20/1/2022

PL que obriga divulgação de decisões arbitrais retira liberdade, avalia entidade

Em resposta a projeto na Câmara dos Deputados que altera legislação sobre arbitragem, o Instituto Brasileiro de Direito Processual, formado por advogados e juristas, divulga nota técnica pedindo o arquivamento das propostas, pois elas atentariam contra a liberdade de atuação e de indicação de árbitros, e contra a eficácia e boa gestão dos procedimentos arbitrais.

O Projeto de Lei (PL) 3293/2021 como um todo representaria “perigosa interferência” na arbitragem, segundo a avaliação da Comissão de Arbitragem do Instituto, que é presidida pelo advogado Carlos Alberto Carmona. O modelo é uma ferramenta jurisdicional privada para resolução de conflitos e disputas. Os julgamentos sãos confidenciais e são regulamentados pela Lei 9.307/1996.

A proposta cria obrigações de expor elementos dos processos arbitrais, incluindo a íntegra da sentença arbitral – pela proposta, excertos ou informações da decisão podem permanecer confidenciais. Também seria necessário que as câmaras de arbitragem publicassem a composição do tribunal e o valor envolvido na controvérsia, além de expor o processo de invalidação de sentença arbitral. “A atual Lei já impõe a publicidade nos casos em que isso é demandado pelo interesse coletivo. Ir além implicaria retirar da arbitragem um fundamental atrativo”, escrevem os autores.

Eles criticam os limites à atuação de árbitros em procedimentos simultâneos ou em cargos administrativos de câmaras arbitrais, e descartam que esses fatores sejam relevantes para determinar a independência e a imparcialidade do árbitro. “Não se imagina algum aditamento ao Estatuto da OAB, por exemplo, para limitar o número de causas que um advogado possa patrocinar”, afirmam sobre a falta de cabimento das propostas.

A “cereja do bolo” dos problemas do projeto seria a substituição do conceito de dúvida justificada, em que objeções sobre a independência e imparcialidade do árbitro devem ser objetivas (se o árbitro conhece envolvido em uma das partes, por exemplo), pela exigência de que o árbitro revele qualquer fato que denote “dúvida mínima quanto à sua imparcialidade e independência”. Segundo o Instituto, esse dispositivo não existe na legislação de “qualquer das jurisdições com atuação de destaque na seara da arbitragem”.

O projeto, de autoria da deputada federal Margarete Coelho (PP-PI), atualmente está com prazo aberto para emendas na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. A relatora é a deputada Bia Kicis (PSL-DF).

 

Fonte: JOTA, de 19/1/2022

 

 

AGU garante abastecimento de medicamento contra doenças autoimunes no SUS

A Advocacia Geral da União (AGU) conseguiu no Supremo Tribunal Federal (STF) autorização para que o Ministério da Saúde possa adquirir o medicamento imunoglobulina humana 5g, usado no tratamento de anemias autoimunes, HIV e outras 52 condições clínicas. Após atuação da AGU, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, determinou a aquisição do medicamento pelos próximos 60 dias, tendo em vista a importância do fármaco e a urgência em abastecer os estoques do Sistema Único de Saúde (SUS) que já se encontravam baixos.

O Tribunal de Contas da União (TCU) havia determinado a suspensão da compra de mais de 500 mil frascos do medicamento após a primeira colocada no Pregão Eletrônico 24/2021 questionar o processo por ter sido inabilitada. A empresa, que não apresentava todos os requisitos necessários para oferecer o medicamento, como a certificação da pré-qualificação pela Organização Mundial da Saúde (OMS), alegava que possuía certificação internacional de seu produto e que oferecia o menor preço. O TCU optou pela suspensão do certame entendendo suposta dificuldade de logística para entrega dos medicamentos por parte das empresas que seriam contratadas e da possibilidade de aplicação retroativa de nova norma sobre o assunto.

A Advocacia Geral, recorreu da decisão do TCU, mas devido a urgência do caso, entrou com mandado de segurança no STF. A Advocacia-Geral explicou que a rede pública já estava praticamente como estoque zerado, correndo o risco de faltar o produto já em 2022 e causar danos graves aos pacientes.

