11/6/2020

Valor não executado pelo fisco autoriza reconhecimento da insignificância em crime tributário estadual

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estendeu ao âmbito estadual o entendimento firmado no Tema 157 dos recursos repetitivos – de que incide o princípio da insignificância nos crimes tributários federais e de descaminho quando o valor dos tributos não recolhidos não ultrapassa o limite de R$ 20 mil. Com isso, a seção trancou ação penal contra um contribuinte de São Paulo acusado de sonegar R$ 4.813,11 em ICMS – imposto de competência estadual.

Para o colegiado, é possível aplicar aos crimes tributários estaduais o mesmo raciocínio firmado sob a sistemática dos recursos repetitivos, desde que exista norma local que estabeleça um limite mínimo para a execução fiscal – abaixo do qual o valor representado pelo ato ilícito pode ser considerado insignificante.

No caso analisado, o réu foi denunciado por crime contra a ordem tributária, com base no artigo 1º, IV, da Lei 8.137/1990. A defesa entrou com habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo, mas teve o pedido negado.

No habeas corpus impetrado no STJ, foi pedido o trancamento da ação penal, sob o argumento de que a conduta seria atípica, pois o valor da sonegação apontado na denúncia é inferior ao considerado na jurisprudência para a aplicação do princípio da insignificância em crimes tributários.

Lei local

O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, explicou que em São Paulo – onde o crime teria sido cometido – a Lei Estadual 14.272/2010 prevê a inexigibilidade da execução fiscal para débitos que não ultrapassem 600 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (UFESPs), o que equivale a R$ 10.470 – valor maior do que a sonegação apontada no caso.

O ministro lembrou que a análise da matéria do repetitivo pelo STJ ocorreu primeiro em 2009, no julgamento do REsp 1.112.748, no qual se admitiu a incidência do princípio da insignificância nos crimes tributários.

Em 2018, foi adotado o parâmetro estabelecido nas Portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda para aplicação da insignificância aos crimes tributários federais – ou seja, o limite de R$ 20 mil, já que abaixo disso a Fazenda Nacional não ajuíza a cobrança do crédito tributário.

Segundo Sebastião Reis Júnior, ainda que aquele entendimento dissesse respeito somente a crimes relativos a tributos de competência da União, é possível aplicar o mesmo raciocínio ao plano estadual, quando houver lei local que dispense a execução fiscal abaixo de determinado valor.

"Não há como deixar de aplicar o mesmo raciocínio aos tributos estaduais, exigindo-se, contudo, a existência de norma reguladora do valor considerado insignificante", declarou o ministro, destacando que valores pequenos já não são cobrados por estados e municípios, em razão da inviabilidade do custo operacional da execução.

Por unanimidade, a Terceira Seção concedeu o habeas corpus, para reconhecer a aplicação do princípio da insignificância e determinar o trancamento da ação penal.

 

Fonte: site do STJ, de 10/6/2020

 

 

PT questiona proibição de reajuste salarial a servidores até 2021

O Partido dos Trabalhadores (PT) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6447, contra dispositivos da Lei Complementar (LC) 173/2020 que proíbem a concessão de reajustes para servidores públicos federais, estaduais e municipais e determinam o congelamento da contagem do tempo de serviço para fins de adicionais até 31/12/2021. O relator da ação é o ministro Alexandre de Moraes.

A norma, que institui o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus, altera a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) e prevê a suspensão dos pagamentos das dívidas contratadas entre União, estados, Distrito Federal e municípios, mediante contrapartidas em relação à gestão financeira dos entes federados.

Para o PT, a lei, ao proibir o aumento salarial e a concessão de auxílios até final de 2021, viola o princípio da irredutibilidade remuneratória do funcionalismo público e, ao impedir a contagem de tempo de efetivo exercício para fins de concessão de adicionais a ele vinculados, afronta o direito adquirido. Na avaliação da sigla, houve ainda vício de iniciativa, pois a lei se originou de projeto de autoria de um senador, quando cabe ao Executivo legislar sobre o regime jurídico de servidores públicos de todos os Poderes. O partido pede a suspensão da eficácia dos artigos 7º e 8º da LC 173/2020.

