9/8/2021

Reforma administrativa será alvo de ações no Supremo Tribunal Federal

Por Paloma Savedra

Se a reforma administrativa, prevista na proposta de emenda constitucional (PEC) 32/20, for aprovada no Congresso, a expectativa é de o Supremo Tribunal Federal (STF) receber uma enxurrada de ações. Já existem questionamentos à PEC na Corte, mas se o texto avançar na forma que está, a promessa é de uma ofensiva mais contundente das categorias do serviço público. Esse cenário ganha ainda mais força diante da possibilidade de inclusão dos membros do Judiciário e do Ministério Público — que são regidos por leis próprias — no projeto. Uma emenda que prevê a medida teve apoio expressivo dos parlamentares, indicando que deve ser incorporada ao texto.

No entanto, representantes das carreiras da magistratura e do MP, que participaram de audiência realizada em 6 de julho pela comissão especial que analisa a PEC 32, apontaram inconstitucionalidade devido ao princípio da separação dos Poderes. Assim, neste caso, a proposta teria que ser de iniciativa própria, e não do Executivo ou Legislativo.

"Foi opção do legislador constituinte o regime diferido. Não pode ser alterado por PEC, é cláusula pétrea, é regime de separação de poderes", ressaltou na ocasião a presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, que também coordena a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas).

FIM DA ESTABILIDADE E CARGOS DE LIVRE NOMEAÇÃO

Para os servidores públicos em geral, que são alcançados pelo texto original, diversos pontos devem ser questionados agora durante a tramitação da proposta no Parlamento e, depois, no STF. Mas o fim da garantia de estabilidade e a ampliação da contratação de não concursados são alguns dos itens considerados mais "problemáticos".

Presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), Rudinei Marques declarou, em audiência da comissão especial no último dia 3, que não houve comprovação de que a reforma vai melhorar o setor.

"A PEC 32 acaba com a estabilidade e abre espaço para mais de 90 mil cargos de indicação política, além de outros prejuízos. Essa PEC não entrega nenhuma melhoria ao Estado. Ela piora as entregas à população", afirmou.

Para a presidente da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol), Tania Prado, a reforma "enfraquece as instituições". "O texto abre espaço para a nomeação de estranhos às funções de comando dos órgãos de controle, como a Polícia Federal", afirmou ela à coluna.

'MODERNIZAÇÃO É NECESSÁRIA'

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o relator da reforma, deputado Arthur Maia (DEM-BA), porém, sustentam a necessidade de modernizar o setor público e entregar melhores serviços à população.

Dados apresentados pelo Ministério da Economia à comissão indicam que há 69 mil servidores ativos na União em cargos extintos, como de operador de telex, encadernador, chaveiro, recreacionista, barbeiro, açougueiro, entre outros, o que leva ao desembolso de R$ 8,2 bilhões por ano.

Quanto à possibilidade de ampliar a contratação de comissionados, o relator também já ponderou, publicamente, que vai retirar da PEC 32 trecho que possibilita a medida. Segundo estudo da Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado, a mudança nas regras para ingresso no serviço público fará com que a União, estados e municípios tenham, ao todo, mais de 1 milhão de cargos para livre nomeação.

 

Fonte: O DIA, de 8/8/2021

 

 

3ª Turma do STJ fixa critérios para a validade da impugnação de sentença arbitral

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que, ao analisar pedido de nulidade do procedimento arbitral, reconheceu a ocorrência de decadência porque a impugnação, baseada exclusivamente no artigo 32, VIII, da Lei de Arbitragem, foi apresentada após o decurso do prazo de 90 dias previsto no artigo 33 da mesma lei. Além disso, o TJ-SP ressaltou que a matéria apontada não está prevista no artigo 525, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil.

A controvérsia analisada teve origem em ação de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral na qual se alegou a nulidade do processo por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento da produção de prova pericial e deficiência na instrução da ação.

