8/7/2020

Alesp aprova suspensão do IPVA de veículos novos durante pandemia e situações emergenciais

Com a suspensão dos atendimentos presenciais do Detran, em virtude da pandemia, os veículos novos não estão sendo emplacados, o que impossibilita o pagamento do IPVA desses automóveis. Para evitar multas nesses casos e outras situações excepcionais que possam surgir, a Assembleia Legislativa aprovou, nesta terça-feira (7/7), o Projeto de Lei 424/2020, de autoria do governador, que permite a prorrogação ou suspensão dos prazos de pagamento do imposto em situações extraordinárias. A aprovação do projeto se deu em sessão extraordinária da Alesp ocorrida em ambiente virtual presidida pelo deputado Cauê Macris (PSDB), presidente da Alesp, com 80 votos favoráveis e nenhum contrário.

De acordo com o projeto, caberá ao Secretário da Fazenda e Planejamento autorizar a suspensão ou prorrogação dos prazos do imposto. Não se trata de dispensa do pagamento do IPVA, e sim de adequação ao momento de pandemia.

Para a deputada Leticia Aguiar (PSL), o projeto é adequado. "Entendo ser um assunto muito importante para a população, haja vista esse período de calamidade pública". Porém, alguns parlamentares sugeriram que o assunto continue a ser debatido na Casa. Os deputados Sargento Neri (Avante) e Adalberto Freitas (PSL) haviam protocolado uma emenda de plenário onde pedem a prorrogação da taxa de vistoria semestral dos veículos de transporte escolar. "Esses profissionais estão sem trabalhar durante a pandemia", ressaltou Neri. Na prática, a votação do projeto original no dia de hoje ficaria suspensa. O líder do governo na Alesp, deputado Carlão Pignatari, solicitou aos autores a retirada da emenda e afirmou que solicitará essa prorrogação administrativamente ao presidente do Detran. "Eles não trabalharam no primeiro semestre. É um pleito justo", declarou Pignatari.

O projeto segue para sanção do governador.

 

Fonte: site da ALESP, de 7/7/2020

 

 

Desembargador do TJ-SP proíbe retomada de missas e cultos em Campinas

Por entender que a natureza do ato impugnado não é a de um simples ato administrativo secundário, o desembargador Carlos Bueno, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedeu liminar para proibir atividades religiosas presenciais em Campinas — decreto municipal autoriza essas atividades.

Pela decisão, a retomada de missas e cultos deve observar o tempo e o modo estabelecidos na legislação estadual. A liminar foi deferida em ação direta de inconstitucionalidade movida pela Procuradoria-Geral de Justiça contra parte do decreto que autorizava as atividades religiosas em Campinas.

"A pretensão contém plausibilidade jurídica, na medida em que, em princípio, houve usurpação de competência legislativa concorrente da União e do Estado, em matéria de saúde, pelo município de Campinas. Na atual conjuntura, a retomada, mesmo que parcial, de atividades que geram aglomeração, como as religiosas, poderá causar dano irreparável ou de difícil reparação aos direitos fundamentais à saúde e à vida", disse Bueno.

O desembargador destacou que, conforme o plano de flexibilização do isolamento social instituído pelo Governo de São Paulo, a cidade de Campinas está na fase 2, em que estão liberados apenas o atendimento presencial em shoppings e comércios de rua. As atividades religiosas serão permitidas na fase 3.

"Dessa forma, o ato normativo municipal alargou os serviços autorizados a funcionar, já estabelecidos por norma estadual, no exercício da competência concorrente para legislar sobre proteção e defesa da saúde, campo em que a competência do município se restringe a suplementar a legislação federal e estadual no que couber e desde que haja interesse local, artigos 24, XII, e 30, I e II, da CF/88", completou.

Além disso, segundo o relator, o afrouxamento das regras de isolamento social sem embasamento científico pode elevar o número de infectados, provocando "piora da situação sanitária, o oposto dos objetivos mais urgentes do momento atual: proteção à vida, à saúde e o combate ao coronavírus".

Processo 2152285-46.2020.8.26.0000

 

Fonte: Conjur, de 7/7/2020

 

 

Home office de servidores gera corte anual de gastos de até R$ 500 milhões

As discussões sobre a construção de um novo normal, em que as videoconferências prometem substituir boa parte das reuniões e viagens de trabalho, não estão em curso apenas na iniciativa privada. A administração pública federal também está atenta a essa possibilidade. Afinal, após mais de três meses de pandemia e home office, o governo percebeu que é possível manter os serviços públicos e a gestão da máquina pública com atividades parcialmente remotas e ainda economizar com isso. Por isso, estuda como manter parte dessa economia e já diz que o corte de gastos pode chegar a R$ 500 milhões por ano no pós-coronavírus.

