Audiência
de bêbado não tem dono!
Acho
que não é nenhuma novidade para aqueles que advogam e
participam de audiências que a prova testemunhal, antes
considerada a “rainha” das provas, há muito se revelou
verdadeiramente a “prostituta” delas. Acho, também, que
não existe um advogado, um colega procurador sequer, que
não tenha tido um “probleminha” qualquer com depoimento
de testemunhas, quer ele atue no Contencioso, quer na
Assistência Judiciária. Comigo não foi diferente.
A
audiência de divórcio consensual destinavase,
tão-somente a, comprovar o lapso temporal de dois anos
de ruptura de vida conjugal, condição sine qua non
para a decretação da dissolução do vínculo. A
assistida até providenciou dois nomes de testemunhas,
devidamente arroladas na inicial, para comprovação em
juízo de que ela e o maridão já não viviam sob o mesmo
teto pelo período aludido, além de confirmarem que ela
até já estava vivendo com outro homem.
Instalada a audiência, o juiz pergunta pelas
testemunhas; olho para a autora e ela, contrariando o
combinado, relata que elas não haviam comparecido. O
juiz pergunta se por acaso não estaria presente ao menos
uma pessoa que pudesse atestar os fatos e que, se assim
fosse, entenderia satisfeitas as condições legais para
“matar o processo”.
O
autor, que até então estava quieto na cadeira,
manifesta-se com aquele ar característico de quem meteu
no “bucho” uma “cangibrina”, uma
“água-que-passarinho-não-bebe”, uma “marvada” (guardei
uma interessante toalha de papel descartável, de um
restaurante que serve vários tipos de pinga com sabores,
aqui da cidade; nela está estampado um sem-número de
nomes e apelidos da bebida; se o leitor desejar, eu
continuo escrevendo um por um, mas haja papel e
paciência para ler todos!). Melhor continuar o
“causo”...
O
cidadão levanta-se da cadeira e pede a palavra:
– “Esssxcelênça”,
“colicença”, uma palavrinha a vossa “essscelênça”!
O juiz, muito calmo permite:
– Pois não, o que o senhor quer falar?
O homem responde:
– Tem um amigo aí fora que sabe de tudo!
Mas antes de ele entrar, se vossa “essscelênça” me
permite, e queria falar umas “coisa”!
O juiz, ainda calmo, retruca:
– O que o senhor tem a falar?
E o “marvado”, apontando para a assistida:
– Fala pra ela “levantá” a “brusa” e “mostrá” o “taio”
que o companheiro dela fez na barriga dela “co” facão de
“cortá” cana!
O juiz, ainda calmo, toma as rédeas da situação:
– Não,
meu amigo, não precisa mostrar nada não. Esta é uma
audiência amigável, vocês já fizeram acordo que o doutor
procurador já pôs no papel, está tudo certinho. Vamos
ouvir seu amigo, então, apenas para que ele conte o que
sabe, se vocês já não vivem juntos como marido e mulher,
e você já estará liberado para ir embora, tudo bem?
O
sujeito se acalmou, acenando com a cabeça, sentando na
cadeira novamente, sem antes insistir na “perícia” de
inspeção judicial na mulher e, olhando para ela ainda
falou:
–
Levanta a “brusa” e mostra, mostra o “taio” pra ele
p...!
Tudo
que começa mal, só pode piorar. Passado esse primeiro
“contratempo”, finalmente adentra na sala a indigitada
testemunha, amiga “íntima” do autor. Quase não passou
pela porta, de tão grande! Barbudo, lembrou-me a figura
do Rasputim.
Detalhe importante: assim como o autor, estava igual e
levemente alcoolizado... Lembrei do velho desenho
animado, em que aquela hiena derrotista dizia “oh dia,
oh dor, oh azar”!!
Todo
animado e pronto a colaborar, o grandalhão senta-se na
frente do magistrado que, depois de um breve
cumprimento, tratou logo de disparar as perguntas
seguidas, para acabar de vez com o problema:
– O
senhor conhece o casal? Faz quanto tempo que eles estão
separados?
Sinalizando o “sim” com a cabeça, lepidamente o
homenzarrão decreta, “na lata”:
– Dois
meis “essscelênça”!
Pronto! Meia hora de enrolação e eu estava perdendo meu
precioso tempo e a audiência!
O
juiz, meio que sorrindo, ainda debocha e me pergunta:
– O
senhor quer saber algo mais, doutor?
Ainda
tentando uma “respiração boca a boca” pra salvar o ato,
pergunto:
–
Excelência, será que a testemunha não se equivocou, e
disse dois meses ao invés de... Nem deu tempo de
completar a frase; o pau d’água disparou de novo:
– “É
dois meis memo”!!! E nova audiência foi designada, com o
compromisso da autora de trazer as “suas” testemunhas.
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Walter
José Rinaldi Filho é procurador do Estado desde 1990,
classificado na Seccional de Jaú (PR7/Bauru), ainda
atuando na Assistência Judiciária.
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