a Procurador do Estado têm caráter sigiloso, exceto a decisão final e a que julgar recurso ou revisão" e que a Corregedoria "está impedida, por força de lei" de comentar o caso enquanto não for concluído.


Fonte: Portal G1, de 26/7/2021

 

 

O Procurador, a homofobia e a rede social

Por João Batista Jr.

Membro da procuradoria vira réu por atacar LGBTs em seu perfil no Facebook

Uma investigação entre colegas na Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo tem chamado a atenção da categoria, virou inquérito policial e, na sexta, dia 23, fez com que um procurador se tornasse réu por homofobia. Tudo começou quando o corregedor-geral da instituição, Adalberto Alves, encaminhou um pedido de investigação ao Ministério Público após constatar que seu colega, o procurador Caio Augusto Limongi Gasparini, usava seu perfil aberto no Facebook para disseminar mensagens de conteúdo homofóbico. Entre junho de 2019 e julho de 2020, Gasparini fez onze publicações contrárias aos gays, muitas vezes com palavras violentas.

Sobre famílias homoafetivas reunidas na Parada do Orgulho LGBT de 2019, realizada na Avenida Paulista no dia 24 de junho, Gasparini postou na mesma data: “NOJO, NOJO MÁXIMO. Degenerados filhos de uma puta.” Em outra postagem, no dia 12 de junho de 2020, o procurador associa homossexualidade e pedofilia: “Trago verdades e não me importam os seus brios. O fato é que há uma relação evidente e escancarada. Erotização leva a promiscuidade, que leva ao homossexualismo e que leva a pedofilia. É um barranco inexorável.” Também há mensagens divulgando desinformação, como esta postada no dia 12 de julho de 2019, sobre a existência de algo que não existe, uma “cartilha gay nas escolas para crianças a partir de 6 anos com imagens pornográficas inclusive”.

Ao tomar conhecimento dessas publicações, a promotora Maria Fernanda Balsalobre Pinto, do Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância de São Paulo, ofereceu denúncia contra Gasparini. No documento de dezoito páginas, ela justifica que as postagens reiteradas expressam inferiorização, aversão, estigma e nojo para essa minoria. “Eu ofereci denúncia pela prática de racismo, não de homofobia, por ser algo mais atual. De acordo com um entendimento do Supremo Tribunal Federal, do ano de 2019, homofobia e transfobia envolvem aversão odiosa para um grupo específico e, portanto, expressam racismo”, explica Balsalobre Pinto. Ela reitera que não se trata de um caso de censura da opinião do procurador. “Racismo e homofobia são crimes.” O crime de racismo tem pena de um a três anos de reclusão. No caso do procurador Limongi Gasparini, há o agravante de ter repetido suas ações de forma reiterada. O crime de racismo é inafiançável e imprescritível.

O Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância foi inaugurado no fim de fevereiro deste ano, desde quando recebeu 285 casos até junho. As investigações de crimes de ódio praticadas nas redes são mais complexas e demoradas de serem solucionadas, pois muitas vezes autores se escondem em perfis apócrifos. Não foi o caso em questão. “O procurador Limongi Gasparini veiculou todas as mensagens de ódio a partir de seu perfil verdadeiro, com foto de seu rosto, sem esconder nada de ninguém”, diz a promotora.

Procurado pela piauí, Limongi Gasparini declinou do pedido de entrevista. Em seu perfil de Facebook, onde somava nesta segunda-feira (26) 1.170 seguidores, ele afirmou ser alvo de perseguição política – ele é apoiador do presidente Jair Bolsonaro. Em outra mensagem postada nas redes em julho, Limongi reiterou não se arrepender de suas postagens nem das consequências acarretadas por elas, como afirmou em uma publicação feita no 10 de julho deste ano: “O MP diz que sou homofóbico porque escrevi – e reitero! – que a exposição de crianças à agenda da sopa de letrinhas me dá nojo.”

