Justiça condena SP a indenizar vítima de 'Operação Camanducaia'
Elias Messias tinha 17 anos quando, na noite do dia 18 de outubro de 1974, foi levado em um ônibus com outros 92 jovens para a rodovia Fernão Dias, que interliga as cidades de São Paulo e Belo Horizonte.
Perto da cidade de Camanducaia (MG), os meninos, que haviam sido recolhidos nas ruas da cidade de São Paulo, em delegacias e instituições de menores, foram obrigados a descer, pelados e sob tapas, em um barranco. Os policiais estavam armados com revólveres e metralhadoras e dispararam para o alto a fim de dispersá-los. Eles tinham entre 10 e 17 anos.
Messias, ao descer, recebeu uma paulada na cabeça e desmaiou.
O episódio, que ocorreu no governo do ditador Ernesto Geisel (1974-1979), ficou conhecido historicamente como "Operação Camanducaia".
Na segunda-feira desta semana (11/9), 49 anos depois, os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo condenaram o governo paulista a pagar uma indenização de R$ 65 mil a Messias, confirmando a sentença de primeira instância de 22 de março do juiz Josué Pimentel.
"O autor, à época adolescente, estava sob a guarda do Estado, recolhido em uma instituição pública, o que reforça a responsabilidade do Estado em garantir a sua segurança e incolumidade física e psicológica, o que não ocorreu", afirmou o desembargador Luís Francisco Cortez, relator do processo, na decisão.
A Operação Camanducaia foi revelada por esta Folha, em 1974, em uma reportagem do jornalista José Louzeiro, que havia recebido uma ligação de uma leitora do jornal dizendo que a polícia da cidade havia encontrado cerca de 50 garotos, nus e machucados. A reportagem foi censurada, tendo sido publicada apenas 64 linhas.
O acontecimento inspirou o jornalista a escrever o livro "Infância dos Mortos", que, posteriormente, serviu como base para o filme "Pixote", de Hector Babenco, um clássico do cinema nacional.
Uma investigação foi realizada à época para apurar as responsabilidades pela Operação Camanducaia, mas o caso foi arquivado e não houve punição.
Ao recorrer à Justiça, em processo aberto em 2019 por meio da Defensoria Pública, Messias disse que, depois da Operação Camanducaia, nunca mais teve notícias das irmãs e que até hoje se sente inseguro em todos os lugares.
Messias contou que vivia em uma instituição social quando foi repentinamente levado ao Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) sem ter sido informado sobre o motivo. Lá ficou preso vários dias, tendo sido agredido e passado fome. Na noite de 18 de outubro, de acordo com o relato, foi colocado em um ônibus com os outros garotos.
"As cortinas do ônibus estavam fechadas. Depois de uma longa viagem, sem qualquer alimentação, o ônibus parou no acostamento. Conforme os meninos desciam, eram obrigados a despir-se completamente. Logo em seguida, começaram a receber pauladas, alguns rolaram pela ribanceira, outros fugiram", afirmou a defensora pública Fernanda Dutra Pinchiaro no processo de reparação aberto contra o Estado.
"Este crime só aconteceu desta maneira porque vivia-se um período de exceção", declarou à Justiça o defensor Rodrigo Carlos da Costa.
Um relatório anexado ao processo afirma que até hoje Messias "padece de angústia crônica, ansiedade, depressão, insônia persistente, pesadelos, sentimentos de culpabilidade e de vergonha, isolamento e adoecimento recorrente".
Messias, de acordo com informações prestadas pela Defensoria à Justiça, é hoje um idoso em situação de rua, que se utiliza de logradouros públicos ou albergues temporários para dormir.
O governo paulista se defendeu no processo admitindo que houve violação dos direitos fundamentais na Operação Camanducaia, mas rejeitou a alegação de motivação política.
"A Polícia de São Paulo prendeu e agrediu os adolescentes tão somente por estarem em condição de rua, por terem praticado crimes de patrimônio e por serem 'trombadinhas'", afirmou.
Sendo assim, declarou o Estado à Justiça, como não houve motivação política, o caso prescreveu segundo a legislação e não pode mais haver punição.
