Lei de Responsabilidade Fiscal está na pauta do STF desta quarta-feira (27)
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reúne-se nesta quarta-feira (27) em sessões de julgamento pela manhã, às 9h30, e à tarde, às 14h. Na pauta estão temas previamente determinados pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, que divulgou em dezembro passado os processos a serem julgados no primeiro semestre de 2019. Entre as matérias estão dispositivos da Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) questionados em sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 2238, 2250, 2261, 2256, 2324, 2241 e 2365) e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 24, todas sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
Em agosto de 2007, o Plenário concluiu o julgamento liminar na ADI 2238 e deferiu parcialmente as medidas pleiteadas. Essa e as demais ações devem ser julgadas conjuntamente na sessão da tarde. Em discussão estão pontos como os limites de gastos com pagamento de pessoal impostos LRF a órgãos como Tribunal de Contas, Ministério Público e outros. Também estará em discussão se é possível incluir a despesa com pensionistas no limite de gastos com pessoal, e o dispositivo da LRF, suspenso por medida liminar, que faculta aos estados-membros a redução de jornada de trabalho com redução salarial no serviço público.
Na pauta da manhã, entreestão processos como o Recurso Extraordinário (RE) 842846, com repercussão geral reconhecida, que discute a responsabilidade civil do Estado pelas atividades de cartórios. Também na pauta estão a ADI 5942, que questiona decreto presidencial sobre cessão de exploração de petróleo e gás pela Petrobras, e o RE 1027633, com repercussão geral reconhecida, que discute se é constitucional a responsabilização civil subjetiva de agente público por danos causados a terceiros no exercício da função pública.
Confira, abaixo, os temas dos processos pautados para julgamento nesta quarta-feira (27), às 9h30 e às 14h, no Supremo Tribunal Federal. A sessão é transmitida em tempo real pela TV Justiça, Rádio Justiça e no canal do STF no YouTube.
Sessão das 9h30
Recurso Extraordinário (RE) 842846 – Repercussão Geral
Relator: ministro Luiz Fux
Estado de Santa Catarina x Sebastião Vargas
O recurso envolve discussão acerca da responsabilidade civil do Estado em decorrência de danos causados a terceiros por tabeliães e oficiais de registro no exercício de suas funções. O acórdão recorrido entendeu que "o Estado, na condição de delegante dos serviços notariais, responde objetivamente pela reparação dos danos que os tabeliães e registradores vierem a causar a terceiros em razão do exercício de suas funções".
O Estado de Santa Catarina sustenta, em síntese, que "não é parte legítima para figurar no polo passivo de ação de indenização por dano resultante de mau funcionamento dos serviços notariais. É a pessoa física do tabelião ou do oficial de registro quem há de responder pelos prejuízos causados a terceiros no exercício da atividade notarial".
Em discussão: saber se o Estado responde civilmente em decorrência de danos causados a terceiros por tabeliães e oficiais de registro no exercício de suas funções.
PGR: pelo desprovimento do recurso extraordinário.
Recurso Extraordinário (RE) 808202 – Repercussão Geral
Relator: ministro Dias Toffoli
Estado do Rio Grande do Sul x Elton Rushel
O RE discute a aplicabilidade do teto constitucional à remuneração de substitutos (interinos) designados para o exercício de função notarial e registral em serventias extrajudiciais. O acórdão recorrido entendeu que "considerando que os interinos designados para o exercício de função delegada em serventias extrajudiciais exercem atividade de natureza privada, desempenhando as mesmas atribuições do titular, inviável aplicar a limitação remuneratória prevista no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal, destinada aos agentes públicos e servidores estatais".
O Estado do Rio Grande do Sul sustenta que não se pode comparar "os ganhos de notário ou registrador concursado, que desenvolve o serviço delegado, com o de interino que assume a título precário a serventia, na ausência do titular".
Em discussão: saber se os substitutos (interinos) designados para o exercício de função notarial e registral em serventias extrajudiciais devem estar submetidos ao teto constitucional.
PGR: pelo provimento do recurso extraordinário.
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5942 – Medida Cautelar
Relator: ministro Marco Aurélio
Autor: Partido dos Trabalhadores (PT)
Interessado: Presidente da República
A ação questiona o Decreto 9.355/2018, que estabelece regras de governança, transparência e boas práticas de mercado para a cessão de direitos de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos pela Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras.