Sustentou ainda que as empresas vencedoras demostraram ter plena capacidade de fornecer o remédio. Acrescentou que as normas não poderiam retroagir como pretendia a primeira colocada, uma vez que ofenderia o princípio da segurança jurídica. Afirmou que a que a aprovação do medicamento a ser importado por órgãos internacionais técnicos competentes tem o objetivo de garantir a segurança e qualidade do fármaco, não sendo possível reduzir o padrão de exigência.

“A decisão proferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, a autorizar que o ministério das Saúde proceda com a aquisição do medicamento, por meio do pregão eletrônico 24/2021, embora não tenha sanado de forma definitiva o problema, garantiu, que a aquisição dos medicamentos já licitados, de forma a evitar o eminente desabastecimento da imunoglobulina humana", explica a diretora do departamento de controle difuso da Secretaria Geral de Contecioso, advogada da União, Andrea Dantas.

O presidente do STF, ministro Luiz Fux, decidiu pela suspensão parcial e temporária da do pregão, para atender as necessidades imediatas de abastecimento do SUS, sem prejuízo da continuação da verificação do processo pelo TCU.

 

Fonte: site da AGU, de 19/1/2022

 

 

Anape discute com entidades novo provimento do CFOAB para Advocacia Pública

O primeiro vice-presidente da Anape, Ivan Luduvice Cunha, participou nesta quarta-feira (19), representando a associação, de reunião virtual do grupo de trabalho responsável pela elaboração de um novo provimento do Conselho Federal da OAB cujo objeto específico é a Advocacia Pública.

A entidade participou das discussões da minuta preliminar do texto e fez sugestões de alterações que acredita serem melhores para a Advocacia Pública.

“A Anape acompanha de perto as matérias de interesse dos procuradores dos estados e do DF, razão pela qual está participando ativamente das reuniões da Comissão Nacional da Advocacia Pública que visam a criação de um novo provimento do Conselho Federal sobre a Advocacia Pública, defendendo as prerrogativas da carreira em todas as esferas”, explicou o vice-presidente.

 

Fonte: site da Anape, de 19/1/2022

 

 

O direito à renda básica na perspectiva do STF e o impacto da EC nº 114/2021

Por Fernando Henrique Médici

É notório que a realidade jurídica de dada sociedade, em sendo o Direito uma ciência social por excelência, reflete e é moldada pela conjuntura factual dessa mesma comunidade em determinado tempo histórico.

O afloramento da pandemia da Covid-19, com a consequente geração de efeitos adversos tanto no campo sanitário quanto na economia de diversos países, trouxe consigo a necessidade de fortalecimento do papel do Estado como entidade fiadora e promotora dos direitos fundamentais sociais.

Pela construção de políticas públicas emergenciais, os entes estatais foram chamados a garantir a sobrevivência de indivíduos e famílias assoladas pelo desemprego e pela ausência de outros meios de obtenção da renda necessária à sua subsistência. No caso brasileiro, a criação do auxílio emergencial (Lei Federal nº 13.982/2020 e alterações) e do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (Lei Federal nº 14.020/2020) foi exemplo de políticas públicas emergenciais destinadas à preservação do mínimo existencial dessas pessoas e famílias, assoladas pelas consequências deletérias da pandemia.

Não obstante, durante esse período de excepcionalidade também retornou com vigor o debate sobre o direito, a implementação e a efetividade dos programas sociais de transferência de renda em caráter permanente, diante do quadro persistente de baixo crescimento econômico e de aumento da pobreza no Brasil.

Ainda que o debate não seja necessariamente novo, seja no campo econômico [1], seja no campo jurídico [2], vale o destaque de movimentos recentes no âmbito do Poder Judiciário e do Poder Legislativo que impactaram na análise do tema: o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do Mandado de Injunção nº 7.300, a promulgação da Emenda Constitucional nº 114/2021 e a promulgação da Lei Federal nº 14.284/2021, objetos de consideração neste estudo. Mais precisamente, pretende-se verificar os impactos da alteração da Constituição Federal e da extinção do Programa Bolsa Família nos contornos da decisão proferida pela Corte Suprema no MI nº 7.300.

