17/12/2018

TRT da 15ª Região acolhe tese da PGE relativa aos juros moratórios

O Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Incidente de Uniformização de Jurisprudência, acolheu a tese formulada pela Procuradoria Geral do Estado e declarou a constitucionalidade dos juros moratórios estipulados pela Lei 11.960/09, afastando o pedido de aplicação do art. 39, §1º, da Lei n°8.177/91, que prevê juros de mora de 1% ao mês.

O Incidente foi suscitado pela 1ª Turma do TRT-15, após a parte reclamante argumentar que, ante o decidido pelo Supremo Tribunal Federal – STF nas ADIs n° 4.357 e 4.425, a Lei 11.960/09 perdeu a sua eficácia e a OJ n° 7 do Tribunal Pleno do E. TST deixou de ter efetividade.

O Estado de São Paulo, admitido na demanda na condição de amicus curiae, demonstrou que o STF, nos julgamentos das ADIs 4.357 e 4.425 e do RE 870.947 (Tema 810), pacificou os critérios dos juros incidentes nas condenações envolvendo a Fazenda Pública, restando confirmada a aplicação dos juros simples de poupança, na forma da Lei 11.960/09, para débitos não tributários.

Os argumentos apresentados pela PGE/SP foram acolhidos pelo Pleno do Tribunal Regional, que editará súmula com o seguinte teor: "JUROS DE MORA. FAZENDA PÚBLICA. ART. 1º-F DA LEI 9.494/97. ADI nº 4.357 DO STF. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, incidem juros de mora: a) de 1% (um por cento) ao mês, até agosto de 2001, nos termos do §1º do art. 39 da Lei nº 8.177/91; b) de 0,5% (meio por cento) ao mês, de setembro de 2001 a 29 de junho de 2009, conforme determina o art. 1º - F da Lei nº 9.494/97; e c) a partir de 30 de junho de 2009, incidência dos juros aplicados à caderneta de poupança, por força do art. 5º da Lei nº 11.960/09".

O pedido de intervenção do Estado como amicus curiae, bem como a defesa da tese acolhida pelo Pleno foram elaborados pelo Procurador do Estado Rafael Modesto Rigato, vinculado à Procuradoria Regional de Campinas.

 

Fonte: site da PGE-SP, de 14/12/2018

 

 

Plenário pode votar projeto que autoriza União, estados e municípios a cederem crédito de dívida a receber

Com sessões marcadas para quarta-feira (19) e quinta-feira (20), o Plenário da Câmara dos Deputados poderá votar o Projeto de Lei Complementar (PLP) 459/17, que permite à União, aos estados e aos municípios cederem créditos de dívidas a receber, tributárias ou não.

A matéria causa polêmica e precisa de quórum qualificado (257 votos favoráveis) para ser aprovada. O deputado André Figueiredo (PDT-CE) desistiu da relatoria após apresentar emendas ao texto que restringiam o alcance dessa cessão somente à dívida ativa, impondo regras para o leilão.

Já o parecer do novo relator, deputado Alexandre Leite (DEM-SP), recomenda a aprovação do texto original do Senado para que ele possa ser enviado diretamente à sanção presidencial. Se emendas forem aprovadas, o texto precisa voltar ao Senado.

Vários governadores têm interesse na aprovação do projeto para dar segurança jurídica a leis estaduais sobre o tema.

Do total de recursos obtidos com a cessão dos direitos sobre os créditos da administração, 50% serão direcionados a despesas associadas a regime de previdência social; a outra metade vai para despesas com investimentos. Essa regra consta da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/00).

Museus
Pendentes de leitura do ofício para iniciar sua tramitação na Câmara dos Deputados, três medidas provisórias também poderão ser analisadas na última semana do ano legislativo.

Uma delas é a MP 850/18, que transforma o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) em Agência Brasileira de Museus (Abram) para gerir os museus federais atuando como serviço social autônomo.

Entretanto, o projeto de lei de conversão da senadora Lídice da Mata (PSB-BA) mantém o Ibram no formato atual e permite ao órgão criar uma fundação sem fins lucrativos, de natureza privada, para arrecadar e gerir recursos a serem aplicados no setor museológico.

Caberá a essa fundação, após entendimento com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colaborar na reconstrução e modernização do Museu Nacional, assim como na restauração e recomposição do seu acervo, inclusive por meio da instituição de fundo patrimonial privado com o objetivo de arrecadar, gerir e destinar doações de pessoas físicas e jurídicas privadas.