Relevância

Diante da relevância da matéria tratada na ação e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, o ministro Alexandre de Moraes adotou o rito do artigo 12 da Lei das ADIs (Lei 9.868/1999), que faculta ao relator submeter o processo diretamente ao Tribunal, para julgamento definitivo. Para tanto, determinou a solicitação de informações, a serem prestadas pelo presidente da República e pelo Congresso Nacional, no prazo de 10 dias, e, em seguida, a remessa dos autos ao advogado-geral da União e ao procurador-geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, para a manifestação.

 

Fonte: site do STF, de 10/6/2020

 

 

União deve fornecer medicamento que custa mais de R$ 1 milhão por ano

A juíza Federal substituta Fernanda Martinez Silva Schorr, da 22ª vara Cível de SJ/MG, determinou que a União, por intermédio do Estado de MG, forneça medicamento a paciente com distrofia muscular de Duchenne que custa mais de R$ 1 milhão por ano.

O autor solicitou que seja fornecido o medicamento Ataluren, de forma contínua e ininterrupta, e enquanto perdurar a prescrição médica e na quantidade indicada na receita para tratamento de distrofia muscular de Duchenne.

Ao analisar o caso, a juíza considerou relatório médico que afirma que nas avaliações foi observado piora dos índices motores, porém ainda deambula bem e sem necessidade de auxílio. No entanto, caso não receba a medicação, a doença evoluirá com perda de marcha antes dos 14 anos, como ocorreu com seus familiares.

A magistrada constatou que o autor vive com os pais e sobrevive com a renda de aposentadoria de sua genitora, inexistindo, portanto, condições de arcar com o custo mensal do medicamento de mais de R$ 96 mil.

“O fato de a medicação ser de alto custo e não ser disponibilizada especificamente para a doença que acomete o autor não impede que seja fornecida pelo Judiciário, quando, como no caso dos autos, resta comprovada, por laudo médico, em sumário exame, a sua necessidade.”

Assim, deferiu o pedido de tutela para determinar à União, por intermédio do Estado de MG, que forneça ao autor o medicamento Ataluren no total de 90 sachês de 250mg e 30 sachês de 125mg por mês, de forma contínua e ininterrupta, enquanto perdurar a indicação médica.

A advogada Mariana Resende Batista representa o autor.

Fonte: Migalhas, de 11/6/2020

 

 

TJ-SP dribla lei, exclui R$ 1 bi em gastos com funcionários e abre espaço para novas despesas, aponta TCE

Com dificuldades em ajustar os seus gastos aos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o Tribunal de Justiça de São Paulo registrou pagamentos feitos a funcionários públicos como se não fossem despesas com pessoal.

Essa prática contábil permitiu que o tribunal não tivesse despesas barradas pela lei e pudesse nomear juízes e servidores aprovados em concurso público —embora a posse desses magistrados tenha sido suspensa devido à Covid-19. Também abriu caminho para que o tribunal loteasse cargos comissionados para funcionários atuarem junto à cúpula da corte.

De acordo com relatório de fiscalização do TCE (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) finalizado em 20 de março deste ano, o TJ não contabilizou em 2019 aproximadamente R$ 1 bilhão em gastos com servidores. O documento foi obtido pela Folha.

Essas despesas incluem reajuste de magistrados e demais funcionários (R$ 328 milhões), reembolsos de férias (R$ 449 milhões) e de licenças-prêmio (R$ 237 milhões) não gozadas.

Procurado, o Tribunal de Justiça diz que segue uma interpretação da Constituição em relação aos reajustes.

Já sobre os reembolsos de férias e licença-prêmio, o TJ diz que faz esse tipo de cálculo desde 2003 e, mesmo assim, sempre teve suas contas aprovadas pelo TCE —acontece que esse cálculo não era um dado analisado detalhadamente até agora.

Segundo a fiscalização do TCE, “não há previsão legal" que permita a exclusão dos valores de férias e licenças-prêmio "para fins da apuração da despesa com pessoal”. O TJ, atualmente, inclui esses valores como "indenizações e restituições trabalhistas".

O órgão de contas cita como referência o manual de demonstrativos fiscais da Secretaria de Tesouro Nacional, que define o que compõe despesa com pessoal.

O manual “destaca as despesas que são dedutíveis e, ainda, que a despesa com indenizações por férias e licença prêmio não gozadas por servidores em exercício são espécies remuneratórias e não podem ser deduzidas”.

Caso tivesse contabilizado esse R$ 1 bilhão como despesa de pessoal como prevê o TCE, o TJ ultrapassaria o limite total de gastos com funcionários e ficaria impedido de fazer qualquer medida que implicasse em aumento de despesas.

