8/7/2021

STF invalida regras que estabeleciam restrições em concursos de serventias extrajudiciais em SP

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão virtual encerrada em 25/6, julgou parcialmente procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 305 para declarar que dispositivos da Lei Complementar 539/1988, do Estado de São Paulo, que dispõe sobre o provimento de serventias extrajudiciais, não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988.

Autor da ação, o partido Avante (antigo Partido Trabalhista do Brasil - PTdoB) apontava violação ao princípio da isonomia e à regra do concurso público para ingresso na atividade notarial e de registro.

Lei dos Cartórios

Por unanimidade, o colegiado acompanhou o entendimento do relator, ministro Gilmar Mendes. Ele explicou, inicialmente, que o constituinte de 1988 remeteu ao legislador federal o dever de regulamentar os serviços notariais e de registro e que a matéria foi regulamentada pela Lei dos Cartórios (Lei federal 8.935/1994).

Segundo Mendes, o inciso II do artigo 7º da lei paulista, ao limitar o provimento de cargo inicial da carreira aos candidatos que tenham entre 21 e 40 anos de idade, estabelece condição restritiva não prevista na Lei dos Cartórios. "Não se percebe, na legislação federal, qualquer limitação etária para a realização de serviços notariais e de registro, como o fez a lei do Estado de São Paulo", constatou. Além disso, lembrou que o STF tem entendimento no sentido da impossibilidade de os estados regularem ingresso e remoção nos serviços notariais e de registro (artigo 236 da Constituição).

Também para o relator, o artigo 8º, parágrafo 1º, inciso II, que permite que o escrevente de serventia extrajudicial concorra ao provimento de cargo por concurso de remoção, não foi recepcionado pela Constituição da República. Mendes observou que o escrevente é um preposto que exerce cargo de confiança do notário ou do tabelião e não é, portanto, servidor público em sentido estrito.

Por não haver a necessidade de realização de concurso público para o preenchimento do cargo, também não haveria justificativa para o direito de concorrer ao provimento por concurso de remoção. Ele lembrou, ainda, que o dispositivo garante abrangência maior ao concurso de remoção previsto na lei federal, que restringe essa modalidade de certame aos serventuários titulares.

Constitucional

Por outro lado, o artigo 8º, parágrafo 1º, inciso I, na avaliação do ministro, está em consonância com o ordenamento jurídico vigente. O partido alegava que o dispositivo restringe a concorrência ao provimento do cargo de titular de serventia extrajudicial apenas aos serventuários do Estado de São Paulo. Ocorre que o concurso de acesso a que se refere a legislação paulista, segundo o relator, equivale ao concurso de remoção. "Não há de se cogitar, portanto, de violação a princípios fundamentais quando a lei estadual restringiu a concorrência, no concurso de remoção, aos titulares presentes no Estado de São Paulo", concluiu.

A decisão foi unânime. O ministro Edson Fachin não participou do julgamento por ter declarado sua suspeição.

 

Fonte: site do STF, de 7/7/2021

 

 

Paulo Guedes admite mudanças na proposta original da reforma administrativa

O ministro da Economia, Paulo Guedes, concordou com algumas mudanças que o relator, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), pretende fazer na proposta de reforma administrativa (PEC 32/20). Guedes compareceu presencialmente nesta quarta/feira (7) na comissão especial da Câmara sobre o tema, no último dia para a apresentação de emendas parlamentares à proposta original do governo federal.

Uma das mudanças sugeridas pelo relator é quanto à adoção do conceito de carreiras exclusivas de Estado, em vez da expressão “típicas de Estado”. Guedes lembrou que existem cerca de 270 carreiras no serviço público e citou algumas que considera exclusivas. “Embaixador, membros das Forças Armadas, do Judiciário e do Legislativo: são Poderes ou carreiras típicas. E, mais do que típicas, exclusivas. Então, são realmente especiais e, por isso, temos que garantir que os serviços também sejam de alta qualidade. Nós não mandamos [o texto] dizendo que é a carreira A ou B: isso vai ser definido pelo próprio Congresso”, explicou.

Ao afirmar que “não há dogmatismo” do governo quanto à reforma, o ministro também disse concordar com a retirada de artigos que levem à ampliação dos cargos comissionados no serviço público. O relator Arthur Oliveira Maia justificou a mudança. “As pessoas, muitas vezes, ficam fazendo analogias com casos que acontecem na política brasileira, em que A ou B faz indicações de cargo de confiança para malversar com o dinheiro público: isso aqui realmente é um ponto que estará fora do nosso relatório”, ressaltou.

