3/11/2021

Dívida de internação por Covid-19 não será assumida pela Fazenda Pública, decide TJ

A 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão do juiz Olavo Sá Pereira da Silva, da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Osasco, que negou pedido para que a Fazenda Pública estadual assumisse dívida de internação de paciente com Covid-19 em hospital particular por falta de leitos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). Também foi mantida a improcedência do pedido de declaração de inexigibilidade de débito decorrente do contrato firmado pela autora com o hospital réu.

Consta nos autos que a autora da ação levou sua mãe a hospital particular para atendimento de Covid-19. Ao final da consulta, percebeu-se um agravamento do quadro de saúde e a necessidade de internação. Devido à falta de vagas no sistema público de saúde naquele momento, a autora celebrou contrato de assistência médica e sua genitora seguiu com tratamento por 12 dias, quando foi disponibilizada vaga no SUS e efetuada a transferência. Do atendimento no hospital particular, foi cobrado o valor de R$ 230.393,34, que a autora pretende que seja pago pela Fazenda do Estado.

De acordo com o relator da apelação, desembargador Décio Notarangeli, na verificação de possível negligência na disponibilização de leito para a internação deve ser considerado o contexto da pandemia. “A escassez de leitos diante da demanda decorrente do elevadíssimo número de casos diários de Covid-19 registrado nos picos de contaminação no país é fato público e notório, inexistindo indícios de que o Estado de São Paulo tenha falhado na condução da crise sanitária e possa ser responsabilizado pela falta de leitos nos momentos mais graves da pandemia”, apontou o relator. “Em suma, da imprevisibilidade e inevitabilidade da pandemia advém a inexigibilidade de conduta diversa que rompe o nexo causal entre a omissão apontada pela parte e o dano por ela experimentado, o que exclui o dever de indenizar acarretando a improcedência dos pedidos.”

Quanto à declaração de inexigibilidade de débito, o magistrado também não acolheu o pedido. “Não sendo questionada a necessidade dos serviços prestados, ou demonstrado que o preço cobrado está acima da média daqueles que são usualmente praticados no mercado, o sacrifício patrimonial extremo por si só não basta para caracterização do estado de perigo. Mesmo em se tratando de emergência médica, situação crítica, súbita e imprevista, com risco de vida para a paciente, não está configurado vício de consentimento para invalidação do contrato conscientemente celebrado pela apelante, em especial pela ausência de demonstração de prática abusiva pelo hospital apelado”, concluiu.

Completaram o julgamento os desembargadores Oswaldo Luiz Plau e Moreira de Carvalho. A decisão foi unânime.

Apelação nº 1012046-55.2020.8.26.0405

 

Fonte: site do TJ SP, de 31/10/2021

 

 

Lira insiste com precatórios, mas deputados falam em "plano B"

As negociações em torno da PEC dos Precatórios, que libera R$ 83,6 bilhões para a criação do Auxílio Brasil e outras demandas, se intensificaram ontem, enquanto o governo tenta angariar os 308 votos para aprovar a proposta. Em outra frente, ganha força entre os deputados a ideia de prorrogar o auxílio emergencial, cuja última parcela foi liberada domingo. Na mesa de discussões, está proposta para fatiar o pagamento dos precatórios da União com Estados decorrentes do Fundef, fundo para a educação básica. Modelo inicial adiava quitação desses débitos.

Após o próprio presidente Jair Bolsonaro acenar com o “plano B” da prorrogação do auxílio emergencial, lideranças governistas tentam manter vivo o “plano A” para tirar do papel o Auxílio Brasil, sucessor turbinado do Bolsa Família.

Nas últimas horas do feriado, as negociações se intensificaram em busca de um acordo com a oposição para votar nesta quarta-feira o texto da PEC dos Precatórios, que abre espaço de R$ 91,6 bilhões no Orçamento de 2022, dos quais R$ 83,6 bilhões “livres” para serem destinados à ampliação do programa social e outras demandas, como o auxílio diesel a caminhoneiros e emendas parlamentares. Mas, no Congresso, vem ganhando força a ideia de prorrogação do auxílio emergencial, cuja última parcela foi paga no domingo.

A PEC dos Precatórios foi enviada ao Congresso com o objetivo de limitar o pagamento de dívidas judiciais e abrir espaço para o Auxílio Brasil, inicialmente de R$ 300. Mas depois acabou sendo modificada para incluir a mudança na fórmula de cálculo do teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas do governo, o que abriria espaço para gastos bem maiores. Mas sua aprovação na Câmara está longe do consenso.