Segundo o TCE, o TJ "estaria acima do permitido na LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal] para despesa total de pessoal" e teria não só que evitar fazer novos gastos, como também cortá-los.

Ainda assim, em março deste ano, nomeou 86 juízes aprovados em concurso público, cuja posse acabou suspensa devido à pandemia.

Com as contas em situação crítica, o TJ, por meio do ex-presidente Manoel Pereira Calças, já teve que fazer no primeiro semestre do ano passado um acordo com o TCE para reduzir os seus gastos até 2021.

Os dois órgãos haviam entrado em conflito a respeito de valores que incidiam diretamente na possibilidade de o TJ ultrapassar o limite de pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O relatório de março deste ano do TCE integra o processo que analisará as contas do TJ de 2019, que tem como relator o conselheiro Dimas Ramalho. Ainda não há uma data para o julgamento dessas despesas.

O Tribunal de Justiça de São Paulo tem um orçamento previsto para este ano de aproximadamente R$ 12 bilhões, equivalente ao PIB de Roraima. Maior do Brasil, o TJ-SP tem aproximadamente 40 mil servidores e 2,6 mil magistrados.

O relatório do TCE ainda questiona outras práticas financeiras do TJ. Foram contabilizados R$ 292 milhões referentes à folha de pagamento de dezembro de 2019 sem que essa despesa tivesse sido incluída no orçamento do ano passado, e sim no deste ano.

Com todos esses problemas financeiros, já se supõe que, nos próximos anos, o Tribunal de Justiça de São Paulo lance mão de um fundo bilionário abastecido por dinheiro de taxas judiciais para cobrir os rombos com gastos de pessoal.

Não é permitido o dinheiro do fundo para esse uso —embora o TJ já tenha usado indevidamente a verba para esses gastos, segundo o TCE—, mas os valores podem ser incorporados ao orçamento anual por meio de aprovação da Assembleia Legislativa.

O relatório de fiscalização do TCE aponta outros problemas com a organização financeira do TJ. Um desses problemas é o uso verba de emergências para bancar lanchinhos dos 360 desembargadores, como revelado pela Folha.

BENS DESAPARECIDOS

Outro ponto levantado pela fiscalização é que, segundo o TCE, o TJ-SP não soube localizar onde estão bens patrimoniais no valor de R$ 260 milhões.

Segundo um levantamento feito pelos fiscais no Fórum João Mendes, o maior de São Paulo, o tribunal indicou onde está somente uma parcela dos bens. O restante consta em uma planilha chamada “patrimônios a levantar” ao menos desde 2017.

Diante da “inexistência física desses bens”, os técnicos do TCE propõem que seja aplicada uma multa no valor do patrimônio não localizado por prejuízo ao erário.

"Dada a quantidade expressiva de bens sem a definição correta de localização (possivelmente extraviados/furtados), entendemos que a origem não empregou todos os esforços para o controle e registro de bens", afirmam os fiscais.

Em março desse ano, devido à pandemia do novo coronavírus, o TJ-SP teve que lançar mão de um plano de contingenciamento, que prevê corte de custos como contratos, diárias e luz, além de ter lançado estudo para extinguir comarcas.

TJ-SP DIZ QUE SUAS CONTAS TÊM SIDO APROVADAS

Procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo afirma em nota que, desde 2003, "deduz das despesas com pessoal os valores referentes à revisão salarial garantida na Constituição Federal e o TCE reiteradamente julgou regulares as contas do TJ-SP".

Também justifica que o reajuste salarial não é computado no limite de gastos de pessoal, segundo o órgão, de acordo com a Constituição e com a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O tribunal diz que a posse dos 86 juízes substitutos nomeados este ano está suspensa, mas "não há interligação com a questão orçamentária". "A posse foi suspensa em razão do Plano de Contingenciamento e do isolamento social em decorrência da pandemia que impede a realização de perícia admissional", diz o órgão.

Segundo a corte, os R$ 260 milhões em patrimônio que não foram localizados é "equívoco na análise de dados".

"O levantamento patrimonial é feito anualmente pelos gestores de cada fórum que encaminham novas planilhas com os bens que se tornaram inservíveis e perderam a possibilidade de uso e o TJ-SP faz um ajuste fino."