Em quase cinco horas de debates, Paulo Guedes negou a intenção de fragilizar o serviço público e garantiu que não se referia aos servidores quando usou expressões como “granada no bolso” e “parasitas”. Também afirmou que o governo tem um “pacto pela preservação dos direitos adquiridos” dos atuais servidores, mas com foco na adoção de novas tecnologias para, segundo ele, modernizar e melhorar a qualidade dos serviços.

“A minha visão era de uma reforma realmente radical, mas, quando você chega aqui, você vai ver que é um mundo que tem suas regras e ordenamentos. Então, você começa a compreender que não precisa mexer no passado. É recalibrar o futuro: então, se você botar tecnologia, o número de atendimentos vai aumentar muito e o salário pode ser maior porque a produtividade está maior”, ponderou.

O ministro da Economia concordou que a estabilidade dá segurança na atuação do servidor público, mas defendeu padrões específicos de avaliação para cada carreira. “Nós garantimos a estabilidade de todo o funcionalismo que existe hoje, mas queremos construir, em cima dessa base, um regime ainda melhor. Agora, não basta o jovem fazer o concurso e, no dia seguinte, ter a estabilidade. Ele vai ser avaliado e, então, cada carreira exclusiva de Estado vai dizer o método de avaliação. E aí vamos redesenhar essa carreira exclusiva de Estado.”

Melhoria

Ao lado do ministro, o relator Arthur Oliveira Maia adiantou que seu parecer sobre a reforma administrativa deve focar mais na melhoria do serviço público do que em “eventuais economias fiscais”. Também pretende privilegiar mais “a gestão de desempenho do que a avaliação de desempenho”. Segundo Maia, isso vai permitir “visão estratégica da organização administrativa e do desenvolvimento do servidor”. O relator ainda sinalizou o caminho que pretende tomar em relação à regulamentação do regime jurídico do serviço público.

“Nós temos que avançar em relação ao Regime Jurídico Único e penso que é ruim termos vários regimes jurídicos. Para isso, temos que tratar com muito cuidado qual vai ser o regime do contrato por tempo determinado, aprimorar essa questão do vínculo de experiência e incentivar, no âmbito da reforma, uma política de liderança”, afirmou.

Pouco debate

A audiência na Comissão Especial da Reforma Administrativa foi solicitada por vários deputados da oposição que reclamaram de pouca oportunidade de debate com Paulo Guedes em reunião anterior sobre o tema, na Comissão de Constituição e Justiça.

O deputado Rui Falcão (PT-SP) se queixou das diferentes projeções já apresentadas pelo governo quanto aos impactos financeiro, fiscal e orçamentário da reforma. Em resposta ao deputado, Guedes previu uma economia de R$ 300 bilhões com a menor contratação futura de servidores, segundo cálculos do Ipea.

Já o deputado Ivan Valente (Psol-SP) avalia que a reforma administrativa apenas atende os interesses do mercado. “A PEC 35 é a desestruturação de carreiras. Isso pode trazer inclusive o aumento da corrupção e a facilitação da captura do Estado por agentes privados”, alertou.

Estabilidade

Vários deputados defenderam a manutenção da estabilidade no funcionalismo e lembraram que esse instrumento foi fundamental nos recentes casos de servidores da Polícia Federal e do Ministério da Saúde que denunciaram suspeitas de corrupção e de outras irregularidades no governo.

O coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público, deputado Professor Israel Batista (PV-DF), classificou a reforma de perversa. “O servidor público não tem medo de avaliação de desempenho. O servidor público só não aceita perseguição, só não aceita que todas as mazelas do serviço público sejam jogadas nas suas costas”, defendeu.

Por outro lado, o coordenador da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), disse que vai buscar um texto mais abrangente, com a inclusão de outros pontos. “O primeiro deles é a inclusão de todos os poderes nessa PEC. E entendo a discussão de não mexer nos vínculos dos atuais servidores, mas manter férias de 45 dias, licença-prêmio e progressão automática de carreira para os atuais servidores não faz sentido. Não existe privilégio adquirido”, criticou.

O presidente da comissão especial, deputado Fernando Monteiro (PP-PE), negou pedido de extensão de prazo para a apresentação de emendas à reforma administrativa. Segundo ele, as informações sobre os impactos financeiros da proposta, pedidas por alguns parlamentares, já estavam disponíveis desde o ano passado.