Balanço da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia, ao qual o Correio teve acesso, explica que o governo federal economizou quase R$ 200 milhões só com deslocamentos e viagens a serviço nos últimos três meses. Esse gasto foi de R$ 265,2 milhões, entre março e maio de 2019, mas somou apenas R$ 65,5 milhões no mesmo período deste ano devido à necessidade de isolamento social e às restrições a viagens aéreas impostas pelo novo coronavírus. A redução foi de 75%. Por isso, por mais que saiba que as viagens vão voltar a ocorrer nos próximos meses, o governo quer manter parte dessa economia. “A pandemia mostrou que muitas agendas que demandavam viagens de servidores podem ser substituídas por reuniões virtuais. Já existe tecnologia para isso”, avalia o secretário de Gestão do Ministério da Economia, Cristiano Heckert.

Ele calcula que, mesmo mantendo as viagens essenciais, o governo pode reduzir de R$ 400 milhões a R$ 500 milhões os gastos anuais relacionados a viagens. Afinal, não é só a compra de passagens que diminui. Levantamento da Associação Contas Abertas revela que, além de reduzir custos com bilhetes aéreos, esses últimos três meses de isolamento social diminuíram em R$ 160,1 milhões os gastos da União com diárias; e em mais R$ 5,2 milhões as despesas com hospedagens.

Segundo o secretário, o governo está calculando quais são os outros gastos de custeio que também podem ser cortados com a nova lógica de trabalho apresentada pela pandemia. Mas o levantamento da Contas Abertas dá uma ideia de onde pode vir boa parte dessa economia, caso o governo reduza a frequência das viagens a serviço e também amplie o uso do trabalho remoto no pós-pandemia — possibilidade que, de acordo com Heckert, de fato está na mesa do Executivo.

A Associação Contas Abertas constatou um corte de R$ 40,4 milhões nos gastos do Executivo, do Judiciário e do Legislativo com mobiliário, além de uma diminuição de R$ 13,9 milhões com locação de imóveis; R$ 8,5 milhões, com material de consumo; e R$ 8,3 milhões, com material de expediente, entre março e maio deste ano. Também foram observadas reduções significativas nos pagamentos de auxílio-transporte (redução de R$ 34,1 milhões) e adicional de periculosidade (menos R$ 22 milhões).

Balanço da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia aponta que 79.641 servidores públicos federais civis seguiam trabalhando de casa no fim de junho, o que equivale a, aproximadamente, 49% da força de trabalho da administração pública federal.

Fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco diz que essas cifras ainda podem crescer bastante caso o trabalho remoto seja regulado pelo governo no pós-pandemia. E acrescenta que, a longo prazo, essa nova dinâmica laboral ainda pode reduzir outros itens significativos do gasto público, como o aluguel de imóveis e a contratação de serviços terceirizados e de manutenção predial. “Os ministérios estão funcionando com metade do efetivo de forma presencial. Então, é possível ampliar o teletrabalho no pós-pandemia para reduzir despesas. Isso pode abrir mais espaço na Esplanada e, assim, reduzir os custos de aluguel, IPTU, condomínio, energia, vigilância, limpeza. Contratos terceirizados poderão ser revistos, abrangendo gastos com garçons, recepcionistas, aluguéis de máquinas para cópias de documentos. E despesas com vale-transporte e transporte de servidores também podem ser reavaliadas”, avalia Castello Branco.

Cristiano Heckert admite as alternativas e revela que, por conta disso, a regulamentação do teletrabalho está em estudo no governo. “A pandemia deixou a lição de que o trabalho a distância pode gerar uma economicidade para a administração pública sem prejudicar o atendimento ao cidadão. Então, acelerou um processo que já vinha avançando em alguns órgãos públicos nos últimos anos em relação ao teletrabalho”, declara.

Servidores pedem contrapartida

Os servidores estão dispostos a discutir a regulamentação do home office no pós-pandemia já nesta semana, em reunião marcada com a Secretaria de Gestão e Desempenho Pessoal. Presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques explica que, além de reduzir os gastos públicos, o teletrabalho pode trazer benefícios para o funcionalismo e para a população.