"O apontamento do TCE não significa que patrimônio esteja desaparecido. Mera correção que o TJ-SP fará e apresentará ao TCE, inclusive porque se trata de patrimônio antigo que necessita de atualização em relação ao valor monetário", afirma.

O TJ-SP diz que está em fase de revisão de novo normativo para aperfeiçoar o controle patrimonial de bens móveis.

O órgão ainda afirma que reconheceu as despesas de R$ 292 milhões ainda no ano passado e reprogramou o orçamento, conforme orientação da Secretaria de Fazenda e Planejamento.

"Ou seja, o montante foi computado para fins de apuração das despesas de pessoal do exercício de 2019, obedecendo ao princípio da competência. O valor foi contabilizado como saldo a regularizar e passou de 2019 a 2020", diz.

O TJ ainda afirma que esperava receber repasses do Executivo, como vinha acontecendo até 2018, para regularizar esse valor, o que não ocorreu.

Fonte: Folha de S. Paulo, de 11/6/2020

 

 

Reforma da Previdência e benefícios zumbis

POR LUCAS SOARES DE OLIVEIRA E WOLKER VOLANIN BICALHO

No Direito Público, não raras vezes, a complexidade se esconde nos detalhes práticos dos temas tratados singelamente pela teoria. E há um quê de belo e triste nisso.

A ilustrar, se questionarmos um aluno da graduação, ou mesmo um expert de manuais, a respeito da conformação do regime de pessoal na Administração Pública, apesar das variações terminológicas que podem aparecer, alguns apontamentos serão quase incontroversos.

Um destes centros alheios à polêmica, provavelmente, relacionar-se-ia ao fato de que, com a Constituição da República de 1988 (CR/1988), os entes federados deveriam adotar um regime jurídico único para os servidores da Administração Pública direta, autárquica e fundacional (art. 39, caput, em sua redação original).

E, em razão da opção da União pelo regime jurídico estatutário, acredito que não poucos alunos e/ou experts se arriscariam a dizer que este, necessariamente, deveria ser o regime jurídico único a ser adotado em todos os entes, em menoscabo à autonomia federativa entregue aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Isso porque sói aos manuais o tratamento do assunto sob o prisma da legislação federal, o que, à evidência, aumenta as chances de percepção do modelo federal como um vetor.

Os alunos e/ou experts, possivelmente, também se aventurariam em descrever os momentos de tensão na modelagem do regime jurídico único, em especial pela decisão liminar na ADI 2.135/DF (DJe 01.03.2008). No ato, ao que tudo indica, concluiriam que a modelagem permanece a mesma pensada originalmente pela CR/1988, eis que a tentativa de acabar com regime jurídico único, levada a efeito pela Emenda à Constituição (EC) n. 19/1998, fracassou em virtude do afastamento cautelar da nova redação do art. 39, caput, da CR/1988, forte no vício formal, liminarmente, constatado.

Contudo, o Direito Administrativo não cabe dentro dos manuais.[1] Como pontua Carlos Ari Sundfeld, “[n]ós, administrativistas brasileiros, temos de duvidar, desconfiar muito, dos lugares-comuns a que nos acostumamos”.[2] Pois, dentre outros motivos, a realidade prática é bem mais rica em complexidade que a abstração dos livros. Nisso, há beleza. Entretanto, a ausência de discussão acadêmica séria a respeito do regime funcional nos diversos entes federativos também traz um dado alarmante: a desinformação coletiva a respeito deste abstruso tema.

A primeira advertência que devemos fazer diz respeito ao fato de que a realidade vivenciada pelos entes federados pode ser muito diferente daquela apresentada nos manuais, cuja referência é (quase) sempre a legislação da União.

Tomemos o caso do Estado de São Paulo. Neste, o regime de pessoal enfrenta algumas dificuldades, tais como: a reminiscência de servidores admitidos sob a égide constitucional anterior, na qual as ideias de regime jurídico único ou mesmo prevalência de um modelo estatutário não eram características tão festejadas; a grande pluralidade de normas que tratam de direito de pessoal, em múltiplos rótulos e extensões; a subsistência de um Estatuto (Lei Estadual n. 10.261/1968) elaborado em período anterior à CR/1988, o que traz dificuldade na adaptação de seus termos à realidade contemporânea; e a convivência de — ao menos — quatro tipos de agentes públicos com vínculo formal com o Estado (a saber: os servidores públicos estatutários, regidos pela Lei Estadual n. 10.261/1968; os empregados públicos, regidos pela CLT; os admitidos em função-atividade, regidos pela Lei Estadual n. 500/1974; e os contratados temporários, regidos pela Lei Complementar Estadual n. 1.093/2009).