Ao pedir a reforma do acórdão do TJ-SP, o autor da impugnação defendeu que o prazo decadencial de 90 dias estabelecido pelo artigo 33 da Lei 9.307/1996 deveria ser observado somente para a ação declaratória de nulidade autônoma. Argumentou, ainda, que o parágrafo 3º do mesmo artigo autoriza que a nulidade da sentença arbitral seja suscitada na impugnação ao cumprimento de sentença — sem que houvesse, nesse caso, a incidência da decadência.

Duas vias

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, explicou que a declaração de nulidade da sentença arbitral pode ser pleiteada, judicialmente, por duas vias: por meio de ação declaratória de nulidade de sentença arbitral (artigo 33, parágrafo 1º, da Lei 9.307/1996) ou mediante impugnação ao cumprimento de sentença arbitral (artigo 33, parágrafo 3º, da Lei 9.307/1996).

Segundo Nancy Andrighi, se a invalidação for requerida por meio de ação própria, há a imposição de prazo decadencial. "Esse prazo, nos termos do artigo 33, parágrafo 1º, da Lei de Arbitragem, é de 90 dias. Sua aplicação, reitera-se, é restrita ao direito de obter a declaração de nulidade devido à ocorrência de qualquer dos vícios taxativamente elencados no artigo 32 da referida norma", acrescentou.

Dessa forma, observou a magistrada, embora a nulidade possa ser suscitada em sede de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, se a execução for ajuizada após o decurso do prazo decadencial da ação de nulidade, a defesa da parte executada fica limitada às matérias especificadas pelo artigo 525, parágrafo 1º, do CPC, sendo vedada a invocação de nulidade da sentença com base nas matérias definidas no artigo 32 da Lei 9.307/1996.

Cerceamento de defesa

No caso julgado, segundo a relatora, a ação de cumprimento de sentença arbitral foi ajuizada após o decurso do prazo decadencial de 90 dias, fixado para o ajuizamento da ação de nulidade de sentença arbitral.

Além disso, destacou a ministra Nancy Andrighi, a recorrente suscitou a nulidade da sentença arbitral em razão de suposto cerceamento de defesa, tendo fundamentado o seu pedido no artigo 32, VIII, da Lei 9.307/1996.

Entretanto, ao manter o acórdão do TJSP, a magistrada destacou que o cerceamento de defesa não é uma das hipóteses previstas no parágrafo 1º do artigo 525 do CPC/2015, o que impede o reconhecimento da validade da impugnação à sentença arbitral. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

REsp 1.900.136

 

Fonte: Conjur, de 9/8/2021

 

 

Incorporação de empresas estatais

Por Bruno Lopes Megna, Bruna Tapié Gabrielli e Laura Baracat Bedicks

Em agosto de 2021, foram concluídos os atos societários de incorporação da Imprensa Oficial do Estado S.A. (IMESP) pela Companhia de Processamento de Dados de São Paulo (PRODESP), ambas empresas estatais (da espécie “empresa pública”[1]) controladas pelo estado de São Paulo (portanto, integrantes da Administração Pública estadual indireta).

A Procuradoria Geral do estado de São Paulo (PGE/SP) atuou no processo por meio de sua Assessoria de Empresas e Fundações, responsável pela representação do Estado em assembleia de acionistas (artigo 3º, XVI, Lei Complementar estadual 1.270/2015) e pelo assessoramento jurídico do Conselho de Defesa de Capitais do Estado (CODEC) e da Comissão de Política Salarial (CPS), (que coordenam assuntos relacionados a entidades de natureza empresarial no âmbito da Administração estadual), ao lado de advogados, técnicos e gestores das companhias incorporada e incorporadora.

Tal alteração societária foi autorizada pela Lei estadual nº 17.056, de 5 de junho de 2019, decorrente do primeiro projeto de lei encaminhado no atual mandato do Executivo paulista ao Poder Legislativo (Projeto de Lei nº 1 de 2019) e regulamentada pelo Decreto estadual nº 64.418, de 28 de agosto de 2019 (artigos 13 e 14).