PROPOSTA. Segundo apurou o Estadão/broadcast com três fontes do Congresso envolvidas nas discussões, está na mesa uma proposta de acordo para fatiar o pagamento das dívidas judiciais (os precatórios) da União com Estados decorrentes do Fundef, fundo para a educação básica que vigorou até 2006. A dívida responde por cerca de R$ 16 bilhões dos R$ 89 bilhões em precatórios inscritos para o ano que vem e é um dos motivos da queda de braço entre governistas e oposição para a votação da PEC.

A proposta original, na prática, adia a quitação dos débitos relativos ao Fundef para depois de 2022. Por isso, na última semana, governadores de Estados que têm recursos a receber (Bahia, Pernambuco e Ceará) fizeram corpo a corpo com deputados para tentar barrar a proposta.

Como o governo ainda não consegue sozinho garantir os 308 votos necessários à aprovação da PEC na Câmara, diante de resistências dentro de partidos como MDB e PSDB, o presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistasal), tem dialogado com a oposição em busca de um acerto.

Em uma dessas opções de acordo, seriam pagos 40% do valor dos precatórios do Fundef (cerca de R$ 6,4 bilhões) ainda em 2022, mas fora do teto de gastos. Outros 30% seriam quitados em 2023, e os 30% restantes, em 2024. Outra possibilidade seria fatiar o pagamento em 60% em 2022 e 40% em 2023, também fora do teto de gastos.

 

Fonte: Estado de S. Paulo, de 3/11/2021

 

 

TJ-RJ suspende dispositivos de leis que regulamentam a Procuradoria de Itaboraí

Por Ana Luisa Saliba

Por constatar violação aos princípios da administração pública, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu medida liminar, com eficácia ex nunc, para suspender os efeitos de dispositivos das Lei Complementares 90/2009, 172/2013 e 185/2013, do município de Itaboraí (RJ), que estabelecem o provimento de cargos comissionados na Procuradoria Geral do município e o pagamento de uma gratificação de até 100% do vencimento base ou subsídio aos integrantes do quadro Jurídico da Procuradoria Municipal.

Trata-se de representação de inconstitucionalidade oferecida pela Procuradoria Geral de Justiça fluminense em face do parágrafo único, do artigo 3º, da Lei Complementar 90/2009; do parágrafo 7º, do artigo 3º, da Lei Complementar 185/2013; do artigo 5º, da Lei Complementar 172/2013; dos parágrafos 8º, 9º e 10º, todos do artigo 3º, da Lei Complementar 185/2013; do parágrafo 9º, do artigo 2º, da Lei Complementar 90/2009; e do parágrafo 11, do artigo 3º, da Lei Complementar 185/2013, todos do município de Itaboraí (RJ).

A PGJ alegou que ao estruturar a carreira de procurador municipal de Itaboraí e outros cargos ligados à Administração Direta, a legislação impugnada recomendou o provimento comissionado não apenas ao cargo de procurador-geral do Município, mas também a outros sem qualquer atribuição de direção, chefia ou assessoramento, e sem relação de confiança, desrespeitando os princípios do concurso público, da moralidade, impessoalidade, eficiência, interesse coletivo e proporcionalidade.

Além disso, previu-se a possibilidade de concessão aos integrantes do quadro Jurídico da Procuradoria Municipal, a critério do chefe do Executivo e por indicação do procurador-geral, de gratificação de até 100% do vencimento base ou subsídio, pelo mero desempenho das funções inerentes ao cargo. Por fim, sustentou que a legislação previu o rateio aos procuradores não apenas de verbas sucumbenciais, mas também de honorários fixados por arbitramento judicial, acordos e ainda oriundos de cobrança administrativa da dívida ativa municipal.

O relator, desembargador Carlos Santos de Oliveira, afirmou que a criação de cargos comissionados se destina às funções de direção, chefia e assessoramento, sendo necessário que haja vínculo de confiança entre o nomeante e o nomeado, de modo a excepcionar a obrigatoriedade do concurso público.

Sob essa ótica, para o magistrado, não há, inicialmente, irregularidade no provimento comissionado dos cargos de “Procurador Chefe” das procuradorias especializadas do município, pois além da defesa dos interesses do município como os demais procuradores municipais, têm atribuições de supervisionamento e coordenação, que excepcionam a obrigatoriedade do concurso público.