Um destaque: diferentemente da União, no Estado de São Paulo há, ainda hoje, contratação de empregados públicos para autarquias, fundações estatais de direito público e até mesmo para a Administração Pública direta. Tudo isso justificável à luz das capacidades de auto-organização e autoadministração entregues ao Estado pela CR/1988, junto com a autonomia federativa (arts. 18 e 25 da CR/1988).

Demais disso, engana-se quem pensa que a situação, anteriormente à CR/1988, era mais bem sistematizada nas terras bandeirantes. No passado, a miscelânia de regimes de pessoal era tão grande quanto a atual e contava com um agravante: se hoje se tem certa clareza de que atividades típicas de Estado, ou de suma relevância administrativa, devem ser exercidas por servidores estatutários, antes da CR/1988 essa conclusão não era tão viva.

À época, a Administração Pública paulista misturou em seus quadros os chamados funcionários públicos (hoje, denominados de servidores estatutários) e os servidores trabalhistas (ou empregados públicos). Essa circunstância se verificava na Administração Pública direta e indireta; de direito público ou privado. Era, de fato, a tônica da gestão de pessoal. Acontecia, inclusive, de funcionários públicos e servidores trabalhistas desempenharem, lado a lado, as mesmas atividades, porém, com vínculos bem discrepantes. Não tardou, nesse cenário, para surgir o lobby e a pressão política para que o Estado propiciasse um tratamento isonômico aos funcionários e aos servidores trabalhistas. As carreiras mais bem organizadas politicamente lograram êxito em tais pleitos. Justamente aí vem à tona o tema central deste artigo: a complementação de aposentadorias e pensões.

No Estado de São Paulo, as políticas de complementação de aposentadorias e pensões nascem em meados do século XX, a fim de viabilizar aos servidores trabalhistas e aos seus dependentes a percepção de proventos de aposentadoria ou pensão em valores equivalentes aos recebidos pelos funcionários públicos. Nessa quadra, o Estado se responsabilizou por pagar ao empregado aposentado, ou a seu dependente, um valor equivalente à diferença entre os proventos pagos pela previdência oficial e o valor a que faria jus o servidor trabalhista na ativa.

O pagamento prescindia de qualquer contrapartida dos beneficiários, sendo uma liberalidade estatal. A pioneira norma sobre o tema foi a Lei Estadual n. 1.386/1951, que limitava a cobertura das complementações aos servidores trabalhistas da Administração direta. Posteriormente, a Lei Estadual n. 4.819/1958 estendeu o privilégio aos servidores trabalhistas das autarquias e das empresas estatais paulistas.

Apenas com a edição da Lei Estadual n. 200/1974 as complementações de aposentadorias e pensões são postas em checkmate.

Com efeito, as complementações de proventos são benefícios administrativos (STF, 1.ª Turma, Rcl 24.990-AgR/SP, DJe de 21.06.2018). Faziam parte de um regime jurídico de privilégios, fruto de um malfadado espírito de liberalidade com a coisa pública, comum naquela (e nesta, ora) quadra da história. Sendo assim, as alterações no regime jurídico relativo às complementações poderiam se dar a qualquer tempo, na medida em que há muito se considera que não existe direito adquirido a regime jurídico (STF, Pleno, MS 15.148/DF, DOU de 23.08.1967).

O legislador paulista, no entanto, foi bem mais benevolente: extinguiu as complementações de proventos, mas, garantiu a todos os servidores admitidos até a data da Lei Estadual n. 200/1974 (DOE de 14.05.1974) o direito à complementação. Estabeleceu-se um benefício zumbi: mesmo extinto, continuou a existir. Coisas do Brasil. Essa opção legislativa tem reflexos até os dias de hoje, pois muitos servidores aposentados, bem como os seus pensionistas, ainda recebem complementações de aposentadoria com fundamento nesta legislação.

Erra quem supõe que a situação é trivial. A Administração Pública paulista estima a existência de aproximadamente 16 mil pessoas recebendo complementação de aposentadoria a cargo do tesouro estadual, o que implica dispêndio anual na casa de meio bilhão de reais.[3] Destaco: esse dado diz respeito apenas às aposentadorias complementadas, sem fazer menção às pensões, o que leva a crer que os gastos, na realidade, são bem mais elevados.