O desembargador não aceitou a argumentação, afirmando que a operação teve fundamento na política higienista da ditadura militar e visava uma solução definitiva para o caso dos "menores abandonados". Ele referendou também a tese da defensoria de que o ilícito "só aconteceu desta maneira porque vivia-se um período de exceção".
O Estado ainda pode apresentar novo recurso.
Fonte: Folha de S. Paulo, FolhaJus, Coluna do Rogério Gentile, de 15/9/2023
Justiça ordena que PM de São Paulo deixe de usar itens como cordas em prisões
Um juiz da 8ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo determinou que a Polícia Militar deixe de fazer abordagens ilícitas durante prisões, com uso de cordas, arames, fios, grilhões ou qualquer instrumento semelhante para conter pessoas detidas. Além disso, exigiu que a corporação instale câmeras em viaturas e fardas de PMs.
A decisão desta quarta-feira (13), de caráter provisório, ocorre em uma ação civil pública que pede reparação pelos métodos usados na prisão de um homem negro de 32 anos que teve as mãos e os pés amarrados após ser detido acusado de roubar produtos em um supermercado na Vila Mariana, zona sul da capital.
Em um vídeo que circulou nas redes sociais em junho, ele aparece sendo arrastado e carregado pelos policiais, colocado em uma maca e depois na parte de trás de uma viatura. A ação foi ajuizada pela Educafro e pelo Centro de Defesa de Direitos Humanos "Padre Ezequiel Ramin".
O juiz Josué Vilela Pimentel determina que a PM se abstenha de usar qualquer meio de contenção que não seja o uso adequado das algemas. Ele acatou parcialmente os pedidos das entidades.
A PM disse, por meio de nota, que "os métodos de contenção utilizados pelos policiais militares durante as abordagens seguem os protocolos pautados pela instituição e pela legislação vigente". A corporação afirmou que todas as ocorrências em que são constatadas desconformidades são apuradas de forma rigorosa em IPMs (Inquéritos Policiais Militares).
Na decisão, o juiz diz que a PM deve seguir as regras da súmula vinculante 11 do STF (Supremo Tribunal Federal), que condiciona o uso de algemas a casos em que o suspeito resiste à prisão, ou quando há receio de fuga ou de perigo à integridade física do preso ou de outras pessoas.
Pimentel lembra que o cumprimento da lei não depende de ordem judicial, mas entendeu que a decisão é necessária "a fim de que não pairem dúvidas inclusive sobre a responsabilidade civil do próprio Estado" diante do caso, que ele classifica como "grotesco". Ele observa que os policiais que detiveram o suspeito, e o amarraram pelas mãos e tornozelos, aparentemente portavam algemas presas ao cinturão
Foi aplicada ma multa de R$ 100 mil para cada nova prisão pela PM em que sejam utilizados outros meios de contenção que não as algemas.
Sobre a instalação de câmeras corporais nos carros e nas fardas da PM, o juiz não especifica se a determinação vale para todas as unidades da corporação ou não. Ele dá um prazo de 90 dias para que a ordem seja atendida, com multa de R$ 100 mil em caso de descumprimento.
Ao fundamentar a decisão, o juiz cita a falta de câmeras nas fardas de policiais que se envolveram em mortes na Operação Escudo, que em duas fases diferentes deixou 30 mortos na Baixada Santista até agora.
Das 16 mortes iniciais na operação, segundo o Ministério Público, há imagens com indícios de confrontos em apenas três casos. Em um caso, o equipamento estava sem bateria no momento da ocorrência em que uma pessoa foi morta.
Em agosto deste ano, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou que o estado tem "10 mil câmeras para 90 mil policiais. Existem batalhões que têm câmera, e que não têm câmera."
"Todas as fontes de notícias são pródigas ao informar os episódios de violência policial recentemente ocorridos na Baixada Santista, não registrados pelas câmeras individuais dos policiais. A esses somam-se
outros, cotidianos, principalmente nesta capital, nos quais a população contesta a versão oficial de legítima defesa dada pelos policiais", escreveu.
