25/2/2019

Magistrados e procuradores preparam dossiê antirreforma para parlamentares

Entidades que representam a magistratura e o Ministério Público preparam um dossiê contra a reforma da Previdência. O material vai elencar pontos da proposta de Jair Bolsonaro que esse grupo considera inconstitucionais. A ideia é entregá-lo a todos os deputados assim que a medida começar a tramitar na Comissão de Constituição e Justiça, palco do embate inaugural entre os aliados do governo e a oposição. O passo seguinte é apresentar sugestões de emendas a serem adotadas.

Água morro acima - Integrantes do PSL, partido do presidente, começaram a colocar na ponta do lápis quantos votos a proposta de Bolsonaro teria hoje. Terminaram a conta alarmados. Há preocupação até com a votação na CCJ, prevista por eles para março.

A seco - O temor de uma batalha dura já na comissão é reforçado pela projeção de que a primeira leva de emendas parlamentares só será liberada em abril.

 

Fonte: Folha de S. Paulo, seção Painel, de 24/2/2019

 

 

Governo organiza força-tarefa para fazer a defesa da reforma no STF

Diante da expectativa de judicialização de pontos da reforma da Previdência, enviada ao Congresso pelo governo de Jair Bolsonaro, a AGU (Advocacia-Geral da União) criará uma força-tarefa para uma provável batalha no STF (Supremo Tribunal Federal).

Cinco advogados foram designados para tentar antever eventuais contestações e enfrentá-las no tribunal, quando forem ajuizadas. "Começamos a pensar no tema, que inevitavelmente chegará ao Supremo", disse a secretária-geral de Contencioso da AGU, Izabel Nogueira de Andrade.

"A gente trabalha com monitoramento, defesas prévias a possíveis pontos que venham a ser questionados. Nosso trabalho é preventivo para que, caso o debate chegue ao Supremo, a gente tenha como agir rapidamente", afirmou.

Associações de servidores públicos que ganham altos salários já falam em ir à Justiça contra a reforma.

Nesta sexta-feira (22), entidades como Anamatra (juízes trabalhistas), ANPR (procuradores da República), Anfip e Sindifisco (auditores fiscais da Receita) e Sinal (funcionários do Banco Central) divulgaram nota contra o texto.

"A proposta joga a população contra os funcionários públicos, apostando na redução pura e simples da renda alimentar dos servidores ativos e inativos, enquanto segue poupando os verdadeiramente ricos, que vivem de dividendos", diz a nota

O advogado-geral da União, André Mendonça, afirmou à Folha que a reforma "necessariamente passa pelo servidor público" —que, em sua visão, "tem que ser naturalmente um apoiador" das mudanças com vistas a preservar o sistema para as gerações futuras.

"A reforma é uma necessidade para o país. Não só para a economia mas para a justiça social", afirmou o ministro.

Mendonça disse que não pode especificar quais pontos a AGU espera que sejam judicializados porque o Congresso ainda deve alterar a proposta formulada pelo governo.

O ministro contou que pediu a Paulo Guedes (Economia) para fazer uma apresentação detalhada da reforma aos ministros a fim de alinhá-los à proposta. A apresentação, segundo Mendonça, ocorreria na reunião ministerial na terça-feira (26).

Na noite de quarta (20), quando a proposta de reforma da Previdência chegou ao Congresso, Guedes esteve no STF para uma visita institucional, acompanhado pelo secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, e pelo chefe da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), José Levi Mello do Amaral.

Eles foram recebidos no gabinete do presidente da corte, Dias Toffoli, para uma conversa de mais de duas horas, na qual defenderam o projeto. Toffoli tem se posicionado a favor das reformas da Previdência e tributária.

Os ministros do Supremo Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Edson Fachin também participaram.

Os magistrados do tribunal têm evitado opinar publicamente sobre pontos da reforma, que demanda alterações na Constituição.

"Que vai ser judicializada eu não tenho nenhuma dúvida", disse Moraes a jornalistas na quarta, considerando o histórico de iniciativas anteriores.

Paralelamente à força-tarefa da Previdência, a AGU (Advocacia-Geral da União) instituiu uma Coordenação Geral de Assuntos Federativos, uma equipe de cinco advogados e um coordenador que atuará exclusivamente em ações no Supremo que envolvam litígios entre a União e os estados.

Entre os principais temas dessas ações está a Lei de Responsabilidade Fiscal, alvo de oito ações de inconstitucionalidade que serão julgadas pelo plenário do Supremo na quarta-feira (27).

