Em webinar, ANAPE discute o papel da advocacia pública e os desafios da carreira na pandemia
Nesta terça-feira (11/8), a edição especial do webinar promovido pela ANAPE, em homenagem ao dia do Advogado, abordou o tema “A atuação da Advocacia Pública na garantia dos direitos fundamentais e na manutenção do Estado Democrático de Direito em tempos de pandemia”. O presidente da entidade, Vicente Braga, recebeu o Procurador do Estado de Goiás e Conselheiro Federal da OAB, Marcello Terto, a presidente da Associação Brasileira dos Magistrados Brasileiros, Renata Gil Videira, e o vice-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Luiz Viana. A conferência foi mediada pelo presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo, Fabrizio Pieroni, e a apresentação foi realizada pela Doutora Ana Paula Guadalupe Rocha, Procuradora do Estado de Goiás. Os participantes homenagearam a data tão especial aos profissionais do direito.
Na abertura do webinar, o presidente da ANAPE, em cumprimento aos participantes destacou a importância do papel da advocacia pública, principalmente diante das consequências provocadas pela crise do coronavírus. “A atuação dos nossos colegas, a atuação dos advogados públicos, seja na área consultiva ou seja na área contenciosa, nesse momento de pandemia tem sido exemplar. Eu acredito que esse trabalho deve ser reconhecido, pois se não fosse essa atuação seja auxiliando os nossos governantes, seja atuando junto ao poder judiciário para sustentar os atos praticados pelos nossos governantes devido ao momento pelo qual passamos, os efeitos dessa triste doença seriam muito piores”.
Ainda sobre o papel da advocacia pública, o convidado Marcello Terto lembrou que mais de 200 mil advogados públicos norteiam a direção das discussões dos principais interesses da sociedade. “Cito aqui o desafio de vencermos alguns mitos como o fetiche do processo. O estado brasileiro, de um modo geral, sempre nos levou e nos forçou por muito por muito tempo a defender esse fetiche de que tudo da administração pública se resolvia com recursos da justiça e a justiça brasileira virou o que virou, infelizmente tendo como péssimo exemplo a administração pública brasileira”. Terto também falou sobre o mito do direito como um saber absoluto que não se conecta com nada ao seu redor, além disso explicou que o distanciamento profissional que afasta as funções de justiça de toda a administração pública, inclusive da realidade social, precisa ser revisto à luz de uma nova advocacia pública.
Novos caminhos também apresentados pelo vice-presidente da CFOAB, Luiz Viana. “Refletindo a crise e as dificuldade da Covid-19, penso que apesar de todos termos sido afetados, creio que também seja uma oportunidade de sairmos mais humanos disso tudo. E neste dia do Advogado, 11 de agosto, a gente precisa apresentar os acertos de existir uma advocacia pública forte e capaz de atuar para implementação de políticas públicas, mas mais do que isso a necessidade de ter essas políticas públicas capazes de incluir uma boa parcela da população brasileira que hoje é excluída cotidianamente”. Acrescentou ainda que “Isto tudo mostra o equívoco daqueles que pretendem ter um estado mínimo e são contra a administração pública e contra os servidores públicos. Se não fosse o estado brasileiro, a iniciativa privada não teria como garantir direitos fundamentais a população em um momento tão difícil como esse”.
Na visão do judiciário, a convidada Renata Gil falou sobre o papel essencial da advocacia pública na atual crise. “O trabalho de vocês vem garantindo os direitos fundamentais da sociedade. Junto a isso, a justiça brasileira vem apresentando números extraordinários como os mais de 400 milhões de reais destinados ao combate do coronavírus”. Segundo a juíza, a justiça brasileira, por meio da tecnologia, não parou em nenhum momento na atuação ao enfrentamento da Covid-19 e na colaboração com o povo brasileiro, ressaltando o papel da advocacia pública que “sempre trabalha com parâmetros severos de ética e de moralidade pública.
Durante o webinar, o presidente da ANAPE, Vicente Braga, aproveitou para falar sobre a atuação da carreira frente ao combate à corrupção. “Durante essa pandemia vemos nossas procuradorias de estado brilharem, porque cabe a nós emitirmos opiniões jurídicas sobre as políticas públicas dos gestores eleitos pelo povo. Somos a primeira trincheira frente à corrupção, nós mostramos se as decisões do estado vão de encontro ou não a Constituição Federal. As políticas públicas implementadas devem convergir com os interesses da sociedade”, disse o presidente.
