15/3/2022

STF invalida norma de SP que dava prazo para quitação de dívida antes de inscrição em cadastro de inadimplentes

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou norma paulista que concedia prazo de 20 dias para quitação do débito ou apresentação de comprovante de pagamento, antes de ser efetivada a inscrição do consumidor nos cadastros de proteção ao crédito. A Corte também considerou dispensável a comunicação da inscrição do devedor por carta registrada com aviso de recebimento (AR). A decisão, unânime, foi tomada em sessão virtual finalizada em 8/3.

A Corte julgou parcialmente procedentes pedidos apresentados em quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 5224, 5252, 5273 e 5978), respectivamente, pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), pelo Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), pelo governo do Estado de São Paulo e pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Nas três primeiras ações, os autores pediam a inconstitucionalidade integral da Lei estadual 15.659/2015, que regulamenta o sistema de inclusão e exclusão dos nomes dos consumidores nos cadastros de proteção ao crédito. Já na ADI 5978, o PTB alegava, entre outros pontos, que a Lei estadual 16.624/2017, ao alterar a lei de 2015 e suprimir a garantia de comunicação por meio da carta registrada com AR, teria promovido retrocesso social nos direitos dos consumidores.

Prazo de tolerância

A relatora das ações, ministra Rosa Weber, explicou que, mesmo diante de crédito líquido, certo e exigível, o parágrafo único do artigo 2º da Lei estadual 15.659/2015 (na redação dada pela lei de 2017) estabeleceu que o credor terá de aguardar 20 dias antes de ser efetivada a inscrição do inadimplente. A previsão de hipótese suspensiva dos efeitos do vencimento da dívida, dispondo sobre o tempo do pagamento e os efeitos da mora, intervém na legislação sobre direito civil e comercial, matéria reservada à União (artigo 22, inciso I, da Constituição da República).

A declaração de inconstitucionalidade, segundo o voto da relatora, também deve alcançar a redação original da Lei estadual 15.659/2015, que estabelecia o prazo de tolerância de 15 dias para quitação.

Carta registrada

Em relação a esse ponto, a ministra considerou que a exigência da AR transgride o modelo normativo geral do Código de Defesa do Consumidor (CDC, artigo 43, parágrafo 2º), e consolidado na Súmula 404 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que a considera dispensável. Na avaliação da relatora, retrocesso social seria a restauração do regime da comunicação do devedor por carta registrada, que, segundo dados técnicos apresentados por partes interessadas no processo, evidenciam prejuízo à sociedade em geral e ao mercado de créditos.

A ministra observou que a notificação por carta registrada, além de custar de sete vezes mais do que a convencional, não tem nenhuma garantia de eficácia, pois cerca de 65% delas acabam frustradas, em razão da necessidade de assinatura do devedor. “Retrocesso social seria a manutenção de um sistema arcaico de comunicação, manifestamente ineficiente e dispendioso, que transfere todo o ônus financeiro da inadimplência da pessoa do devedor para a sociedade em geral”, concluiu.

Prejudicialidade

Diversos pontos da Lei estadual 15.659/2015 foram substancialmente modificados pela Lei 16.624/2017, na qual o legislador paulista acolheu, em grande parte, a pretensão das partes, o que resultou na prejudicialidade de vários pedidos formulados nas ações.

 

Fonte: site do STF, de 14/3/2022

 

 

STF vai definir se alterações na Lei de Improbidade Administrativa podem ser aplicadas retroativamente

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai definir se as alterações na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) inseridas pela Lei 14.230/2021 podem ser aplicadas retroativamente, inclusive quanto ao prazo de prescrição para as ações de ressarcimento, aos atos de improbidade administrativa na modalidade culposa. A matéria, discutida no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 843989, teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual (Tema 1.199).

Prescrição

No caso em análise, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ajuizou ação civil pública, com o objetivo de condenar uma procuradora, contratada para defender em juízo os interesses da autarquia, ao ressarcimento dos prejuízos sofridos em razão de sua atuação. A procuradora atuou entre 1994 e 1999, e a ação foi proposta em 2006.