A crise fiscal em vários estados tem feito governadores visitarem com frequência o Supremo para pleitear que a corte julgue com celeridade suas demandas.

No início do mês Toffoli recebeu cinco governadores do Nordeste que pediram prioridade para processos que tratam de repasses do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério), que têm previsão de ir ao plenário em junho.

De acordo com a secretária-geral de Contencioso da AGU, Izabel Nogueira de Andrade, somente as ações sobre o Fundef envolvem R$ 28 bilhões.

"Essas ações que estão no STF envolvendo a federação têm valor muito alto, e a gente precisava cuidar de uma forma diferenciada."


Fonte: Folha de S. Paulo, de 23/2/2019

 

Expectativa é que reforma da Previdência seja aprovada no primeiro semestre, diz Guedes

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou nesta sexta-feira, 22, que está otimista com a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma da Previdência no Congresso Nacional. Segundo ele, a aprovação do projeto deve vir ainda no primeiro semestre.

"Sim, temos otimismo com a tramitação", afirmou Guedes, em rápida entrevista, ao deixar a cerimônia de posse da presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Susana Cordeiro Guerra.

Questionado se seria possível aprovar a PEC ainda no primeiro semestre, Guedes respondeu apenas: "Claro, no primeiro semestre. As conversas têm sido muito boas".

O ministro já havia demonstrado confiança com a articulação política durante o discurso de 27 minutos na cerimônia de posse. "Do meu lado, particularmente, tenho experimentado Brasília sentindo ventos de otimismo", afirmou.

Segundo Guedes, os três poderes independentes da República "querem trabalhar juntos". O ministro destacou que tanto o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), quanto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), têm demonstrado apoio às reformas. "O Judiciário reconhece a necessidade de reformas", acrescentou.

Ataque aos gastos públicos

"A reforma da Previdência é o primeiro ataque robusto aos gastos públicos", afirmou o ministro em sua fala no IBGE, citando argumentos sempre presentes em seus discursos, como a defesa de que a eleição de Bolsonaro significa que o Brasil é uma "democracia vibrante", com "poderes independentes", e a avaliação de que todos os governos após a redemocratização foram "sociais-democratas", e que agora é hora de um governo liberal.

Ao citar a história da economia brasileira, Guedes classificou como "truncada" a transição de uma política econômica focada em investimentos em infraestrutura e indústria da base, durante os governos da ditadura militar, para uma política de aumento de gastos nas áreas sociais, como saúde e educação, a partir dos governos civis.

Segundo Guedes, essa transição deixou de lado o controle dos gastos públicos, levando a hiperinflação. Mesmo após a estabilização, o problema do aumento crescente dos gastos dos governos não foi atacado.

"Um programa virtuoso de estabilização leva um ano e meio. Levar dez anos é sinal de que não está atacando gastos fiscais", afirmou Guedes, numa referência ao Plano Real.

O ministro chegou a dizer que "só agora começamos a atacar" os gastos públicos, embora tenha dito que queria "dar o crédito" a iniciativas anteriores, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, e o teto dos gastos públicos, criado no governo Michel Temer. "Tudo isso veio, mas não adianta botar teto se não tem paredes. Hoje o teto está solto", afirmou Guedes.

O ministro alertou que o problema do gasto público excessivo ainda precisa ser atacado por causa do elevado endividamento público. Segundo ele, a dívida pública é composta por "ativos ruins", com juros altos, e cresce como uma "bola de neve".

"Aparentemente está tudo calmo porque a inflação está baixa, mas a dívida está chegando a R$ 4 trilhões", disse o ministro.

Censo demográfico

Guedes afirmou que o IBGE deve vender seus prédios, principalmente onde o presidente do órgão público "tem vista para o mar", para poder executar um bom censo demográfico no País. Ele sugeriu ainda que a pesquisa seja simplificada, "porque quem pergunta muito acaba descobrindo demais", brincou.

"Vamos tentar simplificar, o censo de países desenvolvidos tem 10 perguntas, aqui tem 150", criticou durante discurso no evento.

Ele ressaltou a importância do IBGE na vida do brasileiro, mas lembrou que a nova gestora terá muitos desafios, principalmente pela situação financeira pela qual passa o órgão.

