Dívida
de R$ 62 bi leva o Senado a discutir saída para os
precatórios
Projeto
que limita os gastos de Estados e municípios para
quitar débitos gera protestos de OAB e Fiesp
Sérgio
Gobetti e Ricardo Brandt
Em meio a
uma queda-de-braço entre a classe dos advogados e os
governadores, o presidente do Congresso, senador Renan
Calheiros (PMDB-AL), tentará mobilizar os líderes do
Senado, nesta semana, para retomar a discussão e a votação
do projeto de emenda constitucional que limita os gastos
de Estados e municípios com pagamento de precatórios -
dívidas decorrentes de sentença judicial contra a
administração pública.
No último
levantamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), há um ano e meio, o estoque dessas dívidas com
pessoas físicas e jurídicas - incluindo indenização
por terras e verbas salariais - já ultrapassava os R$
62 bilhões.
Para a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a proposta de teto
anual para a quitação dos precatórios é
inconstitucional por representar um confisco e uma ameaça
à efetivação do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), pela instabilidade jurídica que
cria. OAB e Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (Fiesp) entregam amanhã ao Congresso um
substitutivo ao Projeto de Emenda à Constituição (PEC)
nº 12, que trata do tema.
Um dos
argumentos levantados pelas entidades é um estudo
mostrando que a Prefeitura de São Paulo levaria 45 anos
para pagar os atuais credores de precatórios com a
regra da PEC. No Espírito Santo, seriam precisos 140
anos para honrar todas as atuais dívidas.
A PEC em
tramitação no Congresso prevê que, caso opte pelo
“regime especial” de pagamento de precatórios, o
Estado terá de reservar 3% de sua despesa primária
para essa finalidade e os municípios, 1,5%, mais do que
o dobro do que gastam hoje. Em compensação, são
autorizados a promover uma espécie de leilão público
em que aceitam quitar o precatório de quem oferece o
maior desconto sobre o valor devido.
O relator
do projeto, senador Valdir Raupp (PMDB-RO), admite que
alguns Estados já pressionam para que esse índice seja
reduzido para 2%. “Se estivéssemos falando de uma
nova moratória de 15 anos, seria uma tremenda violência,
um absurdo. Mas em 15 anos, todos receberiam. Agora,
falar em 45 anos, 140 anos, é um calote, um
confisco”, ataca o presidente da Comissão de Precatórios
da OAB-SP, Flávio Brando.
O assunto
é tão espinhoso e, ao mesmo tempo, importante para os
governadores que fez parte da pauta da última reunião
com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Granja
do Torto, há 15 dias. Na ocasião, os governadores
pediram e, aparentemente, receberam o apoio do Palácio
do Planalto para aprovar novas regras sobre pagamento de
precatórios, aliviando a pressão sobre os cofres
estaduais e municipais.
Atualmente,
na prática, muitos precatórios já são quitados com o
chamado “deságio”, que em alguns casos chega a 70%
do valor original da sentença judicial, mas isso depois
de um processo de negociação que envolve a participação
dos escritórios de advocacia. Por isso, há um grande
interesse e temor dos advogados de perder sua parte
nesse lucrativo mercado de precatórios.
Apesar das
críticas da classe à PEC, a sua concepção se deve
justamente à equipe de um dos mais renomados juristas
do País, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) Nelson Jobim. Durante sua presidência no STF, em
2004 e 2005, Jobim promoveu uma série de debates para
construir um texto consensual que garantisse uma saída
ao problema.
No início
de 2006, Renan assumiu a paternidade oficial da proposta
ao apresentá-la sob a forma de emenda constitucional.
Mas a PEC permaneceu em banho-maria na Comissão de
Constituição e Justiça até o final do ano passado,
quando realizou-se a primeira audiência pública para
discutir o tema.
“A PEC
dos precatórios é uma das minhas prioridades. Tenho
conversado com o (José) Serra e pretendo colocá-la em
votação ainda no primeiro semestre”, disse Renan,
revelando o interesse que o assunto desperta no
governador paulista.
Nos
bastidores, José Serra (PSDB) tenta costurar um amplo
acordo para aprovar a emenda constitucional. Além de
reservar 70% do valor de pagamento dos precatórios para
os leilões e 30% para a lista dos menores precatórios,
a PEC também prevê a possibilidade de compensação
entre dívidas. Ou seja, se uma empresa deve tributos ao
Estado e, ao mesmo tempo, é credora de um precatório,
só terá direito de receber a diferença entre esse
precatório e a dívida com a Fazenda estadual.
Na sua
versão original, a proposta elaborada pelo STF também
beneficiava os governadores ao excluir o valor pago de
precatórios da receita que serve de base de cálculo
das parcelas da dívida com a União e do piso de gastos
com saúde e educação. Assim, a despesa adicional com
precatórios seria compensada parcialmente com um menor
gasto com essas vinculações. Mas o Ministério da
Fazenda e as bancadas da saúde e educação são
contra.
Fonte:
O Estado de S. Paulo, de 26/03/2007
São
Paulo deve mais de R$ 23 bi
Estado e
prefeituras concentram mais de 1/3 da dívida
Mais de um
terço dos R$ 62 bilhões de precatórios devidos estão
em São Paulo. Governo estadual e prefeituras (incluindo
a capital) devem mais de R$ 23 bilhões por conta de
decisões judiciais concedendo indenizações a pessoas
físicas e jurídicas.
A maior
parte dos precatórios “paulistas” não entra no cálculo
da dívida consolidada do Estado, por uma concessão do
Senado na regulamentação da Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF), e tampouco aparece nos demonstrativos de
disponibilidade de caixa, que servem de termômetro para
a chamada dívida flutuante ou de curto prazo, fazendo
com que o governo do Estado aparente situação fiscal
melhor do que a que efetivamente tem.
No final
de 2005, por exemplo, o estoque de precatórios devidos
pelo Estado somava R$ 12,99 bilhões. Apenas R$ 2,83
bilhões integravam o cálculo da Dívida Consolidada Líquida
(DCL) porque se referem a sentenças posteriores à sanção
da LRF (5 de maio de 2000). As sentenças anteriores a
essa data, por decisão do Senado, não integram o cálculo
da DCL - em São Paulo e em outros Estados.
Além
disso, a Secretaria da Fazenda de São Paulo
contabilizava em dezembro de 2005 R$ 1,026 bilhão de
precatórios que já tinham sido empenhados e se
transformado em restos a pagar processados. Esse valor
de “restos a pagar”, entretanto, não está sendo
considerado no cálculo da dívida flutuante - e no
demonstrativo de disponibilidade de caixa -, ao contrário
do que ocorre na maioria dos grandes Estados, como Minas
Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
De acordo
com a Secretaria da Fazenda, a dívida flutuante
paulista inclui apenas os restos a pagar originados por
contratos. Esse procedimento contábil seria adotado há
muitos anos e avalizado pelo Tribunal de Contas do
Estado.
Mas o
manual do Tesouro Nacional sobre os relatórios de gestão
fiscal não deixa dúvida sobre o correto cálculo das
disponibilidades: diz explicitamente que os restos a
pagar decorrentes de precatórios devem ser incluídos.
Se isso fosse feito, o superávit financeiro de São
Paulo cairia de R$ 1,9 bilhão para menos de R$ 1 bilhão.
S.G.
Fonte:
O Estado de S. Paulo, de 26/03/2007
Supremo
considera válida lei estadual sobre antecipação de
ICMS
Por
maioria, os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal)
negaram a anulação do artigo 12-A da Lei Estadual
8.967/03, da Bahia, feito pela Confederação Nacional
do Comércio. Assim, continua valendo o dispositivo que
alterou a Lei do ICMS no Estado (7.014/96), impondo a
antecipação parcial do imposto às empresas que
adquirirem mercadorias para comercialização em outro
Estado, independentemente do regime de apuração
adotado pela empresa.
De acordo
com o Supremo, o pedido de anulação foi feito por meio
da Adin (ação direta de inconstitucionalidade) 3426.
Segundo a confederação, a prática determinada pela
lei afronta dispositivos constitucionais por discriminar
mercadorias em razão de sua procedência e limitar sua
livre circulação, bem como por impedir os princípios
da livre iniciativa e da livre concorrência.