 

Fonte: Agência Câmara de Notícias, de 7/7/2021

 

 

A deslegitimação dos principais legitimados e a Lei de Improbidade Administrativa

Por Pedro Vasques Soares

Foi noticiada amplamente a aprovação pela Câmara dos Deputados, no dia 16.6.21, de texto-base de projeto de lei que altera a Lei de Improbidade Administrativa (PL 10887/2018). Diversas são as alterações a merecer atenção e, talvez, o pleno exercício do papel de sobriedade do Senado Federal na produção legislativa. Porém, não é pretensão aqui tocar todos os temas controversos.

Um ponto, de qualquer forma, precisa ser debatido com bastante profundidade, sendo-lhe direcionada a devida luz para se evitar as sombras da incompreensão: a deslegitimação do ente estatal na defesa do seu patrimônio e da probidade na Administração Pública.

Para além da superficial motivação pessoal/funcional, uma vez que Advogado da União com exercício nas atribuições relativas à defesa da probidade, incluindo Acordos de Leniência, interessa escrever sobre o tema para que os argumentos postos sejam claros para os decisores e a solução adequada, ou mais adequada, ao sistema existente.

Acompanhando o PL desde sua propositura, passando pela “Comissão Especial de Juristas” e até os debates em audiências públicas na Câmara, parece-me que a questão da legitimidade do ente estatal na defesa da probidade, como sujeito ativo da ação judicial respectiva, não teve a melhor acolhida no texto aprovado.

Em suma, optou-se por excluir o próprio ente estatal da via judicial de defesa de seu patrimônio e da probidade em suas “entranhas” ante; e este o argumento (publicizado); o risco de “uso político” da ação de improbidade pelos novos gestores dos entes estatais eventualmente lesados.

E é só.

Durante as audiências públicas (também em entrevistas relacionadas ao tema), parlamentares retrataram “abusos”, “excessos”, com o uso da ação de improbidade por Municípios (e estes os únicos exemplos), de forma exclusivamente “política”, com intuito de “vingança” contra o gestor anterior vencido em pleito eleitoral.

Temos, pois, um argumento que retrata um problema, ou risco, de execução potencialmente abusiva da legitimidade fixada em lei, por parte de entes federativos locais (em especial de menor dimensão orçamentária e estrutural), não dotados (justamente por tais características) de advocacia pública institucionalizada, com representantes “concursados” de vínculo permanente.

De início, é intuitiva a percepção de que abusos (no exercício da legitimidade) devem ser impedidos pelo controle judicial, vez que a distorção de texto legal não teria, parece-me, solução mais racional e adequada em alteração normativa generalizada.

Tais abusos de execução, ainda, podem apresentar variáveis diversas como causa, e não somente a leitura fria da lei, em especial considerando-se o contexto social, político e institucional existente. A exemplo, a “sensação de falta de controle”, a “percepção de poder absoluto” , a constatação de falta de estrutura permanente, poderiam ser mais determinantes à distorção normativa do que a existência ou falta de alguma expressão na lei, o que reforça dúvidas quanto a, ao menos neste ponto da legitimidade, identificar-se a exclusão legislativa da legitimidade de todos os entes estatais como resposta mais adequada ao problema do abuso local narrado.

Na ação estratégica n. 6 da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA)[1] de 2016, por exemplo, constatou-se que advocacias públicas de âmbito local, municipal, ou de fato não existiam ou existiam de forma precária em termos estruturais, com exceção das capitais dos Estados, o que se apresentava como barreira à atuação especializada e permanente no combate à corrupção. Por outro lado, a maior institucionalização da representação judicial do ente público federativo, a exemplo do âmbito federal, de Estados e maiores capitais, indicava menor suscetibilidade, pois, à atuação desvirtuada ou abusiva da lei de improbidade administrativa, ante maiores e melhores controles internos, menor alteração de cargos ou gestão e menor relevância da vontade estritamente governamental para a manutenção no exercício da atribuição de representação do ente.

A Advocacia-Geral da União (AGU), vale destacar, está organizada, estruturada e com bastante vontade, há muito, de atuar de forma especializada e permanente na defesa do patrimônio e no combate à improbidade administrativa, o que já foi inclusive reconhecido publicamente diversas vezes, ressaltando-se o Prêmio INNOVARE de 2011[2], e apresentando como resultado, dentre diversos outros, a central atuação nos denominados Acordos de Leniência, em cooperação permanente com a Controladoria-Geral da União[3] e com, hoje, 15 acordos celebrados, mais de R$ 15.300.000.000,00 (quinze bilhões e trezentos milhões de reais) em títulos executivos e mais de R$ 5.200.000.000,00 (cinco bilhões e duzentos milhões de reais), em efetiva recuperação.