O juiz determinou, ainda, que o governador e o comandante-geral da PM paulista, coronel Cássio Araújo de Freitas, sejam intimados pessoalmente.
"Juridicamente é importante porque, se o Tribunal de Justiça [de São Paulo] reformar essa decisão, nós vamos levar essa matéria para o Supremo em sede de reclamação constitucional, para decidir sobre a extensão dessa súmula", disse o advogado Márlon Reis, que representa a Educafro. "[A súmula vinculante 11] sempre foi muito observada para pessoas privilegiadas, que têm grandes advogados para promover sua defesa, mas agora ela foi lembrada de forma generalizada para toda a população."
Em nota, a PM informou que, além de cumprir as normas, as câmeras corporais funcionam de forma ininterrupta, e que não é permitido o desligamento. "As imagens do caso em questão [do homem amarrado] foram encaminhadas ao Poder Judiciário, assim como o inquérito policial instaurado pela Polícia Civil", disse.
A SSP afirmou que o governo não foi intimado da decisão. Após questionamento, a PGE (Procuradoria-Geral do Estado) solicitou o número do processo na Justiça para que pudesse pesquisar o tema, o que foi enviado.
Fonte: Folha de S. Paulo, FolhaJus, de 15/9/2023
STF invalida lei de Pernambuco que previa a presença do MP em despejos coletivos
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional lei do Estado de Pernambuco que tornava obrigatória a presença de integrante do Ministério Público (MP) em operações de execução de ordem judicial ou administrativa de despejos que envolvessem mais de 50 pessoas. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3238.
Entre outros argumentos, a Procuradoria-geral da República (PGR) alegava que a Lei estadual 11.365/1996 desrespeitava a autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, uma vez que a presença compulsória de representantes do MP em despejos coletivos é inconciliável com a atuação do órgão.
Processo legislativo
Em voto que prevaleceu no julgamento, o relator, ministro Nunes Marques, reafirmou princípios constitucionais garantidos ao Ministério Público, como a independência e o autogoverno, e ressaltou a autonomia do chefe do MP para conduzir a instituição sem interferência dos três Poderes.
O relator explicou que, na esfera estadual, coexistem dois regimes: o da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993) e o da Lei Orgânica do estado. O primeiro contém norma geral de organização do Ministério Público da União, dos estados, do Distrito Federal e dos territórios. O segundo, de iniciativa do procurador-geral de Justiça, tem natureza suplementar e leva em conta o interesse local.
Segundo o ministro, o Poder Legislativo não tem a iniciativa para tratar da organização, das atribuições e do estatuto dos MPs. Portanto, a lei pernambucana, ao criar novas atribuições para o MP, não poderia ter origem parlamentar.
Divergência
Ficou vencida a ministra Rosa Weber, presidente do STF, para quem a competência do procurador-geral de Justiça não inviabiliza a edição de leis de iniciativa parlamentar que estipulem outras funções aos membros do Ministério Público, desde que estejam em harmonia com suas finalidades institucionais.
A ADI 3238 foi julgada na sessão virtual finalizada em 25/8.
Fonte: site do STF, de 14/9/2023
Câmara aprova projeto de compensação aos estados por perdas com ICMS de combustíveis
A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei complementar que viabiliza a compensação de R$ 27 bilhões da União para estados e Distrito Federal em razão da redução do ICMS incidente sobre combustíveis, vigente de junho a dezembro de 2022. A proposta será enviada ao Senado. Aprovado na forma de um substitutivo do relator, deputado Zeca Dirceu (PT-PR), para o Projeto de Lei Complementar (PLP) 136/23, o texto prevê ainda transferências ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e ao Fundo de Participação dos Estados (FPE) para recuperar perdas de 2023 em relação a 2022. O projeto, enviado pelo Poder Executivo, é resultado de um acordo entre a União e os estados após vários deles obterem liminares no Supremo Tribunal Federal (STF) determinando o pagamento de compensações maiores que as previstas na Lei Complementar 194/22. Acesse aqui a reportagem.
Fonte: Agência Câmara de Notícias, de 14/9/2023 |