Outra
inconstitucionalidade apontada pela CNC diz respeito à
impossibilidade de antecipar tributação sem ocorrência
de fato gerador. A entidade afirmava que a lei estadual
pretende "desestimular operações interestaduais,
pela incidência de maior tributação".
Segundo a
CNC, é inconstitucional também a invasão da lei à
competência da União (art. 22, VIII, CF) e do Senado
Federal (art. 155, IV, da CF) para, respectivamente,
legislar sobre comércio interestadual e baixar resolução
que estabeleça alíquotas.
“A
determinação constante no inciso III, parágrafo 1º
do artigo 12-A não significa o afastamento da substituição
tributária na espécie, como quer fazer crer a
proponente”, disse o relator da ADI, ministro Sepúlveda
Pertence. “Havendo a empresa antecipado integralmente
a satisfação da obrigação tributária, por óbvio não
se pode exigir também a antecipação da diferença
entre a alíquota interna e externa, já que estaria
incluída naquela operação, daí a denominação de
antecipação parcial dado ao instituto e a observação
de que esse não encerra a fase de tributação, pois o
restante do imposto ainda será cobrado
oportunamente”.
Com base
no parecer da PGR (Procuradoria Geral da República),
inicialmente, Pertence verificou o exercício da competência
estadual quanto à antecipação parcial do ICMS, pois
conforme a Constituição Federal (artigo 155, inciso
II) a competência para disciplinar e cobrar este
imposto é do Estado-membro.
Assim, ele
analisou que a antecipação parcial do ICMS —no
momento das aquisições interestaduais de mercadorias
para fins de comercialização— é uma situação
expressamente autorizada na CF pelo artigo 150, parágrafo
7º.
“Logo, o
Estado pode cobrar o recolhimento antecipado do tributo
antes mesmo da ocorrência do fato gerador daqueles que
irão comercializar o produto. Dessa forma, observa-se a
ocorrência da substituição tributária, fenômeno
aceito na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal”, lembrou.
Para o
relator, a ação não merece procedência quanto à
alegação de que o ato normativo questionado estaria
violando o artigo 150, inciso V, que rege o princípio
da liberdade de tráfego de pessoas ou bens, por estar
discriminando mercadorias em razão de sua procedência
ou limitar sua livre circulação. Sepúlveda Pertence
também não observou violação ao princípio da livre
iniciativa e da livre concorrência, “posto que não há
nenhuma restrição as operações mercantis”.
“O cerne
da questão é a fixação da entrada da mercadoria no
território do estado como o momento para o recolhimento
do ICMS, ocorrendo a antecipação de parte do valor
devido”, avaliou o ministro. Ele ressaltou que esse
ponto não está no âmbito de competência da Constituição
Federal, portanto, os estados detêm competência
legislativa plena para estabelecer o momento do
pagamento do tributo.
De acordo
com ele, não houve lesão aos artigos 22, inciso VIII e
155, parágrafo 2º, inciso VI, pois não ocorreu invasão
da competência legislativa da União de legislar sobre
comércio, como também não houve desrespeito à competência
do Senado Federal, competente para estabelecer as alíquotas
aplicáveis às operações e prestações
interestaduais.
Por fim, o
relator afirmou que não tem fundamento a alegação
quanto à ofensa aos artigos 170, inciso IX e 179, ambos
da Constituição Federal, uma vez que o Estado da Bahia
observou o tratamento favorecido as empresas de pequeno
porte e as microempresas, assegurando as obrigações
tributárias destas, disposta na Lei 7.357/98.
“Logo, não
determinou a antecipação parcial do ICMS por estas,
preservando o tratamento diferenciado e mais favorável
às empresas optantes do regime SIMBAHIA, que determina
a impossibilidade de creditamento do ICMS, pois este será
pago sempre em valores fixos sobre o faturamento mensal
independentemente do crédito fiscal”, concluiu.
A
confederação buscava, também, a declaração de
inconstitucionalidade, por arrastamento, do parágrafo 4º,
acrescido ao artigo 16 da Lei 7014. Segundo o
dispositivo “fica o Poder Executivo autorizado a
conceder redução de base de cálculo de ICMS nas operações
internas com álcool não destinadas ao uso automotivo,
observadas as condições definidas em regulamento de
tal forma em que a incidência do imposto resulte numa
carga tributária nunca inferior a 17%”.
No
entanto, o relator entendeu que a matéria disciplinada
no parágrafo “nada tem a ver com a antecipação
parcial instituída pelo artigo 12-A, objeto dessa ação,
o que afasta a possibilidade de aplicação do fenômeno
da inconstitucionalidade por arrastamento ou atração”.
Assim, tendo em vista que a CNC não demonstrou como os
dispositivos constitucionais invocados na inicial teriam
sido violados por essa norma, o relator considerou que a
ação carecia de adequada fundamentação.
Ao final,
Sepúlveda Pertence votou pelo não conhecimento da ação
quanto ao parágrafo 4º, que foi acrescido ao artigo 16
da Lei baiana 7014, pela Lei 8967/03. Sobre o artigo
12-A da Lei Estadual nº 8.967/03, o relator julgou o
pedido improcedente. O ministro Marco Aurélio ficou
vencido apenas em relação ao artigo 12-A e também não
conheceu da ação quanto ao parágrafo 4º.
Fonte:
Última Instância, de 23/03/2007
Sentença
libera ICMS da Cofins
Zínia
Baeta
A Agrícola
Usina Jacarezinho obteve na 13ª Vara Cível da Justiça
Federal de São Paulo sentença que a autoriza a excluir
da base de cálculo da Cofins e do PIS o Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O tema
está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF)
com seis votos a favor dos contribuintes. Em razão do número
de votos, os juízes da primeira instância do Judiciário
têm concedido liminares a contribuintes e também
algumas sentenças.
O advogado
que representa a empresa na ação, Eduardo Salusse, do
escritório Neumman, Salusse, Marangoni Advogados afirma
que a empresa também conseguiu a compensação dos créditos
recolhidos a mais. O artigo 170-A do Código Tributário
Nacional (CTN) veda a compensação de créditos antes
do trânsito em julgado da ação judicial.
Salusse
afirma que o juiz determinou não ser necessário
submeter a decisão ao reexame necessário ao Tribunal
de Justiça (TJ). O magistrado aplicou ao caso o artigo
475 do Código de Processo Civil (CPC) que libera o
envio de decisão à segunda instância quando esta
estiver fundada em jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal (STF). "É uma decisão bem arrojada"
afirma Salusse. Apesar de ter seis votos, o julgamento
da questão no STF ainda não foi finalizado e está com
pedido de vista com o ministro Gilmar Mendes.
Fonte:
Valor Econômico, de 28/03/2007
Parecer
do Procurador-Geral da República é favorável à ANAPE
na ADI 3786 – Terceirização
Prezados
Senhores,
Segue,
abaixo, teor do parecer do Procurador Geral da República
em nossa ADI em face da terceirização.
Vale
ressaltar que a parte que diz sobre a legitimidade da
ANAPE deve ser ignorada pelo fato de tal assunto estar
mais que superado no Supremo Tribunal Federal, pois a
entidade tem várias ADIs assinadas somente pelo
Presidente e foram conhecidas e providas.
Por isso não
se preocupem, pois no máximo que pode ocorrer é Ronald
Bicca juntar uma procuração assinada por Ronald Bicca
autorizando Ronald Bicca a assinar pela entidade, pois
os Procuradores de Goiás podem advogar.
Aproveitando
o ensejo...viram como o MP não gosta da grande
conquista da Carreira de advogar? viram como tal
diferencial gera desconforto, para não dizer outra
palavra? No caso, mesmo se os procuradores de Goiás não
pudessem advogar, não causaria impedimento algum,
somente seria falta administrativa. Vamos refutar tal
entendimento que é novidade maléfica.. ainda bem que não
é de Tribunal.
Leiam
abaixo...
MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL
Nº 2566-PGR-AF
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 3786-2
REQUERENTE
: ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DE ESTADO -
ANAPE
REQUERIDO
: SENADO FEDERAL
RELATOR :
Min. Carlos Britto
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO Nº
33/2006, DO SENADO FEDERAL. AUTORIZAÇÃO DE CESSÃO
DA DÍVIDA ATIVA DOS ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS
A INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, PARA COBRANÇA. PRELIMINAR
DE INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA CAPACIDADE
POSTULATÓRIA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL SEGUNDO
OS QUAIS ENTIDADE DE CLASSE DE ÂMBITO NACIONAL NÃO
POSSUI CAPACIDADE PROCESSUAL PLENA PARA PROPOSITURA DE AÇÕES
DO CONTROLE CONCENTRADO. NECESSIDADE DE QUE O
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DEMONSTRE SUA CAPACIDADE
POSTULATÓRIA OU QUE A ENTIDADE DE CLASSE SE FAÇA
REPRESENTAR POR ADVOGADO. MÉRITO. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS
52, 132 E 146, III, “b”, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. INCOMPETÊNCIA DO SENADO FEDERAL PARA DISPOR
SOBRE A MATÉRIA, QUE NÃO SE INCLUI NO ROL DE COMPETÊNCIAS
PREVISTO NO ARTIGO 52 DO TEXTO CONSTITUCIONAL. TRANSFERÊNCIA,
A TERCEIROS PARTICULARES, DE FUNÇÃO INERENTE À
ATIVIDADE DE PROCURA¬DOR DO ESTADO, A QUEM COMPETE A
COBRANÇA DA DÍVIDA ATIVA. NECESSIDADE DE EDIÇÃO DE
LEI COMPLEMENTAR PARA AUTORIZAR A 'TERCEIRIZAÇÃO' DO
SERVIÇO DE COBRANÇA DA DÍVIDA ATIVA. PARECER NO
SENTIDO DE QUE O REPRESENTANTE DA REQUERENTE DEMONSTRE
SUA CAPACIDADE POSTULATÓRIA OU, CASO NÃO A TENHA, QUE
A ASSOCIAÇÃO SE FAÇA REPRESENTAR POR ADVOGADO. NO MÉRITO,
PELA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO, PARA QUE SEJA DECLARADA A
INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO IMPUGNADA.
1. Cuidam
os autos de ação direta de inconstitucionalidade
proposta pela Associação Nacional dos Procuradores de
Estado – ANAPE, tendo por objeto a Resolução nº 33,
de 13 de julho de 2006, do Senado Federal, que
“autoriza a cessão, para cobrança, da dívida ativa
dos Municípios a instituições financeiras e dá
outras providências”.
2. Eis o
teor do ato normativo impugnado:
“O
Senado Federal resolve:
Art. 1º
Podem os Estados, Distrito Federal e Municípios ceder a
instituições financeiras a sua dívida ativa
consolidada, para cobrança por endosso-mandato,
mediante a antecipação de receita de até o valor de
face dos créditos, desde que respeitados os limites e
condições estabelecidos pela Lei Complementar nº
101, de 4 de maio de 2000, e pelas Resoluções nºs 40
e 43, de 2001, do Senado Federal.
Art. 2º A
instituição financeira endossatária poderá
parcelar os débitos tributários nas mesmas condições
em que o Estado, Distrito Federal ou Município
endossante poderia fazê-lo.
Art. 3º A
instituição financeira endossatária prestará
contas mensal¬mente dos valores cobrados.
Art. 4º
Uma vez amortizada a antecipação referida no art. 1º,
a instituição financeira repassará mensalmente ao
Estado, Distrito Federal ou Município o saldo da cobrança
efetivada, descontados os custos operacionais
fixados no contrato.
Art. 5º O
endosso-mandato é irrevogável enquanto não
amortizada a antecipação referida no art. 1º.
Art. 6º
Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.”
3. Em
primeiro, sustenta a Associação requerente ser a
Resolução eivada de vício de inconstitucionalidade
formal, por violação à norma do artigo 52 da
Constituição Federal, caracterizada pelo fato de não
se enquadrar a matéria disciplinada no ato normativo em
nenhuma das hipóteses inscritas dentre as competências
do Senado Federal.
4. Nessa
linha, pondera que a referida Resolução não encontra
fundamento de validade no inciso V, do artigo 52, da
Carta Política, haja vista este dispositivo se referir
à autorização de operações externas de natureza
financeira, de interesse da União, dos Estados do
Distrito Federal e dos Territórios, enquanto a Resolução
autoriza a celebração de negócio jurídico interno,
celebrado entre partes sujeitas à soberania nacional.
5. De
igual modo, afirma não ser possível pretender que o
fundamento de validade esteja inscrito no inciso VI, do
artigo 52, da Constituição da República, porquanto
tal dispositivo confere ao Senado Federal competência
para, tão-somente, fixar os limites da dívida
consolidada, o que se refere a critérios quantitativos,
tema no qual não se enquadra a disposição acerca de
condições, formas ou espécies de endividamento, nem
tampouco, a relativa a mudanças na forma de cobrança
da dívida ativa.
6. No
tocante ao inciso VII, do mesmo artigo 52, da Constituição
Federal, assevera a requerente que a operação descrita
na Resolução nº 33/2006 não pode ser enquadrada como
típica operação de crédito, pois a cobrança de dívida
ativa comporta créditos de natureza tributária e não-tributária
já certos, líquidos e exigíveis, ou seja, relativos a
fatos geradores já ocorridos, o que a torna incompatível
com o conceito de antecipação de receita.
7. Nesse
sentido, conclui que o emprego da expressão “antecipação
de receita” no corpo da Resolução impugnada, tem por
intuito “mascarar a verdadeira natureza jurídica do
instrumento de delegação da competência privativa dos
Procuradores do Estado, (...) e induzir ao erro de que
suas disposições refletem o exercício da competência
contida na norma do art. 52, VII, da Constituição
Federal”. (fls. 15)
8. Em relação
ao inciso VIII do artigo 52, sustenta que o dispositivo
confere ao Senado Federal a competência para
estabelecer os limites globais e as condições para a
concessão de garantias que equivalem ao compromisso de
adimplência de obrigação financeira ou contratual
assumida por ente da Federação ou entidade a ele
vinculada, matéria esta estranha à cessão de cobrança
da dívida ativa, que não pode ser enquadrada como
prestação de garantia.
9.
Finalmente, afasta a possibilidade de inclusão do tema
disciplinado na RSF nº 33/2006 na competência inscrita
no inciso IX, do artigo 52, da Constituição da República,
destacando inexistir correspondência entre a chamada dívida
pública mobiliária e a cobrança de dívida ativa
pelos entes da Federação.
10.
Prossegue, apontando incompatibilidade entre o ato
normativo atacado e a disposição inscrita no artigo
61, §1º, II, “e”, da Constituição Federal,
segundo o qual é da competência privativa do Chefe do
Poder Executivo a propositura de leis que disponham
sobre órgãos da Administração Pública.
11. A
respeito, afirma que da Resolução hostilizada decorrem
alterações na competência institucional da
Procuradoria do Estado, órgão integrante da Administração
Pública Direta, e que, portanto, só poderia ter suas
atribuições modificadas mediante lei de iniciativa do
Chefe do Poder Executivo.
12. A
seguir, aduz violação ao artigo 132 da Constituição
Federal, ao argumento de que estariam sendo retiradas
importantes atribuições das Procuradorias,
especificamente a referente à cobrança da dívida
ativa, haja vista a autorização concedida aos Estados,
Distrito Federal e Municípios, para transferir a
terceiros (instituições financeiras) a cobrança de
tais créditos.
13. Por
fim, argumenta que a Resolução impugnada, ao dispor
sobre cobrança, está disciplinando matéria tributária
que só poderia ser veiculada por Lei Complementar, o
que importa em violação aos artigos 145 e 146, da
Constituição da República. A respeito, pondera:
“Com
efeito, a cobrança é um aspecto do crédito tributário,
já o parcelamento afeta diretamente a obrigação
tributária. E a possibilidade de delegação dessas
prerrogativas para entidades de direito privado de fins
lucrativos configuram, sem dúvida, norma geral sobre
obrigação e créditos tributário, porquanto a
natureza de tal dívida é eminentemente de direito
tributário. Note-se que a Resolução pretende
atingir todos os entes políticos da Federação, o que
ressalta o caráter geral das regras estatuí¬das.”
(fls. 26)
14. Em
despacho acostado às fls. 53, o Ministro relator
solicita informações ao requerido.
