2/2/2022

Ciência de dados e transação tributária estão por trás de recuperação recorde da PGFN

A cobrança de débitos orientada por big data e inteligência artificial foi responsável pela recuperação recorde de valores em 2021 pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). De acordo com dados divulgados pela procuradoria na última sexta-feira (28/1), o total recuperado no ano passado atingiu R$ 31,7 bilhões, superando em 29% o montante arrecadado em 2020.

O investimento da PGFN em transação tributária (renegociação de débitos), por meio do Programa de Retomada Fiscal, também contribuiu para o aumento da recuperação de créditos. O prazo para aderir à renegociação segue aberto até 25 de fevereiro e a Fazenda Nacional ainda estuda se será prorrogado.

“O resultado de 2021 é um somatório de fatos. É o culminar de uma série de estratégias, entre elas o investimento em big data e na recuperação de passivos irrecuperáveis”, afirma o procurador João Henrique Grognet, coordenador-geral de Estratégia de Recuperação de Créditos na Procuradoria-Geral Adjunta de Gestão da Dívida Ativa da União.

Segundo o procurador, a Fazenda Nacional começou a trabalhar com grandes bases de dados em 2010, mas o investimento na área se intensificou a partir de 2016. “A gente tem investido massivamente, não é de hoje. Talvez, agora, estejamos começando a colher os frutos. A gente tem, hoje, procurador da Fazenda Nacional que é cientista de dados”, comenta.

Entre os procuradores que buscaram capacitação está Darlon Costa Duarte, que fez pós-graduação em Big Data e Business Intelligence. “Para trabalhar de forma eficaz com recuperação de trilhões de reais, você tem que saber trabalhar grandes massas de dados. Hoje, temos uma estrutura de dados que a gente consegue trabalhar bem nossa base de devedores”, diz.

Segundo ele, para formar sua base de dados a PGFN investiu em convênios e acordos de cooperação técnica com outros órgãos. Uma das fontes de informação, por exemplo, é a base de dados da Receita Federal. Por questões estratégicas, o procurador não revelou outras fontes.

A vantagem do uso dos dados, afirma, é que as informações permitem identificar a melhor forma de recuperar determinado crédito. “Antes, nós requeríamos penhoras sem nenhuma informação sobre a base patrimonial do devedor. Hoje, temos informação suficiente para só demandar ao Judiciário aquilo que temos possibilidade de recuperar”, afirma.

Em 2021, a PGFN recuperou R$ 6,6 bilhões, o equivalente a 20,8% do total arrecadado, por meio de execução forçada, ou seja, exigência do cumprimento de sentença pela via judicial.

Transação tributária

Já os valores recuperados em transação tributária chegaram a R$ 6,4 bilhões no ano passado, o equivalente a 20% do total. A possibilidade de negociação de débitos inscritos em dívida ativa começou com o programa Contribuinte Legal, lançado em 2019, convertido no Programa de Retomada Fiscal para incluir contribuintes que sofreram impactos econômicos e financeiros com a pandemia da Covid-19.

“Quando a gente fala em R$ 6 bilhões em arrecadação, na verdade, o valor regularizado foi muito maior. Será pago ao longo dos anos que se seguirem”, afirma João Grognet. De dezembro de 2019 a novembro de 2021, foram negociados R$ 190 bilhões, e as inscrições de contribuintes no programa de regularização somaram 2,1 milhões.

Recentemente, o prazo para empresas renegociarem os débitos foi prorrogado de 31 de dezembro do ano passado para 25 de fevereiro deste ano. Segundo Grognet, a possibilidade de uma nova prorrogação ainda está em estudo pela PGFN.

Na transação tributária da dívida ativa estão disponíveis as modalidades de negociação extraordinária e excepcional, sendo a segunda destinada exclusivamente a pessoas jurídicas que comprovarem que tiveram a capacidade de pagamento afetada pela pandemia.