***O texto não reflete necessariamente o posicionamento institucional da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.

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[1] Essa constatação, de certo modo, anda junto com as mudanças de paradigmas do Direito Administrativo (em especial a guinada pragmatista e a busca por conhecimento multidisciplinar) noticiadas por José Vicente Santos de Mendonça em “A verdadeira mudança de paradigmas do direito administrativo brasileiro: do estilo tradicional ao novo estilo”. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 265, p. 179-198, jan./abr. 2014.

[2] Direito administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 154.

[3] Conforme informações obtidas pelo Núcleo de Estudos Temáticos sobre Pesquisas Empíricas e Racionalização da Litigância da PGE/SP junto à Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo. Tais dados, porém, são preliminares e se encontram em fase de apuração, razão pela qual só nos servem como estimativa.

LUCAS SOARES DE OLIVEIRA – Procurador do Estado de São Paulo
WOLKER VOLANIN BICALHO – Procurador do Estado de São Paulo. Mestre em Direito do Trabalho e da Previdência Social pela Universidade de São Paulo.

Fonte: site JOTA, de 11/6/2020

 

 

Observatório do TIT: a proposta de alteração do processo administrativo paulista

Dando continuidade ao projeto “Observatório de Jurisprudência do TIT/SP”, e, levando-se em consideração a paralisação temporária das sessões de julgamento do Tribunal em razão da Pandemia da COVID-19, analisaremos um tema bastante relevante e que entra em pauta no atual cenário, diante de seu recente ingresso no Sistema de Processo Legislativo da Assembleia Paulista: o Projeto de Lei nº 367/2020, publicado no Diário da Assembleia em 28/05/2020.

Referido Projeto tem como escopo alterar a Lei nº 13.457/2009, que dispõe sobre o processo administrativo tributário, decorrente de lançamento de ofício, no âmbito do Estado de São Paulo.

As modificações propostas visam atender anseio de todos que trabalham com o processo tributário paulista, notadamente as partes litigantes (contribuintes e fisco), seus respectivos representantes e os julgadores das instâncias administrativas, tendo por objetivo dar mais celeridade aos processos, segurança jurídica e justiça nas decisões, atendendo, ao mesmo tempo, o direito ao contraditório e à ampla defesa dos litigantes.

Passaremos a abordar adiante as principais alterações propostas.

Adaptação do processo administrativo tributário paulista ao Código de Processo Civil (CPC – Lei n.º 13.105/2015):

Uma questão que surgiu desde a publicação do novo Código de Processo Civil em 2015 foi a necessidade de adequação para a integração do processo administrativo estadual com as regras do CPC; esta interação se faz necessária para promover um alinhamento jurídico em nível nacional, evitando suspeitas sobre as decisões proferidas na esfera administrativa, onde os julgadores estão vinculados à aplicação da Lei e às Súmulas do TIT.

Importante destacar aqui que a aplicação subsidiária e supletiva do CPC aos processos administrativos está prevista em seu artigo 15. Ocorre que, em virtude da vinculação acima mencionada, este dispositivo acaba não tendo aplicabilidade prática, havendo certa incompatibilidade muitas vezes entre a fundamentação das decisões administrativas e a das decisões judiciais.

Esta incompatibilidade pode ser facilmente vislumbrada do cotejo entre o artigo 28 da Lei 13.457/09 com o artigo 927 do CPC, pois atualmente o dispositivo paulista prevê o afastamento de aplicação de uma lei vigente apenas na hipótese de reconhecimento de inconstitucionalidade por meio de (i) ação direta de inconstitucionalidade; (ii) por decisão definitiva do STF, em via incidental, desde que o Senado Federal tenha suspendido a execução do ato normativo; e (iv) em enunciado de Súmula Vinculante.

Assim, com a inclusão dos incisos IV, V, VI e VII, ao artigo 28, tal incompatibilidade restará mitigada:

“Artigo 28 – (…)

IV – em enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V – em orientação do plenário ou do órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

VI – em acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas; e

VII – em acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.

Outra mudança proposta neste sentido é a de padronização de aplicação dos prazos processuais em dias úteis e a previsão de recesso, incluindo paralisação de sessões de julgamento em todas as instâncias administrativas. Com tais previsões, pretende-se, também, o alinhamento na dinâmica de trabalho do contencioso em geral.