15. Em sua
manifestação, colacionada às fls. 58-68, o Senado
Federal defende a constitucionalidade da Resolução
objeto da presente ação direta de
inconstitucionalidade, ao argumento de que a norma nela
inscrita é meramente autorizativa, não estabelecendo
uma forma de cobrança, mas tão-somente a possibilidade
de utilização de instrumentos que facilitem o resgate
da dívida ativa.
16.
Pondera que a edição do aludido ato normativo encontra
fundamento de validade no inciso VII, do artigo 52, da
Constituição Federal, uma vez que a antecipação de
receita obtida com o endosso-mandato se enquadra no
conceito de operação de crédito interno, nos moldes
previstos na Resolução nº 78/99, do Senado Federal.
17. Nessa
linha, sustenta que a cobrança das dívidas não é
competência privativa dos Procuradores de Estado,
destacando que a Resolução atacada não dispõe sobre
a representação judicial dos entes federativos, mas
sobre cobrança e recebimento extrajudicial de dívidas.
18.
Remetidos os autos ao Advogado-Geral da União, este se
manifestou pela inconstitucionalidade da Resolução nº
33/2006, do Senado Federal, a fim de que seja
reconhecida a ocorrência de vício formal, por não
deter a Casa dos Estados competência para regular a matéria,
bem como a existência de vício material, caracterizado
pela afronta aos artigos 132, e 146, III, b, da
Constituição Federal.
19. Após
a juntada de petição da Associação Nacional dos
Procuradores Municipais requerendo seu ingresso no
feito, na qualidade de amicus curiae (fls. 159/184),
vieram os autos com vista à Procuradoria Geral da República
para parecer.
20.
Preliminarmente, mister se faz ressaltar que o
Presidente da ANAPE, único subscritor da peça inicial,
é Procurador de Estado. Certo é, contudo, que nem
todos os procuradores de Estado podem exercer a
advocacia fora de suas atribuições institucionais,
dependendo do que prevê a respectiva lei orgânica
estadual. Noutras palavras, duvidosa a capacidade
postulatória do signatário da peça inicial, em
especial pelo aspecto de sua atuação não se dar em
proveito de suas funções institucionais, mas como
agente de agremiação profissional, de conformação
privada.
21. Fato
ainda que há decisões dessa Corte no sentido de que as
entidades de classe de âmbito nacional, assim como as
confederações sindicais e os políticos, não possuem
capacidade processual plena para ajuizamento de ações
do controle concentrado de constitucionalidade, como o
tem os demais legitimados, elencados nos incisos I a VII
do art. 103 da Constituição da República.
22. A
evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal,
que ditou os requisitos próprios a serem exigidos de
cada um dos legitimados para a competente propositura
das ações de controle concentrado, adiantando-se, em
muitos campos, a determinações vindas com os diplomas
legais específicos quanto ao processo abstrato (Leis
9.868/99 e 9.882/99), vergou-se para distinção desses
personagens.
24. A
partir de considerações acerca da natureza jurídica
dessas ações de controle, imbricadas com o papel
institucional próprio de cada um desses atores, a
Suprema Corte ponderou que aos Governadores, de maneira
incisiva, como aos demais legitimados, por suas atribuições
específicas, eleitos nos incisos I a VII do art. 103,
da CRF/88, seria de se abrir a plena capacidade postulatória,
ainda que extraordinária, admitindo-se a propositura de
ação direta de inconstitucionalidade a partir de peça
inicial assinada apenas pelo Chefe do Executivo
Estadual. A participação de profissional da advocacia
seria desnecessária, nesses precisos casos.
25. Desse
formato o precedente tomado na questão de ordem
suscitada na ADI 127, relator o Ministro Celso de Mello
(DJ de 4/12/92).
26. Não
com tantas considerações, mas de maneira clara, a
Corte apontou que distinção quanto a esse pensamento
deveria ser feita na hipótese de ajuizamento por
entidade privada, ainda que legitimada pelo rol do art.
103 da Lei Fundamental. É o decidido nas ADI 109,
Ministro Paulo Brossard (RTJ 130-02, P.522), E ADI 131,
Ministro Sydney Sanches (Ementário, volume 1.566-01,
p.9).
27. A
divisão de tratamento é detectada pela doutrina de
Gustavo Binenbojm, que, sob leitura realizada já na ótica
propugnada pela Lei 9.868/99, rememora :
“Quanto
ao instrumento de mandato, referido no parágrafo único
do art. 3º [da Lei 9.868/99], só será necessário
quanto a inicial for subscrita por advogado. O Supremo
Tribunal entende que os entes enumerados nos incisos I a
VII do art. 103 da Constituição detêm capacidade postulatória
plena para ajuizarem ação direta de
inconstitucionalidade, independentemente da constituição
de advogado, e para a prática de todos os demais atos
processuais. Quanto aos partidos políticos, confederações
sindicais e entidades de classe de âmbito nacional,
entende-se que necessitam do patrocínio advocatício.”
28. Sob
esse estado de coisas, e tendo em conta as considerações
alcançadas após extensos debates tomados nos
precedentes referidos, em especial nos que se travaram
no julgamento da ADI 127 (QO) e da ADI 2.187 (QO), em
que se enfrentou, em várias passagens, a questão
relacionada à capacidade postulatória das entidades
privadas, é de se propugnar a baixa do feito em diligência,
para que então se prestem os esclarecimentos devidos
pela argüente, ou ainda, que seja saneado o feito,
dando-se cumprimento aos termos do art. 3º, parágrafo
único, da Lei 9.882/99.
29. Ante
tais ponderações, manifesta-se o Procurador-Geral da
República, preliminarmente, no sentido de que o
Presidente da argüente demonstre possuir capacidade
postulatória para o ajuizamento desta ADI, ou, não a
tendo, que a associação se faça representar por
profissional regularmente habilitado.
30. Quanto
ao mérito, observa-se, inicialmente, que, de fato,
conforme asseverado pela requerente, não dispõe o
Senado Federal de competência para editar ato que
permita a cessão a instituições financeiras, por
endosso-mandato, da dívida pública consolidada.
31. De
imediato, razão pela qual se tornam desnecessárias
maiores considerações, são apartados da condição de
fundamento de validade à edição do ato normativo, os
incisos V, VI, VIII, e IX, do artigo 52, da Constituição
Federal, porquanto dispõem sobre temas absolutamente
diversos do tratado na Resolução em comento.
32. Resta,
portanto, analisar a possibilidade de enquadramento da
matéria versada na referida Resolução ao comando
inscrito no inciso VII, do artigo 52, da Carta Política,
que, segundo as informações prestadas pelo Senado
Federal, encerraria o suporte constitucional à edição
do ato impugnado.
33. Dispõe
o artigo 52, VII, da Constituição Federal:
“Art.
52. Compete privativamente ao Senado Federal:
...................................................
VII –
dispor sobre limites globais e condições para as operações
de crédito externo e interno da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e
demais entidades controladas pelo poder público
federal.”
34. Ao
contrário do entendimento manifestado pelo requerido em
suas informações, a operação disciplinada na Resolução
impugnada não pode ser classificada como operação de
crédito, o que afasta a competência do Senado Federal
para dispor sobre a matéria.
35. Em
primeiro, observa-se que disciplina acerca das operações
de crédito tem origem na necessidade de o Estado
implementar um projeto de estabilização fiscal a fim
de reduzir o déficit público relativamente ao Produto
Interno Bruto.
36. Com
efeito, em virtude da ausência de limites objetivos à
contratação de empréstimos bancários pelos entes da
Federação, em especial as municipalidades, observou-se
a concretização de um significativo e preocupante
endividamento interno, muito superior à capacidade de
pagamento, revelando-se necessária a adoção de
medidas de controle sobre a realização das chamadas
operações de crédito.
37. Nesse
cenário foi editada a Lei Complementar nº 101/2000, a
Lei de Responsabilidade Fiscal, que, em seu artigo 29,
definiu todas as categorias de endividamento público,
fixando elementos como origem e natureza e
classificando-as nas modalidades de dívida pública
consolidada ou fundada, dívida pública mobiliária,
operação de crédito, concessão de garantia e
reconhecimento ou confissão de dívida.
38. No
caso sob análise, interessa o conceito de operação de
crédito previsto no artigo 29, inciso III, da aludida
Lei Complementar nº 101/2000:
“Art.
29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são
adotadas as seguintes definições:
.......................................................
