Governo
do Paraná questiona resolução do CNJ
O
governo do Paraná entrou com uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal, contra a Resolução
115/2010, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe regras sobre
o pagamento de precatórios. O estado quer a suspensão da resolução
a fim de impedir que o Judiciário venha a fazer qualquer recálculo
e eventual ajuste de valor destinado aos precatórios. No mérito,
pede a declaração de inconstitucionalidade da norma. A ministra
Ellen Gracie é a relatora da ADI.
A
resolução do CNJ impôs prazo mínimo de quitação para as
entidades devedoras que optaram pelo regime de vinculação do
percentual orçamentário e determinou aos Tribunais de Justiça que
alterem o percentual de repasse. Para o governador, a imposição
violou a Constituição Federal bem como o Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.
O
governo do Paraná diz, ainda, que a Emenda Constitucional 62/2009
permitiu uma nova sistemática no pagamento de precatórios pelo
poder público, permitindo que as entidades devedoras efetuem o
pagamento dos débitos de duas formas diferentes: por meio de
vinculação de percentual orçamentário, com repasse mensal em
conta especial ou depósito anual de 1/15 do estoque da dívida
judicial, no prazo de 15 anos.
O
estado do Paraná fez a opção pelo repasse mensal de 2% de sua
receita líquida e alega que “vem cumprindo regiamente” o
acordo, efetuando o repasse mensalmente. “O prazo de 15 anos,
portanto, é destinado somente àqueles entes devedores que
efetuaram a opção pelo regime anual de 1/15, o que não é o
caso”, disse o estado.
Para
o estado, a resolução do CNJ contraria a Constituição porque
criou regras impositivas não previstas no texto constitucional. Além
disso, tais alterações não poderiam ser feitas pelo CNJ, que é
órgão de natureza administrativa com atribuições de controle da
magistratura. “Ao Conselho Nacional de Justiça padece competência
para alterar disposições da Carta Magna e estabelecer exigências
nela não previstas”, diz.
O
governo estadual argumenta, ainda, que sua receita corrente líquida
é de aproximadamente R$ 17 bilhões e o dispêndio anual do orçamento
com precatórios é de cerca de R$ 340 milhões, o que representa
mais que o triplo do que vinha pagando sob a sistemática anterior.
Considerando o estoque total da dívida em torno de R$ 11 bilhões,
divididos pelo prazo de 15 anos, o repasse de R$ 340 milhões teria
que ser alterado, sem qualquer previsão orçamentária, para R$ 730
milhões, o que representaria um acréscimo de quase R$ 400 milhões
por ano, chegando a comprometer 4,3% da receita corrente líquida,
causando prejuízo “incomensurável”.
Por
fim, sustenta que “deslocar recursos para o pagamento dos precatórios,
na forma exigida pelo Conselho Nacional de Justiça, acarretará a
supressão de políticas públicas e engessamento de atividades
estatais causando ingerência indevida no âmbito do Poder
Executivo, em afronta ao artigo 2º da Constituição da República".
Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
Fonte:
Conjur, de 20/02/2011
Falta de procuradores pode anular atos de TCs
A
Associação Nacional do Ministério Público de Contas (ANPCOM)
denunciou que os Tribunais de Contas do estado de Alagoas, dos municípios
da Bahia e do município de São Paulo não contam com a atuação
de procuradores. Segundo a entidade, os atos das três cortes estão
passíveis de nulidade por qualquer gestor que tenha decisões contrárias
devido a ausência de procuradores do MPC, conforme prevê a
Constituição Federal, no quadro efetivo. A informação é do
Portal UOL.
“Isso
quer dizer que qualquer gestor, por exemplo, que entrar na Justiça
pedindo para anular um ato, uma reprovação de contas, vai
conseguir, porque que a Constituição é clara ao dizer que os atos
dos TCs só podem ser validados por um procurador do MPC concursado,
integrante do MPC”, explicou a presidente da ANPCOM, Evelyn
Pareja, ao UOL.
Segundo
a procuradora, até 2007, muitos TCs atuavam com membros
“emprestados” dos MP estaduais. Até que em agosto daquele ano o
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) obrigou os
tribunais a criarem, em um prazo de até um ano e meio, leis
instituindo a carreira interna nos órgãos, com a realização de
concursos públicos.
O
prazo terminou em fevereiro de 2009. Depois desse período, de
acordo com a resolução, os TCs estariam obrigados a afastar os
procuradores cedidos pelos MPs estaduais. “O prazo expirou e, até
o momento, não houve lei criando os cargos do MPC nos três TCs.
Nos TCM-BA e TCM-SP nunca houve concurso público para a carreira do
MPC”, explicou a procuradora.
Em
nota divulgada no dia 4 de fevereiro, a ANPCOM denunciou que o TC/AL
atua, desde agosto de 2004, “sem a presença de um membro do
Ministério Público de Contas, de modo a eivar de nulidade os seus
pronunciamentos no exercício essencial de controle externo da
Administração Pública alagoana”. Nem mesmo um membro do MP do
estado validou os atos dos conselheiros.
