STF afirma legitimidade do MP para postular fornecimento de medicamentos por meio de ação civil pública
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (15), que o Ministério Público (MP) tem legitimidade para ajuizar ação civil pública com o objetivo de buscar o fornecimento de medicamentos a portadores de determinadas doenças. Existem, no Poder Judiciário, 1.897 processos sobrestados aguardando a decisão do STF nesta matéria, que teve repercussão geral reconhecida.
A questão foi analisada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 605533, interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPE-MG) contra acórdão do Tribunal de Justiça do estado (TJ-MG) que extinguiu ação civil pública, sem resolução do mérito, na qual se buscava a entrega de medicamentos a portadores de hipotireoidismo e de hipocalcemia severa. Em decisão unânime, os ministros acompanharam o voto do relator, ministro Marco Aurélio, no sentido de prover o recurso e de determinar o retorno do processo ao TJ-MG para que prossiga no julgamento de mérito.
A tese fixada no julgamento, proposta pelo relator, foi a seguinte: “O Ministério Público é parte legítima para ajuizamento de ação civil pública que vise ao fornecimento de remédios a portadores de certa doença”.
PGR
Na sessão de hoje, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou favorável a que o MP continue ajuizando ações civis públicas para tratar de situações como a dos autos. Segundo ela, a Constituição Federal reconhece a saúde como direito humano e dever do Estado e considera que o serviço de saúde é de relevância pública. “Portanto, o Estado está na condição de ser demandado para prestar esse serviço e para atender o direito humano de um indivíduo e de toda a coletividade em relação à saúde”, ressaltou.
Para Raquel Dodge, estão claras na Constituição a atribuição e a legitimidade do MP para zelar por este serviço e para promover as medidas necessárias à sua garantia. A procuradora afirmou que a judicialização da saúde não é desejável, mas as políticas públicas de saúde falham ou não estão desenhadas de modo a atender adequadamente à demanda da sociedade. Na sua avaliação, se isso for corrigido para que não faltem medicamentos e serviços e para que o acesso seja garantido a todos, “a judicialização certamente será reduzida a um grau mínimo”.
Sustentações orais
Pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MP-MG), autor do recurso, o procurador-geral de Justiça, Antônio Sérgio Tonet, reafirmou o pedido de provimento do RE, observando que, embora se trate de um caso individual, o problema é comum a tantos outros cidadãos acometidos pelo mesmo mal. Ele argumentou que a jurisprudência do Supremo já firmou orientação, antes da repercussão geral, no sentido de que o MP é parte legítima para propor ação civil pública na defesa de interesses individuais indisponíveis de pessoa individualmente considerada, como ocorre com o direito à saúde.
O procurador de Minas Gerais Gianmarco Loures Ferreira falou em nome do estado e de outros 25 entes da federação admitidos no processo como interessados. Para ele, o MP não pode atuar em nome de uma pessoa, caso contrário estaria movendo ação individual visando obter efeito erga omnes [para todos] por meio de um instrumento previsto na Constituição Federal com a função específica de tutela de direitos difusos e coletivos. Tal atuação, segundo ele, extrapolaria os limites constitucionais da ação civil pública.
Voto do relator
Relator do recurso, o ministro Marco Aurélio afirmou em seu voto a legitimidade do MP para atuar na matéria. “É induvidoso que ao MP cabe, a teor do disposto no inciso III do artigo 129 da Constituição Federal, promover o inquérito civil e a ação civil pública visando à defesa de interesses difusos e coletivos”, explicou. Segundo ele, a singularidade do caso respalda a atuação do MP, uma vez que, conforme a petição inicial da ação ajuizada na instância de origem, o pedido abrange não só a situação de uma pessoa, mas também a dos demais portadores de doença considerada grave.
De acordo com o relator, o pedido de fornecimento dos medicamentos inclui todos os pacientes portadores de hipotireoidismo e hipocalcemia severa, quando houver prescrição do médico responsável. No seu entendimento, a menção a uma pessoa específica foi meramente exemplificativa e que a ação tem o objetivo de alcançar todos os que estejam acometidos da doença e não tenham condições de satisfazer o custo dos remédios. “A ação, sem dúvida alguma, ganhou contornos de ação civil pública, atendendo-se ao disposto do artigo 129, inciso III, da Constituição Federal”, concluiu.
Não participou do julgamento a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que exerce interinamente a Presidência da República. A sessão foi presidida pelo vice-presidente da Corte, ministro Dias Toffoli.