III –
operação de crédito: compromisso financeiro
assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão
e aceite de título, aquisição financiada de bens,
recebimento antecipado de valores provenientes de
venda a termo de bens e serviços, arrendamento
mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive
com o uso de derivativos financeiros.”
39. Diante
da definição acima transcrita, depreende-se que as
operações de crédito realizadas pelos entes
federativos correspondem à obtenção de recursos
mediante a constituição de empréstimos financeiros,
bem como operações correlatas, como emissão e aceite
de título, com a finalidade precípua de sanar deficiências
de caixa.
40. Em
outras palavras, as operações de crédito a que alude
o artigo 29, III, da Lei Complementar nº 101/2000
sempre importam em endividamento da pessoa pública
contratante, conseqüência esta que não pode ser
verificada nas operações de cessão da dívida ativa
consolidada.
41. Nesse
ponto, cumpre buscar o verdadeiro alcance da norma
objeto da presente ação direta de
inconstitucionalidade.
42.
Conforme descrito, veicula a Resolução nº 33/2006, do
Senado Federal, norma que autoriza os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios a ceder a instituições
financeiras a sua dívida ativa consolidada, para cobrança
por endosso-mandato.
43. Ora,
ao utilizar o verbo “ceder”, resta evidente que o
legislador permitiu que os entes da Federação
elencados no dispositivo praticassem uma verdadeira
“terceirização” do serviço de cobrança dos créditos
referentes à dívida ativa.
44. No
caso, a cessão implica a transferência dos títulos
apenas para serem cobrados, haja vista a previsão da
utilização do mecanismo do endosso-mandato, assim
definido por Fran Martins:
“Esse
chamado endosso-mandato ou endosso-procuração é, na
realidade, um falso endosso pois nem transmite os
direitos emergentes do título nem transfere sua
propriedade, mas simplesmente a sua posse. De fato, o
detentor do título por endosso-mandato recebe-o e
pratica todos os atos de proprietário do mesmo, mas o
faz como simples mandatário, representado e obrigando,
neste caso, o mandante ou endossante. O endosso-mandato
visa a facilitar a prática de atos que se poderiam ser
realizados pelo proprietário do título, e neste
sentido presta inumeráveis benefícios ao comércio(...).
Convém,
entretanto, ter-se em mente que não se trata de um
verdadeiro endosso, ato translativo da propriedade.”
45. A
respeito do objeto da cessão, determina a Resolução nº
33/2006 que poderá ser cedida a dívida ativa
consolidada.
46. Em
relação à expressão “dívida ativa”, não há
maiores dificuldades em se precisar seu conceito,
porquanto expressamente previsto no artigo 201, do Código
Tributário Nacional, segundo o qual:
“Art.
201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente
de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na
repartição administrativa competente, depois de
esgotado o prazo fixa¬do, para pagamento, pela lei ou
por decisão final proferida em processo singular.”
47. De
igual modo, dispõe o artigo 2º, da Lei nº 6.830/80, a
Lei de Execuções Fiscais:
“Art. 2º.
Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela
definida como tributária ou não tributária na Lei nº
4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações
posteriores, que estatui normas gerais de direito
financeiro para elaboração e controle dos orçamentos
e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do
Distrito Federal.”
48.
Verifica-se, porém, que a Resolução ora impugnada
acrescentou à expressão “dívida ativa” o adjetivo
“consolidada”. Pois bem, conforme lição de De Plácido
e Silva, consolidação de uma dívida é a
“transformação de um crédito sem condições de
resgate num crédito resgatável, por meio de emissão
de título que possibilita a sua cobrança.”
49.
Dessarte, tem-se que a dívida ativa consolidada é
aquela materializada em títulos que encerram os créditos,
tributários ou não-tributários, bem como sua exata
quantificação, decorrente do estabelecimento do valor
principal, dos juros e da correção devida.
50.
Finalmente, prevê o ato normativo atacado que a
instituição financeira a qual será cedido o serviço
de cobrança da dívida ativa consolidada é responsável
pela antecipação da receita “de até o valor de face
dos créditos”. No caso da dívida ativa, o título
representativo da obrigação é a certidão prevista no
artigo 202, do Código Tributário Nacional, cujo
montante inclui o valor do tributo efetivamente devido,
acrescido das parcelas relativas à atualização monetária,
assim como juros e multas.
51. Como
se observa, não é possível caracterizar a cessão
disciplinada pela Resolução nº 33/2006 como uma operação
de crédito, nos moldes como esta é definida pela Lei
Complementar nº 101/2000.
52. Com
efeito, conforme mencionado, nas operações de crédito,
os entes da Federação buscam junto às instituições
financeiras dinheiro emprestado que, nessa qualidade,
deverá ser devolvido no prazo estipulado no instrumento
contratual.
53. No
caso da cessão de crédito da dívida consolidada, não
há que se falar em devolução da quantia recebida
antecipadamente, pois aos bancos é transferida a
responsabilidade pela cobrança do crédito perante o
devedor, restando garantido às instituições
financeiras o recebimento de um valor correspondente aos
custos operacionais do contrato (art. 4º) e a amortização
do valor antecipado (art. 5º).
54. Dessa
feita, não é possível a indicação do inciso VII, do
artigo 52, da Constituição Federal, como fundamento de
validade à Resolução ora impugnada.
55. De
igual modo, inaplicável à espécie a competência
prevista no inciso IX, do artigo 52, da Constituição
Federal, segundo o qual compete privativamente ao Senado
Federal “estabelecer limites globais e condições
para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios”.
56. Em
verdade, em nada se confundem os conceitos de dívida
ativa mobiliária e dívida ativa consolidada.
57. Assim,
enquanto a dívida mobiliária é aquela representada
por títulos emitidos pela União, inclusive os do Banco
Central do Brasil, Estados e Municípios (art. 29, II,
LC 101/2000), com o objetivo de levantar capital para
financiar suas atividades, situação em que a pessoa
jurídica de direito público ocupa a posição de
devedora, na dívida ativa consolidada, a posição jurídica
do ente federativo é absolutamente contrária, posto
ser este o credor de uma obrigação, cujo devedor é o
contribuinte ou responsável tributário.
58. Dessa
forma, novamente, não se mostra possível adequar a
Resolução atacada à competência assegurada no artigo
52, IX, da Constituição da República.
59. Em
relação à sustentada violação ao artigo 132, da
Constituição Federal, de igual modo, assiste razão à
requerente.
60. De
fato, na ordem jurídica inaugurada pela Constituição
Federal de 1988, a Advocacia Pública ganhou status de típica
função de Estado, sendo os Procuradores de Estado os
responsáveis pela representação judicial e
consultoria jurídica das respectivas unidades
federadas.
61. Nesse
sentido, veja-se o seguinte trecho do voto proferido
pelo Ministro Celso de Mello, relator da ADI nº
881-1/ES, DJ de 25 de abril de 1997:
“(...) A
outorga dessas funções jurídicas à
Procuradoria-Geral do Estado – mais precisamente aos
Pro¬curadores de Estado – decorre de um modelo
estabelecido pela própria Constituição Federal, que,
ao institucionalizar a Advocacia de estado, delineou o
seu perfil e discriminou as atividades inerentes aos órgãos
e agentes que a compõem.
O conteúdo
normativo do artigo 132 da Constituição da República
re¬vela os limites materiais em cujo âmbito
processar-se-á a atuação funcional dos integrantes
da Procuradoria-geral do Estado e do Distrito Federal.
Nele contém-se norma que, re¬vestida de eficácia
vinculante e cogente para as uniddades federa¬das
locais, não permite conferir a terceiros – senão os
próprios Pro¬curadores do Estado e do Distrito
Federal, selecionados em concurso público de provas e
títulos – o exercício instransferível e indisponível
das funções de representação estatal e de
consultoria jurídica do Poder Executivo.”
(destacou-se)
62. Resta
evidente, destarte, que aos Procuradores de Estado
restou assegurada a função de defender os interesses
da Administração Pública, dentre os quais está a
cobrança da dívida ativa, que não pode ser
transferida a terceiros particulares, sob pena de violação
à Constituição Federal.
63. Por
fim, a Resolução nº 33/2006, do Senado Federal também
é materialmente inconstitucional, por violar o artigo
146, III, “b”, da Constituição Federal, verbis:
“Art.