Fonte: site da Anape, de 12/8/2020
Procuradoria do DF pede vara judicial exclusiva para cobranças de ICMS
A Procuradoria do Distrito Federal pediu ao Tribunal de Justiça (TJ-DF) a criação de uma vara especializada em ICMS. O objetivo é acelerar a tramitação das execuções fiscais, especialmente as que envolvem grandes devedores. A dívida ativa do Distrito Federal é de R$ 36 bilhões. Do valor total, 70% está concentrado em 766 devedores, geralmente empresas. O governo recupera cerca de 0,3% da dívida, em média, o pior percentual do país, segundo o procurador-geral adjunto da Procuradoria Fiscal, Carlos Valenza. A expectativa de Valenza é de elevar a recuperação com a criação de uma vara especializada - por meio de uma nova unidade ou transformação de uma já existente. O Distrito Federal, acrescenta, cobra tributos estaduais e federais e assim poderia tornar mais ágil a execução de seu principal imposto.
A procuradoria estima que há cerca de 16 mil execuções fiscais que cobram exclusivamente ICMS, com valor de cerca de R$ 16 bilhões. Ou seja, 5% dos processos englobam 44% do estoque da dívida e 95% outros tributos - IPTU, ISS, IPVA, ITBI e ITCD. Há 93 mil execuções para cobrança de IPTU, mas o crédito a ser recuperado soma R$ 1,5 bilhão.
“A tramitação de execuções fiscais de ICMS acaba sendo tratada da mesma forma que os demais tributos, o que tem revelado o baixo índice de recuperação”, diz o procurador. Ele acrescenta que, por meio de uma vara especializada, espera-se que a cobrança passe a ser estratégica e possibilite uma maior recuperação, em especial de dívidas mais novas. O ICMS é o tributo com maior percentual de sonegação fiscal no Brasil, de acordo com o procurador. E a criação da vara especializada, afirma, vai ao encontro da postura do Supremo Tribunal Federal (STF) de criminalizar o ICMS declarado e não pago para coibir essa sonegação.
Hoje existe apenas uma vara especializada em execução fiscal no Distrito Federal, com mais de 318 mil processos. Em 2019, a taxa de congestionamento dela correspondia a 87%. Outros Estados têm a intenção de criar varas para a cobrança de tributos de grandes devedores, segundo Vicente Braga, presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal e procurador do Ceará. “Existe interesse para trazer melhor satisfação da dívida e a eficiência dos atos públicos”, diz. Alguns tribunais já separam os tributos estaduais dos municipais, mas não pelo valor dos débitos.
Um dos empecilhos para a recuperação de valores inscritos em dívida ativa é justamente a morosidade dos processos, afirma Braga. “A mora do Judiciário traz para o devedor uma segurança de que ele será beneficiado já que a dívida não será executada de forma célere”, diz. Para Tiago Conde, presidente da Comissão de Assuntos Tributários da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF), não haverá nenhum prejuízo para o contribuinte com a criação de uma vara específica de ICMS. O julgamento de casos complexos, acrescenta, costuma demorar mais tempo e, por isso, a unidade seria bem aproveitada. “Criar varas especializadas otimiza a Justiça.
Procurado pelo Valor, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal informou que o pedido foi recebido e está em estudo.
Fonte: Valor Econômico, de 12/8/2020
Congresso derruba veto e dispensa de licitação para contratar advogados será promulgada
O Congresso derrubou nesta quarta-feira, 12, o veto integral (vet 1/2020) ao projeto que permite a dispensa de licitação para contratação de serviços jurídicos e de contabilidade pela Administração Pública (PL 4.489/19). O texto define a atuação de advogados e contadores como técnica e singular, quando comprovada a “notória especialização”. Matéria segue para promulgação.
A definição de notória especialização adotada no texto é a mesma dada pela lei de licitações (8.666/93): quando o trabalho é o mais adequado ao contrato licitado, pela especialidade decorrente de desempenho anterior, estudos e experiência e outros requisitos. Essa notória especialização é exceção, prevista em lei, para a dispensa de licitação.
A justificativa do Executivo para o veto foi “inconstitucionalidade e interesse público” por ferir o princípio da impessoalidade.