O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido, por considerar que não houve ato de improbidade administrativa, e condenou o INSS ao pagamento de multa por litigância de má-fé, custas processuais e honorários advocatícios. O Tribunal Federal Regional da 4ª Região (TRF-4), contudo, anulou a sentença e determinou a abertura de nova instrução processual.

No recurso ao STF, a ex-procuradora argumenta que a ação seria inviável por ter sido proposta após o prazo prescricional de cinco anos. Sustenta, ainda, que a imprescritibilidade prevista na Constituição (artigo 37, parágrafo 5º) se refere a danos decorrentes de atos de improbidade administrativa, e não a ilícito civil.

Relevância

Em manifestação no Plenário Virtual pelo reconhecimento da repercussão geral, o ministro Alexandre de Moraes, relator do recurso, observou que a controvérsia é de “suma importância” para o cenário político, social e jurídico e que o interesse sobre a matéria ultrapassa as partes envolvidas.

Ele explica que, mesmo sem definir se a procuradora atuou com dolo ou culpa, o TRF-4 já antecipou, no julgamento de embargos de declaração, o entendimento sobre a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento de danos causados ao erário por atos de improbidade administrativa ocorridos após Constituição Federal de 1988. Observou, ainda, que o INSS, no pedido de ressarcimento, atribui à procuradora conduta negligente (culposa) na condução dos processos judiciais.

Segundo ele, a decisão do TRF-4 quanto à imprescritibilidade, somada à ausência de menção a dolo no processo e ao advento da Lei 14.230/2021, que tornou o dolo imprescindível para a configuração do ato de improbidade administrativa, torna necessário que o STF defina se as novidades inseridas na Lei de Improbidade Administrativa devem retroagir para beneficiar quem eventualmente tenha cometido atos de improbidade na modalidade culposa, inclusive quanto ao prazo de prescrição para as ações de ressarcimento.

Suspensão de recursos especiais

Após o reconhecimento da repercussão geral, o ministro Alexandre de Moraes decretou que se suspenda, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o processamento dos Recursos Especiais em que for suscitada, ainda que por simples petição, a aplicação retroativa da Lei 14.230/2021. Ele considera a medida necessária para evitar juízos conflitantes com a futura decisão do Supremo.

 

Fonte: site do STF, de 14/3/2022

 

 

STJ: é devida a restituição do ICMS pago a mais em substituição tributária

Por unanimidade, os ministros da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) seguiram entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) e definiram que o contribuinte tem direito ao ICMS pago a mais na substituição tributária para frente quando a base de cálculo efetiva da operação se confirmar inferior à presumida no momento do cálculo do tributo. A decisão foi tomada em juízo de retratação.

No caso concreto (AR 3147/GO), em julgamento concluído em 2010, o STJ decidiu de modo favorável ao estado de Goiás ao definir que o contribuinte teria direito a restituir ICMS na substituição tributária “para frente” apenas no caso de não ocorrência do fato gerador presumido, mas não quando a venda, na etapa seguinte, ocorresse a um preço inferior ao previsto inicialmente.

O contribuinte, no entanto, argumentou que o STF, no julgamento do Tema 201/STF, em 2016, firmou tese de que “é devida a restituição da diferença do ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para a frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”.

O STJ acolheu o argumento do contribuinte na quinta-feira (10/3).

 

Fonte: JOTA, de 15/3/2022

 

 

Da importância da regulamentação legal do Dispute Board como instrumento adequado de resolução de conflitos

Por Marcus Vinicius Armani Alves

Muito já se falou da importância do Dispute Board como meio adequado de solução de controvérsias sobretudo em contratos de obras, de trato sucessivo e de longa adequação. A matéria ganha ainda mais relevo quando o assunto envolve a Administração Pública, com suas obras vultosas e porque não dizer vultuosas, ainda mais quando os conflitos decorrem de problemas técnicos e que poderiam ser resolvidos rapidamente, quando apresenta-se um instrumento de solução do conflito mais adequado.