"Esse emagrecimento que aconteceu é avassalador, as aposentadorias, mas vamos tentar ajudar. Se vender os prédios talvez a gente consiga. Façam um autosacrifício sim, vendam seus prédios", insistiu o ministro, afirmando que "a primeira coisa é acabar com a vista pro mar do presidente".

O IBGE possui seis prédios na cidade, segundo o ministro.

Guedes destacou as qualidades de Guerra, explicando que tentou levar a executiva para Brasília, como assessora "do que ela quisesse". Mas, segundo o ministro, a economista preferiu o desafio do IBGE. "Acompanhei a carreira da Susana há muitos anos, tem uma excelente formação, participou de grandes organizações internacionais", elogiou.

Em seu discurso de posse, Guerra disse que estava há 20 anos fora do Brasil se preparando para voltar e ajudar o País, e que o "brilho nos olhos" dos funcionários do IBGE mostraram que ela tomou a decisão acertada. Assim como Guedes, o desafio de realizar o censo demográfico também foi apontado pela executiva como prioridade.

"Não vai ter bala de prata para transformar o IBGE no que ele deve ser, mas vamos. São 213 milhões de pessoas, 240 mil contratados temporários, é um desafio implementar o censo na situação do IBGE, vai ser um desafio monumental", afirmou Guerra em seu discurso de posse.


Fonte: Estado de S. Paulo, de 23/2/2019


 

Reintegração de imóveis públicos dispensa decisão judicial, diz AGU em parecer

A Advocacia-Geral da União afirmou, em orientação normativa, não ser necessária a intervenção do Poder Judiciário para retirar invasores de imóveis públicos. O parecer, produzido pela Consultoria-Geral da União (CGU) e assinado pelo AGU André Mendonça, deverá ser observado por toda a administração pública federal.

O documento diz que cabe aos próprios administradores de prédios do poder público, com o auxílio de forças policiais, prevenir e repelir atos de invasão, ocupação, cessão, locação ou utilização diversa da destinação legal. Assim como aos particulares é admitida a autodefesa, o gestor público também pode utilizar a prerrogativa para defender o patrimônio coletivo, argumentou ainda.

De acordo com o diretor do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da CGU, Victor Ximenes Nogueira, o parecer assegura que os gestores de prédios públicos tomem providências nos primeiros momentos de invasões no sentido de evitar que elas se consolidem.

Antes da recomendação, os dirigentes precisavam acionar a AGU para que ela ingressasse com ação na Justiça no intuito de obter medida liminar de reintegração de posse. Ximenes vê o entendimento como um caminho para desafogar o Judiciário de uma "demanda desnecessária". "Isso vai ser mais efetivo para a administração e resguardar melhor inclusive eventual dano ao patrimônio decorrente dessa ocupação”, diz.

Segundo a AGU, o parecer tem como fundamento os princípios constitucionais da legalidade e da eficiência, que estão diretamente ligados à continuidade dos serviços públicos. A Advocacia-Geral argumenta que a administração pública possui o direito e o dever de proteger o patrimônio público contra posses ou ocupações, devido ao princípio da indisponibilidade de seus bens e da continuidade dos serviços explorados pelo poder público.

“Impedir a invasão ou ocupação dos imóveis públicos é dever do gestor, para fins de garantir sua utilização adequada, sua preservação, a manutenção de sua finalidade legal ou contratual”, explica trecho do documento.

A recomendação estabelece que os gestores “deverão requisitar força policial federal e solicitar o auxílio da força pública estadual. Poderão ainda, de acordo com regulamento específico, solicitar a cooperação da força militar federal”. Apesar disso, Ximenes diz a medida vai garantir a retomada do imóvel “sem o uso de força desproporcional”.


Fonte: Assessoria de Imprensa da AGU, de 23/2/2019

 

 

TJ-SP nega recurso repetitivo a ações de ex-funcionários do Banespa

A diminuição progressiva no número de ações sobre um determinado tema, bem como a iminência de que os pedidos percam a razão de existir impedem que ele seja colocado como Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). Esse foi o entendimento da Turma Especial de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo em processos sobre a aposentadoria de ex-funcionários do Banespa.

As ações referiam-se à complementação da previdência para aposentados pelo fundo Banesprev, que foi criado para os empregados do banco admitidos depois de 1975. As polêmicas tratam do que será feito para os empregados que ingressaram em 1974 e se a aposentadoria para os funcionários deve ser integral ou proporcional ao tempo de serviço.