O
Tribunal de Contas de Alagoas realizou concurso para preenchimento
de sete vagas de procurador, uma para cada conselheiro, em 2008. Os
aprovados não foram chamados e tiveram de ingressar na Justiça em
2010. No dia 27 de janeiro deste ano, a então presidente do
Tribunal de Justiça, Elizabeth Carvalho, concedeu liminar que
garantiu a nomeação e posse dos sete aprovados.
“Informalmente,
conversamos por diversas vezes, antes de ingressar na Justiça, com
o Poder Executivo e com o TC-AL, buscando fazer com que cumprissem a
lei, mas eles não atenderam”, explicou Ricardo Schneider,
aprovado em primeiro lugar no concurso e um dos autores da ação. O
TC-AL informou ao UOL que, na última terça-feira (17/2), nomeou os
sete procuradores. Apesar da liminar, a nomeação ocorreu não de
forma sub júdice, o que significa que, independentemente da decisão
final da Justiça, os procuradores serão empossados assim que
entregarem a documentação necessária. O ANPCOM, no entanto,
afirmou que a decisão não valida os atos entre 2004 e início de
2011.
Nos
casos da Bahia e do município de São Paulo, a ANPCOM informou que
ainda vai discutir, “no âmbito da diretoria, a melhor forma de
atuarmos”, já que não há concursados esperando nomeações.
“Posso dizer que algo será feito, mas ainda não tenho como
afirmar que será uma medida judicial”, disse Evelyn.
O
TCM-BA informou que enviou em agosto de 2010 um projeto criando a
carreira de procurador do MPC, conforme exige a lei, e que aguarda a
votação e aprovação da medida pelos deputados ainda no primeiro
semestre deste ano para realizar concurso público.
Já
o TCM-SP não tem previsão para resolver o problema. Em nota
enviada ao UOL, o órgão informou que o projeto de criação do MPC
“está temporariamente arquivado” e que a necessidade de
procuradores efetivos no quadro “é uma questão polêmica”.
“Sua
implantação [dos cargos] implica em um aumento substancial de
despesas, e recebeu críticas da sociedade e da mídia porque exige
um orçamento maior para os custos dos concursos e pagamento dos
novos funcionários. O aumento das despesas públicas no atual cenário
– segundo as críticas recebidas – contraria os anseios da
sociedade, que tem questionado de forma veemente os gastos com
ampliação do número de funcionários no serviço público”, diz
a nota. O TCM-SP afirmou também que não há prejuízo legal, já
que “todos os questionamentos e informações necessários são
encaminhados ao Ministério Público do Estado de São Paulo”.
Fonte:
Última Instância, de 20/02/2011
"Se o juiz cuida do futuro, torna o passado instável"
No
próximo dia 3 de março, quando o ministro Luiz Fux tomará posse
de seu assento no Supremo Tribunal Federal, o ministro José Antonio
Dias Toffoli deixará de ser o mais novo ministro da Corte — na
ordem de antiguidade, porque aos 43 anos de idade é ainda o mais
jovem juiz do tribunal. Em pouco mais de um ano no Supremo, Toffoli
conseguiu debelar a desconfiança de setores do Judiciário e da
imprensa que enxergavam sua indicação como um ato simplesmente político-partidário.
A
experiência de vida do jovem ministro lhe conferiu mais qualificação
do que qualquer título acadêmico. Formado há 20 anos, antes de se
tornar juiz militou ativamente na advocacia e exerceu importantes
postos na República. Como subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa
Civil, advogado eleitoral do PT e advogado-geral da União, adquiriu
a musculatura jurídica que surpreendeu positivamente a todos que
atuam na Suprema Corte.
Principalmente
no quesito transparência. Ao terminar seu primeiro ano completo na
Corte, a equipe do ministro preparou apostila com estatísticas como
produtividade, número de advogados e autoridades recebidos em audiência,
quantidade de processos recebidos e o percentual de cumprimento das
metas impostas pelo Conselho Nacional de Justiça.
Na
cartilha, distribuída a jornalistas e advogados e publicada no site
do Supremo a pedido do próprio ministro, pode-se conferir que
Toffoli atendeu 430 advogados e 390 autoridades no ano passado e que
tomou mais de oito mil decisões em processos. O ministro considera
importante divulgar os números como uma forma de prestar contas à
sociedade.
Toffoli
foi criticado por setores do PT que defendiam a aplicação da Lei
da Ficha Limpa nas eleições de 2010 ao decidir que a lei altera,
sim, o processo eleitoral. E, por isso, deveria respeitar a carência
de um ano prevista na Constituição Federal para passar a valer.
Amigos que compreendem bem seu papel e caráter saíram em sua
defesa: "O Toffoli agora é ministro, deixou de ser advogado do
partido ou da União".