A operação foi, ainda, submetida ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que concluiu pela sua aprovação, sem ressalvas, nos seguintes termos:

“considerando (i) que a operação entre as partes (empresas pertencentes majoritariamente, como visto, à Fazenda do Estado de São Paulo, e, consequentemente, controladas pelo Poder Executivo Estadual [sic], sendo os demais acionistas, minoritários, também empresas integrantes da estrutura do estado) representa uma mera reorganização da máquina estatal, sem qualquer alteração de controle, envolvendo apenas empresas da Administração Pública do Estado de São Paulo, de forma que não há entrada ou saída de acionistas nas empresas envolvidas na incorporação, e (ii) a ausência de sobreposição horizontal e integração vertical”.[2]

Por se tratar de empresas estatais constituídas na forma de sociedades por ações, foi obedecido o trâmite para incorporação de sociedades previsto na Lei federal nº 6.404/1976 – “Lei das S/A” (artigos 226 a 227) e na recente Instrução Normativa DREI nº 81/2020, do Departamento de Registro Empresarial e Integração.

Nestes termos, cada empresa realizou uma primeira Assembleia Geral Extraordinária, em que, ouvidos os respectivos Conselhos de Administração e Fiscal, os acionistas aprovaram o “Protocolo e Justificação” e autorizaram os administradores a praticarem os atos necessários à incorporação, bem como, no caso da incorporadora, aprovaram a nomeação do perito responsável pelo laudo de avalição do patrimônio da sociedade a ser incorporada e do aumento de capital a ser subscrito e realizado pela incorporada mediante versão do seu patrimônio.[3]

Em segunda data de Assembleias Gerais Extraordinárias, foram ratificadas as providências realizadas e aprovado o laudo de avaliação, extinguindo-se, assim, a empresa incorporada (artigo 227, Lei 6.404/1976).[4]

Finalmente, foi consolidada nova versão do estatuto social, de modo que a “nova” PRODESP, à qual se incorporou a IMESP, passa a se organizar por novo regimento que, de acordo com os planos de negócios da companhia, atualizados em vista da incorporação, refletirá a estrutura decorrente da incorporação, a qual busca sinergia na realização conjunta de atividades de interesse público antes desenvolvidas separadamente, como a publicação do Diário Oficial do Estado, a manutenção de bancos de dados (data centers) que servem à Administração estadual e a gestão relacionada ao programa “Poupatempo”.[5]

Trata-se de inédita operação entre empresas estatais, que demandou o enfrentamento não só de questões societárias tipicamente presentes em incorporações entre pessoas jurídicas de direito privado, mas também preocupações típicas de direito público, como a reorganização dos quadros de empregados concursados, consolidação de estatutos com objetos determinados por lei, entre outras. Esse entroncamento entre ramos de direito público e privado faz da operação um precedente especial.

[1] Conforme definição trazida pela Lei federal nº 13.303/2016, consideram-se empresas “públicas” aquelas cujo capital social é integralmente detido por pessoas jurídicas de direito interno ou por entidades da administração indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (artigo 3º, parágrafo único), de modo que a participação acionária de uma empresa estatal em outra empresa estatal não a torna uma “sociedade de economia mista”, pois, apesar da natureza de direito privado daquela acionista, trata-se de ente da Administração Pública indireta, enquadrando-se assim, nos termos da lei, na espécie empresa “pública”.

[2] SEI 08700.005550/2020-91.

[3] Cf. Diário Oficial do Estado de 18/2/2021 e 26/2/2021.

[4] Cf. Diário Oficial do Estado de 4/8/2021.

[5] Cf.: .

BRUNO LOPES MEGNA – Procurador do Estado de SP (Assessoria de Empresas e Fundações – Coordenador). Mestre e doutorando em Direito Processual (USP).

BRUNA TAPIÉ GABRIELLI – Procuradora do Estado de SP (Assessoria de Empresas e Fundações). Mestre em Direito Econômico e Financeiro (USP). LLM – Master of Laws (London School of Economics – LSE).

LAURA BARACAT BEDICKS – Procuradora do Estado de SP (Assessoria de Empresas e Fundações). Mestre em Direito Constitucional (USP).