O Partido dos Trabalhadores sustenta que o decreto impugnado ofende diversos dispositivos constitucionais, tais como o Princípio da Reserva da Lei, a criação de hipóteses de dispensa de licitação sem fonte legal válida, a invasão e competência legislativa reservada ao Congresso Nacional, entre outros.
O presidente da República manifestou-se, preliminarmente, com fundamento em jurisprudência da Suprema Corte, pelo não conhecimento da presente ação, "haja vista se enquadrar o Decreto 9.355/2018 na categoria de ato normativo secundário, situado hierarquicamente em plano inferior às leis que lhe cabe regulamentar, o que inviabiliza seu cotejo direto com a Constituição Federal". No mérito, pela improcedência do pedido.
Em discussão: saber se o ato normativo impugnado usurpa competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação; se usurpa competência do Congresso Nacional; se ofende os princípios da legalidade, da separação de poderes, da moralidade, da impessoalidade e da eficiência; e se ofende os limites do poder regulamentar do chefe do Poder Executivo.
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2575
Relator: ministro Dias Toffoli
Partido Social Liberal (PSL) x Assembleia Legislativa do Paraná e outro
ADI contra norma que dispõe sobre a criação e as atribuições da Polícia Científica, órgão para o exercício da segurança pública do Paraná. Tais atribuições da Polícia Científica estão previstas no inciso III do artigo 46 e o artigo 50 da Constituição do estado, na redação dada pela Emenda Constitucional Estadual 10/2001. Alega o PSL que a norma é materialmente inconstitucional por criar um novo órgão para exercer a segurança pública no estado, não previsto no elenco taxativo do artigo 144 da Constituição Federal.
Sustenta ainda vício de inconstitucionalidade formal, ao argumento de que a emenda contestada, de iniciativa legislativa, trata de matéria reservada ao chefe do Executivo.
Em discussão: saber se a emenda constitucional estadual impugnada dispõe sobre matéria reservada à iniciativa do chefe do Executivo e se é incompatível com o modelo de segurança pública estabelecido na Constituição Federal.
PGR: pela procedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 10/2001, do Paraná.
Recurso Extraordinário (RE)1027633 – Repercussão Geral
Relator: ministro Marco Aurélio
Maria Felicidade Peres Campos Arroyo x Jesus João Batista
O recurso discute a possibilidade de o particular, prejudicado pela atuação da administração pública, formalizar ação judicial contra agente público responsável pelo ato lesivo.
O acórdão recorrido entendeu que "cumpre à vítima escolher quem irá demandar em Juízo no anseio de obter a reparação pelos danos suportados: (i) se o agente público, por ter sido ele o responsável direto pelo ato lesivo ou; (ii) se o Estado, por ter aquele agente atuado em seu nome, no exercício de uma função pública. No primeiro caso, aplicar-se-ão as regras específicas de responsabilidade civil do Estado (em regra, objetiva), enquanto que, no segundo caso, as regras comuns do instituto da responsabilidade civil (em regra, subjetiva), mostrando-se necessário aqui prova de culpa ou dolo do respectivo agente".
A parte recorrente sustenta, entre outros argumentos, que o acórdão interpretou de forma equivocada o disposto no 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988, negando-lhe vigência, à medida que reconheceu indevidamente a legitimidade passiva de agente político para figurar no polo passivo de ação que pleiteia indenização por ato inerente ao cargo por ele ocupado.
Em discussão: saber se é possível ao particular formalizar ação judicial contra o agente público responsável pelo ato lesivo quando prejudicado pela atuação da Administração Pública.
*Serão julgados em conjunto os embargos de declaração opostos no AI 720117.
Sessão das 14h
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2238
Relator: ministro Alexandre de Moraes Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e outros
Há diversos amici curiae admitidos
A ação, com pedido de medida cautelar, ajuizada pelo PCdoB, Partido Socialista Brasileiro (PSB) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT), na qual se questiona a validade constitucional da Lei Complementar 101/2000, que "estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal" e da Medida Provisória 1.980-20, de 29 de junho de 2000, que "dispõe sobre as relações financeiras entre a União e o Banco Central do Brasil".