A ação constitucional citada foi ajuizada pela Defensoria Pública da União com a finalidade de reconhecimento da omissão estatal na adoção das medidas necessárias à efetivação do benefício de renda básica de cidadania previsto na Lei Federal nº 10.835/2004, o qual, apesar de criado normativamente, nunca foi implementado de fato, vez que dependente da disponibilização de recursos na legislação orçamentária da União (artigos 2º e 3º da legislação de regência).

A liminar da ação mandamental restou indeferida, sendo que, uma vez submetido o caso ao Plenário da corte, o ministro Marco Aurélio havia proferido voto no sentido de reconhecer a omissão inconstitucional na regulamentação do benefício, determinando a aplicação, por analogia, como parâmetro de pagamento, do artigo 20, §3º, da Lei Federal nº 8.742/1993, que prevê o Benefício de Prestação Continuada (BPC) no importe de um salário mínimo, aos idosos e às pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade social.

Por sua vez, após vista regimental, sagrou-se vencedor o voto do ministro Gilmar Mendes, ao final sendo concedida parcialmente a ordem injuncional, para: "1) determinar ao Presidente da República que, nos termos do artigo 8º, I, da Lei nº 13.300/2016, 'implemente, no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento do mérito (2022)', a fixação do valor disposto no artigo 2º da Lei nº 10.835/2004 para o estrato da população brasileira em situação de vulnerabilidade socioeconômica (extrema pobreza e pobreza — renda per capita inferior a R$ 89,00 e R$ 178,00, respectivamente — Decreto nº 5.209/2004), devendo adotar todas as medidas legais cabíveis, inclusive alterando o PPA, além de previsão na LDO e na LOA de 2022; e 2) realizar apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que adotem as medidas administrativas e/ou legislativas necessárias à atualização dos valores dos benefícios básico e variáveis do programa Bolsa Família (Lei nº 10.836/2004), isolada ou conjuntamente, e, ainda, para que aprimorem os programas sociais de transferência de renda atualmente em vigor, mormente a Lei nº 10.835/2004, unificando-os, se possível (...)" [3].

Do voto do ministro Gilmar Mendes, ainda que em resumo, podemos colher algumas premissas: a) não há na Constituição Federal determinação de implementação de renda básica para toda a população brasileira, independentemente de critérios socioeconômicos (o mandado de injunção somente foi conhecido em relação as pessoas em situação de vulnerabilidade — pobreza e extrema pobreza); b) há um dever constitucional de combate à pobreza e assistência aos desamparados (artigos 3º, III, 6º, caput, e 23, X, da CF/88); c) há vinculação de receita orçamentária federal para o combate à pobreza, com prazo indeterminado de vigência (Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza — artigos 79 e 82 do ADCT, artigos 1º e 3º da Lei Complementar Federal nº 111/2001 e artigo 1º da Emenda Constitucional nº 67/2010); d) há omissão inconstitucional do governo federal, por insuficiência no cumprimento do dever constitucional de proteção (proteção insuficiente), considerando a deficiência atual dos programas estatais de combate à pobreza; e e) a decisão do tribunal não pode desconsiderar as limitações fiscais e orçamentária próprias do Estado na construção de políticas públicas, tampouco definir os critérios próprios de implementação do benefício, sob pena de invasão do espaço de liberdade de conformação legislativa dado aos representantes eleitos do povo.

Já no final do ano de 2021, a par das controvérsias relativas à tramitação das propostas que resultaram na promulgação das Emenda Constitucionais nº 113/2021 e 114/2021, em especial sobre a validade do regime excepcional de pagamento de precatórios (moratória), é certo que referidas peças legislativas (especialmente a última) trouxeram alterações relevantes no espectro normativos dos direitos sociais. Some-se a isso a aprovação da Lei Federal nº 14.284/2021, com a extinção do programa Bolsa Família e criação dos programas Auxílio Brasil e Alimenta Brasil.