Imóveis

A Medida Provisória 852/18, por sua vez, transfere 3.800 imóveis do INSS para a União sem contrapartida financeira e extingue o fundo que gerenciava bens imóveis da antiga Rede Ferroviária Federal (RFFSA), liberando imóveis que poderão ser vendidos.

O parecer do senador Dário Berger (MDB-SC) inclui novas mudanças, como a modificação dos traçados do Parque Nacional de Brasília e da Floresta Nacional de Brasília; além da redução da área do Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina.

Em relação aos imóveis da União, foi apresentada emenda para facilitar a venda direta, sem necessidade de licitação. A doação de parques urbanos federais aos municípios e ao distrito federal também foi incluída no texto. A previsão se aplica aos parques de propriedade da União que são administrados pelos municípios.

Fundo de Previdência

Outra MP que pode entrar na pauta é a 853/18, que reabre o prazo de adesão para os servidores federais ao regime de previdência gerido pela Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp).

O prazo original se encerrou no dia 29 de julho e foi estendido até 29 de março de 2019.

A Funpresp foi instituída pela Lei 12.618/12 para complementar a aposentadoria dos servidores que entraram no serviço público após a data de sua implantação, em 2013, já que receberão apenas o teto pago pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

Fiscalização
Também na pauta, o Projeto de Lei 9617/18, do Senado, propõe regras para acompanhamento e fiscalização de obras e serviços públicos pelos cidadãos cadastrados em grupos de rede social.

Chamada pelo projeto de gestão compartilhada, a participação dos cidadãos é definida como o acompanhamento orçamentário, financeiro e físico dos gastos públicos, tais como a execução de obras, a prestação de serviços públicos e a aquisição de materiais e equipamentos, por grupos virtuais atuantes em aplicativos disponíveis na internet ou na telefonia celular.

Sessão do Congresso

Na terça-feira (18), poderá haver sessão conjunta do Congresso Nacional para votação de vetos presidenciais e da proposta orçamentária de 2019. Essa sessão depende de confirmação do presidente do Senado, Eunício Oliveira.


Fonte: Agência Câmara, de 17/12/2018

 

Governo estadual de São Paulo terá nova fonte para pagar precatórios

O governador de São Paulo, Márcio França (PSB), comemora a obtenção de uma nova fonte de recursos para pagamento de precatórios que espera deixar como legado de sua breve gestão à frente do Estado. Derrotado em segundo turno para o tucano João Doria, o então vice de Geraldo Alckmin (PSDB) conseguiu autorização do Tribunal de Justiça para utilizar depósitos feitos em juízo e retidos em um fundo avaliado em R$ 9 bilhões para ressarcir famílias que aguardam há décadas por indenizações.

A operação se dará a partir de uma espécie de empréstimo (sem juros) carimbado e assegurado pela emenda constitucional 99, aprovada ano passado. Ela estendeu de 2020 para 2024 o prazo limite para o pagamento, por Estados e municípios, de todo o estoque de precatórios e abriu a possibilidade de uso desse fundo alimentado diariamente por depósitos feitos em juízo de qualquer natureza – antes, a utilização só era possível nos casos em que o Estado era parte da ação.

A gestão França afirma que, em função dessa autorização, o governo paulista – que tem R$ 23,4 bilhões em precatórios a pagar, deve alcançar a maior marca anual de depósitos desde 2013, com previsão de R$ 3,5 bilhões até o dia 31 – ano passado foram R$ 3,1 bilhões aplicados para a redução da dívida. No primeiro lote de pagamentos, estima-se que cerca de 20 mil pessoas serão atendidas. São dívidas do Estado referentes a decisões judiciais tomadas em 2002 e 2003 e que não cabem mais recurso.

“Para muita gente será a concretização de uma tão esperada justiça, já que muitas das ações judiciais contra o Estado tiveram início no começo do século passado. Foi uma vitória da boa vontade contra a burocracia. Os recursos dos depósitos judiciais estavam lá e o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Manoel Calças, permitiu este entendimento”, afirmou França.

Em entrevista ao Estado, o desembargador Luís Paulo Aliende Ribeiro, coordenador da Diretoria de Execução de Precatórios (Depre), do TJ, explicou que a emenda 99/2017 permite com que 30% do fundo formado por depósitos em juízo possam ser tirados por Estados e municípios para pagamento de precatórios. O governo tem direito a usar metade desse montante, ou seja 15% ou aproximadamente R$ 9 bilhões.

“Depois de várias tratativas, o TJ regulamentou a forma como esse fundo pode ser utilizado. Uma portaria específica define agora como os entes devem fazer para se habilitar a promover saques desse fundo”, disse Ribeiro.

