Dois anos depois, STF retoma discussão de súmulas
A edição de súmulas vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal (STF) está travada há mais de dois anos. O presidente do tribunal, Dias Toffoli, no entanto, promete retomar o uso do instrumento ainda no primeiro semestre deste ano. O ministro incluiu na pauta de julgamentos duas propostas de súmulas vinculantes (PSV) que buscam uniformizar o entendimento da Justiça sobre o elevador do foro privilegiado e tributação de IPI. As duas matérias, porém, não estão com preferência nas sessões.
Especialistas acreditam que o fato de Toffoli ter reativado a discussão pode estimular a Corte a retomar o uso desse instrumento, uma vez que sua antecessora, a ministra Cármen Lúcia, não levou nenhum enunciado a julgamento.
Esses professores que estudam o comportamento do STF, entretanto, não relacionam o fato de a Corte ter ficado um longo período sem aprovar súmulas vinculantes à morosidade do tribunal.
A peculiaridade da ferramenta, que prevê uma série de exigências para ser usada, é um dos fatores elencado pelos estudiosos para justificar o hiato de junho de 2016, quando foi aprovada a última SV, e 2019, sem uma discussão sobre o tema.
Além disso, apontam o fato de o STF enfrentar um de seus momentos de maior divisão interna como outra explicação, uma vez que a súmula precisa de voto de dois terços para ser aprovada, enquanto ações constitucionais e recursos com repercussão geral, que podem cumprir papel similar, necessitam maioria simples.
O ex-ministro Ayres Britto afirma que o Supremo deve ter muito cuidado na edição de súmulas vinculantes, pois, além de precisar preencher vários requisitos para ser aprovada, retira do juiz uma de suas premissas principais, que é a liberdade para interpretar as leis.
“A sumula é uma exceção à autonomia do juiz, porque todo poder Judiciário naquela matéria fica preso àquilo que o STF decidiu. E a gente sabe que o típico da função jurisdicional é a liberdade, a independência política, em primeiro lugar, e a independência técnica, em segundo, do primeiro grau ao Supremo, para interpretar segundo sua ciência e consciência textos normativos”, afirma.
O ministro lembra que é necessário formar maioria de dois terços, o que é raro na Corte, para aprovar uma súmula. “São exigidos pressupostos rígidos para que seja editada, então é natural que transcorra um tempo alongada sem que se julgue uma súmula, que deve ser manejada de maneira parcimoniosa”, observa.
Britto cita, ainda, que o artigo é claro ao estabelecer que súmulas só podem ser aprovada “após reiteradas decisões” sobre determinada matéria constitucional “acerca das quais haja controvérsia entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica”.
As súmulas servem para uniformizar a atuação dos juízes de acordo com a jurisprudência do STF, mas não devem ser usadas sempre que um precedente for desrespeitado, alerta o ex-ministro: “Quando isso acontece, o mecanismo é outro, o mecanismo regular, normal, corriqueiro é o da reclamação, a súmula é excepcional e a Constituição prevê as situações em que pode ser aplicada”.
O fato de precisar de dois terços da Corte para ser aprovada, sublinha o ex-ministro, dá uma noção da importância da ferramenta. Além disso, Britto cita que outro fator que demonstra sua peculiaridade é que pode ser editado de ofício, ou seja, o STF não precisa ser provocado para atuar, como é a regra do Judiciário.
O professor da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito pela mesma instituição, Rafael Mafei, também afirma que os requisitos exigidos para edição de súmula vinculante deixam claro que se trata de um instrumento delicado que não pode ser aprovada de “afogadilho”.
“Os verbetes servem para dar ao tribunal o poder de vincular juízes de instâncias inferiores a seus entendimentos, mesmo quando tomados fora de ações de controle concentrado de constitucionalidade, que têm esse poder vinculante por sua natureza própria”, ressalta.
Mafei segue a linha de Britto de que estar há um tempo sem aprovar súmula não quer dizer que o tribunal está lento.
“O STF deve recorrer a ele sempre que atendidas as condições constitucionais: matéria repetidamente decidida fora de ações de constitucionalidade. Mais súmulas vinculantes, por si só, não resolverão magicamente os problemas judiciários do Brasil. É melhor caminhar com precisão analítica: pontuar as matérias específicas em que esses requisitos estejam presentes – especialmente a reiteração de decisões em um sentido uniforme – e cobrar do tribunal a edição de SV nesses casos. É preciso também considerar que essa imposição de entendimentos uniformizantes pode ocorrer por outras vias que não a súmula. O quadro é mais complexo do que a constatação de três anos sem SV permite aferir”, afirma.