Ao defender a derrubada, os senadores argumentaram que o trabalho dos advogados e dos contadores precisa ser de confiança do gestor público que vai contratá-los.
Fonte: Migalhas, de 13/8/2020
Sem prever reajuste a ministros, STF aprova orçamento com R$ 25,7 milhões a mais para 2021
O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou na tarde desta quarta-feira (12) uma proposta orçamentária para 2021 no valor de R$ 712,4 milhões, um salto de R$ 25,7 milhões em comparação à proposta aprovada no ano passado para 2020 (R$ 686,7 milhões). De acordo com o STF, a proposta orçamentária não inclui reajuste salarial para os ministros da Corte, que recebem mensalmente R$ 39,2 mil – teto do funcionalismo público.
“O que apresentamos agora é o possível no atual momento, sem prejuízo da soberania do Parlamento em aprimorar o orçamento”, frisou o presidente do STF, Dias Toffoli. Toffoli destacou que o orçamento foi elaborado em conjunto com a equipe de transição do próximo presidente da Corte, Luiz Fux, que assumirá o comando do tribunal no dia 10 de setembro.
“O resultado (da proposta orçamentária de 2021) é a mera aplicação de índice inflacionário sobre o orçamento de 2020, uma prática que tem sido adotada desde a implantação do teto constitucional de despesas”, disse Toffoli. O salto no valor da proposta orçamentária de 2021, em relação à de 2020, é de 3,74%.
De acordo com Toffoli, o Supremo fez um mapeamento interno das demandas das diversas áreas do tribunal. Depois do levantamento preliminar, foi necessário aplicar um corte de R$ 76 milhões, a fim de adaptar a proposta ao teto de gastos. Uma das saídas do Supremo foi compartilhar as despesas com a TV Justiça com outros órgãos que também aproveitam as instalações da emissora, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Conselho da Justiça Federal.
Fux aproveitou a sessão administrativa para dizer aos colegas que já está em contato com a equipe econômica para tratar do orçamento do STF para fazer eventuais ajustes. “Depois da posse, vou conversar com os colegas, pedir que os colegas façam sugestões e depois vamos ter o contato com o Ministério da Economia”, afirmou Fux.
Reajuste. O Supremo entrou na mira da opinião pública e da própria Justiça após uma série de gastos públicos durante a presidência de Toffoli, como o contrato de R$ 481,7 mil que previa a compra de lagostas e vinhos para refeições a serem servidas a autoridades. A compra entrou na mira do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU), virou alvo de ação popular movida pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e chegou até a ser suspensa pela Justiça Federal do Distrito Federal.
A última vez que o Supremo aprovou uma proposta orçamentária com previsão de reajuste para os ministros foi em 2018. Sob a pressão de entidades da magistratura, o STF aprovou naquela ocasião (por 7 a 4) a inclusão de um reajuste 16,38% no salário dos próprios ministros na proposta orçamentária do ano seguinte, de 2019.
O reajuste acabou sancionado pelo então presidente Michel Temer, que elevou o salário dos ministros do STF de R$ 33.763,00 para R$ 39.293,32 (um salto de R$ 5,5 mil), em meio à articulação para restringir o alcance do auxílio-moradia.
Distribuição. Na mesma sessão administrativa, os ministros do Supremo também aprovaram uma mudança no regimento para desafogar os gabinetes de ministros que se aproximam da aposentadoria. Com a mudança, todo ministro que estiver próximo de se aposentar deixará de receber novos processos nos seus últimos 60 dias de trabalho no STF.
“O objetivo é o melhor possível, evitar que os processos fiquem no gabinete aguardando o sucessor do ministro que se afastará. É um critério objetivo”, disse o ministro Marco Aurélio Mello.
Dessa forma, o decano do STF, ministro Celso de Mello, não vai receber novos processos a partir de setembro. Celso se aposenta em 1º de novembro, quando completa 75 anos e se aposenta compulsoriamente.
A mudança vai fazer com que os casos sejam distribuídos entre os demais ministros da Corte, evitando que os processos sejam encaminhados ao gabinete de Celso – e herdados pelo nome que vier a ser indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a sua vaga.
Fonte: Blog do Fausto Macedo, de 12/8/2020
Pandemia pode deixar legado de corrupção maior que a Lava Jato, diz procurador
A pandemia que assola o Brasil desde março exigiu medidas de desburocratização de compras de equipamentos médicos, remédios e de contratações para construções de hospitais de campanha. A flexibilização, no entanto, pode ser aproveitada para objetivos diversos do combate da Covid-19 — e nada republicanos.