Em agosto de 2007 o Tribunal deferiu em parte a medida liminar nos seguintes termos:
a) Rejeitou a arguição de inconstitucionalidade formal da lei, em sua totalidade, ao argumento de que o projeto deveria ter voltado à Câmara dos Deputados em razão de o Senado ter alterado certos dispositivos da lei. Rejeitou, também, a arguição de inconstitucionalidade formal da lei, em sua totalidade, ao argumento de que o projeto teria que ter disciplinado por inteiro o artigo 163 da Constituição Federal.
b) Não conheceu da ação quanto aos parágrafos 2º e 3º do artigo 7º, da Lei;
c) Indeferiu a liminar em relação aos seguintes dispositivos da Lei:
1. artigo, 4º, parágrafo 4º;
2. artigo4º, parágrafo 2º, inciso II;
3. artigo 7º, caput;
4. artigo 7º, parágrafo 1º;
5. artigo 9º, parágrafo 5º;
6. artigo 11, parágrafo único;
7. artigo 14, inciso II;
8. artigo 15;
9. artigo 17 e seus parágrafos;
10. artigo 18, parágrafo 1º;
11. artigo 20;
12. expressão “atendidas ainda as exigências do artigo 17” do artigo 24;
13. artigo 26, parágrafo 1º;
14. artigo 28, parágrafo 2º;
15. artigo 29, inciso I;
16. artigo 39, caput, incisos e parágrafos;
17. artigo 59, parágrafo 1º;
18. artigo 60;
19. caput do artigo 68;
d) Deferiu a liminar para suspender os seguintes dispositivos da Lei:
1. artigo 9º,parágrafo 3º;
2. artigo 12, parágrafo 2º;
3. expressão “quanto pela redução dos valores a eles atribuídos”, do parágrafo 1º do artigo 23;
4. artigo 23, parágrafo 2º
5. artigos 56 e 57
e) Declarou conformidade com a Constituição Federal o inciso II do artigo 21, para que se entenda como limite legal o previsto em lei complementar, e, quanto ao artigo 72, para que se entenda como serviços de terceiros os serviços permanentes.
f) Declarou prejudicada a ação direta de inconstitucionalidade relativamente ao pedido de concessão de liminar para suspender a eficácia do inciso I do artigo 3º e do artigo 4º da Medida Provisória nº 1.980-18, de 04 de maio de 2000. Declarou, também, prejudicialidade quanto ao artigo 30, inciso I, da Lei Complementar 101/2000.
Em discussão: saber se os dispositivos impugnados incidem nas alegadas inconstitucionalidades formais e materiais.
PGR: pelo conhecimento parcial da ação, e, na parte conhecida, pela procedência parcial do pedido.
*Sobre o mesmo tema serão julgadas em conjunto as ADIs 2250, 2261, 2256, 2324, 2241, 2365 e a ADPF 24.
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 24
Relator: ministro Alexandre de Moraes
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil x Presidente da República e Congresso Nacional
ADPF, com pedido de medida cautelar, na qual se questiona a validade constitucional da expressão "pensionista", constante no artigo 18 e em vários dispositivos do artigo 20 da Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).
São, em síntese, as seguintes alegações do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil:
1) que os "pensionistas não integram o conceito de pessoal da Administração Pública, por isso há despesas com pensões, tanto que na classificação orçamentária das despesas os dois tipos estão codificados diferentemente, embora sejam ambas despesas correntes";
2) que "o artigo 169 da Constituição não autoriza a lei complementar a fazer a repartição que foi feita pelo artigo 20" e que "a lei, no artigo 20 (inciso I, alíneas 'a', 'b' e 'd'), quebra a autonomia dos Poderes Legislativos e Judiciário da União";
3) que "o artigo 20 (incisos II e III), é ainda mais agressivo a preceitos fundamentais decorrentes da Constituição, porque viola o princípio federativo e a autonomia das unidades da Federação.
4) que há "verdadeiro atentado ao princípio da proporcionalidade, na medida em que se fixa um percentual arbitrário e geral, que não atenta para as peculiaridades de cada um dos serviços públicos submetidos à Lei de Responsabilidade Fiscal".