Não por menos, e ainda no âmbito da ENCCLA, as ações estratégicas n. 03/2017, n. 01/2018 e n. 09/2019, dentre várias outras, tiveram contribuição efetiva da organizada advocacia pública de âmbito federal, inclusive decorrente da especialização, já decenal, da atuação para fins da lei de improbidade administrativa.

Perceptível, então, a importância do contexto no ambiente de eventual “abuso” do exercício de uma lei, razão pela qual essencial trabalhar-se soluções que o considerem para que efetivamente os excessos sejam afastados, evitados, e não estimulados. É que não parece existir “lei” imune ao abuso ou ao desvirtuamento em seu exercício, servindo os fenômenos denominados como “ativismo judicial” ou o próprio “apagão das canetas” como exemplos.

E o ambiente de órgãos de controle não é diferente. A ciência política trata o ambiente das instituições públicas de combate à corrupção como ambiente de rede, de múltiplas agências de accountability horizontal, ainda que o cluster organizacional apresente falhas de cooperação e articulação.[4]

E aqui o ponto central do que se busca trazer à luz: o modelo ideal de múltiplas agências em cooperação e articulação, mas principalmente em recíproco controle, é bruscamente rompido, ou de fato inviabilizado[5], quando ocorre a anomalia sistêmica de hipertrofia institucional, ante o desmantelamento de ente colegitimado para tal atribuição de controle, combate à corrupção e defesa da probidade.

Ou seja, a exclusão da legitimidade do ente público na defesa da probidade não só não parece ser a medida mais adequada ante o problema identificado como parece gerar um problema absolutamente maior, este sim sistêmico, de desequilíbrio de ambiente em rede.

Na seara da ação de improbidade administrativa, não parece ser o monopólio o caminho que evitará abusos… É o “não-monopólio”, são instituições com papéis definidos para responsabilizações recíprocas que permitiriam o controle recíproco e um ambiente com tais características é que teria a menor pré-disposição ao abuso. O ambiente monopolizado, de ente hipertrofiado, é “adubo” do abuso.[6]

Eis que, pois, a solução pensada, e proposta ao Senado Federal pela Câmara dos Deputados, como aquela capaz de se impedir abusos no exercício da legitimidade por entes federativos de advocacia pública não institucionalizada será verdadeira pavimentação do exercício abusivo da ação em razão do monopólio de tal atribuição. E não porque tenha o Parquet (ente legitimado extraordinariamente para tal ação) rotineiros episódios de exercício politicamente abusivo da ação de improbidade, longe disso (ante sua formatação e estruturação institucional atual)! E sim porque a modelagem institucional desequilibrada, o arranjo de atribuições não harmônico, a médio ou longo prazo, resultará “naturalmente” em exercício abusivo.

Para além, cabe trazer aqui 3 (três), justificativas apresentadas na Comissão Especial de Juristas, também na Comissão Especial no âmbito da Câmara, que representariam os ‘pilares” do PL 10887/2018[7]: i – incorporar jurisprudência atualizada do Superior Tribunal de Justiça -STJ; ii – compatibilizar a lei de improbidade administrativa com novas leis – exemplo a lei 12.846/13 e; iii – inovação para corrigir pontos sensíveis.

No que concerne a questão da legitimidade ativa do ente público para ajuizar a ação de improbidade administrativa, vale destacar que não localizamos nenhum julgado do STJ a decidir por sua inexistência ou mesmo inconveniência. Em verdade, até pela posição de legitimado ordinário na defesa de seu patrimônio, o que se discutiu, em doutrina e jurisprudência, quando dos primeiros anos da Lei de Improbidade, foi a legitimidade extraordinária do Parquet em tal mister. Vide enunciado 329 da Súmula do próprio STJ:

“O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público”.

Quanto à coerência normativa, a proposta caminha em sentido absolutamente contrário ao microssistema anticorrupção, ante previsão da lei 7347/85 e, em especial, da recente Lei 12.846/2013, que, em seu art. 19, é expressa em sentido oposto ao texto aprovado. Vale citar:

“Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras”.