O deputado estadual Gil Diniz (sem partido-SP), aliado de Bolsonaro e investigado pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito das fake news, saiu em defesa de Gasparini e entrou com representação contra o corregedor Adalberto Alves, sob as acusações de abuso de autoridade e perseguição religiosa e política. Procurado pela piauí, Gil Diniz não quis dar entrevista.

Na sexta, 23, o juiz Richard Francisco Chequini, da 20ª Vara Criminal da capital, recebeu a denúncia do Ministério Público, e Gasparini se tornou réu pelo crime de racismo por causa das mensagens homofóbicas. No sábado (24), Gasparini fez nova postagem no Facebook. Disse que nega qualquer intenção de “incitar a discriminação contra alguém” e afirmou que seus posts são uma “forma de expressão satírica de como interpreta a vida”.

Caio Augusto Limongi Gasparini tem 44 anos, é casado e católico. Como procurador, carreira de Estado que exige concurso público, recebeu em junho de 2021 um dos maiores salários do funcionalismo público do Brasil: brutos, 42.057,23 reais. O valor líquido foi de 28.360,36 reais, segundo dados do Portal da Transparência.

Além da investigação da Corregedoria, os posts de Limongi Gasparini resultaram em mais três procedimentos, cujas consequências podem ir de condenação na esfera criminal à perda de seu cargo na esfera administrativa. O conselho da corregedoria deve se reunir ainda neste semestre para avaliar se o caso deverá motivar a destituição do procurador de seu cargo.

Por causa das postagens, Gasparini também é alvo de um inquérito civil por improbidade administrativa, que tramita na Promotoria de Justiça e Direitos Humanos, e um inquérito policial para apurar prática de homofobia, aberto no 1º Distrito Policial pelo delegado Sandro Thadeu Carhel Pinto Verga, e de um procedimento administrativo aberto pela Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania (ele fez posts considerados ofensivos contra Marcelo Gallego, advogado e coordenador de Políticas para a Diversidade Sexual), pelo qual pode receber desde advertência até uma multa pecuniária de até 3 mil reais. “A Secretaria da Justiça e Cidadania informa que o caso ainda está em fase de instrução, sendo sigiloso nos termos do artigo 64, da lei estadual nº 10.177/1998, não sendo possível dar informações até ser proferida decisão final. A fase de instrução é a oportunidade da defesa e da acusação externarem suas versões dos fatos”, diz um comunicado da secretaria enviado à reportagem.

Os posts de Gasparini viraram alvo da corregedoria por acaso. Adalberto Alves recebeu uma representação da Defensoria Pública da União pedindo uma investigação a respeito de uma publicação feita por Gasparini e considerada ofensiva à instituição, em março de 2020. Dizia o texto: “No meio dessa loucura, um defensor público – com certeza um bunda mole, com menos de trinta anos, com calça apertadinha na canela, que passou da facu paga pelos pais para o concurso público – toma um nespresso e resolve entrar com uma ação aí.” Ao averiguar a veracidade desse caso, o corregedor Adalberto Alves se deparou com conteúdo considerado mais grave.

“Não posso falar de nenhum processo em específico, mas asseguro que a PGE não tolera nenhum caso de homofobia nem qualquer outro tipo de discriminação”, diz Adalberto Alves. “E, hoje, quando enfrentamos os maiores desafios jurídicos decorrentes da pandemia do Covid-19, o gabinete da PGE é composto por três procuradoras extremamente competentes.” Não existe em todas as esferas jurídicas do país outro integrante sendo processado por publicar ataques homofóbicos em rede social.

Plataforma usada para disseminação do conteúdo homofóbico, o Facebook tem 3 bilhões de usuários. Segundo a plataforma, os sistemas de filtros e de inteligência artificial conseguem detectar 97% de todo o conteúdo de ódio, que uma vez postados entram em uma fila de espera. Em até 24 horas, eles serão analisados por humanos para checar se violam as regras da plataforma. De acordo com dados do primeiro semestre de 2021, entre 5 e 6 posts com conteúdo de ódio, de um total de 10 mil, chegam a impactar e entrar na timeline das pessoas (todos os outros são removidos antes de atingirem alguém, segundo o Facebook).