Fonte: site do STF, de 15/8/2018
Em 55 ações, estados deflagram guerra judicial à União por dinheiro público
Em meio à crise econômica, que afeta a arrecadação, estados declaram guerra contra a União na Justiça em uma disputa por dinheiro público.
Segundo o Ministério da Fazenda, a União é alvo de pelo menos 55 ações que buscam repassar dívidas e custos fiscais ao governo federal.
A crítica à crescente judicialização consta de nota técnica do chefe da Assessoria Especial da pasta, o economista Marcos Mendes.
O documento foi anexado em parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) contra um processo ajuizado por 23 estados e o Distrito Federal no STF (Supremo Tribunal Federal), em 11 de junho deste ano.
Ministros já concederam, apenas em 2018, liminares (decisões provisórias) contra a União em ações que beneficiam sete estados e envolvem a discussão de R$ 2,3 bilhões.
No processo com a manifestação de Mendes, os governadores alegam que o governo federal comete fraude ao prolongar, até 2023, a DRU (desvinculação de receitas da União).
Prevista em emenda à Constituição, a medida autoriza a destinação de 30% de recursos de contribuições sociais, como PIS/Cofins, para outras áreas que não Previdência, saúde e assistência social.
Os governadores reivindicam a partilha de R$ 20 bilhões.
"É disso que se trata o atual pleito: mais uma tentativa de, pela via judicial, continuar atuando como 'carona' e repassando custos ao governo federal", escreve Mendes em documento de 27 de julho.
A carona, segundo ele, resume a falta de responsabilidade e comprometimento de estados e municípios em ajudar no equilíbrio fiscal do país —ou seja, gastar dinheiro público que de fato se arrecada.
O pedido dos governadores é só mais um ingrediente na briga por recursos, enquanto a equipe econômica discute se o próximo presidente conseguirá respeitar o teto de gastos. Segundo a regra, o governo só pode elevar suas despesas no limite da inflação.
"O caminho mais fácil sempre foi se endividar, gastar mais, cobrar pouco imposto e, depois, alegar que se está em situação famélica, que não há como financiar serviços básicos à população e que por isso se torna imperiosa a ajuda federal", afirma Mendes.
A nota cita decisões que obrigam a União a devolver recursos a estados e impedem a execução de garantias previstas em contratos.
Medidas judiciais ainda permitem adesão ao regime de recuperação fiscal, criado para socorrer os estados, sem a desistência de ações contra a União e sem o cumprimento de seus requisitos.
Contra o argumento de que a União retém dinheiro dos demais entes, Mendes afirma que o recente refinanciamento de dívidas de estados e municípios "demonstra que a Federação brasileira está longe de um modelo em que a União draga recursos subnacionais e concentra poder financeiro".
Para ele, no atual contexto de déficit da Previdência, todo o montante da DRU volta ao Orçamento da seguridade.
Em 2016, foram necessários R$ 52,2 bilhões em emissão de títulos da dívida pública para fechar as contas da Previdência, além de incorporação de R$ 29,6 bilhões em remuneração feita pelo Banco Central ao Tesouro Nacional.
Mendes recomenda aos estados que sigam o caminho do acordo político e façam reformas assim como a União.
Os governadores, porém, liderados por Minas Gerais e pelo CNPG (Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais) —com as exceções dos chefes do Executivo de São Paulo, Rio Grande do Sul e Espírito Santo—, afirmam na ação que a DRU "se tornou permanente".
"Essa prática se qualifica como verdadeira fraude à norma constitucional", escrevem o governador Fernando Pimentel (PT), o procurador-geral do estado, Onofre Alves Batista Júnior, o procurador Carlos Victor Muzzi Filho e o presidente da Câmara Técnica do CNPG, Ulisses Schwarz Viana.
O caso está sob relatoria de Rosa Weber. Ela pediu informações à Presidência da República, ao Senado, à Câmara e ao Ministério do Planejamento. A ministra encaminhou o caso à PGR (Procuradoria-Geral da República) e à AGU.
Ao Supremo a AGU diz que a DRU tem sido tratada como mecanismo flexível, "com vigência temporária, ou seja, com data certa de término".
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também enviou sua prestação de informações. Ele afirma que as PECs (propostas de emendas à Constituição) da DRU "foram processadas dentro dos estritos trâmites constitucionais e regimentais".
Fonte: Folha de S. Paulo, de 16/8/2018
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