Para o novo presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape), Vicente Martins Prata Braga, quando o fim do estado de calamidade vier, pode trazer à superfície o que chamou de um legado de corrupção. “Tenho um grande receio dessa pandemia deixar um legado de corrupção maior que a Lava Jato”, enfatiza. O mandato de Braga é para o triênio 2020-2023.
Uma das formas de evitar que isso aconteça seria, segundo defende, dar autonomia à carreira de procuradores estaduais. Dessa forma, advogados públicos poderiam atuar de forma mais combativa em relação a desvios, processos irregulares e sem interferências políticas.
“Naqueles estados que temos uma atuação efetiva da advocacia pública estadual, uma atuação preventiva, a gente não assiste a essas operações”, diz, se referindo às investigações que alguns estados já enfrentam. “A conclusão não pode ser diferente no sentido de que os estados que estão tendo uma atuação mais proativa das procuradorias estaduais têm maior controle do uso da verba pública e evitam essas notícias que ninguém quer assistir.”
Outra questão que está na ordem do dia e que também impacta diretamente o trabalho de procuradores estaduais são as reformas tributária e administrativa. Se, por um lado, eles defendem uma simplificação tributária, temem perder atribuições para lidar com a arrecadação própria. Neste caso, a entidade pretende incidir no Congresso para debater os pontos sensíveis com os parlamentares.
Além disso, a reforma administrativa, ainda sem proposta apresentada, desperta uma preocupação sobre a perda da estabilidade do funcionalismo público. “A estabilidade não é uma garantia apenas do servidor público. É uma garantia da sociedade como um todo”, defende.
Leia a íntegra da entrevista:
Uma das bandeiras mais caras aos procuradores de Estado é a autonomia. O que mudaria, na prática, se a conquistassem?
É uma das nossas bandeiras e um dos motivos que nos faz lutar por ela é acreditar que a sociedade, como um todo, terá um ganho efetivo ao ter uma Procuradoria de Estado, uma advocacia pública autônoma, que busque atender os interesses da sociedade, independentemente de interesses de governo que não sejam interesses legítimos.
Os interesses dos estados, de forma ampla, devem ser respeitados e atendidos quando não houver convergência com os interesses do governo. A advocacia pública autônoma significa uma sociedade mais fortalecida, melhor protegida, com a implantação de políticas públicas que digam respeito efetivamente àquilo que a sociedade busca. E significa uma trincheira maior na parte preventiva à corrupção. Então, a gente tem um ganho para a sociedade como um todo.
Poderia dar exemplos do efeito da ausência autonomia?
Você vê agora o que está ocorrendo na União, por meio da crítica que a AGU vem sofrendo em razão de ter ingressado com algumas ações no Supremo que supostamente buscam atender a interesses do governo, da Presidência da República, e não interesses da União, do Brasil como um todo. Esse é um exemplo no âmbito da União. No âmbito dos estados, infelizmente não consigo te dizer um caso concreto, porque isso ocorre nos bastidores. Ocorre muito na surdina. São interferências políticas que não são tão republicanas, não ocorrem no clarão do dia. A gente tem ali às vezes um pedido para alterar um parecer, coisas do tipo.
Diante do peso que tem o ICMS para a gestão dos estados, a categoria pretende atuar na discussão da reforma tributária?
Vamos discutir ativamente a reforma tributária junto ao Congresso Nacional para evitar o esvaziamento das atribuições dos estados. A partir do momento em que somos advogados dos estados, defendemos seus interesses e temos que ter papel ativo na discussão da reforma tributária.
Da forma como está sendo proposta, a reforma pode acabar com a guerra fiscal?
A partir do momento que se tenha um tributo único, o IBS (imposto sobre bens e serviços), o IVA (imposto sobre valor agregado), a nossa preocupação é que os estados não percam as suas atribuições, as suas competências tributárias de poder instituir os seus tributos de acordo com o que a Constituição já determina.
Lógico que queremos simplificar a figura do ICMS. O ICMS é um tributo muito complexo, que não existe em nenhum lugar do mundo, só existe no nosso país. A partir do momento que a gente consiga simplificar a aplicação para o dia a dia, para que o contribuinte possa entender melhor o papel do ICMS e a sua importância na arrecadação, a gente vai ter um ganho para a sociedade, mas isso não pode acontecer com a perda de competência tributária para os estados. Essa é a nossa preocupação.
