Iniciado julgamento sobre prescrição de ação de ressarcimento decorrente de improbidade administrativa
Teve início no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento de recurso com repercussão geral no qual se discute a possibilidade da ocorrência de prescrição do ressarcimento de dano decorrente de ato de improbidade administrativa. No Recurso Extraordinário (RE) 852475, é questionado acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que declarou a prescrição de ação civil pública movida contra funcionários da Prefeitura de Palmares Paulista (SP) envolvidos em processo de licitação considerado irregular, e extinguiu a ação.
Foram proferidos nesta quinta-feira (2) seis votos no sentido do desprovimento do recurso do Ministério Público estadual, entendendo aplicar-se ao caso o prazo de prescrição previsto na legislação de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992), de cinco anos. Outros dois votos entenderam que o ressarcimento do dano oriundo de ato de improbidade administrativa é imprescritível, em decorrência do texto da Constituição Federal e da necessidade de proteção do patrimônio público. O julgamento deverá ser retomado na próxima quarta-feira (8).
Pano de fundo
A questão de fundo é a interpretação do sentido do disposto nos parágrafos 4º e 5º do artigo 37 da Constituição Federal. O parágrafo 4º prevê que os atos de improbidade importarão várias penalidades, entre elas o ressarcimento ao erário, “na forma e gradação previstas em lei”. Já no parágrafo 5º, é fixado que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para os ilícitos que causem prejuízo ao erário, mas “ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.
A corrente minoritária até o momento no julgamento adotou o entendimento de que a ressalva do texto constitucional implica a imprescritibilidade das ações de ressarcimento, o que resultaria em uma proteção maior ao patrimônio público. A linha até o momento majoritária, entretanto, considera que o texto constitucional pede a complementação de lei específica para tratar do tema, e não implica hipótese de imprescritibilidade. Isso porque, quando ocorre na Constituição, é mencionada expressamente, como no caso de crime de racismo ou ação de grupos armados.
Relator
O relator, ministro Alexandre de Moraes, destacou em seu voto (leia a íntegra) a excepcionalidade da adoção da imprescritibilidade em qualquer sistema jurídico, inclusive o brasileiro, mesmo nas ações de natureza penal, observando-se este princípio com ainda mais razão nas questões de natureza civil. “Em face da segurança jurídica, portanto, nosso ordenamento jurídico afasta a imprescritibilidade das ações civis patrimoniais. Como resultado, não deveria ter surgido qualquer dúvida quanto à prescritibilidade de todas as sanções civis por ato de improbidade administrativa”, afirmou.
Ressaltou que tal entendimento não implica prejuízo ao combate à corrupção nem à improbidade, pois nas hipóteses mais graves, que configuram crime, o prazo prescricional será aquele previsto no Código Penal. “A legislação equiparou o prazo para propositura das ações – inclusive de ressarcimento – aos prazos mais acentuados do Direito Penal”, afirmou.
Em seu voto, propôs a fixação da seguinte tese:
“A pretensão de ressarcimento ao erário em face de agentes públicos e terceiros pela prática de ato de improbidade administrativa devidamente tipificado pela Lei 8.429/1992 prescreve juntamente com as demais sanções do artigo 12, nos termos do artigo 23, ambos da referida lei, sendo que, na hipótese em que a conduta também for tipificada como crime, os prazos prescricionais são os estabelecidos na lei penal”
Votaram no mesmo sentido os ministros Luís Roberto Barrroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Divergência
A divergência foi aberta pelo ministro Edson Fachin, adotando a interpretação de que o texto constitucional inclui as ações de ressarcimento decorrentes de improbidade administrativa entre as hipóteses de imprescritibilidade, uma vez que trata de matéria que diz respeito à tutela dos bens públicos. Trata-se no caso de uma constitucionalização do direito civil, introduzindo exceção à regra da prescrição.