Neste cenário o dispute board, caracterizado pela formação de um painel por peritos (geralmente de engenharia no caso de execução de obras), que durante o curso do contrato são acionados de maneira a solucionar conflitos que surgem na execução. Via de regra, a formação do painel ou comitê é prevista em cláusula contratual específica, que prevê a forma de indicação (em geral cada parte indica um especialista e ambos indicam um terceiro), e que tem a função de supervisionar, prevenir, e resolver conflitos durante a execução do contrato, evitando assim o início de uma arbitragem ou disputa judicial. A grande questão do dispute board é que, embora de uso comum, não tem o caráter jurisdicional da arbitragem, ou seja, não são institutos equivalentes, o que pode levar as partes a questionar judicialmente ou na via arbitral a decisão do comitê.

A necessidade da aprovação de uma legislação específica sobre o tema, trará garantias ao instituto, e se mostra a cada dia mais necessária sua aprovação. Especificamente sobre o tema o PLS 206/18 de origem no Senado e já aprovado nesta casa iniciadora (tramitando sob o número 2.421/21 na Câmara), e o PL 9.883/18 cuja a origem é da Câmara, tratam da dispute board e alguns pontos merecem ser abordados. Embora apresentando pequenas diferenças, no mérito em muito se aproximam.

Em síntese o PLS 206/18 do Senado, tendo por base a legislação do Município de São Paulo tem como preocupação a previsão da cláusula de dispute board inserida no instrumento convocatório da licitação e no contrato administrativo, para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis em contratos da administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, A cláusula pode ainda ser inserida mediante acordo entre as partes por aditamento.

Por sua vez o Comitê de Prevenção e Solução de Disputas pode ter natureza revisora, adjudicativa ou híbrida, a depender dos poderes que lhe forem outorgados pelo contrato celebrado, devendo sempre apresentar os fundamentos das suas recomendações e decisões, sob pena de nulidade: I - ao Comitê por Revisão é conferido o poder de emitir recomendações não vinculantes às partes em litígio; II - ao Comitê por Adjudicação é conferido o poder de emitir decisões vinculantes às partes em litígio; e III - o Comitê Híbrido poderá tanto recomendar quanto decidir sobre os conflitos, cabendo à parte requerente estabelecer a sua competência revisora ou adjudicativa. Deverão ainda ser respeitados os princípios da legalidade e da publicidade por parte do Comitê.1

Quanto a formação do Comitê, na proposta do Senado temos a previsão de 3 (três) membros, sendo 2 (dois) com reconhecido saber na área objeto do contrato e 1 (um) advogado com reconhecida atuação jurídica na área objeto do contrato: I - 1 (um) escolhido pelo Poder Público; II - 1 (um) escolhido pela contratada; III - 1 (um) escolhido em conjunto pelos outros 2 (dois) membros, o qual será o Presidente do Comitê.2

Pois bem, a grande novidade das duas propostas legislativas do instituto da Dispute Board envolvendo o Poder Público diz respeito ao aumento das garantias quanto a validade e eficácia da decisão proferida pelo comitê.

Nesse sentido o PL 206 do Senado prevê que recomendações do Comitê poderão ser objeto de compromisso, nos termos do art. 26 do decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). Assim, lembrando que o art 26 da LINDB traz a chamada cláusula geral de acordo administrativo, para fins de resolução de controvérsia, temos que a decisão proferida pelo comitê passa a ser objeto de acordo administrativo, podendo o poder público celebrar compromisso com os interessados e dessa maneira liminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público. Se necessário fara a oitiva de órgãos interessados ou mesmo se valer de consultas públicas.

E no parágrafo segundo do art. 2temos a garantia que as recomendações e as decisões proferidas pelos Comitês de Prevenção e Solução de Disputas poderão ser reformadas pelo Poder Judiciário ou, quando houver convenção neste sentido, por arbitragem.3

Por tudo isso, embora não exista um verdadeiro opt out em relação ao jurisdição estatal, ambas propostas legislativas visam dar uma maior garantia quanto a qualidade da decisão proferida pelo Comitê, seja pela forma de escolha de seus membros, seja, pela previsão do escalonamento do conflito, onde uma vez delimitado e não satisfazendo umas das partes possa ser discutido tanto pela arbitragem, tanto pelo judiciário que já tem se mostrado favorável a manter as decisões eminentemente técnicas proferidas por comitês de resolução de conflitos.4