No mesmo sentido, os cargos de “Chefe de Gabinete”, “Coordenador Dívida Ativa”, “Chefe de Inscrição” e “Chefe de Ajuizamento” possuem funções de chefia, direção e assessoramento. Há, também, notória confiança que se exige para desempenhar estas funções, justificando serem objeto de cargos comissionados, pontuou.

Já as atribuições do cargo de "Procurador-Assessor”, previstas nos dispositivos impugnados, não extrapolam as atribuições comuns do cargo de procurador do município, de provimento efetivo, que basicamente revolvem a defesa institucional de Itaboraí; logo, o relator entendeu que deve ser declarada a inconstitucionalidade de tal cargo comissionado.

Também os cargos de “Assessor de Gabinete”, “Assessor I”; “Assessor II” e “Assessor de Dívida Ativa”, não podem ser comissionados, uma vez que são cargos de cunho técnico-administrativo, sem pressupor a relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado.

Gratificação

Segundo o desembargador, não há nenhum balizamento normativo para a concessão da gratificação em tela. De acordo com o dispositivo impugnado, ela pode ser concedida conforme crivo subjetivo do chefe do Executivo. "Ocorre que a concessão de gratificação deve corresponder à excepcionalidade do serviço desempenhado, seja em razão das condições diferenciadas de desempenho ou em razão de situação onerosa ao ocupante do cargo", ressaltou.

No caso, contudo, não há critérios objetivos aferíveis para tanto, de modo que a gratificação pode em tese ser concedida pelo mero desempenho de funções já inerentes ao cargo, devendo ser declarada inconstitucional, disse Santos de Oliveira.

Honorários sucumbenciais

Quanto previsão de rateio, em favor dos procuradores do município de Itaboraí, de verba honorária sucumbencial o magistrado explicou que com o advento do Código de Processo Civil e a previsão expressa nesse diploma de pagamento dos honorários aos advogados públicos, a matéria foi levado ao Supremo Tribunal Federal, sobrevindo decisões pela constitucionalidade de seu pagamento desde de que observado o teto remuneratório.

O STF também declarou a constitucionalidade do pagamento de honorários aos advogados públicos quando se tratar de cobrança de débitos fiscais, independentemente do ajuizamento, ou não, de ação. Assim, para o desembargador, não se verifica a alegada inconstitucionalidade, referente ao pagamento de honorários devidos pela cobrança da dívida ativa municipal, ainda que não objeto de ação judicial, desde que observado o teto remuneratório constitucional.

0020264-04.2021.8.19.0000

 

Fonte: Conjur, de 1º/11/2021

 

 

Algumas reflexões sobre recente decisão do STJ a respeito do prazo de noventa dias para impugnar a decisão arbitral

Por Marcelo Bonizzi e Luiz Francisco Avolio

Em recente decisão, entendeu o STJ, no REsp 1.900.136-SP, relatado pela Ministra Nancy Andrighi que, embora a declaração de nulidade da sentença arbitral possa ser pleiteada tanto pela via de ação declaratória de nulidade (art. 33, § 1º da LA), quanto por impugnação ao cumprimento de sentença arbitral (art. 33 §3º da LA), haverá, em ambos os casos, imposição do prazo decadencial de 90 dias.

No caso, a recorrente apresentara impugnação à ação de cumprimento de sentença arbitral, suscitando a nulidade por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento de prova pericial, além de violação ao art. 524 do CPC, por não comprovados os desembolsos para verificação dos cálculos apresentados. O TJ/SP verificou que a impugnação estava baseada apenas no art. 32, inciso VIII da LA, reconhecendo a decadência, diante do decurso do prazo nonagesimal, visto que a matéria não integra o rol previsto no art. 525, § 1º do CPC. Postulou-se, assim, no recurso especial, o afastamento da decadência.

Confirmando a decisão do TJ/SP, concluiu o STJ que, na hipótese de impugnação ao cumprimento, se a execução for ajuizada após o decurso desse prazo decadencial, "a defesa da parte executada fica limitada às matérias especificadas no art. 525, § 1º, do CPC, sendo vedada a invocação da nulidade da sentença nas matérias definidas no art. 32 da lei 9.307/96".