A modalidade de transação extraordinária, acessível a todos os contribuintes, prevê entrada de 1% dividida em até três vezes. Os contribuintes em geral podem pagar até 81 parcelas, incluso o tempo de pagamento da entrada. Já as microempresas, empresas de pequeno porte, santas casas e cooperativas podem pagar até 142 parcelas.

Já a modalidade excepcional permite entrada no valor de 4% do débito, que pode ser dividida em até 12 vezes. Os participantes têm direito a parcelar o débito em até 84 vezes, incluindo o período de pagamento da entrada. No caso de microempresas, empresas de pequeno porte, Santas Casas e cooperativas o débito pode ser dividido em até 145 vezes, também incluindo o período de pagamento da entrada.

 

Fonte: JOTA, de 2/2/2022

 

 

Com alta em gasolina e luz, arrecadação do ICMS bate recorde

A arrecadação dos Estados com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) bateu recorde e atingiu R$ 637 bilhões em 2021, com crescimento de 22,6% em relação ao ano anterior, de acordo com dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) obtidos pelo Estadão/broadcast. Os governos estaduais não haviam registrado um crescimento nesse nível desde 1999, início da série histórica.

O aumento nos preços da energia elétrica e dos combustíveis turbinou a arrecadação dos governos estaduais no ano passado, além da retomada de atividades econômicas após o período de maior restrição da pandemia de covid-19. O tributo entrou na discussão sobre o preço dos combustíveis em ano eleitoral. O presidente Jair Bolsonaro pressiona os governadores a reduzirem a alíquota, após terem congelado a cobrança. Eles, porém, não querem abrir mão da arrecadação e dizem não contar com a “ajuda” da inflação para repetir o resultado neste ano.

Bolsonaro negocia uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para eliminar a cobrança de impostos do governo federal e dos Estados sobre o diesel. A medida deve ser debatida no início dos trabalhos do Congresso neste ano, que serão retomados hoje (leia mais nesta página).

Especialistas avaliam que o ano eleitoral pode até levar o poder público a desonerar os combustíveis, mas a medida pode não reduzir os preços para o consumidor e ainda causar um efeito fiscal negativo com a economia do País estagnada.

CAIXA. Os Estados que mais tiveram crescimento na arrecadação do imposto foram Mato Grosso, com incremento de 45,5%, e Goiás, com aumento de quase 32% em relação às receitas de 2020. Quase todos os outros tiveram aumento de arrecadação superior a 20%.

O ICMS representa 86% da arrecadação direta dos Estados. A maior parte da arrecadação é destinada ao pagamento de funcionários públicos. Além disso, um quarto das receitas é transferido para municípios. Por isso, mexer na arrecadação do tributo tem gerado polêmica.

“O ICMS é um grão de areia no preço e tem um impacto grande nas contas apertadas em 2022 para Estados e municípios. Não vamos contar, espero, com elevação da inflação que ajudou nas receitas em 2021. Deve ter, e desejamos é queda da inflação”, afirmou o governador do Piauí e coordenador do Fórum dos Governadores, Wellington Dias (PT).

O que os Estados argumentam é que a arrecadação recorde em 2021 não pode servir de parâmetro para uma redução do ICMS sobre os combustíveis neste ano. “Aqui em Minas, se formos absorver isso e voltar a pagar atrasado o salário dos servidores públicos e parcelar o décimo terceiro em dez meses, eu não aceitarei”, disse o governador de Minas, Romeu Zema (Novo).

PREÇO. O ICMS é apenas parte da composição do preço da gasolina e do diesel, mas o aumento dos preços acaba turbinando a arrecadação dos governos estaduais. No ano passado, os derivados de petróleo foram responsáveis por 17% da arrecadação do ICMS nos Estados. Além dos impostos, o preço do combustível é calculado com base no valor cobrado pela Petrobras nas refinarias, que vem sendo impactado pelo aumento do preço do petróleo no mercado internacional e do dólar, moeda influenciada por turbulências políticas.