Em discussão: saber se presentes os pressupostos e requisitos necessários ao conhecimento da presente ADPF; se é possível incluir a despesa com pensionistas no limite de gastos com pessoal; e se a fixação de limite de gastos com pessoal para os estados-membros e sua repartição por esferas de poder e para o Ministério Público ofendem o princípio federativo e a autonomia do entes federados.
PGR: pela não admissão da arguição, à vista do princípio da subsidiariedade; caso contrário, pelo indeferimento da medida cautelar.
Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 883782 - Segundo Agravo Regimental
Relator: ministro-presidente
Manoel André da Silva x Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
Trata-se de segundo agravo interposto contra decisão que, reconsiderando a decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário com agravo ao fundamento de que a "irresignação foi interposta sem observância à ordem processual recursal e que teria havido supressão de instância", determinou a distribuição do recurso extraordinário com agravo.
A decisão ora agravada acolheu as alegações do agravante, INSS, que sustentou serem "insubsistentes os fundamentos da decisão, na medida em que, concluído o julgamento do recuso inominado e dos embargos de declaração pela Turma Recursal, no prazo comum de 15 (quinze) dias formalizou-se o Incidente de Uniformização de Jurisprudência relativo à lei federal e o recurso extraordinário protocolado quanto à matéria constitucional; pois, se assim não fosse, dar-se-ia a preclusão".
Insiste a Defensoria Pública da União que "estava correta a decisão monocrática primeira, que identificou a supressão de instância".
Esclarece que "houve a interposição concomitante de incidente de uniformização de jurisprudência, quanto à lei federal, e de recurso extraordinário, quanto à matéria constitucional, em prazo comum".
Sustenta que o "o Tribunal Pleno do STF já afastou a possibilidade de simultaneidade na interposição do incidente de uniformização e do recurso extraordinário".
Nessa linha, afirma que "a interposição do recurso extraordinário deveria ter sucedido o acórdão proferido no julgamento do incidente de uniformização, e questão constitucional houvesse, e não ter ocorrido simultaneamente com a interposição do incidente de uniformização".
Em discussão: saber se possível a interposição simultânea de recurso extraordinário e incidente de uniformização de jurisprudência.
Mandado de Segurança (MS) 31671
Relator: ministro Ricardo Lewandowski
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte x Governadora do Rio Grande do Norte
Mandado de segurança, com pedido de liminar, contra suposto ato omissivo da governadora do Rio Grande do Norte e do secretário do Planejamento e das Finanças consistente no repasse deficitário, referente aos exercícios de 2012 e 2013, dos duodécimos correspondentes às dotações orçamentárias consignadas ao Poder Judiciário do estado.
Afirma o impetrante que o Executivo estadual não vem repassando os valores referentes ao duodécimo orçamentário, correspondente a 1/12 dos valores previstos para o Judiciário potiguar, tal como determinado pelo artigo 168 da Constituição Federal.
Em suas informações, a governadora sustenta, em síntese, que há uma estimativa de déficit no fechamento do exercício financeiro do estado, fato que motivou o contingenciamento de verbas orçamentárias, adotadas com base no Decreto Estadual 22.561/2012.
A liminar foi deferida, até o julgamento final do mandado de segurança, para que a governadora entregasse o valor integral dos respectivos duodécimos correspondentes às dotações orçamentárias destinadas, na forma da lei, ao Judiciário.
Em discussão: saber se o alegado ato omissivo viola o disposto no artigo 168 da Constituição Federal.
PGR: pela concessão da ordem.
*O julgamento será retomado com o voto-vista do ministro Gilmar Mendes.