“O Poder Constituinte originário houve por bem escolher não apenas o alçamento da boa governança ao patamar constitucional, mas também a compreensão de que a coisa pública, não raro tratada com desdém e vilipendiada por agentes particulares ou estatais, trouxe um compromisso fundamental a ser protegido por todos”, afirmou.
Votou no mesmo sentido, provendo o recurso do Ministério Público do Estado de São Paulo, a ministra Rosa Weber, fazendo, contudo, ressalvas quanto à amplitude do seu entendimento e de sua fundamentação.
Fonte: site do STF, de 2/8/2018
Ressarcimento ao erário por improbidade é imprescritível, defende AGU
A necessidade de ressarcir os cofres públicos por atos de improbidade administrativa não está sujeita à prescrição, independentemente de prévia declaração do ato como ímprobo e do agente que o pratique, servidor público ou não. É o que a Advocacia-Geral da União defende no Supremo Tribunal Federal, que deve analisar o tema em julgamento nesta quinta-feira (2/8). O processo está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
A AGU afirma que, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, entre os anos de 2006 e 2016, verificou-se que as condenações por ressarcimento integral somaram R$ 1,9 bilhão, mas os valores efetivamente recuperados pelo erário equivalem apenas a R$ 2,7 milhões, ou seja, cerca de 0,1% do total nas condenações.
Somente no ano de 2017 foi atingida a cifra de R$ 1,4 bilhão em condenações de ressarcimento integral do dano referentes apenas à improbidade administrativa. “A média de tempo necessária para a aplicação de sanção disciplinar com fundamento na improbidade administrativa é de 5,08 anos a partir da cessação do ato ilícito, sendo que, em 45,4% dos casos analisados, o prazo de 5 anos foi superado”, sustenta a AGU.
A discussão ocorre nos autos do Recurso Especial 852.475, interposto pelo Ministério Público de São Paulo contra acórdão do Tribunal de Justiça do estado que extinguiu por prescrição uma ação de improbidade movida contra o ex-prefeito e servidores do município de Palmares Paulista.
Na época, nos termos da Lei 8.429/92, a ação foi julgada parcialmente procedente, condenando-se todos os réus ao ressarcimento ao erário, pagamento de multa civil, suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o poder público. Quanto aos servidores, estes também foram condenados à perda da função pública.
A Procuradoria-Geral da República opinou pelo provimento parcial do recurso extraordinário, para que seja reconhecida a imprescritibilidade da ação civil pública por ato de improbidade administrativa proposta pelo recorrente, no que se refere ao ressarcimento ao erário.
Demora processual
No parecer, a AGU ressalta que a investigação de alguns atos de improbidade é extremamente complexa e pode demorar, razão pela qual a imprescritibilidade evita que os autores de ilícitos sejam beneficiados pelo decurso do tempo necessário para a elucidação dos fatos.
“Havendo prejuízo ao patrimônio público, deverá haver ressarcimento, sem que incida sobre essa pretensão qualquer prazo prescricional. A própria literalidade da norma permite extrair a sua eficácia imediata e aplicabilidade direta, claramente voltada a desatrelar a prescrição das ações de ressarcimento das ações de imposição das demais sanções legais previstas na lei de improbidade administrativa”, afirma.
A Advocacia-Geral destaca que a imprescritibilidade das ações de ressarcimento já foi reconhecida pelo próprio Supremo em julgamentos anteriores, entendimento que também prevalece na doutrina jurídica majoritária e no Tribunal de Contas da União.
Além disso, sustenta que não há como se tolerar que o interesse coletivo seja preterido ao direito individual, mormente quando originário de um ato infracional ao direito público. O direito da coletividade deve prevalecer, em consonância com a legislação constitucional vigente.
“Nesse sentido, o dano ao erário causado em decorrência de improbidade não pode ser esquecido pelo decurso do tempo ou pela inércia de certas gestões administrativas, razão pela qual a Constituição garantiu que o ente público pudesse, a qualquer momento, buscar a legítima recomposição de seu patrimônio”, conclui.
Fonte: Conjur, de 3/8/2018
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