FUNCIONALISMO. Há ainda o componente eleitoral. Como mostrou o Estadão, ao menos 14 governadores, que devem concorrer a cargos neste ano, projetam recomposições inflacionárias ou aumentos reais para 2022 aos servidores. Parte deles já aprovou projetos que miram determinadas categorias, com destaque para professores e policiais.

Pelo lado das receitas, a PEC dos combustíveis pressiona os governadores a mexerem no ICMS, mas pode não surtir efeitos a um custo fiscal alto. “O impacto pode ser nenhum até. Os Estados terão a faculdade de reduzir ou não o ICMS do combustível, e os governos estaduais são altamente dependentes do ICMS”, disse o coordenador do curso de Tributação sobre Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), André Félix Ricotta de Oliveira. “O governo federal está sinalizando assim: Eu estou reduzindo e o seu governador está fazendo o quê? Se o governador tiver interesses políticos, ele vai ficar em uma situação complicada.”

Na avaliação do especialista, o aumento nos preços dos derivados de petróleo no mercado internacional e a pressão inflacionária ainda insistente apontam para um preço ainda alto dos combustíveis neste ano, o que deve manter os cofres estaduais abastecidos em 2022. “Se os preços não aumentam, o ICMS também não arrecada mais. No final das contas, o preço deve continuar aumentando para o contribuinte porque não há nenhuma política efetiva nem da União nem dos Estados”, disse Oliveira.

 

Fonte: Estado de S. Paulo, de 2/2/2022

 

 

PEC da Relevância será aprovada até junho, diz presidente do STJ

A Proposta de Emenda à Constituição 10/17, que prevê filtros mais apurados para tramitação de recursos especiais no Superior Tribunal de Justiça, deve ser aprovada e incorporada à Constituição Federal até o final do primeiro semestre. Essa é a expectativa do presidente da corte, ministro Humberto Martins.

Na manhã desta terça-feira (1º/2), ele conversou com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e recebeu de ambos a previsão de aprovação do texto, muito defendido institucionalmente pelo STJ. À tarde, na abertura do ano Judiciário, anunciou aos colegas.

A chamada PEC da Relevância foi aprovada pelo Senado em novembro de 2021. Como o texto foi modificado na ocasião, deverá voltar para nova análise na Câmara. Ela cria a exigência da demonstração da relevância para que o STJ analise os recursos.

"Essa é a missão constitucional do STJ, um tribunal de interpretação e de teses do Direito federal. Até junho teremos a aprovação e a inserção da questão da relevância no texto constitucional", disse o ministro Humberto Martins.

A ideia da PEC da Relevância é racionalizar o trabalho do STJ, um tribunal que sofre com a quantidade exorbitante de recursos. Em 2021, registrou e distribuiu 401,5 mil casos e julgou 552,1 mil. Com isso, bateu a meta do Conselho Nacional de Justiça, que exige que os tribunais julguem mais processos do que receberam no ano.

O problema é a possibilidade de a questão da relevância trazer consigo restrições para a interposição de recursos. Advogados consultados pela ConJur apontam que ela pode fazer o tribunal dar as costas aos vulneráveis, além de institucionalizar a jurisprudência defensiva, sempre criticada pelos que atuam no STJ.

O texto atual da PEC traz hipóteses pré-definidas em que a relevância será presumida: ações penais, ações de improbidade administrativa, causas com valor superior a 500 salários mínimos, ações que possam gerar inelegibilidade, casos de possível contrariedade à jurisprudência do STJ e hipóteses previstas em lei.

Prevê que ainda que outras hipóteses seriam definidas pelo legislador ordinário. Para o ministro Humberto Martins, essa é a garantia de que questões verdadeiramente relevantes chegarão ao STJ, ao mesmo tempo que esse novo filtro poderá corrigir distorções sistêmicas que prejudicam a produtividade da corte.

