Eles eram 155. Trinta e cinco desistiram no caminho, escolheram
novas carreiras, desprestigiados que se sentiram. Afinal, foram
577 dias em estado de alerta. E de decepção.
A cada novo quadrimestre em que o limite prudencial de gastos do
Estado era novamente ultrapassado, os aprovados viam cair por
terra seu sonho de nomeação. "Vida em suspenso",
"breque de mão puxado". Termos diferentes para
definir as sensações de quem ficou exposto a essa dura espera.
Que finalmente acabou. O decreto de nomeação foi assinado em
12 de julho e a publicação saiu no Diário Oficial do dia 13.
A posse está programada para 12 de agosto, no Memorial da
América Latina, e a escolha de vagas para o dia seguinte. Nessa
data os novos procuradores definirão a área em que atuarão,
se será na capital ou no interior.
Glauber Callegari e
Renata Flores Tibyriça são personagens dessa história e um
retrato da perseverança e força de vontade que vêm somar
ânimo à carreira.
"Essa espera foi
torturante para mim e acredito que para quase todos os
aprovados. Nesse período, vivemos vários altos e baixos;
tempos de esperança e desespero o que fez com que nos
sentíssemos em uma "montanha-russa emocional", como
muito bem descreveu uma das colegas aprovadas em uma mensagem
enviada ao grupo", descreve Glauber, que participou
ativamente dos movimentos criados para pressionar o governo pela
nomeação. "Foi muito revoltante o descaso com que fomos
tratados e a falta de informações (ou informações
imprecisas) nos deixava cada vez mais angustiados." Para
Glauber, a aprovação em concurso deveria atribuir direito de
nomeação ao candidato. "Ou então que, pelo menos, o
Governo ficasse obrigado a restituir o valor das inscrições,
caso o concurso caducasse", avalia. "Ainda que todos
os argumentos utilizados para o adiamento da nomeação fossem
verdadeiros, nada justifica a abertura de um concurso em uma
situação que impediria a nomeação, sem que os candidatos
fossem sequer alertados sobre isso: na época das provas, o
Estado já estava acima do limite de despesas com pessoal",
completa.
Renata conta que, no
início, tentou se dedicar ao trabalho. "No entanto, quando
houve aquela reunião em abril com o Dr. Elival e foi dito que
se o Estado não saísse do limite prudencial não haveria
nomeação, fiquei preocupada e resolvi voltar a estudar."
Mas não era fácil: ela sabia que já havia vencido essa etapa.
"Sempre me vinha na cabeça que eu não precisava mais
estudar para concurso. Mas eu tinha medo que o nosso concurso
caducasse, assim continuava tentando."
As chances de crescer no
trabalho também foram anuladas. Outros concursados relataram
isso ao longo desse tempo. "Ninguém irá investir naquele
que vai sair. No início do ano acabei perdendo minha lotação
no gabinete e fiquei apenas prestando serviços, uma situação
precária", conta Renata. A saída foi juntar-se aos
colegas na mesma situação. "Lutei em alguns momentos
mais, em outros menos. Achava que nossa nomeação era
absolutamente necessária para o Estado que, sem procuradores,
não atinge seus fins: não faz licitações, não contrata,
não cobra a dívida ativa, não presta a assistência
judiciária gratuita."
Glauber Callegari estava
na reunião do Conselho em que o procurador-geral do Estado
argumentou que a contratação dos novos deveria ser vista com
uma forma de compensação à remuneração zero. "Superada
a questão orçamentária, nossa nomeação era praticamente
certa nesse quadrimestre", atenta Glauber.
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Renata
faz parte do grupo que jamais desistiu da nomeação e
que,
nas reuniões do Conselho, exigia definição |
Flores
– Mas não foi só ruim. "Como tudo na vida, isso teve um
lado bom sim. Esse tempo de espera fez com que eu conhecesse
pessoas muito legais – algumas das quais, inclusive, me tornei
amigo – e serviu para unir o grupo dos aprovados. Deu para
sentir que, com organização e união, conseguimos, pelo menos,
fazer barulho", conta Glauber.
Amizade conquistada
nesses tempos difíceis, Renata Flores Tibyriça tem destino
certo na Procuradoria. "Estudei num colégio que
desenvolvia trabalhos assistenciais na periferia e com isso
sabia que, independente da carreira que eu escolhesse,
desenvolveria algum trabalho com pessoas carentes. Conheci a PAJ
antes mesmo de entrar na faculdade: meu marido é procurador e
sempre me contava sobre o trabalho que ele fazia lá. Fiquei
fascinada, era tudo o que eu queria: trabalhar com pessoas que
não dispõem de recursos para pagar um advogado particular e
que, se não houvesse um órgão como a PAJ, não teriam como
pleitear pretensões ou se opor a estas sem prejuízo do seu
próprio sustento ou de sua família." Renata estagiou na
PAJ no quarto ano de faculdade. "Sempre quis prestar o
concurso da PGE. Quando passei, me senti realizada.
Infelizmente, os problemas começaram. Esse um ano e meio foi
horrível para mim, senti como se a minha vida estivesse sob uma
condição suspensiva, nada parecia sair do lugar."
Perspectivas
– Renata, que como Glauber trabalha no Tribunal Regional
Federal, 3ª Região, conta que agora está feliz.
"Finalmente tomaremos posse e poderei desenvolver o
trabalho que sempre sonhei." E os problemas que a carreira
enfrenta? "Tenho consciência deles. A questão
remuneratória e a falta de profissionais são só a ponta do
iceberg, o grande problema da PGE é a falta de autonomia, sem
isso a instituição fica sempre na dependência do Poder
Executivo. Também temos que lutar pela Defensoria Pública,
pois só assim a assistência judiciária gratuita e de
qualidade poderá ser prestada a um grande número de
pessoas", enumera Renata.
Glauber também não se
amedronta diante das dificuldades que a carreira possa
apresentar. "Teremos que continuar lutando, mas isso não
me desanima nem assusta. Na verdade, tenho tentado abstrair
essas outras questões, porque o que realmente me interessa no
momento é a nomeação. Quero entrar na Procuradoria, órgão
que sempre quis integrar desde que comecei a estudar para
concurso e fazer um bom trabalho."
A tão esperada
nomeação dos novos procuradores deve aliviar parcialmente a
extenuante rotina nos diferentes setores da PGE. Mas, a
experiência e a disposição de luta que esses jovens colegas
demonstraram esse tempo todo deve ser o maior ganho da carreira.