Como está ali, diminuiria a guerra fiscal. Acabar, acho difícil. Porque com a instituição do tributo único, você vai ter diversas outras celeumas, como: a qual estado compete a arrecadação do tributo, qual é o titular do crédito ativo? Teremos várias e várias discussões sobre a forma como deve ser implementada. Ter um tributo nacionalizado, que não seria federal, mas nacional, é uma excelente saída. Mas a forma como deve ser feita essa nacionalização deve ser muito bem debatida.
A reforma administrativa também é um tema que interessa, que devem atuar ativamente?
É um tema que nos interessa muito. Estamos acompanhando as notícias porque até então não se tem nenhuma reforma efetivamente apresentada ao Congresso Nacional.
Esse tema é muito caro porque vemos vários pontos sensíveis ao funcionalismo público. A estabilidade não é uma garantia apenas do servidor público. É uma garantia da sociedade como um todo. A partir do momento em que eu tenho um servidor público estável, a sociedade ganha porque sabe que aquela pessoa não vai ser afetada por interferências alheias ao interesse público.
Se ela está praticando ilícitos, não está sendo uma boa servidora pública, deve-se instaurar um processo administrativo contra ela e, caso seja provado que não tem condições de exercer aquela atribuição, deve ser demitida. Mas não se pode acabar com a estabilidade como um todo como se aquilo fosse uma prerrogativa do servidor. É uma prerrogativa do servidor e, mais ainda, da sociedade.
Você imagine uma cidade do interior onde se tem uma briga política. Um lado ganha e ele vai demitir todos os servidores que foram contratados na gestão anterior, mesmo que por meio de concurso público. Se você não tiver uma garantia de estabilidade, isso vai ocorrer. A gente tem que lembrar que o Brasil é muito maior que a União. São mais de 5 mil municípios na nossa federação, e cada um deles vive uma realidade diferente.
Pelo menos 11 milhões de trabalhadores tiveram o contrato de trabalho suspenso ou o salário reduzido por causa da pandemia. Outros 7,8 milhões perderam o emprego. Há no Congresso uma proposta para reduzir salário de deputados e senadores. Como o senhor vê a possibilidade de uma proposta de redução de salário no Executivo?
O estado do Ceará, por exemplo, tem uma lei que veda a redução de salário de servidor no período da pandemia. O STF já decidiu que não cabe a redução salarial de servidor por conta da pandemia. Quem entende que servidor público deveria ter uma redução salarial porque não está trabalhando está completamente equivocado e alheio à realidade. Estamos trabalhando mais do que nunca.
Enquanto procuradores do Estado, por exemplo, estamos trabalhando para diminuir os efeitos da pandemia na sociedade, seja com a liberação de recursos bloqueados, seja com a liberação de EPIs, respiradores que não conseguiam ser comprados. A União requisitou toda a produção de respiradores do país no início da pandemia.
Já havia estados que estavam com contratos fechados com esses aparelhos. A advocacia pública entrou em campo com ações judiciais para reverter as requisições. O Ceará comprou milhões de EPIs, 600 respiradores, mas os produtos não estavam passando pela Anvisa. A advocacia pública ingressou com ações judiciais e conseguiu liminares para desburocratizar a liberação.
O ritmo de contaminação do coronavírus exigiu medidas rápidas dos gestores públicos. A flexibilização das normas para compras e contratações, a facilitação para licitações é o que provocaria esse legado de corrupção?
Tenho um grande receio de essa pandemia deixar um legado de corrupção maior que os casos investigados pela Lava Jato. Estamos trabalhando para evitar o desvio de recursos durante a pandemia. Tem uma grande preocupação com as dispensas de licitações que estão ocorrendo neste momento de pandemia.
Ainda existem pessoas mal intencionadas sentadas em cadeiras de poder. E a gente fica com grande receio de isso trazer mais prejuízo efetivo para a sociedade. Por isso a questão da autonomia. O procurador tem que ter a independência para dar a sua opinião de acordo com a sua consciência e ter a permissão de barrar uma compra de estados que estão fazendo compras equivocadas. Tivemos estados que fizeram compras de respiradores que nunca chegaram. Tivemos estados que compraram respiradores que, quando chegaram, não serviam, tinham defeitos. Tivemos estados comprando cestas básicas superfaturadas, que fizeram hospitais de campanha nunca utilizados, gastando milhões.