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1 PL 9883/2018 da Câmara prevê: Art. 8º Os Comitês poderão ter natureza revisora, adjudicatória ou híbrida, a depender dos poderes que lhes forem outorgados no contrato administrativo: I - os Comitês de Revisão (Dispute Review Boards) emitem recomendações, não vinculantes às partes em litígio; II - os Comitês de Adjudicação (Dispute Adjudication Boards) emitem decisões, de adoção obrigatória e imediata pelas partes em litígio; 3 III - os Comitês Híbridos (Combined Dispute Boards) emitem recomendações e decisões, a depender da forma como o litígio lhe for submetido pelas partes contratantes

2 Por sua vez no projeto da Câmara PL 9883/2018 temos diferenças de composição : Art. 3º Os Comitês serão compostos por três membros, sendo dois com conhecimento técnico sobre o objeto do contrato, para exercer a função de Membro Técnico, e um com formação jurídica, para atuar na função de Presidente do Comitê. § 1º Os membros do Comitê deverão ser pessoas de confiança das partes, escolhidas consensualmente e na forma prevista no contrato, e deverão agir, no desempenho de suas funções, com independência, imparcialidade, competência e diligência. § 2º Excepcionalmente, quando a complexidade do contrato assim o exigir, os Comitês poderão ter em sua composição um número maior de membros técnicos

3 O PL 9883/2018 da Câmara prevê: Art. 9º As partes contratantes têm o prazo de 30 (trinta) dias para manifestar discordância da recomendação emitida pelo Comitê, hipótese em que a questão pode ser levada à arbitragem ou ao Poder Judiciário, tornando-se obrigatório o cumprimento da recomendação apenas depois de confirmada por sentença arbitral ou judicial. Parágrafo único. Decorrido o prazo do caput sem qualquer manifestação das partes contratantes, a recomendação passa a vinculá-las de imediato. Art. 10. As decisões emitidas pelos Comitês poderão ser submetidas à arbitragem ou ao Poder Judiciário em caso de inconformismo de qualquer das partes contratantes, respeitados os prazos prescricionais e decadenciais previstos em lei. § 1º As partes só ficam desobrigadas do cumprimento das decisões emitidas pelos Comitês a partir de sentença arbitral ou judicial que assim o determine.

4 Nesse sentido, comentam Flávia Câmara e Castro e Leonardo Guimarães, demonstrando um pouco da experiência do Metrô de São Paulo: "Apesar de já estar disseminada em países como os Estados Unidos, a aplicação desse método é bastante recente no Brasil. Não há lei federal que o regule, apesar de já existir um PL em trâmite no Senado. Em âmbito de legislação municipal, apenas a Prefeitura de São Paulo já fomentou e regularizou a utilização dos 'Comitês de Prevenção e Resolução de Disputas'. Além disso, há algumas regulações acerca do método previstas em câmaras privadas de arbitragem e mediação. Os dispute boards foram inseridos no âmbito brasileiro, em grande parte, como consequência de imposições do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial, que exigem essa prerrogativa para financiamentos de obras de infraestrutura. Recentemente, o metrô de São Paulo foi condenado pelo TJ/SP a pagar quantia extra, equivalente a R$10 milhões, ao consórcio formado pelas construtoras Tiisa e Comsa, que realizou as obras da Linha Amarela. Tal dívida deve como pano de fundo uma divergência entre as partes acerca dos custos de retirada de material contaminado da construção. Na ocasião, um dispute board, previsto no contrato de construção e formado por três técnicos - dois engenheiros e um advogado -, foi acionado. Quando acionada, essa equipe, contratada pelas partes para solucionar os conflitos surgidos durante a execução do contrato, havia decidido pelo pagamento do valor acima mencionado. Quando o Tribunal de Justiça foi demandado, optou por manter a decisão do dispute board. Dessa forma, o TJ/SP reforçou a autonomia e o poder decisório desse método extrajudicial, contribuindo para sua eficácia. O entendimento do Tribunal revela uma tendência nacional de valorização dos métodos alternativos ou, como também chamados, adequados de solução de conflitos, deixando a resolução judicial como a última alternativa." (CÂMARA, Flávia; GUIMARÃES, Leonardo. Dispute board: o método de solução de conflitos que vem ganhando espaço no Brasil. Migalhas, de 24 ago. 2018. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI286212,21048-Dispute+board+o+metodo+de+solucao+de+conflitos+que+vem+ganhando. Acesso em: 30 nov. 2019).