Fonte: site do STF, de 27/2/2019
Resolução PGE 5, de 26-2-2019
Dá nova redação à Resolução PGE 12/2018, para especificar os procedimentos necessários à efetivação da compensação por ela disciplinada
Clique aqui para o anexo
Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 27/2/2019
Resolução PGE 6, de 26-2-2019
Prorroga o prazo para a conclusão das atividades do Grupo de Trabalho instituído pela Resolução PGE 41, de 10-10-2018
Clique aqui para o anexo
Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 27/2/2019
Resolução PGE 7, de 26-2-2019
Institui Grupo de Trabalho com a finalidade de identificar eventuais reflexos da Medida Provisória 868, de 27-12-2018, na regulação e prestação de serviços de saneamento básico no Estado de São Paulo, bem como na modelagem jurídica atualmente adotada para contratualização desses serviços com os Municípios
Clique aqui para o anexo
Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 27/2/2019
Portaria SUBGCTF 01, de 8-2-2019
Dispõe sobre a organização e as atribuições da Procuradoria da Dívida Ativa, vinculada à Subprocuradoria Geral do Contencioso TributárioFiscal, disciplina as rotinas de atuação e dá providências correlatas
Clique aqui para o anexo
Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 27/2/2019
Uma abordagem psicossociológica da Advocacia-Geral da União
Por Rommel Macedo
Há cerca de 15 anos estamos pesquisando a advocacia pública nacional, publicando livros e artigos que abordam os vários aspectos dessa relevante função essencial à Justiça, à luz da Constituição Federal de 1988. Mais recentemente, esses estudos têm focado uma série de aspectos metajurídicos, que influenciam a organização e o funcionamento dos órgãos da advocacia pública, principalmente da Advocacia-Geral da União.
O escopo deste artigo é analisar, sob os prismas sociológico e psicológico, a identidade institucional dos membros da Advocacia-Geral da União. Nesse sentido, partiremos de duas indagações mais amplas: “como esperar coesão por parte de agentes públicos que atuam num mesmo órgão, mas sem princípios expressos que guiem sua atuação coletiva? Como esperar que a sociedade reconheça uma instituição cujos membros somente se preocupam com suas atividades individuais, sem compartilhar valores que permitam planejar e efetivar metas organizacionais?”[1].
O motivo para esses questionamentos é o fato de, 26 anos após a criação da Advocacia-Geral da União, ainda serem poucos os estudos publicados acerca dessa instituição. Isso, certamente, decorre do reduzido nível de coesão interna na AGU e de uma indefinição nos princípios que regem sua atuação institucional. Nesse cenário, a ciência jurídica não possui todas as respostas para os dilemas que afligem a Advocacia-Geral da União, devendo-se buscar subsídios noutros campos do conhecimento, visando melhor compreender sua organização e seu funcionamento.
Considerando tais premissas, dois aspectos serão considerados neste artigo, haja vista seu influxo sobre a identidade institucional dos membros da Advocacia-Geral da União: a) o elevado número de cargos em comissão (ou funções comissionadas) na estrutura da AGU; b) a existência de quatro carreiras na advocacia pública federal.
Num artigo recentemente publicado, a advogada da União Vanessa Affonso Rocha demonstrou que: “a AGU se utiliza de mais cargos comissionados/funções comissionadas do que Ministério da Justiça + Defensoria Pública Federal + Polícia Federal + Polícia Rodoviária Federal, tudo na forma dos decretos de estrutura regimental vigentes”. Nesse contexto organizacional, “cada ‘parcela de poder’ representada pelos cargos em comissão acaba por tornar-se um pequeno mundo particular, o que, em vez de garantir a uniformidade de atuação, acaba por afastá-la”[2].
Decerto, o principal impacto dessa profusão de cargos em comissão (ou funções comissionadas) ocorre sobre a identidade institucional dos membros da Advocacia-Geral da União, afastando-a do seu enquadramento constitucional como função essencial à Justiça. A esse respeito, num detalhado estudo acadêmico sobre a AGU, Adriano Martins de Paiva elucida que:
“O uso dos cargos comissionados reflete uma tendência maior da Advocacia-Geral da União à sujeição de mecanismos de manutenção da lealdade política com o projeto de governo em execução do que a neutralidade burocrática.
[...]
O uso do cargo de DAS[3] como ferramenta de controle não só burocrático mas também político pode ser considerado a partir das respostas dos próprios advogados da União, ocupantes ou não desses cargos, os quais em sua maioria consideram relevante o comprometimento do ocupante do cargo em comissão com a política do governo”[4].
A partir dos questionários distribuídos aos membros de dois órgãos de direção superior da AGU, Adriano Martins de Paiva chegou ao seguinte resultado: “60% entendem que a Presidência da República e os ministros dos gabinetes e gestores exercem influência no trabalho por eles desempenhado”[5].