A flexibilização era medida extremamente necessária. A gente nem discute a necessidade. O que a gente discute é que ela não pode ser feita de qualquer forma. A qualidade de um processo administrativo de dispensa de licitação pode andar em conjunto com a eficiência e com a celeridade. Basta se fazer uma análise um pouco mais minuciosa, que vai demandar algumas horas, dias a mais de tramitação e que vai atender aos interesses do governante que é preocupado com os interesses da sociedade.
Como tem sido o dia a dia de trabalho das procuradorias diante da agilidade que a pandemia impõe para compras e contratações?
Em alguns estados estamos vendo, por notícias ou mesmo informações do Ministério Público, que algumas dessas contratações não estão passando pela advocacia pública. Nestes mesmos estados, estão ocorrendo operações da PF, da Polícia Civil para combater desvios, desmandos, malversações dos recursos públicos. Naqueles estados que temos uma atuação efetiva da advocacia pública estadual, uma atuação preventiva, acompanhando o processo de dispensa de licitação, a gente não assiste a essas operações. A conclusão não pode ser diferente no sentido de que os estados que estão tendo uma atuação mais proativa das procuradorias estaduais têm maior controle do uso da verba pública e evitam essas notícias que ninguém quer assistir.
Para além da autonomia, quais são as principais bandeiras da gestão?
Temos a bandeira dos honorários, que é de uma luta que já começou no segundo dia da nossa gestão. Tivemos o julgamento de algumas das ADIs que tratam a respeito da constitucionalidade ou não dos honorários e estamos nos saindo vencedores. O Supremo está reconhecendo a constitucionalidade, sim, dos honorários.
Outra bandeira é a da unicidade. O Supremo já julgou diversas ações reconhecendo que compete às Procuradorias-Gerais de Estado única e exclusivamente a defesa judicial e a consultoria dos estados. Isso vem sendo violado constantemente por diversos entes com a contratação de advogados sem concurso público, ou seja, não submetidos a um crivo de concurso público, de prova de títulos.
Outras ainda seriam de benefícios de conveniados, por meio da implantação de uma Escola Nacional da Advocacia Pública, para trazer melhores cursos de capacitação para os colegas nos diversos estados. Outra que é importante é a implementação das medidas alternativas de solução de conflitos, para tentar desjudicializar as demandas dos estados.
Os grandes litigantes do Poder Judiciário são os entes federados. De que forma a advocacia pública pode atuar para reduzir o volume de demandas levadas à Justiça?
A partir do momento que essas demandas são resolvidas extrajudicialmente, você traz um ganho efetivo para toda a sociedade, que vai ter um Judiciário mais célere, menos abarrotado e com a possibilidade de dar efetivo resultado para as demandas num curto espaço de tempo.
Alguns estados já criaram suas câmaras de mediação e conciliação administrativa. O Rio Grande do Sul foi um dos pioneiros, bem como Ceará e Bahia. Com elas, você vai evitar o ajuizamento de diversas e diversas demandas. No Ceará, a gente teve exemplos e um deles foi em 2014.
Não tinha ainda a câmara de conciliação e mediação no âmbito da Procuradoria do Estado, mas criou-se um programa para fazer desapropriações administrativas porque o estado ia fazer a revitalização do Maranguapinho, que é um rio que corta a cidade de Fortaleza e tinha suas margens ocupadas por pessoas carentes.
O ente público teria que ajuizar milhares de ações de desapropriação. E por um trabalho da Procuradoria, o governador à época editou uma lei, por meio da Assembleia Legislativa, permitindo que o estado desapropriasse essas áreas mesmo daquelas pessoas que não tinham título da terra. Ninguém tinha títulos naquela época, era tudo invasão. E a lei até então não permitia que você desapropriasse invasão.
A nova norma permitiu o pagamento de indenização para aqueles invasores e o ressarcimento por conta das benfeitorias que tinham sido feitas nos terrenos. Com isso, a gente deixou de ajuizar mais de 2 mil ações num curto espaço de tempo. Esse projeto da procuradoria ganhou o Innovare pelo trabalho de desapropriação humanizada.
Fonte: JOTA, de 13/8/2020
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