Na prática, a retirada de posts se torna mais complexa. A análise do MP no Facebook de Gasparini detectou posts considerados homofóbicos publicados há mais de um ano, e que portanto escaparam do crivo da brigada da rede social para evitar ataques de ódio. Após a denúncia do MP, algumas das onze publicações de Gasparini foram tiradas do ar pelo Facebook. Mas outras tantas seguem lá e podem ser lidas por qualquer pessoa.

Questionado sobre o caso do procurador Caio Augusto Limongi Gasparini, cujo perfil aberto em nenhum momento foi tirado do ar, o Facebook explica que existe uma hierarquia de repreensões, que vai de impedir que a pessoa publique um novo conteúdo por um período de 7 a 30 dias ou até por um tempo indeterminado. Em casos extremos, ocorre a exclusão da rede social. Em nenhum momento Limongi Gasparini teve seu perfil tirado do ar.

“Não permitimos a disseminação de ataques diretos a pessoas com base em características como raça, etnia e orientação sexual. Temos hoje mais de 35 mil pessoas trabalhando em áreas ligadas à segurança, e usamos uma combinação de denúncias da nossa comunidade, tecnologia e revisão humana para aplicar nossas políticas. Para se ter dimensão desse trabalho, no primeiro trimestre de 2021 o Facebook removeu 25,2 milhões de conteúdos com discurso de ódio da plataforma, quase 97% destes antes mesmo que alguém denunciasse. Vale ressaltar que buscamos constantemente aprimorar não só a aplicação dessas políticas, mas também a construção das mesmas, em conjunto com especialistas e organizações de direitos humanos e direitos LGBTIQ+“, enviou o Facebook via comunicado para a piauí.

João Batista Jr. é Repórter da piauí, publicou A Beleza da Vida: A Biografia de Marco Antonio de Biaggi (Abril).


Fonte: Revista Piauí, 26/7/2021

 

 

O patrimonialismo brasileiro e a importância da garantia da estabilidade do servidor público

Por Fábio George Cruz da Nóbrega

A Reforma Administrativa apresentada pelo governo federal (PEC 32/20) põe novamente em discussão o instituto da estabilidade dos servidores públicos em nosso país.

Referida estabilidade, como um dos mais importantes atributos inerentes aos que exercem funções públicas, foi prevista no Brasil, pela primeira vez, há mais de 100 anos, em 1915, através da Lei 2.942, que a estabelecia após o cômputo de 10 anos de carreira.

Num país de forte presença da cultura patrimonialista, em que muitos ainda buscam se utilizar da administração pública para a satisfação de interesses particulares e não coletivos, a estabilidade foi pensada, justamente, como uma garantia de independência na atuação dos servidores contra as constantes ingerências e pressões a que estão submetidos.

Não foi raro, observar, por exemplo, especialmente nos entes políticos subnacionais, agentes políticos eleitos buscarem, logo após a posse, alterar significativamente o quadro de servidores estabelecido, de modo a preencher os cargos com pessoas próximas ou simpatizantes da nova “ordem política”.

Tal fato revela uma segunda justificativa importante para o instituto da estabilidade, qual seja, a garantia de manutenção de um quadro permanente de servidores, para além dos governantes transitórios, de forma a permitir a continuação dos serviços públicos desenvolvidos.

Mesmo nos Estados Unidos da América, país de forte tradição republicana, o revezamento de poder entre os partidos resultou, durante largo período, na alteração substancial do quadro de servidores, de modo a propiciar o seu preenchimento por pessoas partidárias, vinculadas aos novos agentes eleitos ou às suas ideias.