Por meio da Emenda Constitucional nº 114/2021, foi inserido um parágrafo único ao artigo 6º da Constituição, que passou a assegurar que todo "brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária". A mesma emenda inseriu como objetivo da assistência social a redução da vulnerabilidade socioeconômica de famílias em situação de pobreza e extrema pobreza (artigo 203, VI). No campo das disposições transitórias, estabeleceu que os recursos decorrentes da moratória no pagamento de precatórios fossem destinados ao pagamento do programa de transferência de renda previsto no parágrafo único do artigo 6º e à seguridade social (artigo 107-A do ADCT).

Logo em seguida, o Congresso Nacional aprovou e converteu a MP nº 1.061/2021 na Lei Federal nº 14.284/2021, criando os programas Auxílio Brasil e Alimenta Brasil, em substituição ao programa Bolsa Família, previsto na Lei Federal nº 10.836/2004, agora revogada. Estabeleceu também que o programa Auxílio Brasil seria etapa gradual e progressiva do processo de universalização da renda básica de cidadania, previsto na Lei Federal nº 10.835/2004.

Do quadro acima referenciado, vê-se que a superveniência de novo regime normativo constitucional e infraconstitucional impactou, inevitavelmente, na aplicação da decisão proferida pela Corte Suprema no MI nº 7.300.

O manejo do mandado de injunção pressupõe, de um lado, a existência de um direito ou de uma liberdade constitucional ou de prerrogativa relativa à nacionalidade, à soberania e à cidadania e, de outro, uma omissão normativa (total ou parcial) que inviabilize o exercício desse mesmo direito, liberdade ou prerrogativa (artigo 5º, LXXI, da CF/88 e artigo 2º da Lei Federal nº 13.300/2016).

O direito à assistência social e o dever estatal de combate à pobreza foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no MI nº 7.300, com anteparo nos artigos 3º, III, 6º, caput, e 23, X, da CF/88. Esses direitos/deveres nada mais são do que desdobramentos do predicado do mínimo existencial, aqui compreendido como o conjunto de condições materiais básicas necessárias à existência digna do ser humano e por meio do qual o exercício da autonomia pública e privada, e dos demais direitos, torna-se viável [4]. É corolário inerente do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF/88), sendo as Leis Federais nºs 10.835/2004 e 10.836/2004 consagradoras de políticas públicas aliecerçadas nestas previsões constitucionais [5].

Assim, a Emenda Constitucional nº 114/2021 não trouxe propriamente uma inovação constitucional, mas apenas densificou um direito subjetivo à prestação antes delineado na legislação infraconstitucional. Por ela, isoladamente, não se poderia cravar a perda de validade da decisão do STF, porque ausente alteração significativa no paradigma constitucional de controle da omissão do poder público.

Ademais, o novo artigo 118 do ADCT pareceria reforçar a decisão de apelo ao legislador na parte em que determinava que o benefício de renda básica familiar fosse regulamentado até 31 de dezembro 2022. Até a nova regulamentação, permaneceriam vigentes as Leis federais nºs 10.835/2004 e 10.836/2004, recepcionadas pela nova ordem constitucional.

Com a aprovação da Lei federal nº 14.284/2021, contudo, houve a revogação total do programa Bolsa Família, previsto na Lei Federal nº 10.836/2004, com a substituição deste pelos programas Auxílio Brasil e Alimenta Brasil. Houve, nesse aspecto, atendimento da ordem de apelo ao legislador, com a atualização dos valores do benefício de transferência de renda e integração parcial deste com o programa de renda básica de cidadania.

Não obstante, dúvidas remanescem sobre o cumprimento pleno da primeira parte da ordem injuncional, por meio da qual se determinou a "fixação do valor disposto no artigo 2º da Lei nº 10.835/2004 para o estrato da população brasileira em situação de vulnerabilidade socioeconômica". Isso porque a leitura do dispositivo da decisão leva à conclusão de que os benefícios seriam cumuláveis (Renda Básica de Cidadania e Bolsa Família) e deveriam ser implementados conjuntamente. Da unificação, parcialmente feita pela Lei Federal nº 14.284/2021, não poderia resultar escala de proteção social inferior que o pagamento de ambos os programas isoladamente.