Ainda visando a integração das legislações de contencioso, foi proposta a inclusão do parágrafo 4º no artigo 31 da Lei 13457/2009, a fim de adequá-lo ao artigo 144 do CPC, de forma a estender as hipóteses de impedimento à outorga de mandato a membro de escritório de advocacia que tem, dentre seus advogados, o cônjuge ou parente consanguíneo ou afim, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau, do julgador.

Como visto, em relação à integração com o CPC, o Projeto de Lei busca atualizar e modernizar a Lei processual administrativa paulista ao atual cenário do contencioso em nível nacional, motivado, especialmente, pela segurança jurídica.

Vinculação à jurisprudência judicial predominante:

Conforme pincelado no tópico anterior, há a expectativa de se alcançar uma “unificação” jurisprudencial, a fim de que os julgadores administrativos possam, se o caso, afastar a aplicação de uma Lei em observância à jurisprudência judicial predominante. Com isso, a proposta de vincular as decisões às repercussões gerais dos tribunais judiciários pretende assegurar a preservação do entendimento ali sedimentado sobre um processo idêntico ao que esteja sendo julgado pela instância estadual.

A adequação demonstrada acima em relação à adequação do artigo 28 da lei paulista ao artigo 927 do CPC, que enuncia as decisões cuja observância, pelo magistrado, é obrigatória, garante maior grau de estabilidade e previsibilidade às decisões administrativas.

Neste ponto faço destaque necessário à exemplificação da importância de tal coesão, com a consolidação da cultura dos precedentes.

Assim, tomemos como exemplo um auto de infração com a exigência do ICMS apenas em operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.

Sobre a matéria em tela, o Superior Tribunal de Justiça – STJ firmou entendimento da não incidência de ICMS no deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular na edição da Súmula 166[1] e do REsp nº 1125133/SP[2], julgado em sede de recurso repetitivo.

Tal entendimento foi ratificado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, em julgamentos posteriores à edição da súmula[3].

Nesse mesmo sentido, a própria Procuradoria Geral do Estado de São Paulo emitiu Orientação Normativa SubG-CTF nº 02, de 01/07/2016, na qual autorizou os Srs. Procuradores a não interpor recurso sobre esta questão.

Ocorre que a legislação vigente determina que o ICMS incida sobre as operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Prescreve o Art. 2º, inciso I, da Lei nº 6.374/89 que o fato gerador do ICMS ocorre “na saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”. Esse dispositivo legal está em consonância com a Lei Complementar nº 87/96, que em seu art. 12, inciso I, considera como ocorrido o fato gerador do imposto no momento: “da saída da mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”.

Diante deste cenário, a maioria dos julgadores administrativos sente-se vinculada à aplicabilidade da legislação vigente aos casos postos em julgamento, muito embora haja jurisprudência judicial predominante sobre o assunto.

Na prática, com a conclusão do processo administrativo nestes casos em desfavor dos contribuintes, movimentar-se-á a máquina judiciária para questionamento de matéria já pacificada, onerando o próprio Estado neste aspecto, já que não haverá sequer patrocínio pela sua respectiva Procuradoria para interposição de recurso fazendário.

Por conseguinte, não há como deixar de observar o entendimento firmado pelo STJ na edição da Súmula 166 sem lesar os princípios da Eficiência da Administração Pública, da Razoabilidade e da Celeridade processual, de modo que a proposta legislativa se encontra acertada e oportuna.

A proposta em trâmite assegura a necessidade atual da jurisprudência dos Tribunais Judiciais Superiores – notadamente em relação àquelas decisões proferidas em sede de Recurso Repetitivo ou em Repercussão Geral – ser aplicada pelos Julgadores Administrativos em observância ao Código de Processo Civil, o qual explicita a necessidade de uniformização da jurisprudência e manutenção de sua estabilidade, integridade e coerência, nos termos do seu artigo 926, dentre outros, como por exemplo o já mencionado artigo 927, e, ainda, os artigos 985, I e II, 1.039, que também visam o respeito à jurisprudência.

Princípios da ampla defesa e contraditório – Revogação de valores de alçada para acesso ao TIT e a criação de recurso contra inadmissibilidade de Recurso Especial: Aqui, verifica-se o zelo do Projeto de Lei na observância dos direitos à ampla defesa, contraditório e devido processo legal, com o duplo grau de jurisdição.