Mafei critica o fato de o STF ter deixado em segundo plano, em alguns casos, os pressupostos fixados pela Constituição. Segundo ele, um ponto da Constituição não foi fielmente observado pela prática das súmulas vinculantes: embora a Carta exija ‘reiteradas decisões’, muitas súmulas foram editadas sem que essas decisões recorrentes existissem.
“Esse fato foi apontado por uma pesquisa do professor Rubens Glezer da Fundação Getúlio Vargas, um dos pioneiros no estudo das súmulas no Brasil. Isso claramente burla um controle que o Legislativo quis impor à edição desmedida de SVs”, cita.
E faz uma análise do cenário jurídico brasileiro: “É preciso considerar também que o Brasil tem uma cultura forte tanto de litigiosidade, quanto de independência judicial. Esse caldo é perfeito para a criação de distinções que escapem à incidência de súmulas. Mas a súmula segue sendo importante, porque facilita a adoção de mecanismos mais céleres para garantir sua observância”.
O advogado Thomaz Pereira, professor da FGV Direito Rio, acredita que muitas vezes o tribunal prefere pacificar entendimentos em julgamentos de ações constitucionais, que também têm efeito vinculante, ou em recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida, que não são vinculativos, mas cumprem papel parecido, do que com as súmulas.
“Digamos que as SVs têm mais exigências formais e dão um resultado parecido com as ADIs, ADCs e REs com repercussão geral. Não é a mesma coisa, mas a súmula vinculante exige supermaioria para ser aprovadas. Então, diante de um STF dividido sobre determinados temas, às vezes é mais fácil ter uma maioria capaz de decidir aquela mesma tese em outro tipo processual”, diz.
Observando o comportamento da Corte, diz, parece que a súmula passou a ser “custosa demais, não gerando benefícios suficientes em comparação com decisões em repercussão geral”.
Ele também explica que, logo após a aprovação da emenda constitucional 45, o Supremo havia diversos temas maduros que tinham condições de se tornarem súmulas vinculantes, por isso o instituto foi usado com frequência no começo.
Além disso, ele destaca que as SVs vinculam a administração pública e “por isso talvez ela seja mais usada em questões que digam respeito ao Executivo, porque tem esse efeito específico muito relevante”.
O constitucionalista Eduardo Mendonça, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, acredita que a SV “não pegou” e que se o presidente Dias Toffoli começar a pautar as propostas isso pode estimular o STF a recorrer com mais frequência a essa ferramenta.
Ele acha que uma das explicações para o tribunal ter passado mais de dois anos sem julgar uma PSV é que as decisões definitivas do plenário da Corte, por si só, já têm força de precedente. “Não é imprescindível que aquele entendimento seja sumulado para surtir efeito de formar jurisprudência. Acho que a súmula é mais útil para processos que não envolvem recurso extraordinário ou controle abstrato de constitucional”, afirma.
Mendonça também critica o fato de sistema de Justiça ter se acostumado com decisões de segunda instância que desrespeitam precedentes do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Isso gera retrabalho, quebra de isonomia, e a súmula vinculante pode ajudar. Como o STF já tem lógica de criar precedente, acho que a súmula pode ser usada como um ‘plus a mais’”, afirma.
Foro e IPI
O Supremo deve retomar a discussão de duas súmulas que começaram a ser julgadas, mas tiveram as análises interrompidas por pedido de vista do ministro Teori Zavascki, morto em fevereiro em 2017 e sucedido pelo ministro Alexandre de Moraes, que liberou os casos para julgamento em 2017 mesmo.
Para a pauta da sessão de 13 de fevereiro, está previsto o julgamento da proposta de súmula vinculante (PSV) 115, de autoria do então presidente da Corte ministro Ricardo Lewandowski, que trata sobre o foro por prerrogativa de função e estabelece o seguinte:
“Surgindo indícios do envolvimento de autoridade que detenha prerrogativa de foro, a investigação ou ação penal em curso deverá ser imediatamente remetida ao Tribunal competente para as providências cabíveis”.
Antes da vista, o ministro Edson Fachin havia votado contra o enunciado e Dias Toffoli tinha sido favorável, mas com a proposta de incluir no verbete a expressão “ativa e concreta” após a palavra envolvimento.
A discussão, no entanto, será retomada em um cenário diferente da época em que foi iniciada, quando o STF ainda não havia restringido o foro privilegiado para crimes cometidos durante o mandato e com relação com a função.