Pedido da advocacia

Na abertura do ano judicial, o ministro Humberto Martins ainda apresentou e elogiou a reforma do plenário da Corte Especial e citou obras de renovação e adaptação, com ênfase ao aumento da acessibilidade das instalações da corte. Fisicamente no local, só estavam ele e o vice-presidente, ministro Jorge Mussi.

Também falaram a subprocuradora da República, Lindôra Araújo, que reiterou o compromisso do Ministério Público Federal com a democracia e a estabilidade das instituições, tal qual o Judiciário; e o recém-empossado presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti, que foi acompanhado no plenário pelos presidentes das 27 seccionais e pelos 81 conselheiros federais.

No discurso, Simonetti elogiou a atuação recente do STJ em meio à pandemia e a produtividade do tribunal, mas não deixou de tocar em pontos relevantes para os advogados e que seguem em discussão na corte.

Disse que sua função é trabalhar incansavelmente em prol da valorização da advocacia, com a defesa das prerrogativas e dos honorários conforme previstos no Código de Processo Civil.

Estão em julgamento no STJ casos que tratam da hipótese de fixação de honorários de sucumbência por equidade quando o valor da causa for muito alto, hipótese não listada no CPC. Um dos julgamentos estava pautado para esta terça-feira, mas, previsivelmente, foi adiado e será retomado na sessão da Corte Especial de quarta-feira (2/2).

Simonetti também definiu como fundamental que os advogados possam fazer sustentação oral no plenário "sem embaraços" ."Que possamos expor aos ministros e ministras os argumentos e contrarrazões da defesa. Eu me sinto tranquilo por saber que neste corte prerrogativas são sempre respeitadas", disse.

As sustentações orais têm sido feitas de maneira telepresencial desde o início da epidemia da Covid-19, e os pedidos de adiamento de casos para que fossem apreciados somente após o retorno das sessões presenciais gerou discussão em alguns colegiados do STJ.

O presidente da OAB nacional também disse que "é importante e indispensável que tenhamos deferidas as audiências requeridas pela advocacia com ministros, ainda que no modo virtual ou quando possível no presencial, sempre atendendo às regras sanitárias". "É a única forma de que a voz do cidadão possa chegar até esta corte através dos que representa", acrescentou.

 

Fonte: Conjur, de 2/2/2022

 

 

Monopólio vs. concorrência na nova Lei de Improbidade

Por Roberta Simões Nascimento

No último dia 6 de dezembro de 2021, a Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape) e a Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe) ingressaram, respectivamente, com a ADI nº 7.042 e a ADI nº 7.043 contra modificações na Lei 8.429/1992 (a Lei de Improbidade Administrativa) feitas pela Lei 14.230/2021, publicada no dia 25 de outubro de 2021. As duas ADIs foram distribuídas para o ministro Alexandre de Moraes.

Em resumo, as ações se voltam contra o artigo 2º (nos pontos que altera o artigo 17, caput, inclui os §14 e §20, e inclui o artigo 17-B da Lei 8.429/92, que dispõe sobre improbidade administrativa), o artigo 3º e o artigo 4º, inciso X, todos da Lei 14.230/2021, sob o argumento de que tais dispositivos normativos violam o princípio federativo (artigo 1º), o princípio da vedação do retrocesso social (artigo 5º, §2º), o artigo 18 (autonomia federativa), artigo 23, inciso I (que prevê a competência comum da União, dos estados e dos municípios para zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público), o princípio da eficiência (artigo 37, caput), o artigo 37, §4º (controle dos atos de improbidade administrativa), o artigo 129 (que trata das funções do Ministério Público), o artigo 131 (que trata da Advocacia-Geral da União), o artigo 132 (que trata da advocacia pública dos Estados e do Distrito Federal).