O ponto central da decisão do STF não é a omissão total (ausência de política pública), mas a sua insuficiência, diante do quadro agravado de pobreza, desemprego e desigualdade social que assola o país. Nesse sentido, a legislação vindoura que regulamentou o benefício de renda básica familiar deveria se ater às diretrizes impostas pela decisão da corte. Não será uma decisão fácil, até porque a interpretação do artigo 11 da Lei Federal nº 13.300/2016 leva a crer que a ordem injuncional somente se cristaliza frente à legislação superveniente após o seu trânsito em julgado (artigo 5º, XXXVI, da CF/88), ainda não ocorrido.

Um adendo final que poderia ser feito é o reconhecimento da possível não recepção parcial da Lei Federal nº 10.835/2004 (e da inconstitucionalidade/invalidade, por arrastamento, do artigo 1º, parágrafo único, da Lei Federal nº 14.284/2021), na parte em que estende o direito à renda básica a todos os cidadãos brasileiros (e estrangeiros residentes há mais de cinco anos), não só àqueles em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

A corte, segundo o voto vencedor, assentou que não haveria como defender a existência de um direito subjetivo constitucional amplo de todos os brasileiros à renda básica (inclusive por limitações orçamentárias).

A emenda, por sua vez, ao incluir o parágrafo único ao artigo 6º da Carta, o fez com a definição precisa do âmbito de proteção desse direito, limitando-o aos brasileiros (e estrangeiros) em situação de vulnerabilidade social. A Lei Federal nº 10.835/2004, pela sua extensão, parece não se amoldar à nova previsão constitucional.

[1] Análise feita pelo Banco Mundial sobre a eficiência dos programas sociais de transferência de renda no Brasil, tal como o Bolsa-Família e o Benefício de Prestação Continuada — BPC. Um ajuste justo: Analise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil. THE WORLD BANK. Disponível em: Acesso em: 11/01/2022.

[2] Declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 20, §3º, da Lei 8.742/1993, pelo STF, com a ampliação do critério de renda de per capita para fins de concessão do Benefício de Prestação Continuada — BPC (RE nº 567.985, Relator o Ministro Aurélio, Relator p/ Acórdão o ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe de 03/10/13).

[3] MI nº 7.300, Relator o Ministro Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão o ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe de 20/08/21.

[4] BARCELOS, Ana Paula de. apud TORRES, Ricardo Lobo et al. Direitos fundamentais, orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2. ed., 2013. BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 4. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.

[5] Há que defenda que ambas as políticas públicas possuem âmbitos de proteção diferentes, não sendo a renda básica da cidadania um direito atrelado à assistência social, tal como a renda mínima Bolsa-Família (GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Renda básica e renda mínima na Emenda Constitucional 114/2021. Disponível em . Acesso em 12/01/2022). Posição majoritária do STF no julgamento do MI nº 7.300, concessa venia, no sentido da similitude de ambos os programas, apelando ao legislador federal para a sua possível unificação. A Lei Federal nº 14.284/2021, na mesma direção, estabelece que o Programa Auxílio-Brasil é etapa do processo de universalização da renda básica de cidadania prevista na Lei Federal nº 10.835/2004.

Fernando Henrique Médici é doutorando e mestre em Direito pela PUC/SP, especialista em Direito Constitucional e Tributário, procurador do Estado de São Paulo e ex-analista judiciário junto ao STF.

 

Fonte: Conjur, de 14/1/2022

 

 

A inconstitucionalidade formal das leis estaduais sobre o novo Difal

Por Rodrigo Cipriano dos Santos Risolia

Tem sido agitado o início de janeiro deste ano de 2022 pelas constantes liminares concedidas por juízes de primeira instância para suspender a exigibilidade do Difal-ICMS nas operações interestaduais em que o destinatário não é contribuinte do tributo estadual.

