25/6/2021

Doria recebe autorização para contratar empréstimos de R$ 8,8 bilhões

Por Tulio Kruse

A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou nesta quarta-feira, 23, uma autorização para que o governo João Doria (PSDB) contrate empréstimos no total de R$ 8,8 bilhões com instituições financeiras nacionais e internacionais. O mesmo projeto também cria a Loteria Estadual e permite a venda de imóveis do governo. O placar teve 53 votos a favor 20 contra, e agora segue para a sanção do governador.

O valor aprovado é equivalente a cerca de 3,5% do orçamento estadual, o que significa um dos maiores impactos em investimento aprovados na Assembleia desde o início do governo Doria. O valor será destinado a diversas obras de infraestrutura, à Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e ao programa São Paulo Mais Digital. Aprovado em regime de urgência, o projeto tramitou no Legislativo estadual por duas semanas.

O projeto teve apoio da bancada do PT, que faz oposição a Doria, após um acordo para aprovar emendas da deputada Professora Bebel, que trazem mais transparência aos gastos com os empréstimos. A manobra gerou protestos de parlamentares contrários ao projeto, especialmente aqueles que fazem oposição ao governador pela direita.

“A nossa oposição é ao governo Doria, mas o projeto trata de investimento em projetos sociais”, justificou a deputada Bebel, que rebateu críticas da deputada Janaína Paschoal (PSL) contra o partido. Janaína, assim como outros deputados do PSL e do Novo, tentaram obstruir a sessão para que a base do governo não tivesse quórum suficiente para aprovar a medida, mas não conseguiram. “O PT lamentavelmente é alvo de deputados que deveriam cuidar de seus próprios partidos.”

A maior fatia dos empréstimos, no valor de R$ 5 bilhões, seria destinada a projetos de mobilidade urbana, infraestrutura em saúde, educação, segurança pública, obras de drenagem para enchentes, habitação e sustentabilidade. Há ainda R$ 2,5 bilhões para viabilizar dois programas da Sabesp – inclusive o plano de investimentos da companhia – e outro R$ 1,3 bilhão destinado ao programa São Paulo Mais Digital, que visa reformar plataformas online do governo.

Emendas

A oposição acusava o projeto de falta de transparência, especialmente na parte dedicada às obras de infraestrutura, que devem receber R$ 5 bilhões. As emendas aprovadas obrigam o governo estadual a apresentar relatórios à Alesp a cada semestre com uma prestação detalhada de contas de toda dívida externa contraída pelo governo estadual. Além disso, o governo fica obrigado a publicar no Diário Oficial cada operação de crédito feita com os empréstimos.

O relator do projeto, deputado Alex de Madureira (PSD), disse que o momento de preocupação com os efeitos da pandemia nas contas públicas passou, e que agora o governo tem fôlego para reiniciar investimentos.

“Mudou o momento, tanto é que a intenção desse projeto agora é girar a economia porque, de forma geral, estamos com a situação econômica controlada”, disse Madureira. “Entendemos ser importante a geração de emprego e renda aqui no Estado, que se injete esse dinheiro na economia, na realização de obras.”

Já uma parte da oposição se declarou contra o projeto por causa da falta de detalhamento. O governo enviou um documento com alguns planos para a aplicação do dinheiro, mas alguns parlamentares acharam insuficiente. “Já votei muitos empréstimos como parlamentar, sempre debatendo, mas nenhum empréstimo tinha esse tipo de teor, sem projeto, sem conteúdo, é a primeira vez que isso acontece”, disse o deputado Carlos Giannazi (PSOL). “Me parece que o governo se aproveita da situação da pandemia, estamos aqui no sistema online, a Assembleia trabalhando de forma muito precária, e vão passando os projetos.”

Além de defender duas emendas apresentadas pela oposição, líder do governo na Alesp, deputado Vinícius Camarinha (PSB), leu durante a sessão uma lista com as áreas em que o governo pretende os R$ 5 bilhões destinados à infraestrutura. A lista não foi incluída no projeto, portanto não tem caráter oficial.