O principal ponto de reclamação das ADIs versa sobre a legitimidade exclusiva do Ministério Público para propor as ações de improbidade administrativa. De modo semelhante, as entidades autoras argumentam que tal alteração legislativa “retira dos entes lesados a legitimidade para ajuizar ação de improbidade, usurpando da União, dos estados e dos municípios a principal ferramenta que dispõem para buscar o ressarcimento ao erário do dano causado pelo agente ímprobo” (p. 24 da inicial da ADI nº 7.042).

Em primeiro lugar, quanto ao mérito dos pedidos, começando pela nova previsão de legitimidade ativa exclusiva do Ministério Público para propor a ação de improbidade administrativa, basta uma leitura do artigo 17, §14, da Lei 8.429/92, incluído pela Lei 14.230/2021, para observar que a previsão trouxe, na verdade, o que Daniel Amorim de Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira chamaram de “legitimidade ativa superveniente condicionada” da pessoa jurídica interessada.

Isso porque, embora não exista a legitimidade para a propositura da ação de forma “autônoma”, ela passa a existir com o processo em trâmite. Com a intimação, a pessoa jurídica passará a participar do processo se assim o desejar. Então, a concentração da legitimidade ativa para propor a ação de improbidade no Ministério Público não impede, em sendo ajuizada a ação, a pessoa jurídica interessada de ingressar no feito.

Com isso, não se sustenta o argumento de que a previsão violaria o artigo 129 da Constituição, a partir da comparação entre seu inciso I – que prevê a competência privativa do Ministério Público para promover a ação penal – e seu inciso III, que não usou a palavra “privativamente” para estabelecer a competência do Ministério Público para promover o inquérito civil e a ação civil pública. Na construção da Anape, isso indicaria a vontade do constituinte em fixar que tal legitimidade não é privativa do Ministério Público. Ora, tal raciocínio não tem o menor cabimento. Explique-se.

O fato de o constituinte não ter limitado ou atribuído exclusividade à atuação do Ministério Público no inciso III (diferentemente do que fez no inciso I) não significa que o legislador infraconstitucional não possa fazê-lo. No referido artigo 129, inciso III, da Constituição, não se encontra qualquer proibição dirigida ao legislador, limitando sua discricionariedade nesse sentido. Trata-se de espaço de livre conformação do legislador, um tema de política legislativa, sem que a opção feita na lei implique qualquer tipo de inconstitucionalidade.

Além disso, registre-se o teor do artigo 129, §1º, da Constituição Federal, segundo o qual “a legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei”. Como se vê, “não impedir” é diferente de “obrigar” a atuação de terceiros. As três modalidades deônticas (proibido, permitido e obrigatório) não se confundem. O que determina a atuação de outras instituições em paralelo com o Ministério Público é o que consta na previsão legal, na vontade do legislador, não tendo o constituinte obrigado a legitimidade concorrente que pretendem as associações de advogados públicos, mas apenas autorizado essa possibilidade, conforme o juízo do legislador.

No que diz respeito ao mérito dessa escolha legislativa, registre-se que a legitimidade concorrente não necessariamente servia de instrumento para a devida proteção da res publica, deixando aberta a margem para o ajuizamento de ações temerárias, diante do risco de influência política ou mesmo captura sobre os órgãos de advocacia pública, um fenômeno mais comum do que se pode imaginar, uma vez que aos integrantes das carreiras da advocacia pública não são asseguradas autonomia e independência que apenas podem advir das garantias de vitaliciedade e inamovibilidade previstas no artigo 128, §5º, inciso I, alíneas a e b, da Constituição.

Justamente em razão das consequências de uma ação de improbidade, com penas de natureza político-administrativa, que podem tornar inelegíveis os condenados, e por conta dos abusos contra a honra de agentes públicos observados no passado, é que resta justificado o cuidado que o legislador pretende conferir à legitimidade ativa na ação de improbidade administrativa, deixando-a exclusivamente a cargo do Ministério Público. A preocupação do legislador vai no sentido de, sem macular a política pública de combate à improbidade administrativa, evitar a propositura de ações, de forma ilegal e injusta, contra réus que não cometeram atos de improbidade, com o único objetivo de colocar em dúvida a honestidade desses administradores públicos.