Não bastasse, o texto constitucional é expresso em determinar a atuação dos entes na defesa da probidade e do patrimônio público, inclusive por suas procuradorias, conforme art. 23, inciso I c/c art. 129, IX e § 1º da CF/88.

Quanto ao pilar inovação, parece evidente que tal não deveria justificar propostas que viessem a contrariar frontalmente os demais pilares, em princípio. De qualquer forma a “novidade” deve se fundar ou justificar em potencial contribuição ao sistema anticorrupção, o que, como visto, também não é o caso.

No âmbito da Comissão Especial de Juristas[8], quanto à justificativa da “inovação”, tangenciadas ainda 2 (duas) premissas: Premissa 1 – Legitimidade exclusiva como decorrência da natureza sancionatória da lei e; Premissa 2 – Legitimidade exclusiva como decorrência da busca de racionalização e da solução consensual como opção.

Entretanto, as premissas parecem equivocadas, data máxima vênia.

Invertendo-se a ordem de análise, é de se verificar que a Premissa 2 parte da busca por racionalização com a exclusão do legitimado ordinário, seja para a ação ou seja para solução consensual e, inclusive, para o qual há expressa determinação constitucional de atuação, como aqui visto! E mais, tudo isso em ambiente de rede… Não bastasse, o resultado não implicará racionalização no microssistema anticorrupção, pois o ente estatal continuará legitimado nos termos das leis 7.347/85 e 12.846/13 para outras medidas judiciais que poderão gerar reflexos no fluxo de informações e compartilhamentos entre instituições.

A Premissa 1 não parece ter melhor sorte. É que não existe monopólio da sanção pelo Parquet! No âmbito civil, disciplinar administrativo e até penal, com a ação penal subsidiária, o ente pode e deve atuar na defesa do patrimônio público, na defesa da probidade e na responsabilização por atos de corrupção! Todas essas atuações buscam justamente a aplicação de sanções! O fato de a lei de improbidade administrativa possibilitar a imposição de sanções por improbidade administrativa não tem o condão de impedir a atuação do ente estatal que, em juízo, é representado pela advocacia pública. Pelo contrário! É absolutamente coerente com a possibilidade de o mesmo ente buscar a aplicação em juízo das sanções previstas na lei 12846/13, ou administrativamente as sanções previstas na lei 8.112/90, ou ainda via CGU quanto a mesma lei 12.846/13, no âmbito do denominado PAR, ou ainda nas conhecidas atuações extrajudiciais do TCU, do CADE, por exemplo, também representados em juízo pela advocacia pública federal.

Por todo o exposto, a proposta de solução para os alegados abusos ou usos políticos locais da legitimidade da ação de improbidade, com a determinação de monopólio, parece apresentar-se não sistemática, não coerente com o ordenamento jurídico constitucional e, ainda, potencialmente viabilizadora de mais abusos.

Em sistema de freios e contrapesos, controles recíprocos e estruturação em rede devem ser incrementados, não desmantelados. Um Governo probo é direito e dever de todos, em especial dever dos entes públicos em ação. A legitimidade disjuntiva e concorrente, e porque não já até consagrada, para fins da lei de improbidade administrativa, é um dos grandes méritos da lei 8.429/92, pois viabiliza a soma de esforços institucionais e o incremento na capacidade de responsabilização do Estado, além de trazer equilíbrio ao ambiente das agências de controle.

Em aspectos práticos, a legitimidade restrita poderá gerar impunidade em virtude da forte incidência do risco prescricional e da manifesta incapacidade de vazão adequada dos inúmeros casos de improbidade. Para além, a restrição significa desprezar os resultados, por exemplo, trazidos pela Advocacia-Geral da União na última década.

Melhor trilha, pareceria, tivesse caminhado o texto pelo reforço à institucionalidade pública, com a exigência, por exemplo, de advocacias públicas estabelecidas, permanentes, com cargos acessíveis via concurso público, como requisitos de exercício da atribuição, o que não quer dizer necessariamente criar estruturas onde não há capacidade orçamentária de sua existência, mas sim viabilizar o exercício naqueles entes que, inclusive, já envidaram esforços e recursos para especializada atuação.

[1] Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro

[2] https://oglobo.globo.com/brasil/innovare-premia-as-melhores-inciativas-na-justica-em-2011-3455241.