Para o relator do pedido, desembargador Edson Ferreira, as ações deveriam ser colocadas em IRDR para que fosse pacificada a jurisprudência e garantida a segurança jurídica a todos os interessados. No entanto, a desembargadora Luciana Almeida Prado Bresciani, abriu uma divergência afirmando que a média de julgamentos sobre a questão, que era de 85 processos por ano, já havia caído para 45 em 2018. "Essas eram questões frequentes quando entramos na magistratura. Hoje, há cada vez menos processos e o número de pessoas afetadas cai constantemente", entendeu.

Luciana ainda citou a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição da reforma da Previdência como outro elemento a reforçar dúvidas quanto à efetividade de se implantar o incidente. "Se for aprovada uma reforma da Previdência, isso irá exaurir ainda mais esses processos. Também sou a favor da uniformização, mas se formos colocar IRDR para todos os casos em que há alguns processos versando sobre o mesmo tema, a Turma Especial irá julgar todas as ações da Seção de Direito Público".

A desembargadora foi acompanhada por maioria, ficando vencidos, além do relator, os desembargadores Torres de Carvalho e Paulo Barcellos Gatti.


Fonte: Conjur, de 22/2/2019

 

 

Regra de transição adotada pela PEC da Previdência é injusta e irrazoável

Por Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira, Paulo Modesto e Rafael Miranda Gabarra

Jair Bolsonaro assumiu a condução do Poder Executivo do nosso país. Muitas expectativas positivas, muitas promessas e muitos compromissos foram veiculados publicamente. Dentre eles, a proposta de emenda constitucional que prevê nova reforma da Previdência, apresentada nesta quarta-feira (20/2) e que recebeu o número 6/2019[1].

Propostas veiculam percursos possíveis, pois muitos caminhos de futuro sempre são admissíveis. Cabe uma avaliação jurídica da proposição, ainda que sumária e sujeita a revisão, pois a Previdência Social é matéria fundamental complexa, que convoca a avaliação de diversas disciplinas teóricas.

No campo jurídico pouco avançamos com o debate público sobre se a Previdência brasileira é deficitária em termos financeiros ou atuariais ou não. Esse debate é sobretudo econômico e suas conclusões são predeterminadas pelas premissas temporais, jurídicas e contábeis das quais se vale. Limitado a esse aspecto, trata-se de debate improdutivo porque cada uma das vozes em confronto emprega parâmetros de cálculo próprios, incluindo ou excluindo receitas ou despesas passadas ou a consideração de parte do valor presente de despesas futuras para fundamentar a sua orientação. É também uma abordagem binária e simplificadora, pois há problemas de equidade contributiva intertemporal, justiça entre gerações, proteção à confiança e respeito ao direito constitucional transitório precedente, que não encontram resposta em uma simples análise da receita-despesa ou de financiamento atual dos regimes.

Estudioso algum do tema previdenciário recusa a necessidade de uma ampla reforma no sistema previdenciário — aliás, isso é uma necessidade também em face do descaso dos últimos governos com o financiamento do sistema, vítima frequente de programas de redução de contribuições patronais, irresponsabilidade fiscal e indução de novos e antigos servidores à migração para o sistema de previdência complementar, reduzindo a contribuição de agentes aos regimes próprios de Previdência, sem qualquer compensação — mesmo virtual — aos antigos contribuintes do sistema, que nele aportaram contribuições por décadas.

Importante também que qualquer reforma reduza ou elimine a diferença que sempre marcou o regime geral e os regimes próprios dos regimes especiais de segurança social, como os dos militares e dos políticos, independentemente da nomenclatura que recebam. E a transição nesses casos também não deve ser diversa da aplicada aos demais agentes. Essa redução de desigualdades e prerrogativas especiais, muitas vezes genericamente fundamentadas, mas atuária e financeiramente insustentáveis, é uma reforma que a sociedade espera ansiosa.

Por igual, é atitude de justiça, quando se impõe responsabilidade a todos, aperfeiçoar amplamente o sistema de fiscalização e cobrança dos grandes devedores da Previdência e fechar a torneira das fraudes. Cobrar dívida previdenciária no Brasil é dificílimo, já que as postergações dos devedores são infinitas, além de existirem instrumentos legais que prestigiam o mau pagador. Logo, o que se espera é a imposição de novos mecanismos que agilizem a recuperação de todos os créditos públicos, já que a Lei de Execução Fiscal, de 1980, é totalmente obsoleta.