Fonte: JOTA, Advocacia Público em Estudo, de 6/8/2021

 

 

Elisão do ITCMD mediante desnacionalização de patrimônios

O tributo brasileiro sobre heranças e doações, chamado “imposto sobre transmissões causa mortis e doações” (ITCMD), tem espaço para reforma. São diversos os seus problemas: sua alíquota, limitada a 8% pela Resolução nº 9/1992 do Senado Federal e frequentemente instituída pelos estados em patamares inferiores a esse limite, é baixa para padrões internacionais; em muitos estados, o imposto não é progressivo e apresenta isenções baixas, onerando pesadamente sujeitos passivos de menor capacidade contributiva; sua administração passa por problemas de quantificação do patrimônio transmitido e liquidez.

Encabeçando a lista de fragilidades, em especial quando se trata da tributação de grandes patrimônios, está um problema propriamente jurídico, que agora ganha um novo capítulo a partir da decisão do STF no RE nº 851.108, em 2021: é razoavelmente fácil para grandes contribuintes evadir-se licitamente do imposto por meio da desnacionalização de seu patrimônio. O que isso implica para a política tributária do Estado brasileiro, e como suas advocacias públicas podem participar desse debate?

Este artigo pretende explorar essa questão a partir do julgamento do referido RE nº 851108 (tema nº 825) pelo STF, sob a sistemática da repercussão geral, apresentando-o como um desafio dos órgãos de advocacia pública envolvidos, e relacioná-lo criticamente com a política de tributação sobre herança em geral.

Primeiro, descreverei sucintamente o caso e a decisão de mérito, destacando a atuação da PGE-SP. Em segundo lugar, argumentarei que, embora a tese firmada pelo Plenário na ocasião abra espaço para elisão fiscal, o Estado brasileiro tem à sua disposição remédios já acessíveis para coibi-la, e que os órgãos de advocacia pública podem vir a desempenhar um papel proativo em sua implementação.

Principio pela decisão do STF. O título escolhido para o tema de repercussão geral foi “possibilidade de os Estados-membros fazerem uso de sua competência legislativa plena, com fulcro no art. 24, § 3º, da Constituição e no art. 34, § 3º, do ADCT, ante a omissão do legislador nacional em estabelecer as normas gerais pertinentes à competência para instituir o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis ou Doação de quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, nas hipóteses previstas no art. 155, § 1º, III, a e b, da Lei Maior.”. O texto constitucional mencionado é o seguinte:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

§ 1º O imposto previsto no inciso I:

(…)

III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;

No caso selecionado como representativo da controvérsia, tratava-se de sucessão testamentária, em que o de cujus, residente na Itália, havia indicado brasileira residente no Brasil como sucessora de imóvel e saldo monetário (em euros) situados na Itália.

Entendendo caracterizado o fato gerador, e respaldada em lei estadual[1], a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo procedeu ao lançamento do ITCMD incidente sobre a transmissão de ambos os bens. A sucessora impetrou mandado de segurança contra esse ato, alegando, essencialmente, que, não tendo sido editada a lei complementar a que alude o art. 155, § 1º, III da CF, seria inconstitucional lei estadual instituidora do imposto. A ordem foi concedida e o apelo da PGE-SP foi desprovido. Contra o acórdão, foi interposto o RE em questão.

Ao longo do processo, a PGE-SP sustentou o argumento de que a ausência de edição da lei complementar aludida pela norma constitucional não constitui fator obstativo ao exercício da competência tributária pelos estados e pelo Distrito Federal. Na verdade, a norma do art. 34, §§ 3º e 4º do ADCT[2] sugeriria que, na ausência de lei complementar, os estados e o Distrito Federal disporiam de competência legislativa plena para instituir o tributo.

No acórdão, prevaleceu, no mérito, o entendimento do ministro relator Dias Toffoli, que acolheu a tese da contribuinte. O ministro destacou, também, preocupações com bitributação que poderia advir caso o Estado italiano também fizesse incidir imposto sobre a transferência. A tese fixada foi a seguinte: “é vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.

A minoria dissidente, porém, foi expressiva, tendo contado com os votos dos ministros Alexandre de Moraes, que abriu a divergência, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Gilmar Mendes. Além de acolher a tese da competência plena, o ministro Alexandre de Moraes entendeu não haver possibilidade de conflito de competências, “haja vista que aos Estados compete apenas instituir o tributo nas hipóteses em que houver alguma conduta dentro de seu território”.