[3] https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/responsabilizacao-de-empresas/lei-anticorrupcao/acordo-leniencia

[4] BEHN, Robert D. O novo paradigma da gestão pública e a busca de accountability democrática. Revista do Serviço Público, Brasília, ano 49, n. 4. Out.-Dez. 1998;

BERSCH, Katherine; PRAÇA, Sérgio and TAYLOR, Matthew M. State Capacity and Bureaucratic Autonomy Within National States: Mapping the Archipelago of Excellence in Brazil. Paper prepared for presentation at The Latin American Studies Association Conference Washington D.C. May 29 – June 1, 2013;

CARNEIRO, Ricardo. Transparência na gestão pública do Brasil contemporâneo: avanços institucionais e desafios administrativos. Revista de Gestión Pública, Santiago, v. III, n. 1, jan.-jun. 2014;

O ‘DONNELL, Guillermo. Accountability horizontal e novas poliarquias. São Paulo: Lua Nova, n. 44, 1998;

PINHO, José Antônio Gomes de; SACRAMENTO, Ana Rita Silva. Accountability: Já podemos traduzi-la para o português?. Revista de Administração Pública – FGV-EBAPE. Rio de Janeiro, nov./dez. 2009;

FILGUEIRAS, Fernando. A tolerância à corrupção no Brasil: uma antinomia entre normas morais e prática social. Opinião pública, Campinas, v.15, n.2, nov. 2009;

_________. Além da transparência: Accountability e Política da Publicidade. São Paulo: Lua Nova, 2011;

_________. República, confiança e sociedade. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, p. 863 a 897, v. 50, n. 4, 2007;

FILGUEIRAS, Fernando; ARANHA, Ana Luisa Melo. Controle da corrupção e burocracia da linha de frente: regras, discricionariedade e reformas no Brasil. DADOS – Revista de ciências sociais, Rio de Janeiro, v.54, n.2, 2011;

PO, Marcos Vinícius e ABRUCIO, Fernando Luiz Abrúcio. Desenho e funcionamento dos mecanismos de controle e accountability das agências reguladoras brasileiras: semelhanças e diferenças. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, jul. /ago. 2006

[5] FILGUEIRAS, Fernando; ARANHA, Ana Luisa Melo. Instituições de accountability no Brasil: mudança institucional, incrementalismo e ecologia processual. ENAP. CADERNOS – n. 44. 2016

[6] RICO (RICO, Bruno. O papel do controle interno no combate à corrupção: A experiência da Controladoria-Geral da União no Executivo Federal Brasileiro. In MOISÉS, José Álvaro II. O Congresso Nacional, os partidos políticos e o sistema de integridade: representação, participação e controle interinstitucional no Brasil contemporâneo. p. 137-157. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer Stiftung, 2014), partindo do mesmo pressuposto, ou seja, de que o combate à corrupção é fundamental aos Estados democráticos, também indica que “nenhum órgão ou poder deve concentrar todas as competências relacionadas ao combate à corrupção”, ante a desconfiança madisoniana frente ao risco da tirania, sendo necessária “sofisticada articulação entre estes diversos órgãos e Poderes”. (138)

[7] https://www.camara.leg.br/noticias/534528-comissao-de-juristas-que-discute-lei-de-improbidade-quer-incorporar-jurisprudencias-e-evitar-abusos/ ; https://www.camara.leg.br/noticias/547581-PROPOSTA-ATUALIZA-A-LEI-DE-IMPROBIDADE-ADMINISTRATIVA ; etc.

[8] https://www.conjur.com.br/2019-jan-20/entrevista-mauro-campbell-ministro-superior-tribunal-justica

PEDRO VASQUES SOARES – Advogado da União. Bacharel em Direito/UFMG. Mestre em Administração Pública/ Fundação João Pinheiro/MG. Ex-Coordenador-Geral de Defesa da Probidade da Procuradoria-Geral da União/AGU. Representante da Advocacia-Geral da União em diversos foros especializados no combate a corrupção entre 2016 e 2020, como Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Prevenção à Lavagem de Dinheiro - ENCCLA, Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção – CTPCC e Comitê Técnico do Comitê Interministerial de Combate à Corrupção- CICC. Ex-Vice Diretor da Escola da AGU.


Fonte: JOTA, de 7/7/2021

 

 

Resolução PGE - 19, de 7-7-2021

Altera a redação da Resolução PGE 68, de 11-10-2011, que disciplinou a implantação da Gratificação de Atividade Especial - GAE no âmbito da Procuradoria Geral do Estado

Clique aqui para o anexo


Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 8/7/2021

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