“Em alguns casos, o servidor gasta duas horas a menos com o deslocamento para o trabalho. Isso traz qualidade de vida e ainda contribui para a redução do tráfego urbano e da questão ambiental nos grandes centros urbanos”, ressalta Marques. Ele garante que isso não reduz a qualidade do serviço prestado à população. Ao contrário. Ao adotarem o home office, órgãos como a Controladoria Geral da União e a Advocacia Geral da União cobraram até um aumento de eficiência relativo a esse tempo de deslocamento como contrapartida dos servidores. Estudos de avaliação do desempenho dos servidores no trabalho remoto estão sendo realizados pelo governo nesse período de pandemia.

Cautela

Os servidores, porém, pedem contrapartidas do governo para que essa nova forma de trabalho continue sendo produtiva para todos. Querem, por exemplo, a garantia de que os servidores terão os equipamentos e a internet necessários para tocar suas atividades de forma remota. E que poderiam, em alguns casos, equilibrar a redução de gastos com viagens nos últimos meses com o auxílio-transporte e o adicional de periculosidade.

“O trabalho remoto está dando resultados. Mas isso precisa ser analisado com cautela. Hoje, os servidores estão usando os seus equipamentos e a sua internet. Mas, a longo prazo, deveriam receber as condições adequadas de trabalho”, frisa o secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Silva. “O governo não pode repassar toda essa redução de custos para o servidor”, reforça Marques. O presidente do Fonacate também pede que haja uma avaliação criteriosa na definição de quais viagens a serviço devem ser cortadas, para evitar que atividades de fiscalização e controle não deixem de ser feitas com a periodicidade adequada por conta disso.

Fonte: Correio Braziliense, de 6/7/2020

 

 

PT também contesta portaria que obriga estados a aplicar logo reforma da Previdência

O Partido dos Trabalhadores (PT) também ajuizou, no Supremo Tribunal Federal (STF), arguição de descumprimento de preceito fundamental para que seja anulada a portaria do secretário de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, de dezembro do ano passado, que obrigou estados e municípios a cumprirem as novas regras da reforma da Previdência aplicáveis aos servidores da União. E fixou para isso prazo até o próximo dia 31 de julho.

Na semana passada (1/7), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) protocolou ação similar (ADPF 710) – também com pedido urgente de liminar – que foi distribuída para ser relatada pelo ministro Marco Aurélio. Mas com o início deste recesso de um mês do STF, os autos foram encaminhados ao ministro-presidente, que está de plantão.

Agora, na ADPF 716, o PT reforça a necessidade de concessão da cautelar para “suspender as determinações e a eficácia da Portaria nº 1.348/2019, em especial para determinar que a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia (SEPRT/ME) se abstenha de negar a concessão da Certidão de Regularidade Previdenciária (CRP) para quaisquer entes federados, desde que a negativa tenha como justificativa a ausência de cumprimento das disposições da Emenda Constitucional 102/19 até o prazo de 31/12/2020 estabelecido pela Portaria”.

Na petição inicial da arguição, os advogados do PT, Eugênio Aragão e Sarah Campos, destacam:

– “Após a promulgação da Emenda Constitucional nº 103/2019, a chamada Reforma da Previdência, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia publicou no Diário Oficial da União a Portaria nº 1.348/2019, estabelecendo diretrizes sobre parâmetros e prazos para atendimento das disposições em comento, ainda que o próprio dispositivo constitucional tenha estabelecido que a regulamentação devesse ser feita por meio de Lei Complementar, conforme disposto no art. 9º da Emenda Constitucional nº 103/2019.

Nesse sentido, a Portaria nº 1.348/2019, em evidente extrapolação do poder regulamentar, definiu o prazo de 31 de julho de 2020 para a adequação dos Regimes Próprios da Previdência Social de Estados, Distrito Federal e Municípios às regras estabelecidas pela EC nº 103/19”.

– “Dessa forma, o prazo (31 de julho de 2020) estabelecido em norma meramente regulamentar coloca em risco a possibilidade de regularidade administrativa dos entes federados”.