Feitos esses comentários introdutórios resta apreciar a compatibilidade da regra de transição da PEC 6/2019, intitulada de reforma da Previdência, com a lei maior, especificamente com o artigo 60, parágrafo 4º.

A aposentadoria por tempo de contribuição no regime geral de Previdência deixará de existir com o final da fase de transição, certo que para esta fase foram eleitos três critérios que exigem tempo de contribuição e, também, idade. A primeira regra de transição prevista conjuga o tempo de contribuição com a idade do trabalhador, ou seja, uma reprodução da regra vigente 86/96. A segunda regra de transição, por sua vez, exige uma idade mínima que iniciará em 61 anos para homens e 56 para mulheres e chegará a 65 e 62 anos, respectivamente, que deve ser conjugada com o tempo de contribuição mínimo de 30 anos para as mulheres e 35 anos para os homens. Por fim, a terceira regra de transição prevista estipula uma regra especial para quem está a dois anos de cumprir o tempo de contribuição mínimo para a aposentadoria, com pedágio de 50% sobre o tempo faltante, neste último caso dispensando-se requisito etário.

Importante, ainda, consignar que os segurados que se aposentarem pelas regras de transição deverão receber 100% da média dos salários de contribuição, enquanto a nova regra prevê redução significativa da renda mensal inicial dos benefícios, podendo chegar a 100% apenas se passar de 40 anos de contribuição, ou seja, de fato será uma corrida contra o tempo para garantir o direito de se aposentar com base na norma antiga.

No regime próprio de Previdência Social[2] foi eleito um critério de idade mínima que começa em 56 para as mulheres e 61 anos para os homens, passando em janeiro de 2022 para 57 e 62. Somado ao requisito etário, haverá necessidade de o servidor preencher os 86 pontos para mulheres e 96 para os homens, sendo acrescido de um ponto por ano a partir de janeiro de 2020, até o limite de 100/105 pontos. Há uma previsão específica que passa a exigir 20 anos de efetivo exercício de serviço público, mantendo-se a exigência de cinco anos no cargo em que se dará a aposentadoria.

Em apertada síntese, eis a essência das principais regras de transição.

Verifica-se que a regra de transição não contempla um simples período adicional proporcional, popularmente denominado de pedágio, buscando assegura a proteção da confiança de quem tem muitos anos de contribuição e pouca idade, prejudicando aquele que ingressou jovem no mercado de trabalho e contribui há mais de 25 ou 30 anos e que planejou sua vida previdenciária. Essas pessoas estão sujeitas a um regime de transição desde a Emenda Constitucional 20/98, alterada pela Emenda Constitucional 41/2003[3], as quais empregaram o chamado pedágio para aposentadoria como regra de transição, certo que o critério eleito pelo poder constituinte reformador foi de 20% do tempo que da data da promulgação de emenda faltaria para atingir o limite (artigo 9º, parágrafo 1º, “b” da Emenda Constitucional 19/98 e artigo 2º, III, “b”, da Emenda Constitucional 41/2003).

Algumas dessas pessoas estão há cinco ou dez anos da aposentadoria e merecem respeito à confiança, posto que algumas estão sujeitas a regime de transição há 21 anos, aproximadamente. Regras de transição são normas de passagem, pontes temporais que se esgotam com o implemento da situação que regulam. O legislador reformador não pode alterar ou suprimir regras de transição por meio de novas regras de transição posteriores, sobretudo sem considerar — proporcionalmente — a eficácia passada da norma de transição implementada.

Como um dos autores deste breve texto antecipou, em artigo escrito no início de 2017:

“As disposições transitórias — como normas excepcionais e provisórias — cumprem o papel de pacificar e conciliar expectativas em sucessões normativas, assentando em marcos temporais precisos o planejamento de indivíduos, agentes públicos e econômicos. Se não há certeza sobre a vigência no tempo de normas constitucionais transitórias, como é possível projetar o futuro? Por isso, caracteriza forma qualificada de deslealdade normativa a alteração retroativa (aditiva, modificativa ou revogadora) ou retrospectiva (sobretudo em relações de longa duração) de norma constitucional transitória”[4].

Se o reformador o faz, viola a segurança jurídica de modo grave e inconstitucional. É dizer: no mínimo, em situações de transição, a PEC 6/2019 deveria adotar pedágio proporcional ao tempo que falta para os agentes preencherem todos os requisitos à aposentação.