Confira as áreas em que o governo pretende investir com os empréstimos:

R$ 800 milhões: Rodovia dos Tamoios
R$ 1 bilhão: programa de recuperação de estradas vicinais
R$ 940 milhões: recuperação e melhoria de rodovias
R$ 1,2 bilhões: Linha 6 do Metrô
R$ 500 milhões: construção de casas populares
R$ 200 milhões: reservatórios de contenção contra enchentes
R$ 500 milhões: barragens
R$ 60 milhões: obras de apoio a Unidades Báscias de Saúde
R$ 100 milhões: reforma de delegacias
R$ 150 milhões: infraestrutura de escolas

 

Fonte: Estado de S. Paulo, de 23/6/2021

 

 

Preferência da União em execução fiscal não é reconhecida pela Constituição de 88

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a preferência da União em relação a estados, municípios e Distrito Federal na cobrança judicial de créditos da dívida ativa não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. A maioria do colegiado seguiu o entendimento da relatora, ministra Cármen Lúcia, que propôs a invalidade de dispositivos do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966) e da Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/1980), além do cancelamento da Súmula 563, editada pelo Supremo em 1976.

O governo do Distrito Federal, autor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 357, alegava que as normas impugnadas prejudicavam a recuperação da dívida ativa e as contas dos governos locais. O concurso de preferência, segundo o executivo distrital, violava, ainda, o pacto federativo. Por essa razão, requereu a declaração de sua não recepção pela Constituição atual.

Por outro lado, a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou pela improcedência do pedido por entender que o tratamento prioritário concedido à União, ao contrário de ofender o princípio federativo, "dá-lhe efetividade, por permitir que os recursos arrecadados sejam empregados na correção de desequilíbrios regionais".

Histórico do federalismo

Lembrando que a discussão a respeito do tema não é nova no Supremo, a relatora observou que as Constituições brasileiras não comportavam, até a Emenda Constitucional 1/1969, norma expressa impeditiva da discriminação entre os entes federados, o que viabilizou, durante longo período, o concurso de preferência e prevalência de uns entes federados sobre outros.

Para contextualizar o tema, Cármen Lúcia traçou um histórico do federalismo por meio dos votos de ministros, nas décadas de 1960 e 1970, que moldaram a formulação, em 1976, da Súmula 563. A interpretação indicava a preferência da União na execução fiscal como compatível com o texto constitucional vigente na época.

Nova ordem constitucional

"O tema é sensível e merece ser reapreciado à luz das normas constitucionais inauguradas pela Constituição de 1988”, observou a ministra em seu voto. Para ela, após a promulgação da Constituição de 1988, os entes federativos se tornaram autônomos, e o tratamento entre eles passou a ser isonômico.

De acordo com a ministra, a repartição de competências é o "coração da Federação" que, diante da complexidade política e geográfica do território brasileiro, deve se pautar pela autonomia dos entes. No plano internacional, Cármen Lúcia ponderou que a União é soberana. Porém, no plano interno, ela "é autônoma e iguala-se aos demais entes federados, sem hierarquia, com competências próprias".

A relatora concluiu que o estabelecimento de hierarquia entre pessoas jurídicas de direito público interno para crédito de tributos contraria o artigo 19, inciso III, da Constituição de 1988, que veda à União e aos demais entes federativos criar preferências entre si. Seguiram esse entendimento a ministra Rosa Weber e os ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Luiz Fux.

Divergências

Ao elencar casos em que a União é prestigiada na dimensão fiscal do pacto federativo, o ministro Dias Toffoli defendeu que a ação fosse julgada totalmente improcedente. Ele citou que a receita decorrente de diversos tributos federais é partilhada entre União, estados, DF e municípios, como a arrecadação do Imposto de Renda e o Imposto sobre Veículos Automotores (IPVA).