Algumas questões podem ser suscitadas a propósito do acórdão do STJ:

a) a primeira, de ordem teórica, diz respeito à natureza da decisão que reconhece a invalidade da sentença arbitral. Nos termos do art. 33 da LA, a parte interessada poderá pleitear "a declaração de nulidade da sentença arbitral", e a sentença que julgar procedente o pedido "declarará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, e determinará se for o caso, que o árbitro ou tribunal profira nova sentença arbitral" (§ 2º do art. 33).

Em que pese a terminologia utilizada pelo legislador, a tutela jurisdicional prevista no art. 33, para atacar a sentença arbitral, quando qualificada como nula pela lei, tem, segundo a doutrina1, natureza desconstitutiva, e não, declaratória. Como ensina Cândido Rangel Dinamarco, a demanda tem claramente natureza constitutiva negativa, pois "a pronúncia de sua procedência tem por efeito a implantação de uma situação jurídica nova, mediante a eliminação da sentença impugnada"2.

Com efeito, até o advento da decisão judicial que invalide a sentença arbitral, esta produz normalmente seus efeitos, não sendo, pois, de se declarar uma nulidade preexistente, mas de desconstituir uma decisão até então válida e eficaz. E esse objetivo pode ser alcançado, indiferentemente, tanto pela via da denominada "ação de nulidade" do art. 33, como em sede de impugnação ao cumprimento da sentença arbitral, desde que presente uma das hipóteses elencadas no art. 32.

b) um segundo ponto, de grande relevância prática, foi levantado na doutrina citada na fundamentação do voto da Ministra Relatora. Qual seja, o argumento de que, com relação à impugnação ao cumprimento da sentença, evidentemente não seria aplicável o prazo de 90 dias, "mesmo porque não terá o executado como controlar a ocasião em que, na execução, lhe será facultado defender-se do requerimento do cumprimento de sentença".3

Ora, se a lei arbitral enumera no art. 32 as hipóteses, de natureza processual, para sua invalidação4, assim como os meios legais de impugnação, não seria razoável exigir-se que o executado, por cautela, ajuizasse previamente ação de nulidade apenas para não sofrer os efeitos da decadência quanto à matéria arguível no âmbito da ação de cumprimento de sentença.

Ficaria esse direito de ampla impugnação, pois, restringível por um fator externo e incontrolável pelo executado, qual seja, a maior ou menor fluidez do andamento processual.

Assim, a exegese restritiva do direito de defesa do executado não se coaduna com a natureza desconstitutiva da via impugnatória da decisão arbitral, por qualquer dos seus meios, visto não distinguir a lei arbitral as matérias invocáveis para cada meio de impugnação, nem podendo ser o devedor punido pela eventual demora do processamento da impugnação ao cumprimento de sentença.

c) por último, vale lembrar a existência de vícios que não podem ser convalidados pelo simples transcurso do prazo de noventa dias. Esse tema, naturalmente polêmico, pode envolver diferentes perspectivas, como a da flexibilização da coisa julgada, que é pacífica no contexto da jurisprudência, e o da querela nullitatis insanabilis (a hipótese prevista no art. 525, parágrafo primeiro, I, aplica-se à arbitragem e, portanto, não se sujeita à prazo), assim como a ilicitude da prova utilizada que, ao menos em princípio, pode levar a questionamentos não sujeitos a esse prazo.5 Também seria possível tratar desse tema na perspectiva da "inexistência", mas isso fica para outra oportunidade.

__________

1 CAHALI, Francisco José, Curso de Arbitragem. São Paulo : Thomson Reuters, 2017, p. 385.

2 DINAMARCO, Cãndido Rangel, A arbitragem na teoria geral do processo. São Paulo : Malheiros, 2013, p. 236.

3 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. São Paulo : RT, vol. 3, p. 574.

4 Assim, são hipóteses de nulidades processuais, dentre outras, quando a sentença arbitral: emanou de quem não podia ser árbitro; não continha os requisitos obrigatórios (relatório, fundamentos de fato e de direito, dispositivo, data e lugar em que foi proferida); desrespeitou os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento; ou foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem. Já, em se tratando da hipótese de nulidade da convenção arbitral, trata-se de vício legal de ordem material, referente a um negócio jurídico, que já tem previsão de nulidade nos casos dos art. 166 (incapacidade, objeto ou motivo determinante ilícito, inobservância da forma ou solenidade legal, fraude à lei ou proibição legal) e 167 (simulação)do Código Civil. Tais hipóteses, segundo a doutrina dominante, não são taxativas.