A mesma lógica se aplica à impugnação do artigo 17-B da Lei 8.429/1992 incluído pela Lei 14.230/2021, pelo qual o Ministério Público poderá celebrar acordo de não persecução civil, um importante instrumento para a solução consensual dos conflitos. É natural que se atribua a legitimidade para celebrá-lo exclusivamente ao Ministério Público, que é o titular da ação de improbidade administrativa, sem afastar a possibilidade de os entes federados ou pessoas jurídicas interessadas celebrarem o acordo de leniência nos termos do artigo 16 da Lei 12.846/2013, que não foi revogado pela Lei 14.230/21.

A opção do legislador foi por não dar ao ente federativo lesado o poder de impedir a geração de efeitos do acordo, tampouco conferir-lhe poder para negociar sozinho o acordo de não persecução civil, diante da natureza sancionatória da ação de improbidade administrativa. Ademais, o artigo 17-B, §1º, inciso I, estabelece que a negociação depende da oitiva do ente federativo lesado, em momento anterior ou posterior à propositura da ação.

Em segundo lugar, a Anape se insurge contra a previsão do artigo 17, §20, da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, pelo qual “a assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo administrador público ficará obrigada a defendê-lo judicialmente, caso este venha a responder ação por improbidade administrativa, até que a decisão transite em julgado”. Segundo a Anape, o dispositivo ofenderia o artigo 132 da Constituição, pois tal previsão constitucional não teria trazido a representação judicial ou extrajudicial de servidores como uma competência explícita da advocacia pública.

Ocorre que tal obrigatoriedade de a assessoria jurídica intervir em juízo se relaciona, sobretudo, à defesa do ato praticado, evitando o desamparo do administrador público que, aconselhado pela assessoria jurídica, e tendo-a obedecido e praticado o ato cuja legalidade foi atestada em conformidade com o respectivo parecer, ainda assim teve ajuizada contra si uma ação de improbidade administrativa.

Além disso, cabe o registro de que essa competência já consta no plano federal e, por força do princípio da simetria, deve ser replicada no âmbito dos estados e do Distrito Federal. O artigo 22 da Lei 9.028/1996 já previa a representação judicial dos agentes públicos pela Advocacia-Geral da União e seus órgãos vinculados, nas respectivas áreas de atuação. Inclusive, o tema é objeto da Portaria AGU nº 428, de 28 de agosto de 2019, que estabelece os procedimentos relativos à representação judicial dos agentes públicos, e a AGU lançou cartilha sobre a “Representação de Agentes Públicos pela Advocacia-Geral da União”. E tal atribuição institucional da AGU na representação dos agentes públicos também foi reforçada no artigo 37, inciso XVII, Lei 13.327/2016.

Como se a argumentação acima não bastasse, recorde-se que a boa-fé objetiva, que é aplicável ao direito administrativo, como cláusula geral, nos termos do artigo 2º, parágrafo único, IV, da Lei 9.784/1999, desempenha função de controle dos atos administrativos, impedindo o abuso de prerrogativas e da discricionariedade sem limites pela administração.

Nesse sentido, quando um órgão público adota um comportamento contraditório em relação à postura anterior – ou seja, a assessoria jurídica atesta a legalidade do ato a ser praticado, mas se nega a defendê-lo em juízo – tem-se manifesta violação ao postulado da boa-fé objetiva, o que é ainda mais grave se o órgão é o mesmo (ou seja, o comportamento contraditório se dá dentro da própria advocacia pública) e se esse órgão exerce a função de controlador (como é a advocacia pública, que afiança a legalidade dos atos e processos administrativos).