Já o ministro Gilmar Mendes julgou a ação parcialmente procedente, por avaliar que o texto constitucional daria sustentação a uma ordem de precedência para a União sobre as outras Fazendas Públicas, exclusivamente, em relação aos créditos tributários.

 

Fonte: site do STF, de 24/6/2021

 

 

Em ADIs, partido e associação de procuradores questionam nova Lei das Licitações

O Partido Solidariedade e a Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape) ajuizaram, no Supremo Tribunal Federal, ações contra dispositivos da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021).

Na ação direta de inconstitucionalidade 6.890, o partido Solidariedade questiona a validade da parte final do inciso VIII do artigo 75 da lei, que veda a recontratação de empresa que já tenha sido contratada com base na dispensa de licitação em razão de emergência ou calamidade pública.

Para a legenda, embora tenha pretendido coibir as contratações emergenciais sucessivas, impondo à administração pública e a seus gestores o dever de gestão e planejamento eficientes, o dispositivo resulta em punição antecipada às empresas que prestam ou fornecem bens ao Estado em regime de contratação emergencial.

Essa vedação, segundo o pedido, ofende os princípios que devem nortear a administração pública e gera discriminação indevida, sobretudo em relação à necessidade da busca do melhor preço.

O relator, ministro Ricardo Lewandowski, determinou a aplicação do rito abreviado do artigo 12 da Lei das ADIs (Lei 9.868/1999), que dispensa a análise do pedido de liminar e autoriza o julgamento do mérito da ação em caráter definitivo pelo Plenário do STF. No despacho, ele solicitou informações ao partido e, em seguida, determinou que se dê vista dos autos, sucessivamente, à Advocacia-Geral da União e à Procuradoria-Geral da República.

Pacto federativo

A Anape, por sua vez, aponta, na ADI 6.915, a inconstitucionalidade do artigo 10 da nova lei, que impõe à advocacia pública, incluída a estadual e a municipal, a atribuição de promover a defesa de agente público que tenha atuado em procedimentos licitatórios, desde que tenha praticado atos em consonância com pareceres jurídicos lavrados pelas Procuradorias.

Para a associação, não cabe à União estabelecer atribuições aos órgãos da advocacia pública estadual e municipal, sob pena de ofensa ao pacto federativo. A eventual atuação na representação de agentes públicos, na avaliação da Anape, deve se dar por legislação específica e própria do ente federado, não podendo a União, a pretexto de tratar de normas gerais de licitação, criar tal incumbência. A ADI 6.915 foi distribuída ao ministro Nunes Marques. Com informações da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal.

ADI 6.890

ADI 6.915


Fonte: Conjur, de 24/6/2021

 

 

Em um ano, acordo de cooperação STJ e AGU otimiza tramitação processual e evita 350 mil novos recursos à corte

Mais de 350 mil recursos deixaram de ser enviados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela Advocacia-Geral da União (AGU) no período de um ano de vigência do acordo de cooperação técnica entre os dois órgãos, completado nesta quinta-feira (24).

A parceria surgiu com o objetivo de racionalizar a tramitação de processos, além de prevenir litígios, por meio do intercâmbio de dados, documentos e informações de interesse recíproco. Por representar judicialmente a União e diferentes órgãos e entidades federais perante o STJ, a AGU é um dos maiores demandantes da corte superior.

Para o presidente do STJ, ministro Humberto Martins, é preciso celebrar o benefício mútuo alcançado pela racionalização da tramitação de ações judiciais em que a União é parte. Segundo ele, o acordo vem permitindo, com a redução de processos, que o tribunal ofereça uma prestação jurisdicional mais célere, eficiente e transparente ao restante da população.

"Os números alcançados mostram uma expressiva diminuição na quantidade de processos encaminhados pela AGU, o que contribui para a redução da demanda processual do STJ. Com isso, o tribunal pode dar mais atenção à importante ação de gestão de precedentes, observou Martins.