146. Cabe à lei complementar: .......................................................
III –
estabelecer normas gerais em matéria tributária,
especialmente sobre:
c) obrigação,
lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.”
64. A
respeito do alcance da norma encerrada no
supratranscrito dispositivo constitucional, afirma
Luciano Amaro:
“Em
rigor, a disciplina 'geral' do sistema tributário já
está na Constituição; o que faz a lei complementar
é, obedecido o quadro constitucional, aumentar o grau
de detalhamento dos modelos de tributação criados
pela Constituição Federal. Dir-se-ia que a Constituição
desenha o perfil dos tributos (no que respeita à identificação
de cada tipo tributário, aos limites do poder de
tributar etc.) e a lei complementar adensa os traços
gerais dos tributos, preparando o esboço que,
finalmente, será utilizado pela lei ordinária, à qual
compete instituir o tributo, na definição exaustiva
de todos os traços que permitam identificá-lo na sua
exata dimensão, ainda abstrata (...)
A par
desse adensamento do desenho constitucional de cada
tributo, as normas gerais padronizam o regramento básico
da obrigação tributária (nascimento, vicissitudes,
extinção), conferindo-se, dessa forma, uniformidade ao
sistema tributário nacional.” (destacou-se)
65.
Depreende-se da lição acima que o legislador
constituinte atribui à lei complementar a competência
para dispor sobre as normas gerais referentes à obrigação
tributária, inclusive sua cobrança e extinção.
66. No
caso sob análise, o Senado Federal, ao editar a
impugnada Resolução nº 33/2006, simplesmente alterou
o rol de habilitados a perseguir a extinção da obrigação
tributária, ampliando indevidamente os legitimados,
mediante a autorização para que terceiros, agentes
privados, se responsabilizem pela cobrança da dívida
ativa.
67.
Evidente, portanto, que a inexistência de lei
complementar autorizativa da “terceirização” da
cobrança da dívida ativa, por se revestir de natureza
de norma geral referente à obrigação tributária,
importa em violação ao citado artigo 146, III,
“b”, da Constituição Federal.
Ante o
exposto, o parecer é, preliminarmente, no sentido de
que o Presidente da requerente demonstre possuir
capacidade postulatória para o ajuizamento desta ADI,
ou, não a tendo, que a Associação se faça
representar por profissional regularmente habilitado. No
mérito, manifesta-se o Procurador-Geral da República
pela procedência do pedido, para que seja declarada a
inconstitucionalidade da Resolução nº 33/2006, do
Senado Federal.
Brasília,
26 de fevereiro de 2007.
ANTONIO
FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
Fonte:
Anape, de 24/03/2007
Judiciário
será descartado se insistir em não funcionar
por Lilian
Matsuura
Por que
será que juízes tão eruditos, brilhantes e
tecnicamente tão bem preparados, como são os
brasileiros, compõem um sistema Judiciário tão lerdo
e ineficiente, como este que se conhece no Brasil?
Entre as
muitas respostas possíveis, o desembargador José
Renato Nalini, do Tribunal de Justiça de São Paulo
destaca duas. Em primeiro lugar, porque juízes,
desembargadores e ministros continuam apegados aos
formalismos e às questões processuais e desconectados
da realidade. Em segundo lugar, porque um bom juiz não
necessariamente é um bom administrador e o Judiciário
brasileiro segue sendo mal administrado por bons juízes
que nada sabem de gerenciamento.
Falta
criatividade e ousadia para relativizar conceitos, como
o da segurança jurídica, diz o desembargador em
entrevista à Consultor Jurídico. “Estamos tão
lentos que chegou a hora de desequilibrar. Para resolver
o problema é preciso ter a coragem de deixar um pouco
de lado a segurança jurídica”.
Por falar
em erudição, Nalini acredita que não é apenas com
conhecimento acadêmico que se faz um bom juiz. “O
concurso para a escolha de novos juízes só avalia a
capacidade de memorização do candidato, mas não
avalia capacidade de trabalho, ética, vocação,
talento, humildade, sensibilidade, humanismo,
generosidade, bondade e compaixão dos candidatos”.
Segundo
Nalini, o Judiciário peca por excesso de formalismo técnico
de seus membros, de um lado, e por falta de capacidade
gerencial, de outro. E da mesma forma que sugere novos métodos
de seleção de juízes, ele recomenda a terceirização
do recrutamento dos administradores dos tribunais:
“Porque não confiar a contratação do administrador
do tribunal a um headhunter como fazem as boas empresas
do setor privado?”.
Com 61
anos de idade, 31 dos quais dedicados à magistratura,
Nalini está convencido de que se insistir na sua
disfuncionalidade, o Judiciário acabará sendo substituído,
como já indica o surgimento de câmaras de conciliação
e tribunais de arbitragem. “Como está o Judiciário só
funciona em proveito próprio e para assegurar a
irresponsabilidade do Estado, que é seu principal
cliente”.
O
desembargador José Renato Nalini começou como promotor
de Justiça por três anos e desde 1976 atua como juiz.
Ele presidiu o Tribunal de Alçada Criminal de São
Paulo por dois anos, até que houve a fusão com o
Tribunal de Justiça. É mestre e doutor em Direito
Constitucional pela Universidade de São Paulo.
Participaram
da entrevista os jornalistas Maurício Cardoso e Rodrigo
Haidar.
Leia a
entrevista
ConJur —
O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo,
Celso Limongi, disse, recentemente, que o tribunal não
consegue cumprir a sua missão de distribuir justiça e
de dar uma resposta satisfatória à sociedade. Por que
não funciona?
Nalini —
Porque não sabemos administrar. A maior preocupação
do tribunal é com a técnica, com a doutrina. O
processo está cada vez mais sofisticado. Por não ter
uma autonomia científica por muito tempo, a ciência
processual cresceu, ocupou o seu espaço e expeliu todas
as demais. O Direito substancial praticamente deixou de
existir, porque o que interessa é o processo.
ConJur —
Quer dizer que os juízes e desembargadores estão
deixando o conflito de lado para se apegar às questões
processuais?
Nalini —
Há um exagero no ritualismo e no procedimentalismo,
adotando a dogmática positivista mais ortodoxa. Quando
se institucionaliza a questão, perde-se o conflito de
vista. Apenas as teses são discutidas e o caso concreto
fica esquecido. Uma grande parcela dos processos é
resolvida perifericamente. O problema continua a existir
e o juiz sente-se tranqüilo porque deu uma resposta técnica.
Ele pensa: “não sou obrigado a ser tutor de capazes.
Ele é maior, escolheu o advogado que quis, exerceu o
direito de ação, o acesso à Justiça foi assegurado,
observou-se o contraditório. Agora, se o advogado que
ele escolheu é incompetente, no sentido vulgar, não é
problema meu”.
ConJur —
O problema não está na formação desses
profissionais?
Nalini —
O Brasil tem 1.038 escolas de Direito. Isso significa 30
mil bacharéis a cada seis meses, expelidos como pastéis
de feira. O advogado não é treinado para pacificar ou
para prevenir. Ele quer entrar em juízo. Mais de um
milhão de advogados são credenciados na Justiça.
Outros milhões de bacharéis tentam aprovação no
Exame de Ordem. Isso faz com que a magistratura, o
Ministério Público, a Defensoria Pública, a
procuradoria, todas essas sejam opções de sobrevivência.
Há um excesso de candidatos.
ConJur —
É assim também na escolha dos juízes?
Nalini —
É assim que se produz a magistratura. De seis mil
candidatos, cem são aprovados. Esses já entram se
achando muito especiais. Se ele não tem ainda esse
sentimento, a própria magistratura começa a enxergá-lo
assim: “agora, vocês têm a sublime missão de fazer
do homem, mulher, do quadrado, redondo, do preto,
branco. Você está provido da potencialidade de mudar a
realidade que só Deus tem”. Há um sistema perverso,
que replica a idéia de que o Judiciário existe para
atender o juiz. Deixamos de lado a capacidade de
trabalho, ética, vocação, talento, humildade,
sensibilidade, humanismo, generosidade, bondade e
compaixão. Verificamos apenas se a pessoa decorou tudo.
ConJur —
Como é possível escolher com base nessas características
e não no conhecimento acadêmico?