A rigor, o princípio da proibição do comportamento contraditório (nemo venire contra factum proprium) deve proteger esse tipo de situação. É precisamente isso o que faz o artigo 17, §20, da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021. Se o órgão jurídico atestou a legalidade do ato previamente não tem o direito de recusar sua defesa respectiva em juízo. A eventual negativa de representação judicial do administrador público pela advocacia pública que o assessorou representaria caso flagrante de abuso de direito e afrontaria a boa-fé objetiva.

Em terceiro lugar, a Anape contesta o artigo 3º da Lei 14.230/2021, que suspende pelo prazo de um ano os processos das ações por improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda Pública para que o Ministério Público competente manifeste interesse no prosseguimento do feito e, não adotada a tal providência, o processo será extinto sem resolução do mérito. Sustenta a Anape que o dispositivo é inconstitucional por ofensa ao artigo 5º, inciso XXXVI, pelo qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Ocorre que, como sabido, normas que trazem novas condições de procedibilidade – como é o caso da novidade que confere legitimidade ativa exclusiva para o Ministério Público para ajuizar ações de improbidade administrativa – têm natureza “mista” ou “híbrida” (material e processual), de modo que devem retroagir em benefício dos réus, devendo ser aplicada aos processos em andamento, ainda que iniciados antes da sua vigência. Foi exatamente isso o que fez o artigo 3º da Lei 14.230/2021, ao conferir um prazo para que o Ministério Público “encampe” (ou não) as ações em curso.

A retroatividade é mais que uma opção de técnica legislativa para a disciplina do direito intertemporal, sendo, na verdade, obrigatória neste caso, por força do artigo 5º, inciso XL, da Constituição, pelo qual “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Como sabido, essa garantia aplica-se não apenas no âmbito penal, mas a todo o direito sancionador, ainda que os ilícitos sejam civis, políticos e administrativos.

Assim, a norma impugnada apenas dá cumprimento ao referido comando constitucional. Não teria sido possível ao legislador proceder de outra forma. O legislador só adiantou o desfecho que seria inevitável, pois tampouco os tribunais teriam como decidir diferente. Na prática, o dispositivo apenas evita a judicialização em torno desse assunto.

E mais: não é a primeira vez que o legislador estabelece a retroatividade de um dispositivo legal mais benéfico para ao réu (novatio legis in mellius) e essa opção incorpora a jurisprudência do próprio STF, sedimentada na interpretação de modificações semelhantes realizadas pela Lei 9.099/1995, em relação à lesão corporal leve e culposa.

Como sabido, o referido diploma legislativo, em seu artigo 88, estabeleceu a representação do ofendido como condição para a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas. E, disciplinando a situação dos processos em curso, fixou a regra do artigo 91: “Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência”. Ou seja, determinou-se a retroatividade da nova condição indispensável para o exercício da ação penal nos casos de lesão corporal leve e culposa. Tal opção legislativa da Lei 9.099/1995 foi inequivocamente chancelada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do HC nº 74.334.

Mais recentemente, o mesmo ocorreu em relação ao artigo 171, §5º, do Código Penal, incluído pela Lei 13.964/2019, o Pacote Anticrime. O referido dispositivo legal passou a exigir representação da vítima para abertura de ações penais pelo tipo de estelionato, com as exceções especificadas. Ocorre que desta vez o legislador foi silente quanto à aplicação retroativa da nova condição para os processos em curso. Diante da inexistência de previsão expressa de retroatividade na própria lei, a questão foi judicializada. Após manifestações judiciais divergentes de outros tribunais, a definição do tema coube ao STF, que entendeu pela aplicação retroativa do referido dispositivo legal no julgamento do HC nº 180.421, em 22 de junho de 2021.

Vale registrar que uma das novidades mais importantes da Lei 14.230/2021 foi a modificação da natureza da ação de improbidade, corrigindo legislativamente a jurisprudência tradicional que a considerava uma ação civil. De fato, a ação de improbidade administrativa sempre apresentou uma natureza singularíssima, pois nenhuma outra ação civil pode aplicar as sanções empregáveis no âmbito das condenações por improbidade.