Como se sabe, a EC nº 87/2015 alterou a redação do inciso VII do §2º do artigo 155 da Constituição, passando a permitir a tributação pelo estado de destino mediante aplicação do diferencial de alíquotas, a operação interestadual de circulação de mercadorias.

Também é sabido que essa norma inicialmente foi regulada pelo Convênio nº 93/2015 do Confaz, e que foi declarada inconstitucional pelo STF no julgamento da ADI nº 5.464 e RE nº 1.287.019, pois entendeu a corte que as alterações constitucionais demandam regulação por lei complementar, mas os efeitos da decisão seriam protraídos para o exercício de 2022.

Diante disso, os estados passaram a editar as competentes leis locais, ainda no ano de 2021 [1], para instituir a cobrança do Difal-ICMS. Entretanto, a Lei Complementar nº 190/2022, que foi editada para suprir a lacuna normativa apontada pelo STF, foi publicada somente no último dia 5, o que vem lastreando decisões liminares de suspensão da exigibilidade, por ofensa ao artigo 150, III, "b" e "c", da Constituição.

Apesar de as decisões seguirem no mesmo sentido, o argumento da anterioridade não se mostra adequado. É que, como dito, as leis estaduais foram publicadas ainda no ano de 2021, cumprindo a exigência do texto constitucional das alíneas "b" e "c" quando expressam "publicada a lei que os instituiu ou aumentou". Não foi a LC nº 190/2022 que instituiu o Difal, portanto, não é sobre ela que versa a anterioridade ou a anterioridade nonagesimal.

O ponto é que as leis estaduais foram editadas sem lei complementar prévia, como exigido pelo Supremo Tribunal Federal. Isso, a bem da verdade, representa invasão de competência do legislador complementar pelos legisladores estaduais. Como não havia lei nacional estabelecendo os limites do ICMS-Difal, nenhuma lei estadual poderia instituí-lo.

Essa questão remonta à ampliação da base de cálculo da Cofins pela Lei nº 9.718/1998, das receitas operacionais (faturamento) para todas as receitas da empresa. Naquele caso, a Emenda Constitucional nº 20/1998, que alterou a redação do inciso I do artigo 195 da Constituição, deveria ter precedido a lei ordinária. Como foi publicada posteriormente, questionou-se se a emenda promoveu "constitucionalidade superveniente" ou se a lei teria sido "natimorta", inconstitucional desde sua publicação. A matéria foi apreciada pelo STF no RE nº 346.084 [2], afastando a tese da constitucionalização superveniente, eis que inexistente no Direito brasileiro.

Interessa a este assunto o seguinte trecho do voto do ministro Celso de Mello:

"Não custa assinalar, neste ponto, que traduz situação de inconstitucionalidade a edição, pelo Estado, de lei ordinária quanto esta é editada para regular matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar, como sucede com o Código Tributário Nacional, cujo artigo 110 — ao veicular norma de caráter geral — conforma-se ao que dispõe o artigo 146, III da Constituição da República. Cabe referir, neste ponto, por oportuno, que a lei ordinária — que incursiona em domínio normativo constitucionalmente reservado à lei complementar — incide, por efeito de direta transgressão ao que prescreve a própria Constituição da República, em situação de evidente inconstitucionalidade, como reconhece o magistério da doutrina (GERALDO ATALIBA, 'Lei complementar na Constituição', p. 30, 1971, RT; JÓSÉ SOUTO MAIOR BORGES, 'Lei Complementar Tributária', p. 34/35, 1975, RT/EDUC; CELSO BASTOS, 'Lei Complementar', p. 16/17, 1985, Saraiva, verbi gratia).

Esse entendimento reflete-se, por igual, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cuja orientação, no tema, adverte que infringe a Constituição, ofendendo-a de modo frontal, a lei ordinária — ou qualquer outro ato de menor hierarquia normativa — que disponha sobre matéria própria de lei complementar (RTJ 105/909 — RTJ 154/810-811 — RTJ 163/543-544 — RTJ 163/942-943 — RTJ 166/917-918 — RTJ 171/753-754 — RTJ 179/114-115).