Trabalho conjunto para a redução da demanda processual

Em junho do ano passado, STJ e AGU iniciaram o trabalho conjunto para colocar em prática ações ligadas à prevenção de litígios, para gerenciar precedentes qualificados e fomentar a resolução consensual de controvérsias que envolvessem processos relacionados aos órgãos e às entidades públicas representadas pela AGU.

No STJ, a operacionalização dos mecanismos de desjudicialização envolveu dois setores estratégicos: a Secretaria Judiciária e o Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas (Nugepnac).

Segundo o titular da Secretaria Judiciária do tribunal, Antonio Augusto Gentil, a partir do trabalho desenvolvido com o uso de inteligência artificial, a corte identificou os casos em que a pretensão do ente público se revelava manifestamente contrária aos precedentes do Tribunal, dando ensejo a sucessivas situações de não-conhecimento ou desprovimento dos recursos.

Com o mapeamento, foram formuladas estratégias visando à redução dos litígios, a resolução consensual de controvérsias e a utilização dos precedentes visando reduzir a quantidade de processos que chegam à corte.

No último ano, foram sugeridos pelos três órgãos da AGU – Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Procuradoria-Geral Federal e Procuradoria-Geral da União – mais de 50 temas ao STJ com possível multiplicidade, para que os recursos fossem monitorados, avaliados e selecionados para distribuição como representativos de controvérsias.

Resultados expressivos na cooperação técnica

Segundo a titular do Nugepnac, Maria Lucia Paternostro, os resultados do acordo de cooperação na política de gerenciamento de precedentes são significativos: dos 54 temas sugeridos pelas três carreiras da AGU, 21 controvérsias foram criadas e distribuídas aos relatores, sendo que oito delas foram afetadas ao rito dos recursos repetitivos e duas teses fixadas pelo STJ.

Nos últimos 12 meses, 350.432 processos tiveram sua tramitação abreviada nas instâncias de origem (por desistência, acordo ou não interposição de recurso), deixando de ser enviados ao STJ. Além disso, houve uma redução de aproximadamente 11,2% do número de agravos em recursos especiais da AGU (total de 1.786 processos), em comparação com o período anterior equivalente. A taxa de decisões desfavoráveis foi reduzida em 14,15% e a AGU homologou 1.453 desistências no STJ.

Redução na tramitação de ações previdenciárias

O Acordo de Cooperação Técnica do STJ com a AGU também está em consonância com o propósito preconizado pela Meta 9 do Conselho Nacional de Justiça, que busca fomentar a atuação das unidades do Poder Judiciário nas ações de prevenção ou desjudicialização de litígios, meta inserida nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).

No STJ, o tema jurídico escolhido foi o de natureza previdenciária, que se encontra contemplado no enunciado do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico.

Como parte dos resultados obtidos a partir da aplicação das estratégias de desjudicialização, somente no primeiro semestre de 2021, cerca de 64 mil processos previdenciários tiveram sua tramitação abreviada nas instâncias ordinárias, por meio de acordos, desistências ou não interposição de recursos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).


Fonte: site do STJ, de 24/6/2021

 

 

Parlamentares defendem a inclusão de todos os 11,5 milhões de servidores nas carreiras de Estado

A celeuma sobre o tema das carreiras de Estado na PEC 32/2020, que define as regras da reforma administrativa, continua grande entre oposição e governo. Os deputados Rogério Correia (PT-MG), Alice Portugal (PCdoB-BA), Paulo Ramos (PDT-RJ) e Danilo Cabral (PSB-PE) apresentaram uma emenda propondo que todos os 11,5 milhões de servidores públicos são carreiras de Estado e deverão se beneficiar de prerrogativas específicas.

Os deputados querem que, na redação do Artigo 193 da Constituição, conste que “são atividades típicas de estado o planejamento, avaliação, monitoramento, implantação, assistência técnica, supervisão, auditoria e controle, gestão, execução das políticas sociais, assegurada, na forma da lei, o controle e participação democrática social nos processos de formulação, de monitoramento, de controle e de avaliação dessas políticas, e a atuação suplementar da sociedade civil na prestação final dos serviços, sob supervisão do Estado”.