Nalini —
Através de uma escola. O Instituto Rio Branco, do
Itamaraty, tem um modelo eficiente de recrutamento. Os
que pretendem ingressar na diplomacia estudam por dois
anos no Instituto, para que a escolha se dê pela análise
de seu comportamento. Esse modelo seria ideal. Na época
que eu fui assessor do presidente no TJ paulista,
tivemos um concurso nesses moldes, mas que não foi para
frente. Durante seis meses, o candidato aprovado passava
por uma avaliação e ganhava 70% do salário de um juiz
substituto.
ConJur —
Há um período de “experiência” para o candidato
aprovado para a magistratura, não?
Nalini —
O período de vitaliciamento é uma formalidade. A
pessoa só não continua se for louca ou se tiver
cometido um crime. O concurso é caro, leva um tempo
tremendo e um desembargador fica afastado das suas funções
para preparar as questões. Eles não querem admitir
que, depois de tudo isso, recrutaram mal. Por isso, dão
um jeito de absorver o ingressante. É um método terrível
de concurso. Quando as grandes empresas precisam de um
executivo, contratam uma empresa especializada, um
headhunter. Em qualquer um dos Poderes da República,
ele é recrutado por um grupo aleatório e empírico.
Muitas vezes, as pessoas não têm a menor noção de
seleção de pessoas.
ConJur —
Como são escolhidos os examinadores?
Nalini —
O examinador é o desembargador mais antigo. Quando
chega a sua vez, tenha ou não talento ou vontade, você
vai aceitar porque fica quase um ano afastado do
processo. Jamais uma grande empresa vai dizer para os
mais antigos recrutarem um executivo só porque são
mais antigos. Não deve ser assim. Pressupõe-se que os
candidatos já conheçam o Direito. O que eles precisam
aprender é a ser juiz em um país de miseráveis; a
entender o que é responsabilidade social e qual é o
papel da magistratura. O Direito é um instrumento de
preservação do status quo ou um fator de redenção?
Nada disso se questiona nos concursos.
ConJur —
Teria como o Tribunal de Justiça contratar um
headhunter?
Nalini —
O Rio Grande do Sul já fez um concurso assim. Eles
sempre foram pioneiros, essas novidades sempre nascem lá.
Não há nenhuma heresia em terceirizar a escolha dos juízes.
A administração dos tribunais deveria ser
terceirizada. Juiz não sabe ser administrador.
ConJur —
Existe espaço legal para o tribunal contratar um
administrador?
Nalini —
Sim. Mas também existe falta de coragem, falta de
ousadia. Há um medo de inovar e receio de uma revolução.
ConJur —
O que o administrador pode fazer que o juiz presidente não
pode?
Nalini —
A nossa estrutura é anacrônica. Não é mais preciso
usar papel e requerimento para fiscalizar freqüência,
assiduidade, produtividade, acréscimo de benefício. É
absurdo. Será que o pessoal não percebe que há
empresas com frota de carros e que têm uma administração
mais racional dos veículos do que a nossa? No setor de
compras também. Com uma gestão eficiente, perceberíamos
que não falta pessoal. Iria sobrar gente. Os funcionários
seriam mais motivados desempenhando atividades mais úteis
para a sociedade.
ConJur —
O Tribunal poderia funcionar como uma empresa?
Nalini —
Deveria. Hoje, o discurso é falta de dinheiro e funcionário.
Não é bem assim. É um absurdo que, com tantas leis
obrigando o processo eletrônico virtual, ainda haja o
monopólio dos oficiais de Justiça nas comunicações
do processo. Uma só vara tem de oito a dez oficiais. Já
temos e-mail, telefone e fax mas ainda temos de usar
estafetas para entregar mensagens.
ConJur —
Hoje é possível fazer intimação por e-mail?
José
Renato Nalini — A Lei 11.419, que entrou em vigor no
dia 20 de março, ordena.
ConJur —
Há resistência à modernização?
José
Renato Nalini — Sim. Quando implantei o sistema de
Habeas Corpus por e-mail no extinto Tribunal de Alçada
Criminal, o primeiro balde de água fria veio do Ministério
Público. O Decreto-Lei 552, de abril de 1969, impõe a
necessidade de remessa dos autos de Habeas Corpus para o
MP. Essa é uma norma que veio logo depois do Ato
Institucional 5. É da época da Ditadura, em que se
desconfiava do Judiciário. Conversei com o
procurador-geral, expliquei que teríamos o tribunal
mais rápido do mundo na tutela da liberdade. Mas não
adiantou. A alegação foi que a medida ia desativar a
Procuradoria de Habeas Corpus. Há ainda uma questão
cultural. Quando vi que não chegavam pedidos de HC por
e-mail fui até o protocolo do tribunal. Tinha uma fila
enorme. Expliquei para os advogados que o pedido podia
ser feito por e-mail. Eles disseram que preferiam o
papel, porque era mais confiável.
ConJur —
Falta dinheiro no Judiciário?
Nalini —
Não. O problema é gestão. Quando presidi o Tribunal
de Alçada Criminal havia 1,3 mil funcionários. Quando
saí tinha 900, sem prejuízo do serviço. Houve muita
reclamação. Mesmo assim, cortei uma porção de
gastos. Na unificação dos tribunais, toda a inovação
e o pioneirismo foram neutralizados. Fomos absorvidos
pelo anacronismo. O tribunal precisa se descentralizar,
conforme prevê a Constituição Federal. Não tem
sentido ter 360 caciques reunidos em São Paulo.
ConJur —
Como assim?
Nalini —
Temos de levar o tribunal para as grandes regiões do
estado. Se fizermos um levantamento, vamos ver que
muitos desembargadores não moram na capital. Por que não
ter câmaras do TJ em São José do Rio Preto, por
exemplo? O salão do júri do fórum é usado poucas
vezes por ano e pode ser usado para abrigar uma câmara.
A descentralização está prevista no parágrafo 6º,
artigo 125, da Constituição Federal. Mas ninguém quer
fazer isso.
ConJur —
Por quê?
Nalini —
Falta coragem. Argumentam que não há número
suficiente de processo. Não é verdade. Não é necessário
reunir 100 juízes em Campinas. Basta colocar dez em
Campinas, dez em Ribeirão Preto, dez em São José do
Rio Preto, dez em Santos. Com isso, acaba a remessa física
do processo. O advogado que mora no interior não
precisa vir até aqui para fazer sustentação oral. O
presidente do Tribunal de Justiça não tem condições
de administrar 360 desembargadores, mais os 2 mil
substitutos de segundo grau. Não falta dinheiro, não
falta pessoa. Falta criatividade e ousadia para
relativizar alguns dogmas que já não têm razão de
ser. A segurança jurídica, por exemplo. O mundo está
cada vez mais incerto. Os juízes têm de ter coragem de
serem funcionais e oportunos. Quando forem invocados,
dar respostas rápidas. Muitos dizem que a rapidez
sacrifica a segurança jurídica. Estamos tão lentos
que agora é a hora de desequilibrar. Deixar um pouco a
segurança para tentar resolver o problema.
ConJur —
Não tem nada mais inseguro do que essa ineficiência.
Nalini —
É um suplício para a pessoa. Cria um desalento e um
descrédito. No chamado mundo civilizado, você fala
“Eu vou te levar à Justiça”. Aqui, o agressor fala
“Vai para a Justiça”. Isso é sintomático, porque
as pessoas sabem que não funciona. O Judiciário tem um
corpo seleto. Os juízes são eruditos e preparados
tecnicamente, mas o sistema não funciona. É preciso
que esse corpo funcione e assuma uma responsabilidade
para dizer “eu posso mudar a realidade, eu posso fazer
Justiça”. O que é muito diferente de apenas aplicar
a lei processual e ficar com a consciência tranqüila.
ConJur —
Realmente é um potencial imenso.
Nalini —
Existem alguns protagonismos individuais, mas o Judiciário
tem fobia de que o juiz seja atípico. O segredo para
sobreviver na magistratura é ficar escondido, não se
sobressair. O discurso oficial é de que os juízes
precisam ser criativos, transformadores da realidade,
que faça Justiça e concretize as mensagens normativas
da Constituição. Na prática, é diferente. Houve um
tempo em São Paulo que se um juiz se destacasse muito
no Juizado Especial, era direcionado para julgar em uma
área que não tinha intimidade. Por exemplo, um juiz
que gosta de informática, poderia ser chamado para
atuar na área criminal.