Portanto, sem a adoção de parâmetros de proporcionalidade claros, temos que a regra de transição adotada pela proposta de emenda à Constituição da Previdência é injusta e não razoável, violando o princípio da proteção da confiança, um dos elementos da segurança jurídica, essencial no Estado Democrático de Direito, que possui dimensão tanto institucional como individual, afigurando-se direito e garantia fundamental (artigo 60, parágrafo 4º, IV da Constituição). As normas de transição da PEC 6/2019 devem sofrer ajustes e adaptações para respeitar tais mandamentos.

É imprescindível a proteção do princípio da confiança, daquelas pessoas que contribuem há dez, 20 e 30 anos, aliás, essa é a lição da doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet:

“Valendo-nos do exemplo da alteração das regras para aposentadoria e pensões — quanto mais alguém estiver contribuindo num regime de aposentadoria, maior deverá ser a sua segurança jurídica já que mais merecedora de proteção da sua confiança, o que, por sua vez, deverá ser observado no âmbito das regras de transição, a serem estabelecidas pelo legislador. Resulta inadmissível, neste sentido, alterar as regras vigentes, ainda que mediante a ressalva dos direitos adquiridos, da mesma forma para quem estiver contribuindo — e, portanto, confiando — há dois anos, há vinte anos ou mesmo há trinta anos, pois é evidente que diversa a intensidade da confiança depositada pelo cidadão individualmente considerado (no sentido subjetivo) bem como diferente o dever de respeito a essa confiança. Que tais questões — consoante já frisado — nos remetem novamente ao princípio da proporcionalidade, mas também dizem com o princípio da isonomia, que igualmente devem ser observados neste contexto[5].

O repórter José Luiz Datena foi até a casa do presidente Jair Bolsonaro no dia 5/11/2018[6] e lá obteve o seu compromisso em termos da reforma previdenciária, nos seguintes termos:

“Todo mundo diz que nós devemos honrar os nossos contratos, não é isso, nós temos um contrato com o aposentado, com quem está na iminência de se aposentar e com quem está trabalhando, você vai mudar uma regra no meio do caminho, então você não pode simplesmente mudar sem levar em conta que tem um ser humano que está ali e que vai ter a sua vida completamente modificada. (...) fazendo acertos de forma gradual, você atinge o mesmo objetivo sem colocar em risco e sem levar pânico à sociedade.

Portanto, esperamos que exista coerência entre o discurso e a ação, garantindo-se voz aos segmentos da sociedade que serão impactados pela reforma que se avizinha, garantindo-se voz à sociedade e a seus representantes, garantindo-se a formação de uma cognição exauriente dos agentes políticos envolvidos e garantindo-se regras de transição proporcionais e justas, que respeitem o princípio da proteção da confiança. Enfim, honrando-se a palavra empenhada, não há o que se temer e certamente alcançaremos uma reforma previdenciária efetiva e justa, à altura do nosso tempo.

[1] PEC 6/2019, disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2192459, acesso em 20/2/2019.
[2] Não abordaremos, diante dos limites deste trabalho, as regras de transição dos policiais e demais carreiras com regime especial que há previsão especial na PEC em comento, mas que sofre das mesmas injustiças.
[3] “Desde 1998, a previdência dos agentes titulares de cargo público foi alterada por sucessivas emendas constitucionais (EC nº 20/1998, EC nº 41/2003, EC nº 47/2005, EC nº 70/2012, EC nº 88/2015), normas infraconstitucionais e um número expressivo de atos regulamentares”, MODESTO, Paulo, Disposições constitucionais transitórias na reforma da previdência: proteção da confiança e proporcionalidade, R. bras. de Dir. Público – RBDP | Belo Horizonte, ano 15, n. 56, p. 9-54, jan./mar. 2017. Disponível na internet: http://bit.ly/reformaprevidenciatransicao. [4] Modesto, Paulo, idem, http://bit.ly/reformaprevidenciatransicao.
[5] Eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro, Revista Latino-Americada de Estudos Constitucionais nº 6, julho/dezembro de 2005, p. 366-367, grifo nosso.
[6] A partir de 1:05:00 em https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=GaZkVYEXyJ8, acesso em 20/2/2019.

Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira é procurador do estado de São Paulo, professor do mestrado em Direito da Unaerp e doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP.

Paulo Modesto é presidente do Instituto Brasileiro de Direito Público, professor de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra e membro do Ministério Público da Bahia.

Rafael Miranda Gabarra é advogado especializado em Direito Processual Civil e Previdência Social.


Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 22/2/2019

 

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