Para o desembargador, essa nova fonte de recursos vai facilitar não apenas o Estado, mas principalmente municípios pequenos, que quase não têm arrecadação – caso de Rio Grande da Serra, no ABC Paulista – e grandes cidades paulistas, como Campinas, Guarulhos e a capital, com dívidas muito elevadas. Todas estão sujeitas ao prazo definido para liquidação do estoque.

Teto de gastos. No caso do governo estadual, a retirada desses depósitos não poderá ser feita de uma só vez. Os saques terão de ser programados e definidos pela Secretaria da Fazenda com base na lei do teto de gastos – como a maioria dos precatórios dizem respeito a dívidas trabalhistas, os pagamentos são considerados despesa corrente líquida e não investimento, ficando sujeitos, portanto, aos limites estabelecidos pela legislação que permitiu a renegociação das dívidas dos Estados com a União.

Até 31 de dezembro, a gestão França deverá retirar ao menos R$ 1,2 bilhão desse fundo, elevando em 52% o valor pago neste ano. O valor restante poderá ser pleiteado nos próximos quatro anos por Doria, que assume em janeiro o cargo de governador e também a responsabilidade sobre a dívida do Estado. Para cumprir o prazo de zerar o estoque até 2024, o tucano terá de desembolsar R$ 4 bilhões, em média, por ano.

Para o especialista em direito administrativo Adib Kassouf Sad, a utilização desses depósitos ajuda, mas o que resolve é o poder público planejar de forma responsável esse pagamento. “Esse é um problema que tem de ser enfrentado de forma definitiva. O Estado não pode se apropriar de um bem de alguém sem planejar como fazer esse ressarcimento. Pagar precatório limita investimentos, mas só a curto prazo”, afirma, referindo-se aos precatórios derivados de desapropriações de imóveis para realização de obras, como linhas de metrô.


Fonte: Estado de S. Paulo, de 17/12/2018


 

Iniciado julgamento que discute compensação de créditos sobre bens em estoque na transição da sistemática do PIS e do COFINS

Pedido de vista formulado pelo ministro Marco Aurélio Melo suspendeu, na sessão desta quinta-feira (13), o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 587108, com repercussão geral reconhecida (Tema 179), em que se discute a compensação de créditos calculados com base nos valores dos bens e das mercadorias em estoque no momento da transição da sistemática cumulativa para não cumulativa da contribuição para o PIS e o COFINS. No recurso, a WMS Supermercados do Brasil S/A, do Rio Grande do Sul, questiona acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que apontou a legitimidade de dispositivos das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, que disciplinaram o direito de aproveitamento de créditos calculados com base nos valores dos bens e mercadorias em estoque no momento da transição da sistemática.

Único a proferir voto na sessão desta quinta, o relator do processo, ministro Edson Fachin, manifestou-se pelo desprovimento do recurso da empresa por entender que o legislador ordinário autorizou a previsão de regime legal não cumulativo do PIS e COFINS para determinados setores ou atividades econômicas, assim como a substituição gradativa da contribuição sobre a folha de salários pelo PIS e pelo COFINS não cumulativos. Citando autores especializados, o relator afirmou que as duas leis em questão classificaram como “presumido” o crédito calculado sobre o estoque consignado no balanço de abertura no momento da transição. Portanto, trata-se de uma concessão feita pelo legislador no intuito de minimizar os impactos da alteração do regime de tributação, que acabou resultando na majoração das alíquotas.

A empresa questiona a regra de creditamento para mercadorias em estoque adquiridas no regime tributário anterior (regime cumulativo) e busca obter o direito a um crédito maior. Para a recorrente, as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, ao preverem créditos presumidos de PIS e COFINS sobre esses estoques por meio da aplicação das alíquotas de 0,65% e 3% (que vigoraram até dezembro de 2002 e fevereiro de 2004, respectivamente), teriam violado os princípios da razoabilidade, isonomia e não cumulatividade.

Em sustentação oral, o procurador da Fazenda Nacional Adriano Chiari da Silva pediu à Corte que julgue o recurso improcedente, sob o argumento de que a empresa busca obter um crédito não previsto em lei. O procurador afirmou que a regra sobre estoques é uma típica regra de transição. “Se se aplicasse, como pretende a recorrente, de modo imediato a regra geral de apuração de créditos, com as alíquotas superiores, se estaria permitindo um abatimento no valor da receita de um crédito que não foi recolhido para a Fazenda Pública”, frisou o procurador.