Ao citar todas essas atividades, explica Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), fica evidente que todos os 11,5 milhões de servidores públicos no Brasil (nos Três Poderes e nas três esferas) foram incluídos como carreiras de Estado. “A emenda põe por terra o próprio conceito de carreira de Estado, que são aquelas estratégicas e sensíveis, que em função das suas prerrogativas e atribuições precisam de garantias adicionais”, alerta.

Na justificativa, os parlamentares informam a emenda não trata de quais carreiras são ou não típicas, mas da defesa do estado de bem-estar social e do dever do estado de atuar diretamente nestas políticas – saúde, educação, previdência, assistência, cultura. “Com isso atacamos também a privatização dos serviços públicos e promovemos o embate com um conceito de estado meramente policial ou subsidiário aos interesses econômicos de uma parcela da população”.

“O objetivo desta emenda é, portanto, evidenciar a importância das funções estratégicas do Estado brasileiro como principal agente condutor de um desenvolvimento justo e soberano, de combate às desigualdades sociais. Neste sentido, a questão social é a maior responsabilidade do Estado e deve ser tratada como prioritária”, reforçam.

Dizem, ainda, que é preciso deixar evidente que o conteúdo da PEC 32/2020 representa graves prejuízos ao sistema constitucional vigente, riscos de precarização das relações de trabalho no serviço público (à similitude com a depreciação das normas no âmbito da iniciativa privada feita na “reforma trabalhista”) e o viés de subordinação do Estado aos interesses do mercado.

“Escondida no argumento de que os gastos públicos estão engessados, foi apresentada a este Parlamento uma reforma profunda, que não trata apenas de regras de servidores, mas ataca diretamente as bases do Estado brasileiro, diminuindo a sua capacidade real de intervir como estabilizador das diferenças sociais, econômicas, regionais, dentre outras existentes no país”, apontam.

O texto proposto pelo Executivo, na análise dos deputados, transforma a atual Constituição Cidadã numa Constituição liberal, privatizante, orientada para o mercado. “Em resumo, na direção contrária da “modernização” alardeada, a PEC fere de morte o Estado brasileiro. Enfraquece, desestabiliza, precariza e desvaloriza órgãos e carreiras que prestam serviços públicos e implementam políticas públicas garantidoras de direitos, fundamentais para desenvolvimento justo, sustentável e soberano do país”.

Para eles, a proposta é mais uma etapa do ajuste fiscal. “Em todos os aspectos do extenso conteúdo, que trata de regras de contratação e atribuições de servidores e carreiras, competências legislativas, intervenção na ordem econômica, regras orçamentárias, previdenciárias”. E criticam mecanismos como a demissão por desempenho ou redução de salários e jornada”.

Equilíbrio

Para Rudinei Marques, o Parlamento ainda não conseguiu chegar a um meio termo, como provam as proposições extremas de alguns políticos. A emenda do deputado federal Vitor Hugo (PSL-BA), ao contrário, é extremamente restritiva, aponta. “O que mostra também uma disputa entre a base do governo e a dos partidos de oposição. A primeira querendo limitar ao máximo, a segunda, ampliar ao máximo. E no meio dessa guerra de conceitos, não há o cuidado doutrinário e jurídico necessário para uma definição precisa do assunto”, reclama.

Veja o que define a emenda do deputado Vitor Hugo:

“São típicos de Estado, além de outros previstos em lei complementar federal, os cargos públicos cujas atribuições estejam diretamente vinculadas e impliquem o exercício de atividades finalísticas nas áreas de:

I – Segurança Pública, assim compreendidas as carreiras previstas nos incisos I a VI e nos §§ 1º ao 10 do art. 144; as carreiras de polícia legislativa de que cuidam o § 3º do art. 27 e os incisos IV do art. 51 e XIII do art. 52, todos desta Constituição; e as carreiras do sistema socioeducativo e da polícia técnico-científica;
II – Inteligência;
III – Fiscalização, regulação e controle interno e externo;
IV – Administração Tributária;
V – Defensoria Pública;
VI – Advocacia Pública; e
VII – Diplomacia.”