A outra (PSV 56) está marcada para 24 de abril e também é de iniciativa de Lewandowski. O magistrado foi acompanhado por Gilmar Mendes, Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux e teve a divergência de Marco Aurélio e Dias Toffoli, para estabelecer o seguinte: “Inexiste direito a crédito presumido de IPI relativamente à entrada de insumos isentos, sujeitos à alíquota zero ou não tributáveis, o que não contraria o princípio da não cumulatividade”.
Diz o artigo 103-A da Constituição sobre as súmulas vinculantes:
“O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de 2006).
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”.
Fonte: site do JOTA, de 25/1/2019
Nove estados apoiam reformar Previdência sem fazer transição
Pelo menos um terço dos governadores apoia uma reforma da Previdência na gestão de Bolsonaro sem carência —ou seja, a mudança valeria para os estados imediatamente após aprovada, sem tempo de transição para eventual adaptação nas regras.
A Folha apurou que os governos de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás, Roraima, Mato Grosso do Sul, Paraná e Acre se movimentam para que, uma vez aprovada, a reforma da Previdência seja incorporada pelos estados sem que precisem ser cumpridos os seis meses previstos na reforma de Michel Temer.
Na proposta de Temer, se, após a aprovação da reforma proposta pela União, os estados não aprovassem leis próprias para mudar o seu conteúdo em até seis meses, as regras valeriam para eles.
A expectativa é que haverá apoio até de estados governados pela oposição, como Rio Grande do Norte e Piauí. Os estados também vão acompanhar com atenção julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) marcado para 27 de fevereiro que aborda a possibilidade de redução de carga horária e salários de servidores em caso de gastos acima do estabelecido pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
A aceitação de medidas fiscais mais duras por um grupo que há cerca de dois anos nem sequer falava em reforma da Previdência é resultado direto do agravamento da crise nas contas públicas estaduais.
Sem recursos para pagar salários ou manter serviços básicos e também sem aval da União para elevarem o endividamento, alguns estados veem nessa espécie de “imposição da reforma” a melhor saída para se livrar das pressões dos servidores contra as mudanças na aposentadoria.
Segundo especialistas, a reforma da Previdência é crucial para os estados. Esses entes comprometeram boa parte de suas receitas com a folha de pagamento, em especial com inativos.
Entre 2012 e 2014, quando ainda contavam com o aval da União para se endividar, muitos dos estados usaram os recursos que obtiveram de organismos internacionais para elevar a folha de salários e dar reajustes no lugar de investir.
Entre 2013 e 2015, segundo Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco, os gastos dos estados com inativos cresceram 8% acima da inflação.
O resultado é uma situação fiscal preocupante e, em alguns casos, subdimensionada. “É como o paciente que faz um raio-X e esconde do médico uma das fotos”, diz Schneider, ao lembrar que estados chegaram a excluir auxílios e aposentadorias dos gastos com pessoal para burlar os limites da LRF. O movimento agora é inverso. Estados refazem as contas para não serem punidos por seus Tribunais de Contas e obter ajuda do governo federal —que avalia rever as regras de adesão ao programa de recuperação fiscal e aceitar um número maior de estados.
O Rio Grande do Norte, por exemplo, sustentava há poucos meses um nível de despesa com pessoal perto de 50% da receita, mas no relatório do último bimestre de 2018 —ainda não divulgado— vai mostrar que a relação é de 70%.
O mesmo ocorre com Minas Gerais. O gasto com pessoal, ao redor de 60% antes da revisão, deve chegar a 80% no próximo relatório.
Não é por acaso que Minas e Rio Grande do Norte estão entre os sete estados que declararam calamidade financeira, mecanismo de proteção que permite que governadores gastem acima dos limites permitidos sem sofrerem punições até que se rearranjem.
Completam o grupo Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Roraima, Mato Grosso e Goiás.
Segundo fontes com conhecimento das contas, Sergipe e Acre podem ser os próximos.
É claro que a crise econômica pesou, reduzindo a arrecadação, mas o gasto com pessoal foi o que mais prejudicou o caixa dos estados, diz Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Ibre/FGV (Instituo Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
Olhando a arrecadação do ICMS (principal fonte de receita dos estados), a situação dos governos que decretaram calamidade se assemelha ao daqueles que não decretaram.
Mas, dos 5 estados com a pior relação entre gastos com pessoal e gastos totais, 4 decretaram emergência.“É impressionante um estado gastar três quartos de suas despesas somente para pagar folha”, diz Vilma Pinto.
Fonte: Folha de S. Paulo, de 27/1/2019
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