Veja-se, portanto, qualquer que seja o ângulo sob o qual se analise a controvérsia, que o diploma legislativo em causa reveste-se de inconstitucionalidade, especialmente se examinado o texto da Lei nº 9.718/98 à luz da redação primitiva do artigo 195, I, da Constituição da República (anterior, portanto, ao advento da EC 20/98), tal como por mim precedentemente assinalado neste voto, e igualmente enfatizado, com absoluta correção, nos doutos votos proferidos pelos eminentes ministros Cezar Peluso, Marco Aurélio e Carlos Velloso.

Cabe registrar, de outro lado, senhora presidente, considerada a modificação introduzida no conteúdo primitivo do artigo 195, I, da Constituição, que não se revela aceitável nem acolhível, para os fins postulados pela União Federal, o reconhecimento de que a EC 20/98 poderia revestir-se de eficácia convalidante, pois — como ninguém ignora — as normas legais que se mostram originariamente inconciliáveis com a Lei Fundamental não se convalidam pelo fato de emenda à Constituição, promulgada em momento posterior, havê-las tornado compatíveis com o texto da Carta Política.

Se o Poder Público quiser proceder de acordo com o teor de superveniente emenda à Constituição, deverá produzir nova legislação compatível com o conteúdo resultante do processo de reforma constitucional, não se viabilizando, em consequência, a convalidação de diploma legislativo originalmente inconstitucional.

Cumpre advertir, por isso mesmo, que a superveniência de emenda à Constituição, derivada do exercício, pelo Congresso Nacional, do poder de reforma, não tem o condão de validar a legislação comum anterior, até então incompatível com o modelo positivado no texto da Carta Política".

Destaca-se o curto trecho por amor à brevidade [3]. O que se pode aproveitar aqui é que, se o Supremo Tribunal Federal reconheceu a demanda por lei complementar para regulamentar no novo Difal-ICMS, declarando a inconstitucionalidade do Convênio nº 93/2015 por ofensa ao artigo 146, I, e ao artigo 155, §2º, XII, não poderia a lei estadual, sem ser precedida da lei complementar, regular o Difal-ICMS justamente por invadir a competência do legislador complementar.

Então tem-se vício formal que torna as leis estaduais produzidas antes da LC nº 190/2022 inconstitucionais, de modo que não impediriam a cobrança do Difal apenas em 2022, mas também nos anos seguintes se não houver novas leis estaduais tratando do tema ainda neste ano. Com isso, demonstra-se que, muito embora a publicação tardia da LC nº 190/2022 não respalde o argumento da ofensa à anterioridade, impôs derrota às leis estaduais recentes, haja vista que são anteriores à lei nacional, o que as fez versar sobre matéria reservada ao Congresso Nacional.

[1] Lei nº 20.949/2021 — PR, Lei nº 17.470/2021 — SP, Lei nº 1.608/2021 — RR, Lei nº 8.944/2021, Lei nº 17.625 — PE, Lei nº 7.706/2021 — PI, MP nº 29/2021 — TO, Extra oficial — CE, Lei nº 14.415/2021 — BA, Decreto nº 48.343/2021 — MG, Extra Oficial — RN.

[2] "CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE — ARTIGO 3º, §1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 — EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente. TRIBUTÁRIO — INSTITUTOS — EXPRESSÕES E VOCÁBULOS — SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos tributários. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL — PIS — RECEITA BRUTA — NOÇÃO — INCONSTITUCIONALIDADE DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o §1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada" (RE 346084, relator(a): ILMAR GALVÃO, relator(a) p/ Acórdão: MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/11/2005, DJ 01-09-2006 PP-00019 EMENT VOL-02245-06 PP-01170).

[3] O voto merece ser lido em sua integralidade, especialmente porque cita doutrina nacional relevantíssima sobre a invasão de competência do legislador complementar.

Rodrigo Cipriano dos Santos Risolia é advogado tributarista, mestre em Direito Tributário pela USP e professor de especialização.

 

Fonte: Conjur, de 20/1/2022

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