Todo esse quadro possui duas principais consequências, num viés sociológico:
a) vários membros da AGU deixam de se identificar como advogados públicos de Estado (responsáveis por uma atuação estritamente técnico-jurídica), passando a identificar-se como agentes governamentais, alinhados com as cambiantes e partidárias diretrizes políticas;
b) a AGU passa a dividir-se em duas realidades funcionais: b.1) aquela dos ocupantes de cargos em comissão ou funções comissionadas, os quais tendem a uma maior identificação com as políticas governamentais; b.2) aquela dos membros que não ocupam cargos em comissão ou funções comissionadas, muitos dos quais se ressentem da pouca participação na definição dos rumos da Advocacia-Geral da União.
Essas divisões internas são agravadas pela existência de quatro carreiras na AGU, com distintas atribuições e órgãos de lotação, quais sejam: advogados da União, procuradores da Fazenda Nacional, procuradores federais e procuradores do Banco Central do Brasil. Sob o prisma psicológico, isso contribui para a formação daquilo que Freud denomina de “narcisismo das pequenas diferenças”. Trata-se do “fenômeno das comunidades vizinhas, e sob outros aspectos também muito próximas, que se atacam [...] umas às outras”[6]. Esses dissensos na advocacia pública federal remontam à própria criação da AGU, como afirma Paulo Álvares Babilônia ao analisar a Constituinte de 1987/1988: “a desunião e o confronto de forças entre os membros da própria Advocacia de Estado, que se apresentaram divididos e contrapostos em relação à proposta de se criar uma nova instituição jurídica no âmbito da União”[7].
Tendo em vista esses aspectos sociológicos e psicológicos, é compreensível o fato de poucos membros da AGU se dedicarem ao estudo da própria instituição, publicando artigos e livros acerca dessa função essencial à Justiça. Como bem sintetiza Freud, “nenhuma outra técnica de condução da vida ata o indivíduo tão firmemente à realidade quanto a insistência no trabalho, que ao menos o inclui com segurança numa parte da realidade, da comunidade humana”[8]. Ocorre que, “para que sensações, representações, pensamentos etc. alcancem uma certa importância mnêmica, é necessário que não permaneçam isolados, mas estabeleçam conexões e associações do tipo apropriado”[9].
Em suma, é muito desafiador estudar uma instituição marcada por divisões entre carreiras, entre atribuições, entre ocupantes e não ocupantes de cargos comissionados, espalhados por centenas de órgãos num país de dimensões continentais. Nesse emaranhado de visões díspares e autoimagens distorcidas, qualquer membro da AGU poderia corroborar aquele personagem de Dostoiévski, para quem: “Tudo se pode dizer da história [...]. Só uma coisa não se pode dizer: que ela seja sensata”[10].
[1] MACEDO, Rommel. AGU deve se legitimar institucionalmente efetivando seus princípios. Disponível em: . Acesso em 22 fev. 2019.
[2] ROCHA, Vanessa Affonso. Problema de cargos e funções na AGU e em outros órgãos é a má distribuição. Disponível em . Acesso em 22 fev. 2019.
[3] Cargos em comissão.
[4] PAIVA, Adriano Martins de. Advocacia-Geral da União: instituição de Estado ou de governo?. São Paulo: LTr, 2015. p. 96.
[5] Ibidem, p. 96.
[6] FREUD, Sigmund. O mal-estar na cultura. Trad. Renato Zwick. Porto Alegre: L&PM, 2014. p. 128-129.
[7] BABILÔNIA, Paulo Álvares. Advocacia-Geral da União: dos bastidores da Assembleia Constituinte de 1988 aos dias atuais. Brasília: Trampolim Jurídico, 2018. p. 306-307.
[8] Ibidem, p. 70.
[9] FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. v. 1. Trad. Renato Zwick. Porto Alegre: L&PM, 2018. p. 61.
[10] DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Notas do subsolo. Trad. Maria Aparecida Botelho Pereira Soares. Porto Alegre: L&PM, 2018. p. 40.
Rommel Macedo é advogado da União e mestre em Direito. Foi conselheiro seccional e presidente da Comissão da Advocacia Pública e do Advogado Empregado da OAB-DF (2010-2012), coordenador científico da pós-graduação Lato Sensu em Advocacia Pública, coordenador-geral substituto de Processos Judiciais e Disciplinares da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Justiça, coordenador-geral de Análise de Licitações e Contratos da Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Trabalho e Emprego e coordenador jurídico de Licitações e Contratos da Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Comunicações.
Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 27/2/2019
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