Fonte: Blog do Servidor, Correio Braziliense, de 25/6/2021

 

 

A Reforma Administrativa de que ninguém fala

Por Kleber Cabral

A justificativa do governo de que busca, com a Reforma Administrativa, aperfeiçoar e dar eficiência ao serviço público não conversa com o escopo da proposta. Na realidade, a PEC 32 enviada pelo governo ao Congresso Nacional implodirá o pouco que resta de um Estado orientado a atender o cidadão e abrirá os portões para a colonização da esfera pública por indicados políticos e emissários da elite econômica, a mesma que anda reclamando uma reforma mais “robusta”, em cafés com o ministro da Economia, Paulo Guedes.

O discurso desse pessoal do andar de cima, que conta com muita bala na agulha para convencer alguns parlamentares de suas “razões”, é de que a saída para todos os problemas fiscais do país passa por cortes profundos nos gastos públicos, independente dos efeitos indesejáveis de privar a sociedade de um Estado que a atenda minimamente. Há nesse argumento um claro conflito de interesses, uma vez que o caminho alternativo para resolver o déficit fiscal seria pelo lado das receitas. Em outras palavras, cobrar os impostos como se deve dos grandes contribuintes e reduzir os inúmeros benefícios fiscais, verdadeiros privilégios tributários sem justificativa do ponto de vista social e macroeconômico que sangram o país em centenas de bilhões de reais por ano.

Alegar que o teto de gastos, aprovado no governo de Michel Temer, impede tal solução seria estreiteza de visão ou esperteza mesmo, porque não se pode ver a proposta da reforma administrativa isoladamente. Na verdade, ela se trata de mais uma etapa de uma agressiva estratégia ideológica de anular o papel do Estado na sociedade como ente regulador, fiscalizador e provedor de serviços públicos, que começou com a PEC 95, que criou essa restrição orçamentária.

Dito de outra maneira, ao criar o teto dos gastos, a arrecadação se tornou um componente secundário. Na visão míope dos orçamentistas do governo, não adianta arrecadar, se não se pode gastar. E com isso, a elite se protege de medidas que possam alcançar o topo da pirâmide, como tributar os lucros e dividendos, as remessas de lucros ao exterior, os juros sobre capital próprio, equalizando assim a tributação sobre a renda do trabalho e do capital. No campo do patrimônio, estabelecer um imposto sobre herança progressivo e incluir jatinhos e iates de luxo no IPVA. Só com esse último imposto, o governo arrecadaria quase R$ 5 bilhões por ano.

A reforma administrativa joga a conta do déficit fiscal sobre as costas do servidor público. A depender da proposta original do Governo, exclusivamente sobre o servidor do Executivo. Já a reforma tributária, se conduzida na direção da justiça fiscal, inevitavelmente alcançaria a elite econômica, mesmo em alto-mar.

Mas a reforma administrativa tem outros componentes. O aspecto ideológico é um deles. Há uma clara preferência de massacrar o funcionalismo público como vilões da nação, como se todos os problemas do país decorressem das despesas com os servidores. Na verdade, é uma ideologia antiestado. O movimento foi iniciado fortemente no governo Temer, com o discurso de que o servidor público ganha muito, trabalha pouco e se aposenta cedo. O atual governo aprofundou essa narrativa com as declarações agressivas do ministro da Economia, classificando os servidores de parasitas, campanha que recebe amplo apoio da elite do país, justamente a classe social que pouco depende dos serviços públicos.