ConJur —
Não é preciso valorizar a primeira instância?
Nalini —
A solução é insistir na formação institucional. A
escola deve priorizar o conteúdo institucional da
magistratura. O juiz precisa ter noção do que
significa a sua decisão no caso concreto. Ele não é
alguém que está completamente desvinculado do que faz.
Precisa refletir sobre ser juiz em um estado periférico
e iníquo. Entender o que é ter a maior carga tributária
do mundo, que é uma economia que não cresce.
ConJur —
A magistratura se preocupa com essa necessidade?
Nalini —
Não. Ela se preocupa com o cumprimento da obrigação
formal. Quer saber o número de sentenças que o juiz
proferiu, se ele não falta e se não tem muitos
desvios. Para sair da magistratura é preciso ser péssimo
de serviço e de caráter também. Se um juiz é muito
trabalhador e tem falhas no comportamento ele fica:
“vamos salvá-lo porque ele trabalha direitinho”. Se
é ruim no trabalho, mas tem bom caráter: “vamos salvá-lo
porque ele é bonzinho”. A magistratura não se
preocupa com o seu significado, com o seu sentido ou com
a sua função social. O Judiciário vai ser substituído
se continuar nessa disfuncionalidade, nesse
distanciamento das aspirações do povo e nesse
descompromisso com a Justiça. A arbitragem e a medição
estão aí. Hoje, o Judiciário assegura a
irresponsabilidade do Estado, que é o seu maior
cliente. É uma Justiça para uso próprio.
ConJur —
Distribuir Justiça é outra coisa.
Nalini —
Se desse respostas à sociedade, o Judiciário seria o
propulsor de outra prática social e estimularia as
pessoas a pensar melhor antes de errar. E a resposta tem
de ser rápida.
ConJur —
Desembargador tem de se aposentar aos 70 anos?
José
Renato Nalini — Não. Os 70 anos foram estabelecidos
como limite em uma época em que a longevidade do
brasileiro era muito reduzida. Hoje, vivemos até 90
anos. Aos 70 anos a pessoa está mais experiente e
madura. Se estiver lúcida e bem de saúde, por que
impedi-la de atuar? O professor Miguel Reale produziu até
os 95 anos, e só parou quando morreu. Ele ficou 25 anos
recebendo sem poder trabalhar. É insensato fazer isso
em um país que tem tantos problemas como o Brasil. A
aposentadoria compulsória é trágica para a economia e
para a previdência social. Nos Estados Unidos o juiz é
vitalício. Um dos problemas da Suprema Corte é
convencer alguém a se aposentar. Outro ponto da discussão
é a vontade dos jovens juízes de chegar ao Tribunal de
Justiça. Isso torna a carreira mais cruel do que ela já
é. O pessoal de baixo fica empurrando os da frente,
como se o cidadão de 68 anos só estivesse ocupando
espaço. É preciso repensar o plano de carreira.
ConJur —
Para isso, só mudando a Constituição, não é?
Nalini —
A juventude não quer essa mudança. No entanto,
acena-se para a possível eliminação ou ao menos a
extensão da compulsória. O presidente Lula nomeou seis
ministros para o Supremo Tribunal Federal. Ou seja, já
tem maioria absoluta se quiser acabar com a compulsória.
Depois dos 70 anos, se quiser continuar na carreira, a
pessoa deve passar por uma avaliação física, psicológica
e de produtividade. O fato de o jovem querer chegar logo
ao ápice da carreira não deveria ser motivo para
eliminar aquele que tem experiência e que pode
produzir.
ConJur —
O Conselho Nacional de Justiça foi muito criticado por
admitir exceções que ultrapassam o teto salarial da
magistratura. O senhor concorda com essa decisão?
Nalini —
A questão do teto é hipócrita. O salário não
suscitaria tanta discussão se o Judiciário respondesse
a tempo quando é chamado para se manifestar. O que
incomoda a população é a prestação de um serviço público
lento, imprevisível, hermético, às vezes, prepotente.
Se o juiz realmente fizesse aquilo que se espera dele,
ninguém reclamaria de pagar bem a ele.
ConJur —
Se há normas que prevêem que o salário não pode
passar de R$ 24,5 mil, por que não cumprir?
Nalini —
Não está escrito na lei. A interpretação é a
vulnerabilidade ou a potencialidade do Direito. Existe a
norma e existe a leitura da norma. Existe a Constituição
e existe a concretização da Constituição. Vivemos em
um federalismo assimétrico. Ou se contempla a situação
local, ou padroniza-se tudo. Por que um juiz substituto
federal começa ganhando mais do que um desembargador de
São Paulo, que é alguém que tem trinta anos de
carreira? Nosso Judiciário é muito sofisticado para o
país pobre que temos. São cinco Justiças, entre elas
a trabalhista, que não precisaria existir. O ideal
seria um Poder Judiciário Nacional.
ConJur —
Por que a Justiça do Trabalho não precisaria existir?
Nalini —
Estamos em um estágio em que emprego não existe. A
população sobrevive na informalidade, na luta.
Trabalho formal é praticamente uma loteria. Temos que
pensar quanto custa a Justiça do Trabalho e o que ela
significa para o país. Na Justiça do Trabalho, o juiz
já começa ganhando quase R$ 20 mil.
Fonte:
Conjur, de 25/03/2007
Governo
paulista veta a criação de cargos no MP
por
Fernando Porfírio
O
governador José Serra (PSDB-SP) vetou o trem da alegria
no Ministério Público paulista. O tucano discordou da
proposta da Procuradoria-Geral de Justiça que cria 202
cargos de assessor jurídico. Esses cargos podem ser
preenchidos sem a necessidade de concurso público. O
veto atingiu parte da Lei Complementar 1.008, de 23 de
março de 2007, e foi publicado na edição deste sábado
do Diário Oficial.
Serra
vetou todos os dispositivos relacionados com os 202
cargos de assessor jurídico (alínea "b", do
inciso I, do artigo 1º; inciso III, do artigo 3º; e
artigos 5º e 6º). A lei prevê ainda a contratação
de outros profissionais, como assistentes sociais,
administrador, economista, contador, auxiliar de
enfermagem, auxiliar de promotoria, assistente técnico
de promotoria, oficiais de promotoria e motoristas,
totalizando 541 novas vagas. Essa parte da lei não
recebeu veto do governador, que ainda será submetido à
apreciação dos deputados.
Promotores
e procuradores afirmam que de fato o Ministério Público
está carente desses profissionais e defendem as
contratações, mediante concurso, como manda a lei. Dos
cargos que receberam o aval do governador, apenas o de
assistente técnico de promotoria é de livre nomeação
do procurador-geral de Justiça, sem necessidade de
concurso público.
O projeto
foi aprovado pela Assembléia Legislativa no último dia
13. A medida foi contestada no Ministério Público,
principalmente entre os promotores de justiça. As alegações
são a suposta falta de necessidade de assessores jurídicos
e a alegada inconstitucionalidade da dispensa de
concurso público para preenchimento dos cargos.
“A situação
é gravíssima, posto que, como é notório,
necessitamos de peritos, contadores etc. Jamais a
Instituição necessita de assessores de Procuradores,
ainda mais sem concurso”, afirmou na época o promotor
de justiça Arthur Pinto Filho, em nota endereçada ao
Blog do Promotor. O blog é um movimentado canal de
comunicação usado pelos membros do Ministério Público
paulista.
“Grande
vitória da classe. E grande vitória do blog. Desde o
último dia 16, quando dei a notícia, por meio do nosso
blog, da aprovação na Alesp da lei de criação dos
inacreditáveis 202 assessores de Procuradores, que
seriam contratados sem concurso, inúmeros Promotores de
Justiça e representantes da sociedade civil se
manifestaram de forma clara: os cargos eram desnecessários
e inconstitucionais”, saudou neste sábado o promotor
Arthur Pinto Filho.
O artigo
37, inciso II da Constituição Federal prevê a obrigação
de concurso para preenchimento de cargos da administração
pública, excluindo apenas aqueles em comissão. Quando
tratar do Ministério Público, em seu artigo 127, a
Constituição também previu a contratação de seus
servidores por meio de concurso de provas e títulos.
Fonte:
Conjur, de 26/03/2007