Um primeiro aspecto do acórdão a ser destacado é o fato de que, ao votar pela modulação parcial dos efeitos, o ministro relator citou expressamente a estimativa de perda fiscal elaborada pelo Estado de São Paulo. O Estado projeta que a decisão, caso não modulada, implicaria impacto de R$ 5.418.145.428,86, abrangendo perdas em crédito tributário e em lançamentos nos 5 anos futuros.

A decisão do STF parece correta, na medida em que não se podia falar, antes do julgamento do RE, em jurisprudência predominante sobre o tema no STF, o que atrai a incidência do art. 927, § 3º do CPC[3].

O fornecimento de elementos fáticos que indiquem consequências graves de decisões não moduladas, porém, parece ser um fator decisivo de convencimento da Corte, em especial em casos envolvendo fazendas públicas. É salutar, portanto, que esse tipo de expediente seja adotado em geral pela administração pública em juízo perante o tribunal.

Um segundo ponto relevante é que não houve pedidos de ingresso de nenhum ente na condição de amicus curiae, o que é incomum no caso de grandes processos decididos em sede de repercussão geral.

Se, por um lado, uma das explicações possíveis para isso é o fato de que a perda de arrecadação para estados individuais não chega a ser astronômica – embora, como mostrou a PGE-SP, possa, sim, alcançar cifras bilionárias –, é preciso atentar para o fato de que a atuação de terceiros na repercussão geral depende da observação ativa do tribunal pelos corpos de advocacia (privada e pública) interessados.

Como Marinoni e Fortes já defenderam neste JOTA, a repercussão geral no STF apresenta algumas deficiências em termos de porosidade e mobilização democrática, o que demanda, em especial da AGU e das PGEs, uma postura de acompanhamento enérgico da pauta do STF.

Na AGU, há, inclusive, uma divisão dedicada inteiramente à repercussão geral, que conta, inclusive, com a atividade de acompanhamento diário dos temas de repercussão geral julgados pelo Plenário Virtual, inclusive com análise individualizada acerca da conveniência de intervenção da União como amicus curiae. Esse tipo de sistema é salutar e deveria ser adotado também pelas PGEs (e possivelmente algumas PGMs) que contem com estrutura administrativa capaz de sustentá-lo.

Ainda sobre o acórdão, é relevante mencionar que pendem de julgamento embargos de declaração opostos tanto pelo Estado de São Paulo quanto pela contribuinte impetrante. Os recursos tratam, porém, exclusivamente da modulação dos efeitos, de modo que precluiu o direito de impugnar a decisão de mérito. Os embargos foram incluídos em julgamento virtual, que foi no entanto suspenso por pedido de vista do ministro Roberto Barroso.

À luz da tese fixada, como fica, afinal, a tributação de heranças e doações de brasileiros no exterior? E por que isso é um problema relevante para advogados públicos?

É inegável que a decisão do STF abre margem para um mecanismo bastante simples e razoavelmente acessível de elisão fiscal. Qualquer contribuinte que deseje deixar de pagar o ITCMD sobre ativos móveis pode primeiro expatriá-los, depois transmiti-los, inclusive a donatário, legatário ou herdeiro domiciliado no Brasil, sem que incida sobre a operação qualquer tributo no Brasil.

É verdade que muitos bens não podem ser simplesmente deslocados para fora do país, como muitos títulos mobiliários e imóveis, mas, nesses casos, é em tese possível a liquidação do bem e a subsequente expatriação do numerário resultante. Note-se que essa operação, além de completamente lícita, prescinde de mecanismos mais sofisticados de elisão, que poderiam demandar serviços caros de planejamento sucessório. Os custos envolvidos são apenas aqueles decorrentes da expatriação do patrimônio.

A existência desse mecanismo é problemática ainda que não seja a única à disposição de grandes contribuintes, exatamente porque sua relativa facilidade tende a induzir um número maior de patrimônios a escapar do imposto. Mas essa e outras formas de elisão e elusão têm solução.