5 V., a propósito, a tese de Doutorado "Provas Ilícitas e Arbitragem" defendida por Luiz Francisco Torquato Avolio este ano na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, tendo por orientador Marcelo José Magalhães Bonizzi.


Fonte: Migalhas, Observatório da Arbitragem, de 1º/11/2021

 

 

O valor da reparação moral no Direito do Trabalho

Por Mirna Cianci

A conclusão do Min. Gilmar Mendes, onde apenas afasta o teto das reparações, mas mantém a constitucionalidade do texto, acaba por manter a desigualdade decorrente do critério adotado, a ela somando a insegurança que resulta da liberação do teto legal, capaz de traduzir fixações aleatórias.

Encontra-se em julgamento no Supremo Tribunal Federal o tema da inconstitucionalidade da reforma trabalhista, na parte que dispõe acerca dos limites valorativos da reparação moral na seara trabalhista. Os ministros julgam em conjunto ações, ajuizadas, respectivamente pela Anamatra - Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (ADIn 6.050 e 5.870); CNTI -Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (ADIn 6.082) e pelo Conselho Federal da OAB (ADIn 6.069), como noticia o Informativo Migalhas 5.217, de 28/10/21.

O processo encontra-se suspenso, após voto do Min. Gilmar Mendes, onde concluiu que não há inconstitucionalidade do uso da tabela dos danos extrapatrimoniais pelo magistrado prevista na reforma trabalhista; no entanto, tais critérios não podem ser usados como "teto", sendo possível que o juiz, diante das peculiaridades do caso concreto, ultrapasse os limites quantitativos previstos na reforma trabalhista, segundo o mesmo Informativo.

Inicialmente convém mencionar que merece aplausos o disposto no art. 223-G da CLT, fruto da reforma trabalhista, que adotou os critérios sugeridos em nossa minuta do Projeto de Lei (PLS-334/08), colocando-os entre as considerações a serem levadas em conta na fixação:

Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:

I - A natureza do bem jurídico tutelado;

II - A intensidade do sofrimento ou da humilhação;

III - a possibilidade de superação física ou psicológica;

IV - Os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;

V - a extensão E a duração dos efeitos da ofensa;

VI - As condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;

VII - o grau de dolo ou culpa;

VIII - a ocorrência de retratação espontânea;

IX - O esforço efetivo para minimizar a ofensa;

X - O perdão, tácito ou expresso;

XI - a situação social e econômica das partes envolvidas;

XII - o grau de publicidade da ofensa.

Esses parâmetros são os que foram aquilatados em nossa pesquisa jurisprudencial levada a efeito após a leitura estatística de mais de 5.000 acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, retratando os critérios e valores que têm ido aceitos pela dominante jurisprudência dessa Corte, sendo eficientes a nortear a lacunosa falta de regulamentação do valor da reparação moral. Tal como colocado, o julgador deverá graduar a reparação de acordo com esses parâmetros, tornando mais justa a reparação. A ilustração do resultado dessa pesquisa está sendo publicada semanalmente no Informativo Migalhas, por assunto.

Conquanto a exposição de motivos da reforma trabalhista não faça referência à origem, a um simples lance se verifica a coincidência entre os parâmetros aqui sugeridos desde a primeira edição do livro de nossa autoria, "O Valor da Reparação Moral" (5ª. Ed. Plácido Ed.), que inspirou referida minuta e os adotados pela nova lei trabalhista.

Na exposição de motivos da extinta MP 808 apenas destacou-se que "(..) No que se refere ao dano extrapatrimonial, a fixação de limites para as indenizações por danos morais com base em critérios objetivos tem por objetivo evitar que haja decisões judiciais díspares para situações semelhantes, ao mesmo tempo em que busca estabelecer uma gradação de valores a partir da classificação da ofensa por sua gravidade. Para tanto, são realizadas alterações nos §§ 1º e 3º, além de inclusões dos §§ 4º e 5º ao art. 223-G do Decreto-Lei 5.452, de 1943, apresentando dosimetria para a fixação da reparação a ser paga aos ofendidos em casos de dano moral ou existencial, estabelecendo o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS como parâmetro de reparação. São apresentados limites máximos a depender do grau de gravidade da ofensa variando de ofensa de natureza leve a gravíssima. Os cenários apresentados visam possibilitar que o juízo arbitre a reparação que melhor se adequar ao caso concreto, além de reservar a possibilidade de o Juízo dobrar o valor da indenização nos casos em que haja reincidência de qualquer das partes."