Fonte: site JOTA, de 7/7/2020

 

 

O papel das Forças Armadas no estado constitucional

Por Elival da Silva Ramos

Há inúmeras maneiras de entender a democracia. Em sua essência, trata-se de um sistema de disputa entre partidos políticos pelo direito de governar por um certo período de tempo, renovado por meio de eleições livres e íntegras. Esse governo, legitimamente eleito, deve observância às normas constitucionais e legais e é fiscalizado e controlado pelo Parlamento, sob o prisma político, e pelo Poder Judiciário, no tocante à constitucionalidade e legalidade de seus atos.

O cumprimento da lei, em termos gerais, e da Constituição, em particular, é um dos pilares da democracia, estando compreendido na expressão Estado de Direito, que, nos Estados dotados de Constituição orgânica e rígida, assume o sentido de Estado Constitucional de Direito. O Estado democrático-constitucional não é, portanto, simplesmente um Estado em que maiorias ocasionais governam e sim um Estado em que se governa por meio e nos limites da lei, com respeito à atribuição constitucional dos Poderes e aos direitos fundamentais da pessoa humana, constitucionalmente assegurados.

Na democracia, existe o uso da força, porém pautado pelos filtros depuradores da legalidade e da constitucionalidade, ou seja, o "gládio a serviço da lei". Daí o monopólio estatal do uso da força, ressalvadas situações excepcionalíssimas de legítima defesa privada.

Não é por outro motivo que o desenho institucional das Forças Armadas e corpos auxiliares sempre preocupou o constitucionalismo, que procura blindá-las em relação a tentativas, previsíveis, de cooptação pelas forças que disputam a primazia governamental.

Em todas as modelagens constitucionais de Estados democráticos as Forças Armadas foram subordinadas ao poder civil. Por estarem direcionadas à defesa do Estado e dos Poderes constituídos, as Forças Armadas devem se subordinar ao Chefe de Estado e não ao Chefe de Governo. Nas democracias republicanas, subordinam-se ao Presidente da República, que desempenha o papel de Chefe de Estado, muito embora, e é essa uma importante inadequação institucional, nas repúblicas presidencialistas o Chefe de Estado seja também o Chefe de Governo. Nas monarquias constitucionais parlamentaristas, as Forças Armadas se subordinam ao Monarca, muito embora, em termos operacionais, esse comando seja delegado ao Chefe de Governo (Primeiro-Ministro).

No Brasil, as sucessivas Constituições republicanas atribuíram ao Presidente da República o exercício do comando supremo das Forças Armadas (artigo 84, XIII, da CF de 88), na mesma linha de outras Constituições democrático-republicanas. Assim é, a título de exemplo, na Constituição dos Estados Unidos (artigo II, Seção 2), na Constituição francesa (artigo 15) e na Constituição portuguesa (artaigo 134, alínea a).

A Constituição portuguesa em vigor, por sinal, foi a que mais se preocupou em estabelecer limites claros para a atuação das Forças Armadas, ao atribuir-lhes, primacialmente, a "defesa militar da República", assinalando-lhes estrita obediência "aos órgãos de soberania competentes, nos termos da Constituição e da lei" (artigo 275, nºs 1 e 3). E para não restar dúvidas em relação à vocação democrática das Forças Armadas, estabeleceu que estão elas "ao serviço do povo português", sublinhando-lhes o caráter apartidário e vedando aos seus integrantes "aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política".

Ressalte-se que, embora de modo parcialmente implícito, essas mesmas diretrizes regem a atuação das Forças Armadas brasileiras.

O artigo 142 da Constituição de 1988, em seu caput, após detalhar a composição das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica), as declara "instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República".

Esse mesmo dispositivo detalha as atribuições constitucionais das Forças Armadas, que se destinam "à defesa da Pátria" (em face de agressão estrangeira), "à garantia dos poderes constitucionais" (afetados em seu regular funcionamento por grave comoção intestina) e "à garantia da lei e da ordem" (quando a ordem pública e a paz social estiverem ameaçadas por grave instabilidade institucional).

A terceira das atribuições listadas (garantia da lei e da ordem), de caráter nitidamente acessório em relação às outras duas (centrais), com elas se conecta pela natureza da atividade, que se relaciona ao uso da força para que as instituições civis possam funcionar livremente. Em termos mais explícitos, se os governos dos Estados (e do DF), por meio das respectivas Polícias Militares, não conseguirem assegurar o cumprimento da lei e a manutenção da ordem pública, poderão as Forças Armadas, a pedido desses governos ou por determinação do presidente da República, com ou sem decretação de intervenção federal (artigo 34, III, da CF) ou do estado de defesa (artigo 136, caput, da CF), atuarem para o restabelecimento da normalidade. A intervenção federal será decretada se houver a necessidade de afastar autoridades estaduais (comprometidas com ou crime organizado, por exemplo) e o estado de defesa se houver a necessidade de impor restrições localizadas ao exercício de direitos e garantias fundamentais.