Sem dúvidas, a ação de improbidade administrativa constitui exemplo de “processo judicial punitivo não penal”. Assim, o legislador definiu que a ação de improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, e que não constitui ação civil, por expressa disposição do artigo 17-D da Lei 8.429/1992, também acrescentado pela Lei 14.230/2021:

“A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta lei, e não constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos”.

O legislador no parágrafo único do artigo 17-D ainda tratou de diferenciar os objetos da ação de improbidade e da ação civil pública:

“Ressalvado o disposto nesta lei, o controle de legalidade de políticas públicas e a responsabilidade de agentes públicos, inclusive políticos, entes públicos e governamentais, por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, à ordem econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social submetem-se aos termos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985”.

Quis o legislador deixar claro que as ações de improbidade administrativa são destinadas à imposição de sanções pessoais, e não se confundem com as ações civis públicas, cuja vocação é a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Tal opção legislativa foi longamente debatida pelos parlamentares, como se pode conferir do parecer do senador Weverton Rocha (PDT-MA) sobre o PL 2505/2021 (PL 10.887/2018 na Câmara), cuja aprovação resultou na Lei 14.230/2021.

Por tudo isso, vê-se que as ADIs nº 7.042 e 7.043 não devem ter muito futuro, porque, no mérito, os dispositivos legais impugnados são constitucionais, independentemente de interpretação conforme à Constituição, considerando que todos constituem opção legislativa legítima dentro do espaço de conformação dado ao legislador, em especial o “monopólio” do Ministério Público para propor a ação de improbidade administrativa, pois a Constituição não determinou ao legislador que haja “concorrência” nesse assunto.

ROBERTA SIMÕES NASCIMENTO – Professora adjunta na Universidade de Brasília (UnB). Advogada do Senado Federal desde 2009. Doutora em Direito pela Universidade de Alicante, Espanha. Doutora e mestre em Direito pela UnB.

 

Fonte: JOTA, de 2/2/2022

 

 

Comunicado do Conselho da PGE

EXTRATO DA ATA DA 22ª SESSÃO ORDINÁRIA
BIÊNIO 2021/2022
DATA DA REALIZAÇÃO: 01/02/2022

Processo: PGE-EXP-2021/34839
Interessado: Subprocuradoria do Contencioso Geral
Assunto: Programa de Colaboração entre as áreas do Contencioso Geral, Contencioso Tributário-Fiscal e Consultoria.
Relator: Conselheiro Marcio Martins Muniz Rodrigues

Após a leitura do voto do Conselheiro Relator, o processo foi retirado de pauta com pedido de vista da Conselheira Maria de Lourdes D’Arce Pinheiro

 

Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 2/2/2022

 

 

Portaria SUBGCTF nº 2, DE 28 DE JANEIRO DE 2022

Disciplina as competências para atuação em núcleos estaduais de processos eletrônicos – NEPE (republicado por conter incorreções).

Clique aqui para o anexo

 

Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 2/2/2022

 

 

Comunicado PR de Campinas I

O Procurador do Estado Chefe da Procuradoria Regional de Campinas faz saber que estão abertas as inscrições para o preenchimento de 4 (quatro) vagas para compor a Comissão de Concurso para seleção de estagiários de Direito na Área do Contencioso Geral para a Seccional de Bragança Paulista da Procuradoria Regional de Campinas.

Clique aqui para o anexo

 

Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 2/2/2022

 

 

Comunicado PR de Campinas II

O Procurador do Estado Chefe da Procuradoria Regional de Campinas faz saber que estão abertas as inscrições para o preenchimento de 4 (quatro) vagas para compor a Comissão de Concurso para seleção de estagiários de Direito na Área do Contencioso Geral e Tributário Fiscal para a Seccional de Campinas Sede da Procuradoria Regional de Campinas.

Clique aqui para o anexo

 

Fonte: D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 2/2/2022

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