Fonte: site do STF, de 14/12/2018

 

 

O Ato Institucional nº 5 e seu significado histórico

Por Elival da Silva Ramos

Há 50 anos, no dia 13 de dezembro de 1968, o general Artur da Costa e Silva, 2º presidente da República do regime autoritário implantado em 31 de março de 1964, após ouvir o Conselho de Segurança Nacional, editou o Ato Institucional nº 5, que representou importante inflexão nos rumos traçados pelo governo anterior, comandado pelo marechal Castelo Branco.

Não cabe aqui a discussão acerca do nível de apoio popular à quebra da ordem constitucional ocorrida em 64. O que é certo, pois se trata de um dado objetivo, é que os governos militares pós-64 foram oriundos da quebra da ordem constitucional estabelecida com a redemocratização do País em 1946, consubstanciada na deposição, pela força, do presidente João Goulart, que assumiu segundo os ditames da Constituição de 1946.

É certo que legalidade e legitimidade não se confundem. Porém, sem a estabilidade institucional que somente o Estado de Direito propicia e afastados os mecanismos, mais ou menos precisos, da representação política, é muito difícil aferir a legitimidade de todo e qualquer governo, medida em termos de consenso social.

O governo Castelo Branco sabia o custo que representava a quebra da legalidade e da institucionalidade. Ainda que de forma acentuadamente autoritária (com a depuração do Congresso Constituinte, via cassação de mandatos), uma nova Constituição foi promulgada em 24 de janeiro de 1967, com o que se pretendia sinalizar para o retorno ao Estado de Direito, até então não assegurado por uma Constituição de perfil social-democrático, continuamente desafiada por atos institucionais e complementares editados pela Presidência da República do regime militar.

Algumas dificuldades próprias do processo político então vivido amplificaram a insegurança própria de um regime deficitário, em termos democráticos, desde sua origem, bastando a gota d’água da falta de autorização da Câmara dos Deputados para que o deputado federal Márcio Moreira Alves fosse processado perante o Supremo Tribunal Federal, para que um cenário de autêntica ofensiva “contrarrevolucionária” fosse artificialmente construído, servindo de justificativa expressa para a edição do Ato Institucional nº 5.

O Ato Institucional nº 5 foi o mais agressivo e autoritário ato normativo de toda a sequência de atos institucionais produzidos pelo regime militar.

A rigor este deveria ter sido o Ato Institucional nº 1, pois a série iniciada anteriormente à Constituição de 67 teve um fim com a sua entrada em vigor. De todo modo, essa continuidade numérica é significativa sob o prisma político, porquanto revela a visão de que o regime militar autoritário, infenso aos azares do processo político democrático assentado no pluralismo de ideias, houvera continuado, a despeito da constitucionalização epidérmica ocorrida em 1967.

Valho-me, neste ponto, de categorias magistralmente utilizadas por Oliveiros S. Ferreira, ao se referir ao “partido fardado”, “a vertente política e intelectual das Forças Armadas, mais ágil e aberta para interagir com a sociedade e, em momentos críticos, liderar a insatisfação social em nome de um projeto nacional”, em contraposição ao “estabelecimento militar”, “mais insulado, burocrático, zeloso de regimentos e hierarquias” (Elos Partidos: Uma nova visão do poder militar no Brasil, São Paulo, Harbra, 2007).

Eram os representantes do “partido fardado” que triunfavam sobre os militares de perfil técnico-burocrático, devidamente estimulados por civis “sedentos” da continuidade de um regime que ideologicamente apoiavam e do qual, de algum modo, se beneficiavam.

O Ato Institucional nº 5 foi o mais agressivo e autoritário ato normativo de toda a sequência de atos institucionais produzidos pelo regime militar, em paralelo à ordem constitucional, que assumiu ares de um constitucionalismo semântico, na expressão de Karl Loewenstein (Constituição disfarce).

Por meio dele, o presidente da República se autoproclamou um déspota com poderes ilimitados, podendo, ao seu alvedrio: decretar o recesso de todos os Parlamentos da Federação (Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores), assumindo o Poder Executivo, plenamente, funções legislativas; decretar a intervenção em Estados e municípios, sem as limitações previstas na Constituição; suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 (dez) anos e cassar mandatos federais, estaduais e municipais; decretar o estado de sítio, fixando o prazo de sua duração; após mera investigação administrativa, decretar o confisco de bens por enriquecimento ilícito no exercício de cargo ou função pública.