A atuação da Forças Armadas em operações de defesa da lei e da ordem não as autoriza a atuar na solução de conflitos entre Poderes, quer de natureza política, quer de natureza jurídica.

A solução dos conflitos políticos entre Poderes, em nosso sistema presidencialista, se ressente da falta de um Poder coordenador dos demais Poderes, que seria precisamente o de um Chefe de Estado apartado das funções de governo. De todo modo, a Constituição concita a harmonia entre os Poderes (artigo 2º), que pode ser obtida por meio de contatos frequentes e transparentes entre os respectivos chefes, desde que desarmados de paixões sectárias e imbuídos da ética democrático-republicana.

Já a composição de conflitos jurídico-constitucionais foi inequivocamente atribuída ao Supremo Tribunal Federal, investido da relevantíssima e grave missão de guardião da Constituição (artigo 102, caput). Se o conflito demanda a correta interpretação do texto Constitucional, a palavra final será dada pelo STF, o que não isenta suas decisões, obviamente, de críticas institucionais ou doutrinárias. Nos sistemas democrático-constitucionais, decisões judiciais são, a par disso, recorríveis, salvo se proferidas em final instância, porém afigura-se intolerável o seu descumprimento pelos Poderes constituídos.

Em caso de conflito político inafastável entre os Poderes da República, que não consigam alcançar o necessário entendimento sobre o tema, padecerá o sistema político até que novas eleições, no prazo constitucionalmente fixado, sejam realizadas. As sucessivas crises institucionais de nosso vergastado presidencialismo já deveriam, a essa altura, ter encaminhado as elites políticas e intelectuais brasileiras no sentido de um projeto de médio e longo prazo de implantação de moderno sistema parlamentarista, precedida de indispensáveis reformas nos sistemas eleitoral e partidário.

Porém, no caso de conflito jurídico ou de interpretação constitucional, a solução é uma só: cumprir o que for decidido pelo STF, seja ou não uma decisão juridicamente e institucionalmente acertada.

A invocação de intervenção militar para a solução de conflitos de natureza jurídico-constitucional confunde os planos fático e normativo. Em termos factuais, as Forças Armadas, durante décadas, intervieram no processo político latino-americano, se auto atribuindo uma função moderadora, sem respaldo constitucional, denotadora, é certo, de disfunções da modelagem presidencialista em países socialmente instáveis. No entanto, nada as autoriza, sob a égide do cumprimento da Constituição, a assim procederem, notadamente após a relativa estabilização política experimentada pela maior parte dos Estados latino-americanos nas últimas décadas.

Não se pense que a intelecção que defendo para o artigo 142 da Constituição Federal tenha alguma contradita consistente nos planos legislativo ou doutrinário.

A própria Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, vincula as operações de garantia da lei e da ordem à insuficiência da atuação das Polícias Militares na manutenção da ordem pública, não fazendo a mais tênue referência à pretensa missão de solução de conflitos entre Poderes.

Basta que se leia o artigo 15, §§ 2º e 3º, da Lei Complementar nº 97/99, cuja clareza deveria ser suficiente para estancar a artificial controvérsia.

A interpretação que defendo não é apenas a única fiel ao ideário democrático-constitucional, mas, também, a única confortada pelas pujantes bases doutrinárias do constitucionalismo brasileiro, de Rui Barbosa aos nossos dias.

A título de conclusão, invoco um pequeno excerto do notável artigo escrito pelo saudoso publicista Seabra Fagundes, intitulado "As Forças Armadas na Constituição" (RDA, v. 9, 1947), em que o jurista potiguar, examinando o artigo 177 da Constituição de 1946, já advertia que "às Forças Armadas não se atribui capacidade de iniciativa no sentido de assegurar fidelidade às instituições constitucionais e fazer prevalecer a lei sobre o arbítrio", porquanto naquela quadra, como hoje, tal atribuição é do Supremo Tribunal Federal.

Elival da Silva Ramos é professor titular da Faculdade de Direito da USP, ex-Procurador Geral do Estado de São Paulo e membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas.

 

Fonte: Conjur, de 7/7/2020

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