Neste sentido, foi proposta a revogação dos valores de alçada nos casos de recursos ordinário e de ofício para acesso ao TIT, dando a todos a oportunidade de recorrer ao tribunal, que é composto por um colegiado paritário e imparcial, cujo objeto do julgamento busca a verdade material e a justiça fiscal. Há 85 anos – comemorados na última semana – o TIT busca garantir a todos o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, pela garantia da verdade material e controle de qualidade dos lançamentos tributários.

A atual redação da Lei processual prevê que apenas os processos com valor acima de R$ 552,2 mil (20 mil UFESPs) têm direito de recurso ao TIT, enquanto todos os outros são julgados de forma monocrática pelas Delegacias Tributárias de Julgamento (DTJs).

Importante apenas notar aqui que foram decotadas as disposições com os valores de alçada para interposição de recurso ordinário e de ofício (fazendário) ao TIT, contudo, de forma ainda contraditória, restou mantida a disposição do artigo 40, que prevê a interposição de Recurso Voluntário pelo contribuinte, dirigido ao Delegado Tributário de Julgamento, nos casos em que o débito fiscal exigido na data da lavratura do auto de infração corresponda a até 20 mil UFESPs.

Ainda na toada de integração com o novo CPC e de observância aos direitos de ampla defesa, contraditório e devido processo legal, foi proposta a alteração do artigo 49 da Lei 13.457/09, deslocando a competência para análise da admissibilidade de Recurso Especial do Presidente do TIT/SP para o Presidente da Câmara julgadora do processo, com o objetivo de viabilizar a interposição de recurso contra o despacho que negar seguimento, total ou parcial, ao respectivo recurso, exigindo-se, inclusive, fundamentação dos respectivos despachos de (in)admissibilidade.

Hoje, se o recurso especial é inadmitido pelo Presidente do TIT, ainda que de forma parcial, não existe a possibilidade de interposição recursal. Assim, propôs-se a inclusão do artigo 49-A, com disposição de cabimento de recurso de Agravo.

Agora, se aprovado o novo texto legal proposto, será possível às partes a interposição de agravo contra decisão que negar seguimento, total ou parcial, ao seu recurso especial.

Conclusão

Diante da análise do Projeto de Lei, verifica-se que principais alterações propostas buscam adaptar o processo administrativo tributário paulista ao Código de Processo Civil, dar aplicabilidade eficaz à jurisprudência predominante dos tribunais judiciais e maior amplitude ao devido processo legal.

Há outras disposições também interessantes no Projeto de Lei em tramitação e todas balizadas nos mesmos pilares acima destacados.

O projeto de lei em foco, que ainda será discutido na Assembleia Legislativa antes de ser votado (segue em tramitação ordinária), tem pontos importantes e relevantes para modernização e aperfeiçoamento da lei do processo tributário administrativo, especialmente em atenção à segurança jurídica, transparência e eficiência.

Vimos, assim, que o projete prevê muitos pontos que zelam pelos princípios da ampla defesa e do contraditório, mas, é necessária, ainda, cautela para que as propostas elaboradas caminhem também em harmonia com a celeridade e eficiência, buscando um equilíbrio, a fim de que o processo administrativo tenha seu tempo razoável de duração; eis a importância do debate público anterior à votação.

Autora: Sulamita Szpiczkowski Alayon

Coordenação: Eurico Marcos Diniz de Santi

Eduardo Perez Salusse

Lina Santin

Dolina Sol Pedroso de Toledo

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[1] “Súmula 166/STJ – Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”

[2] REsp nº 1125133/SP Primeira Seção, em 25.08.2010 DJe de 10.09.2010

[3] ARE – Nº 1038079 – Relator Ministro Celso de Mello, 2ª Turma, DJe 22.09.2017

RE 267.599-AgR-ED – Relatora Ministra Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 30.04.2010

GRUPO DE PESQUISA SOBRE JURISPRUDÊNCIA DO TIT DO NEF/FGV DIREITO SP

Fonte: site JOTA, de 11/6/2020

 

 

DECRETO Nº 65.014, DE 10 DE JUNHO DE 2020

Estende a medida de quarentena de que trata o Decreto nº 64.881, de 22 de março de 2020

Clique aqui para o anexo

Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção Decretos, de 11/6/2020

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