Além disso, com a edição do AI-5, foram suspensas, sem prazo determinado, as garantias da magistratura e a estabilidade dos funcionários públicos, bem como a garantia constitucional do habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.

A bem de ver, nenhuma dessas prescrições era necessária. Bastava uma, contida no artigo 11 do AI-5: foram excluídas de apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com o AI-5 e respectivos atos complementares! Ou seja, se algum abuso ou irregularidade fossem detectados na própria aplicação daquele ato institucional, não haveria medida judicial para socorrer os afetados pelo arbítrio presidencial.

A cruzada fundamentalista que o regime militar pretendeu travar contra o radicalismo político à esquerda e a corrupção, fundada em um instrumento normativo despótico, logo cobrou o seu preço. De início, o vice-presidente Pedro Aleixo (um civil) foi impedido de assumir a Presidência, vaga pela morte do general Costa e Silva, e a Junta Militar que usurpou o poder promulgou a Emenda nº 1, de 1969, à Constituição de 67, que deve ser considerada uma nova Constituição, gestada nas entranhas do autoritarismo. Na senda desses eventos paradigmáticos, lideranças políticas promissoras tiveram sua carreira política interrompida por cassação de mandato ou suspensão de direitos políticos; acuados, os Parlamentos federativos deixaram de exercer o controle político que lhes é inerente; sem a garantia do habeas corpus, remédio constitucional que deita suas raízes na Magna Carta de 1215, prisões arbitrárias se multiplicaram; prisioneiros, à mercê de autoridades policiais ou militares com poderes ilimitados (e, por vezes, padecendo de distúrbios psíquicos…), tiveram a sua integridade física e mental violada, mediante sessões de tortura que provocaram a morte ou sequelas em centenas deles; magistrados e funcionários públicos que pretenderam exercer corretamente, ou seja, com independência técnica, as suas funções foram aposentados compulsoriamente, medida essa que também atingiu os servidores militares, que foram transferidos para a reserva ou reformados; e, at last but not least, a censura aos meios de comunicação e às obras artísticas e intelectuais foi largamente praticada.

As comprovadas violações de direitos humanos, com a cumplicidade ou complacência, dos governantes minaram a legitimidade do regime, em sua vertente ética, ao passo que a crise econômica advinda da elevação do preço do petróleo, a partir de 1973, solapou o apoio eleitoral ao partido do governo, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), cuja sigla lembra um local de imolação de cristãos no Império Romano…

O autoritarismo inconteste do regime militar mais uma vez fica evidenciado, quando em abril de 1977 o presidente Ernesto Geisel decreta o recesso do Congresso Nacional e impõe a Emenda Constitucional nº 7 à Constituição de 1967. Sob o signo do denominado “pacote de abril”: um terço dos senadores passaram a ser eleitos indiretamente (a triste figura dos senadores “biônicos”); o mandato presidencial foi estendido de 5 (cinco) para 6 (seis) anos; foram mantidas as eleições indiretas em todos os níveis (havia a previsão de eleições diretas para governadores em 1978); e, o mais nefasto dos tributos ao ideário antidemocrático, promoveu-se o agravamento na distorção da representação por circunscrições estaduais na Câmara dos Deputados, privilegiando Estados em que o partido do governo vencia as eleições (Norte do País), em detrimento dos Estados em que a oposição era vitoriosa (Sudeste).

Ao comemorarmos os 30 anos de vigência da Constituição de 5 de outubro de 1988, que propiciou o mais longo período de normalidade democrática no País (o que não equivale à continuidade constitucional), não podemos nos esquecer de que o sistema político democrático se compõe de três ingredientes básicos: pluralismo político e participação ampla; respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, em todas as suas dimensões; e o escoramento dos outros dois vetores nas escoras institucionais do Estado de Direito, decomposto em respeito à legalidade, à igualdade perante a lei, à previsibilidade das consequências jurídicas das condutas, à separação dos Poderes e seu corolário, a inafastabilidade do controle jurisdicional.

O famigerado Ato Institucional nº 5 representou na história recente do Brasil um dos mais graves, ou quiçá o mais grave dos atentados aos postulados do Estado de Direito, inviabilizando por mais de uma década o exercício das liberdades políticas e individuais.

Que seja sempre lembrado e jamais reeditado, sob nenhuma forma ou a nenhum pretexto!

Elival da Silva Ramos é prof. titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP, superintendente jurídico da Reitoria da USP e ex-Procurador Geral do Estado de São Paulo

 

Fonte: Jornal da USP, de 12/12/2018

 

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