Marcus Vinicius Armani Alves é Procurador do Estado de São Paulo

https://www.migalhas.com.br/coluna/observatorio-da-arbitragem/361420/da-importancia-da-regulamentacao-legal-do-dispute-board

 

Fonte: Migalhas, Observatório da Arbitragem, de 15/3/2022

 

 

Pode o servidor sob teletrabalho residir em domicílio diverso de onde é lotado

Por Rosana Cólen Moreno

Hodiernamente uma das mais profundas modificações no mundo do trabalho reside no teletrabalho ou trabalho remoto. É a história confirmando ser cíclica, vez que estamos voltando à ideia de trabalho no domus (casa), situação nos retirada com a Revolução Industrial que levou os operários para as fábricas (onde as diferenças culturais entre chefes e subordinados se acentuaram e onde eram visíveis as classes sociais).

A razão para uma revolução no tecido laboral deve-se exponencialmente ao avanço da tecnologia, que permitiu a alguns tipos de trabalhadores exercerem usas funções no ambiente doméstico, ou seja, a partir de sua residência.

Para delimitar o tema proposto, urge trabalhar precipuamente a conceituação do teletrabalho. Nesta liça, a Organização Mundial do Trabalho — OMS, conceitua o teletrabalho como "a forma de trabalho realizada em lugar distante do escritório e/ou centro de produção, que permita a separação física e que implique o uso de uma nova tecnologia facilitadora da comunicação [1]".

Destaque-se que sem a utilização de recursos tecnológicos, não há que se falar em teletrabalho. O Superior Tribunal do Trabalho deixou consignado em sua cartilha sobre o tema que "o teletrabalho é necessariamente realizado com recursos tecnológicos. Além disso, a atividade poderia ser exercida perfeitamente dentro das dependências do empregador, mas é realizada em outro local" [2].

O sociólogo Domenico De Masi faz a seguinte elucubração a respeito da afirmação acima levantada:

"Hoje, que o trabalho intelectual se confunde cada vez mais com o estudo e a diversão, os escritórios tradicionais em que ele se desenvolve são cada vez menos capazes de acolhê-lo, enquanto os sites e as redes sociais fornecem a plataforma perfeita para a atividade pós-industrial, que se mostra cada vez mais flexível, abstrata, ubíqua e criativa, permitindo aos trabalhadores que se tornem ao mesmo tempo isolados, conectados, nômades e fixados, onde quer que estejam" [3].

Não se pode esquecer que o teletrabalho tem muitas facetas positivas, as quais podemos enumerar algumas a titulo de exemplificação: 1) evita deslocamentos, o que inclui enfrentamento do trânsito, sujeição aos transportes coletivos na maioria deficitários; 2) economia de tempo, o que permite maior tempo livre, inclusive para lazer e terapias; 3) maior convivência familiar, o que representa maior apoio aos filhos, idosos e deficientes; 4) economia de energia e recursos minerais, como gasolina; 5) permite a descentralização do trabalho; 6) menos ocorrência de acidentes; 7) menos recursos financeiros despendidos na manutenção de vias públicas; viii) melhoria do meio ambiente, com menos poluição e emissão de gás carbônico; 8) menos gastos com vestiários — roupas e sapatos, uma vez que as vestimentas no âmbito familiar dispensam os rigores da moda e formalidades em eventos; e 9) menor exposição à patógenos: fungos, protozoários, bactérias e vírus.