Há ainda o componente econômico-financeiro, de interesse de diversas corporações empresariais que querem prestar serviços no lugar do Estado. Os setores da saúde e da educação são apenas dois exemplos de mercados bilionários em que os lobistas estão de olho. Para esses grupos empresariais, em vez de cidadãos, teremos clientes, e quanto menor o Estado, maiores serão os seus lucros.

Esses são os interesses que estão por de trás da reforma administrativa. Mas há ainda os efeitos colaterais irreversíveis de que pouco ou quase nada se fala, que advirão, com certeza, da reforma administrativa. Não há, por exemplo, garantias na PEC 32, de que serão mantidas certas carreiras como típicas de Estado, como a dos auditores fiscais da Receita Federal. O que há são muitos rumores. As novas regras para a demissão por insuficiência de desempenho serão definidas por lei ordinária, alterável por medida provisória. Uma fragilidade terrível.

Foi criada, ainda, a figura do vínculo de experiência, período pelo qual o concursado, ainda não investido no cargo, será uma espécie de trainee, exposto a todo tipo de assédio laboral e de influências políticas, antes de ser efetivado. É uma distorção enorme do instituto do concurso público, uma instituição que não merece ser reformada, porque funciona.

Esse equívoco da PEC 32 ilustra bem que a equipe econômica parte de um diagnóstico errado e o quão desconhece a máquina pública.

Há ainda na PEC 32 a figura do cargo de liderança, que poderá ser ocupado por indicados do Governo, e não por servidores de carreira. Diferente dos cargos em comissão criados para funções de direção e assessoramento, essa nova figura funcional será também para funções técnicas, gerencias e estratégias dos órgãos, o que traz enorme preocupação, já que essas nomeações podem sofrer interferência econômica, política ou partidária. Tudo que o país não precisa numa reforma administrativa.

Essas figuras juntas – a fragilização da estabilidade, o vínculo de experiência e o cargo de liderança – tornarão o Estado Brasileiro, União, Estados e Municípios, muito mais porosos e suscetíveis a influências políticas, deixando a sociedade à mercê das idiossincrasias dos Governos de plantão, que com muito mais facilidade poderão povoar a Administração Pública com seus militantes. Teremos país afora várias versões dos “Guardiões do Crivella”, só que a nível nacional.

Nessa engrenagem e pelos interesses envolvidos, não se vê nenhum interesse genuíno em melhorar a prestação de serviço público. Para reforçar esse ponto de vista, basta se dar conta de que, ao enviar a PEC 32 para o Congresso, o governo não incluiu os membros do Legislativo e do Judiciário, onde estão justamente grande parte das distorções a serem enfrentadas. Poupou ainda, integralmente, as Forças Armadas. Se aliviou para esses poderes, pesou a mão justamente no Poder Executivo.

Do ponto de vista da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), não há qualquer justificativa para o terrorismo dos números alardeados por parte da imprensa, reverberando sem crítica números fantasiosos criados por grupos ligados à elite interessada na Reforma e pelo próprio Governo. Embora haja problemas em alguns Estados, a União está com as contas dentro dos trilhos da LRF, principalmente o Executivo Federal. O limite de despesas com pessoal estabelecido é de 37,9% da receita corrente líquida da União, e o Executivo jamais passou dos 30%.

No fundo, o que está em disputa é o orçamento da União, em razão do teto dos gastos, da crise fiscal decorrente da pandemia, assumida pela União, e do interesse da elite econômica de esquivar-se de qualquer participação nessa conta do ajuste fiscal. Guedes, se quisesse de fato uma Administração Pública mais eficiente, deveria tomar café também com representantes de outros segmentos sociais, como o do funcionalismo público. Enquanto isso não ocorre, esperamos que o Congresso permita um debate público honesto e transparente sobre uma reforma de enorme envergadura e com profundos impactos sociais, que poucos se dispõem a falar.

KLEBER CABRAL – Auditor fiscal da Receita Federal e presidente do Sindifisco Nacional.

 

Fonte: JOTA, de 25/6/2021

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