Por isso, a estabilidade foi incorporada à legislação da ampla maioria dos países civilizados como uma proteção ao desempenho altivo das funções públicas, sem o temor de que os servidores viessem a perder os cargos ou sofrer represálias em razão de interesses por eles contrariados.

No Brasil, a Constituição Federal de 1934 foi a primeira a prever o instituto, reduzindo o prazo de sua obtenção para 2 anos de exercício.

Essa garantia foi mantida pelas constituições subsequentes, incluindo a de 1988, até que, em 1998, a Emenda Constitucional nº 19 aumentou o prazo para 3 anos e flexibilizou o instituto ao prever, também, a possibilidade de perda do cargo em razão de avaliação insuficiente de desempenho, de forma a não permitir que a importante proteção da estabilidade viesse a servir de blindagem protetora para maus servidores.

Ultrapassados mais de 20 anos da referida alteração constitucional, o instituto da avaliação de desempenho ainda não foi regulamentado.

E aqui reside a maior incoerência na proposta em tramitação no Congresso Nacional. Segundo apregoam os seus defensores, a motivação para acabar com a estabilidade dos servidores, com exceção dos que exercem carreiras típicas de Estado, seria, justamente, impedir a manutenção nos quadros da administração de agentes acomodados, ineficientes, não mais comprometidos com a necessária dedicação e atenção na prestação de serviços públicos.

O argumento não se sustenta. Afinal, bastaria a regulamentação do procedimento de perda de cargo por má avaliação de desempenho, em mora legislativa há 23 anos, para que a referida preocupação, legítima, restasse acobertada.

Analisando os fatos da histórica política do país, o que se observa é que são fartos os exemplos, inclusive nos tempos atuais, em que servidores concursados e estáveis, recrutados pelo mérito, atuaram e continuam a agir servindo como barreira aos atos de corrupção que se pretendem ver praticados.

Assim, a estabilidade permite a organização de um quadro administrativo profissional e bem mais infenso às iniciativas patrimonialistas dos governantes de ocasião, bem como dos agentes externos, inclusive econômicos, que possuem trato regular com a máquina pública.

Infelizmente, ainda somos o país do uso tradicional do “sabe com quem você está falando?”. A estabilidade não foi e não é capaz de alterar, sozinha, esse cenário.

Mas, certamente, a cultura da corrupção, filha do patrimonialismo, ficaria mais dificil de se propagar e fixar raízes se a regra em nosso país fosse a da presença, em todos os setores da vida pública, de servidores concursados e estáveis desempenhando as suas funções.

A proposta da Reforma Administrativa vai na contramão desses esforços, ao permitir, também, a precarização no preenchimento de boa parte dos cargos públicos, com o acréscimo significativo de hipóteses de contratação temporária e de livre nomeação política.

Em tempo de retrocessos no combate à corrupção e à cultura da impunidade, o fim da estabilidade e a precarização na nomeação de servidores públicos é mais uma pá de cal nos esforços éticos e republicanos que vinham sendo implementados.

Fábio George Cruz da Nóbrega, procurador regional da República e ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República

 

Fonte: Blog do Fausto Macedo, de 28/7/2021

Siga a APESP nas redes sociais:

Whatsapp APESP

Receba notícias da APESP pelo WhatsApp adicionando o número +55 (11) 99428-9421 (não esqueça do "+55") na agenda do seu telefone. Depois, basta enviar uma mensagem pelo aplicativo com a palavra "notícias" e o nome do associado. Fique informado sobre tudo o que acontece na sua Associação"
Copyright © *|CURRENT_YEAR|* *|LIST:COMPANY|*, All rights reserved.
*|IFNOT:ARCHIVE_PAGE|* *|LIST:DESCRIPTION|*

Want to change how you receive these emails?
You can update your preferences or unsubscribe from this list.

*|IF:REWARDS|* *|HTML:REWARDS|* *|END:IF|*