Antes da reforma trabalhista, o teletrabalho já possuía previsão legal, conforme Lei nº 12.551/2011, que permitiu com que muitas instituições no âmbito da Administração Pública, passassem a considerá-lo. Neste sentido, temos, dentre outras, a Portaria RFB 947/12, da Secretaria da Receita Federal do Brasil; a Resolução Administrativa 1.499/12 do Tribunal Superior do Trabalho; a Portaria n° 139/09 do Tribunal de Contas da União; a Portaria MF 171 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e a Resolução 227/16, do Conselho Nacional de Justiça.

Por seu turno, o artigo 3º da sobre-citada Resolução 227/2016, do CNJ, enumera objetivos do teletrabalho:

"Artigo 3º São objetivos do teletrabalho:

I – aumentar a produtividade e a qualidade de trabalho dos servidores;
II – promover mecanismos para atrair servidores, motivá-los e comprometê-los com os objetivos da instituição;
III – economizar tempo e reduzir custo de deslocamento dos servidores até o local de trabalho;
IV – contribuir para a melhoria de programas socioambientais, com a diminuição de poluentes e a redução no consumo de água, esgoto, energia elétrica, papel e de outros bens e serviços disponibilizados nos órgãos do Poder Judiciário;
V – ampliar a possibilidade de trabalho aos servidores com dificuldade de deslocamento;
VI – aumentar a qualidade de vida dos servidores;
VII – promover a cultura orientada a resultados, com foco no incremento da eficiência e da efetividade dos serviços prestados à sociedade;
VIII – estimular o desenvolvimento de talentos, o trabalho criativo e a inovação;
IX – respeitar a diversidade dos servidores;
X –considerar a multiplicidade das tarefas, dos contextos de produção e das condições de trabalho para a concepção e implemento de mecanismos de avaliação e alocação de recursos".

Posteriormente e no sentido de regulamentar a matéria, a Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista), incluiu no corpo da CLT, o Capítulo II-A, nomeado do teletrabalho, acrescentando os artigos 75-A, 75-B, 75-C, 75-D e 75-E à CLT. Para nossa análise, vale colacionar o caput do artigo 75-B: "considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo".

Não se pode olvidar que o teletrabalho já havia sido inserido no campo legislativo antes da pandemia Covid-19. Contudo, com esta, além do teletrabalho ter sido intensificado haja vista as restrições de circulação de pessoas e obrigatoriedade de distanciamento social, o teletrabalho atingiu em cheio o setor público.

No âmbito dos entes federativos foram editados vários decretos com autorização expressa do teletrabalho para os servidores públicos, como medida de caráter excepcional. Conjuntamente houve previsão da obrigatoriedade de atingimento de metas pelos servidores que optassem pelo sistema de teletrabalho.

Todavia, na falta de regulamentação geral e abstrata da matéria [lei em sentido estrito], muitas disparidades normativas e interpretativas podem ocorrer no setor público acerca do tema aqui proposto.

Não podemos desconsiderar que a maioria dos cargos preenchidos na Administração Pública são provenientes de certames públicos. Neste contexto, temos que muitas pessoas deixam suas terras natais quando são aprovados nos certames e o teletrabalho poderia ser uma oportunidade de retorno ao ambiente domiciliar anterior.

Acerca da temática referente à possibilidade de mudança de domicilio ocasionada pelo teletrabalho, temos que: 1) não se enquadra dentro das hipóteses de afastamento do servidor público, pois não se cuida de afastamento; 2) não se adéqua às hipóteses de trabalho no exterior [missão no exterior e missão diplomática], e nem de deslocamento à serviço; 3) não se trata de remoção, redistribuição, aproveitamento, recondução, reintegração ou readaptação; e 4) não se pode falar em transferência do servidor público para outra localidade.

E é sobre este último que a dúvida é levantada: poderia o servidor público ser transferido voluntariamente para outra localidade com a permissão do teletrabalho que lhe foi concedida?

Para responder à indagação, urge preliminarmente escrutinar as disposições contidas nos artigos 70, 71, 72 e 76 do Código Civil Brasileiro, que cuidam do domicílio da pessoa natural.