Há um registro que merece ser feito, quanto aos valores indicados pelo novo texto, para a fixação da reparação. A reforma trabalhista sofreu modificação com a edição da MP 808/2017, retificando o equívoco da base salarial do empregado como critério de fixação da verba.

Assim, o art. 223-G, em seu § 1º. criava salutar critério de valor da reparação, no que a lei civil permanece omissa e que evita se mantenha a responsabilidade civil por dano extrapatrimonial como verdadeira loteria, fora do alcance das partes.

Com a referida Medida Provisória, seriam prefixados os valores devidos, devendo o juiz aquilatar o tipo de ofensa, o que deveria fazer não de modo aleatório, mas com base nos critérios fixados nos incisos I a XII do art. 223-G, ou seja, graduando de acordo com o limite dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.1

A redação original que foi restaurada com a perda de vigência da referida MP, prevê o salário do empregado como parâmetro, revela, sim, inconstitucionalidade, uma vez que criava fórmula desigual, variando para maior o valor da reparação conforme maior seja o salário da vítima:

§ 1o Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I - Ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II - Ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV - Ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

§ 2o Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no § 1o deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.

§ 3o Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização

Esse critério de situação financeira das partes, que no passado foi utilizado para essa aquilatação, de há muito foi abandonado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pois não apenas criava situações de absurda desigualdade, como deixava ao desabrigo a real repercussão do dano, independente da condição econômica do lesado.

De fato, esse sistema de aferição econômica foi parâmetro usual para a fixação do valor nas mais diversas ocorrências consideradas ensejadoras da dor moral não obstante ausente, na medida encontrada, a definição individual dos valores em relação a esse critério, o que demonstra o mal que acomete a falta de previsão legal, qual seja, a utilização de conceitos vagos, que não relacionam o raciocínio diretamente à conclusão.

Vale também registrar que , embora mencionassem reiteradamente que a situação financeiras de ambas as partes conferiam relevo à opção por tal ou qual valor, verdade é que em nenhum desses julgados se verifica qualquer análise que demonstre essa condição, seja para o reclamante, seja para o reclamado na demanda, como forma de efetivamente demonstrar que, por conta de tratar-se de empresa de pequeno porte ou, pior, de se estar diante de pessoa de parcos recursos, teria sido concedido valor inferior ou superior ao reiteradamente fixado em hipóteses análogas.

Deve-se reconhecer que, conquanto a fixação de valor maior quando o ofensor seja pessoa afortunada, pois que uma condenação irrisória, nesse caso, poderia incentivar a prática ofensiva, o contrário não revela a mesma justiça, pois acaba por considerar que a pessoa de parcos recursos possa ter sofrimento menor, para fato idêntico, do que o detentor de maiores recursos financeiros, numa flagrante e inaceitável desigualdade. Pode-se imaginar, no âmbito do dano moral, que um abalo de crédito, por exemplo, possa causar dor maior a uma pessoa de modestos recursos financeiros do que a um empresário no giro dos negócios, para quem não seria mais que um problema trivial.

Merece, portanto, ser completamente afastada a utilização desse enfoque no julgamento das demandas trabalhistas. E tal se conclui em relação ao tema, seja porque, de fato, conquanto indicado esse caráter financeiro na valoração dessa compensação moral, pode-se concluir que na verdade não influencia a decisão, porque raramente demonstrado, seja porque tal aspecto não guarda liame entre o evento e sua consequência, tendo sido progressivamente abandonado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, resultado da evolução do tratamento da matéria naquela Corte e que deveria ser melhor avaliada pelo Tribunal Superior do Trabalho.

Essa dificuldade de valoração que dificulta a jurisdição tem longo histórico. O Informativo Migalhas2 trouxe matéria com entrevista ao ministro Walmir Oliveira da Costa, que bem retratava a conjuntura do Tribunal Superior do Trabalho e no qual destaca que as dificuldades de arbitramento nos casos de dano moral, mencionando que "(..) O problema se estabelece porque a legislação não fixa critérios objetivos: ela usa termos genéricos como "proporcionalidade", "razoabilidade", "extensão do dano" e "equitativamente". "A operação judicial na fixação da reparação de dano moral é das mais difíceis e complexas, porque o legislador deixou ao critério prudencial do juiz a atribuição de quantificar o valor da indenização"