Ao contrário do que se pode imaginar, muitas formas de elisão e elusão fiscal que envolvem operações internacionais podem ser combatidas por meio de instrumentos jurídicos já à disposição dos Estados-nacionais. Um recente relatório da OCDE, que exorta seus membros a levar mais a sério a tributação sobre heranças, apresenta alguns desses instrumentos, como mecanismos bilaterais de compartilhamento de dados fiscais, que tornam acessíveis às receitas federais nacionais informações sobre patrimônio de contribuintes no exterior.

Nos termos do relatório, “o progresso recente feito em transparência fiscal internacional aumentou expressivamente a capacidade dos países de tributar capital de maneira eficaz. Acordos de troca de informação, assim como outras formas de cooperação sobre a troca de informação a pedido (EOIR, em inglês) e automaticamente (AEOI, em inglês), reduzem oportunidades de evasão fiscal. Esses padrões significam que informação sobre ativos financeiros estrangeiros agora é compartilhada por autoridades fiscais globalmente, tornando mais difícil para os contribuintes escapar de tributação ocultando seus ativos no exterior”[4].

Soluções envolvendo cooperação internacional, no entanto, nem chegam a ser necessárias no caso em análise: esgotada a via judicial, basta ao Brasil a edição de Lei Complementar a que alude o art. 155, III da Constituição para que os estados possam voltar a tributar heranças e doações no exterior.

Embora não seja exatamente fácil sob a perspectiva política, essa medida é de uma simplicidade jurídica ímpar. Já há, inclusive, projeto de lei complementar em tramitação com essa finalidade: PLC nº 363/2013, de autoria da deputada Erika Kokay, que, entre outras disposições, autoriza os estados e o Distrito Federal à instituição do ITCMD “nos casos em que houver conexão relevante com o exterior”.

Embora a arena mais importante para esse debate seja a do Legislativo, é inegável que advogados públicos têm um papel a desempenhar. Adotando a perspectiva de que a advocacia pública pode ocupar um espaço de protagonismo institucional no Estado brasileiro, é possível e salutar que PGEs, ao tomar ciência formal da decisão do STF no Tema nº 825, encaminhem expedientes no âmbito dos respectivos entes para sugerir o empenho dos chefes do Executivo em encaminhar proposições legislativas no Congresso Nacional como o PLC nº 363/2013.

Procuradorias têm atributos, aliás, que permitem sua transformação em uma boa sede para operar essa interlocução entre Judiciário (como responsável pela decisão em questão), Executivo (como motor da mudança institucional à luz da decisão judicial, nesse caso) e Legislativo (como poder responsável por operar a mudança).

A interlocução entre Judiciário e Executivo já está, hoje, no cotidiano das procuradorias brasileiras, em toda a sua atividade contenciosa e boa parte da consultiva. O passo a ser dado para aumentar a porosidade em relação ao Legislativo depende do estabelecimento de vínculos institucionais mais ativos em relação às câmaras de vereadores, assembleias legislativas e Congresso Nacional, que encurtem o percurso político entre as demandas da administração e o Parlamento.

Em conclusão, como defendi em outros espaços, tributar heranças deveria ser uma prioridade nacional, já que em tese atende às demandas de um amplo segmento do espectro ideológico.

Para além de medidas que envolvem o redesenho do imposto, modificando alíquotas e isenções, o fechamento de “buracos” (loopholes) é de especial urgência. Compete, então, ao Congresso Nacional dar atenção ao tema, e aos estados e ao Distrito Federal, principais interessados, acionar seus representantes no Parlamento para que se voltem a ele.

Conselho Editorial:

Clarice Calixto – Doutora em Direito pela FD/UnB

Douglas Zaidan – Doutor em Direito pela FD/UnB

Gilda Diniz – Doutoranda em Direito pela FD/UFG

Renata D´Ávila – Mestra em Direito pelo CEAM/UnB

Victor Cravo – Doutor em Direito pela FD/UnB


Fonte: JOTA, Observatório da Advocacia Pública, de 9/8/2021

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