O Estatuto Material Civil prevê a hipótese de duplicidade ou até mesmo multiplicidade de residências. No entanto, a norma contida no artigo 76, por ser norma de caráter especial prevalece sobre a norma de caráter geral. O dispositivo revela o domicilio do servidor público na classificação de legal ou necessário, sendo que "decorre de mandamento da lei, em atenção à condição especial de determinadas pessoas. Assim, têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso [...]" [4]. O dispositivo fala claramente que o domicílio "do servidor público é o lugar em que exercer permanentemente suas funções; [...]".

Portanto, subtrai-se que o domicilio legal ou necessário não é voluntário, pois decorre da lei. Ao não ser voluntário, não comporta opção.

Uma hipótese de exercício do teletrabalho, por estar o servidor em localidade diversa nos parece bem óbvia: a que objetiva acompanhar cônjuge. Uma vez prevista a remoção como direito do servidor, nada mais coerente do que possibilitar o teletrabalho caso o servidor não queira a remoção ou não sendo essa possível.

Também é possível, sem maiores questionamentos, a mudança de domicílio do servidor público que ingresse em universidade pública fora de seu domicilio laboral e que se comprometa a prestar o teletrabalho a contento, inclusive com o atingimento de metas. Ora, se é obrigatório que a universidade pública aceite a transferência de servidor público que passou em concurso público fora do domicilio estudantil, também haverá se ser permitido o ingresso na universidade pública fora de seu domicilio laboral, o que pode ser realizado à vista do teletrabalho. Temos assim, a observância do artigo 205 da Constituição Federal, que preleciona: "a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

Vale mencionar que o STF se posicionou no sentido de que "é constitucional a previsão legal que assegure, na hipótese de transferência ex officio de servidor, a matrícula em instituição pública, se inexistir instituição congênere à de origem". (RE 601.580, relator ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, j. 19/09/2018, e DJe 20-02-2020)

Fora essas hipóteses aqui levantadas, como ficariam os servidores públicos que a despeito de estarem sob o manto do teletrabalho, resolvessem mudar para localidade diversa? De pronto exceptuam-se da indagação os servidores públicos cuja obrigatoriedade de residirem nas comarcas vem expressamente prevista em suas leis orgânicas (por exemplo: magistrados e membros do Ministério Público).

No caso do servidor comissionado ou daquele com função gratificada, cuida-se de estar presencialmente no local de trabalho sempre que solicitado, ou seja, sem prazo para se apresentar. Descaracteriza a confiança o fato do servidor se valer do benefício de morar residir em outra localidade, uma vez que o vínculo jurídico administrativo exige proximidade das pessoas envolvidas.

Confiança é contrário de incerteza. Nesta senda, como se tratar de confiança (a presença física do servidor sempre que solicitado), estando o mesmo em domicilio distinto e por vezes distante?

Acerca da situação do servidor aprovado em concurso público e que ainda não conquistou a estabilidade, posto que não cumpriu o período do estágio probatório, deve se ponderar para o fato de que o mesmo deve ter contato físico com as dependências do serviço público de modo a conhecer as nuances que regem a Administração Pública. O estágio probatório é, por assim dizer, a escola do labor público.

Sobre o servidor público estável e efetivo, a permissão parece bem sustentável. No entanto, há argumentos em sentido contrário. Um deles reside no campo da moralidade administrativa.

A alegação mais robusta seria o fato de que o servidor [e aqui serve para todas as categorias de servidores públicos] recebe dos cofres públicos em um domicilio e gasta seus subsídios/vencimentos em outro. Essa premissa inclui tributos, que seriam recolhidos fora do âmbito da incidência da fonte pagadora. São bons exemplos o IPTU, IPVA, ICMS. Sobre este último não se pode deixar de considerar a chamada "guerra fiscal" entre os estados.

Com base nessas ilações e em todos os casos, há que se observar com vagar o princípio da moralidade administrativa, que trabalha os valores éticos sociais, numa ideia comum de honestidade.

Celso Antônio Bandeira de Mello, analisando o princípio da moralidade administrativa leciona que de acordo com ele, "a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação do próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do artigo 37 da Constituição" [5].

Por sua vez, Hely Lopes Meirelles citando Maurice Hauriou, doutrina que "[...] o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto" [6].