Afirmou o ministro ainda, na escolha dos critérios, que "(..) O primeiro passo é identificar o dano da forma mais objetiva possível e, a partir daí, classificar a lesão moral (leve, grave ou gravíssima, segundo a intensidade ou o grau de culpa). A partir daí, entram outros critérios, como a repercussão do dano na esfera social e a capacidade econômica do ofensor." E ainda que "(..) para chegar a um montante "proporcional e razoável" à "extensão do dano", muitas vezes o juiz se vale, além da CF e do CC , de outros subsídios, como a pena de multa prevista no artigo 49 do CP ou o artigo 53 da lei de imprensa (lei 5.250/67), antes de ser considerada incompatível com a Constituição pelo STF no julgamento da ADPF 130." Advertindo que "Esses critérios são apenas indicativos e não determinantes, e dependem dos fatos e circunstâncias do caso concreto.

Considerou também que "(..) A análise do caso concreto permitirá ao juiz considerar, na dosagem da indenização, circunstâncias agravantes ou atenuantes, como ocorre na fixação da pena criminal. A negligência do empregador que expõe ilegalmente um trabalhador a riscos desnecessários, por exemplo, exigirá uma indenização maior do que a resultante de um caso fortuito - ainda que, nos dois casos, o trabalhador tenha sofrido o mesmo tipo de lesão. É o caráter punitivo da pena."

Esse pronunciamento demonstra a enorme dificuldade que a falta de regulamentação traduz, sem falar na insegurança para ambas as partes e os critérios utilizados.

Assim, tal como colocado, o texto realmente não sobrevive a um cotejo de constitucionalidade, por criar desigualdade insuperável, que traduz maior vantagem a quem detenha maior renda, resultando em parâmetro flagrantemente injusto e inaceitável.

Ainda, seja nos valores eleitos pela Medida Provisória, seja nos que acabaram vigorando na lei, a crítica que se mantém, diz respeito à falta de base jurisprudencial para essa eleição, ou seja, são valores aleatórios e afivelados aquele ao benefício previdenciário e este ao salário, o que não tem respaldo jurisprudencial e cria disparidade com situações idênticas que podem ocorrer inclusive fora da seara trabalhista.

Aspecto que não tem sido levado em conta resulta justamente da absoluta falta de critérios objetivos que traduz enorme desigualdade, também com tom de inconstitucionalidade, uma vez que não apenas sujeita o jurisdicionado a valores desiguais em situações idênticas3, como a valores desarrazoados, onde são fixadas verbas superiores a casos de menor gravidade, contrapostos a verbas inferiores em situações de maior repercussão moral.

Em conclusão - e com a devida vênia -, a conclusão do Min. Gilmar Mendes, onde apenas afasta o teto das reparações, mas mantém a constitucionalidade do texto, acaba por manter a desigualdade decorrente do critério adotado, a ela somando a insegurança que resulta da liberação do teto legal, capaz de traduzir fixações aleatórias.

__________

1 "Art. 223-G.
§ 1º Ao julgar procedente o pedido, o juízo fixará a reparação a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I - para ofensa de natureza leve - até três vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;
II - para ofensa de natureza média - até cinco vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;
III - para ofensa de natureza grave - até vinte vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social; ou
IV - para ofensa de natureza gravíssima - até cinquenta vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

§ 3º Na reincidência de quaisquer das partes, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização.
§ 4º Para fins do disposto no § 3º, a reincidência ocorrerá se ofensa idêntica
ocorrer no prazo de até dois anos, contado do trânsito em julgado da decisão condenatória.
§ 5º Os parâmetros estabelecidos no § 1º não se aplicam aos danos
extrapatrimoniais decorrentes de morte." (NR)

2 Disponível aqui. Edição de 24.09.2012> Acesso em 24.09.2012

3 Vale aqui destacar o famoso caso do Massacre do Carandirú, antes mencionado, onde as famílias dos presos (111 no total), por um homicídio coletivo causado em situação individual idêntica, teve fixações que variaram de 8/30 de um salário mínimo a 500 salários mínimos, oscilando em fixações de 20, 50, 100, 500 salários mínimos, sem que qualquer explicação minimamente razoável pudesse ser colocada aos familiares que receberam tais valores, capaz de justificar a oscilação.[1] "

Mirna Cianci - Procuradora do Estado de São Paulo. Doutora e mestre em Direito Processual Civil. Professora. Sócia no escritório Cianci Quartieri Advogados.

 

Fonte: Migalhas de Peso, de 3/11/2021

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