Ocorre que "a moral está intrínseca e necessariamente vinculada ao trinômio: cultura/história, sociedade e natureza humana. Toda vez que contraria uma dessas dimensões, ela tem de ser questionada em seus fundamentos" [7].

Nesta liça, é a coletividade que não pode ser afetada. Em outras palavras, a diretriz da Administração Pública que é o interesse público estaria sendo prejudicado. A explicação estaria no fato de que, como já mencionado, com o deslocamento do servidor público para localidade diversa sob o manto do teletrabalho, os ganhos financeiros do servidor público pagos diretamente com recursos do Tesouro Público (a fonte pagadora), seriam desvirtuados e empregados em outras localidades.

Pelo exposto, concluímos que a lógica seria atender a sequência servidor municipal no município, servidor estadual no estado e servidor federal no território brasileiro. Essa é a única leitura do artigo 76 do Código Civil que entendemos ser possível de forma a se harmonizar com os princípios da Administração Pública. É a recognição que entendemos mais justa e que não subtrai as benesses do teletrabalho.

[1]THIBAULT ARANDA, Javier. El teletrabajo: análisis jurídico-laboral. Consejo econômico y social, Madri: 2001, p.19.

[2] Disponível em https://www.tst.jus.br/documents/10157/2374827/Manual+Teletrabalho.pdf/e5486dfc-d39e-a7ea-5995-213e79e15947?t=1608041183815. Acesso em 16/02/2022.

[3] DE MASI, Domenico. Uma simples revolução. Rio de Janeiro: Sextante, 2019, p. 125.

[4] GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: parte geral. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, 288-289.

[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 123.

[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90.

[7] PEREIRA, Otaviano. O que é moral. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 14.

Rosana Cólen Moreno é procuradora do Estado de Alagoas, membro da Confederação Latino-americana de trabalhadores estatais (Clate), especialista em Regimes Próprios de Previdência pela Damásio Educacional, coordenadora da Comissão Internacional Avaliadora instituída pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso-Unesco) e denominada "Desigualdades, Exclusão e Crises de Sustentabilidade dos Sistemas Previdenciários da América Latina e Caribe", educadora, professora, instrutora, palestrante, consultora e participante do programa de doutorado em Direito Constitucional pela Universidad de Buenos Aires (UBA).

 

Fonte: Conjur, de 15/3/2022

 

 

Comunicado do Centro de Estudos

O Procurador do Estado Chefe do Centro de Estudos - Escola Superior da PGE COMUNICA que foram recebidas 05 (cinco) inscrições para participarem do 02º Seminário Nacional de Processo Administrativo Disciplinar, promovido pelo Instituto Negócios Públicos Ltda, a ser realizado no Radisson Hotel Curitiba, Av. Sete de Setembro, 5190 - Batel, Curitiba/PR, no período de 25 a 27 de abril de 2022. Considerando o número de interessados, ampliou-se o número de vagas (de 1 para 2), ficando deferidas as seguintes inscrições:

INSCRIÇÕES DEFERIDAS:

1. JI NA PARK
2. IVANIRA PANCHERI

SUPLENTES:

1. CAIO CESAR GUZZARDI DA SILVA
2. ARTUR BARBOSA DA SILVEIRA
3. NATALIA KALIL CHAD SOMBRA

Ficam CONVOCADAS as Procuradoras do Estado abaixo relacionadas:

1. MARGARETE GONCALVES PEDROSO
2. CAROLINA FERRAZ PASSOS
3. ANNA CAROLINA SENI PEITO MACEDO CASAGRANDE

 

Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 15/3/2022

 

 

Comunicado da PR de Bauru - Subprocuradoria Regional de Botucatu

O Procurador do Estado Designado na Chefia da Procuradoria Regional de Bauru, faz saber que estarão abertas a todos os Procuradores do Estado, independentemente da área ou unidade de classificação, no período de 21 de março a 25 de março de 2022, as inscrições para preenchimento de 04 (quatro) vagas para integrar a Comissão de Concurso para admissão de estagiários de Direito para a Procuradoria Seccional de Botucatu.

Clique aqui para o anexo

 

Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 15/3/2022

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