O
ministro recebeu a revista Consultor Jurídico em seu gabinete no
Supremo para uma entrevista, cujo objetivo era o de compor seu
perfil para o Anuário da Justiça, que será lançado em março. Os
principais trechos da conversa, onde Toffoli conta alguns episódios
de sua carreira e revela sua visão do Direito e de mundo, o leitor
poderá conferir abaixo.
Para
o ministro, o tribunal tirou uma lição do impasse que se deu no
mais polêmico julgamento do ano no Supremo, o da Lei da Ficha
Limpa. Ele afirma que poderia haver o mesmo empate com a composição
completa se um ministro se considerasse impedido para julgar a matéria:
"Tal circunstância mostra a necessidade de o tribunal pensar
soluções mais seguras, fixar regras mais claras para situações
de empate".
Toffoli
não crê que o tribunal fique com a imagem arranhada por conta dos
debates acalorados cada vez mais frequentes entre os ministros.
Costuma dizer que o Supremo não é um clube de amigos e que isso é
bom para a transparência e equilíbrio das decisões. "Não
que as pessoas não se deem bem, mas não é um clube de amigos. E
é bom que não seja, porque a ideia é que a manifestação do
tribunal corresponda ao somatório das visões e pré-compreensões
de cada um de seus ministros. Em certa medida, as ideias vencidas
contribuem para legitimar a tese vencedora", afirma.
Em
matéria eleitoral, o ministro já se tornou referência e seus
votos têm os olhos na realidade do país. Ao votar no julgamento
que liberou as críticas de programas humorísticos em período
eleitoral, sustentou que as críticas nunca estiveram vedadas. Mas
revela preocupação com as eleições de 2012.
De
acordo com Dias Toffoli, é necessário observar se a
responsabilidade que a imprensa teve mesmo depois de as críticas
estarem completamente liberadas na eleição presidencial vai se
reproduzir na esfera municipal.
"Temos
centenas de parlamentares que são donos de rádios e TVs. Muitos
deles participam da disputa municipal, na condição de candidatos
ou de apoiadores dos prefeitos em busca da reeleição. Uma coisa é
a atuação no plano federal, com todos os mecanismos de controle,
outra coisa é o eventual abuso restrito à pequena cidade ou na média
cidade, onde há um poder maior de influência dos meios de comunicação,
cujos titulares são os próprios políticos. Quem nasceu e conviveu
no interior conhece bem o potencial de utilização dos serviços de
radiodifusão em benefício ou em prejuízo de determinada
candidatura", afirma o ministro nascido em Marília, no
interior de São Paulo.
Na
conversa com a ConJur, Toffoli fez uma análise sob a perspectiva
histórica de algumas das principais e mais recentes decisões do
STF e falou das mudanças de entendimento no Judiciário: "A
jurisprudência não pode ser estática, mas também não pode ser
traiçoeira. Numa caricatura da divisão dos poderes, o Executivo
cuida do presente, o Legislativo do futuro e o Judiciário do
passado. Judiciário que quer cuidar do futuro ou do presente acaba
tornando o passado instável".
Leia
a entrevista:
ConJur
— O julgamento da Lei da Ficha Limpa foi, senão o mais
importante, o mais polêmico do Supremo em 2010, principalmente em
razão do impasse em torno da aplicação imediata da lei. O que é
possível fazer para evitar isso?
Dias
Toffoli — Não há dúvidas de que esse julgamento foi um momento
de grande expectativa da sociedade em relação ao posicionamento do
Supremo Tribunal Federal, principalmente porque estávamos em ano de
eleições. E foi marcante pelo inusitado da situação, porque
acabou se configurando um empate de cinco a cinco. Isso pode
acontecer, como de fato ocorreu, diante da ausência de um ministro.
Mas poderia se dar também com a composição completa, se um
ministro se considerasse impedido para julgar a matéria. Tal
circunstância mostra a necessidade de o tribunal pensar soluções
mais seguras, fixar regras mais claras para situações de empate.
ConJur
— Uma reunião prévia, informal, não poderia ter evitado essa
situação?
Toffoli
— Existe a tradição de não se fazer reuniões prévias. Isso
traz vantagens e desvantagens. A vantagem é que torna o julgamento
mais transparente. Cada um leva o seu voto sem saber como votará o
colega. É da tradição desta Suprema Corte. Por outro lado, isso
gera situações como a que vimos: diante de um empate, a definição
do modo como se decidirá a matéria é feita ao vivo, em cores,
transmitida pela televisão. Esse aspecto é bom por revelar que, no
Supremo, nada é combinado. A decisão é de cada um. E o colegiado
fala em nome de todos.
ConJur
— Não é um clube...
Toffoli
— Não que as pessoas não se deem bem, mas não é um clube de
amigos. E é bom que não seja, porque a ideia é que a manifestação
do tribunal corresponda ao somatório das visões e pré-compreensões
de cada um de seus ministros. Evidentemente, há problemas nessa
forma de obtenção do que se poderia chamar de una vox do
colegiado. A doutrina contemporânea discute qual o método mais
democrático, tomando-se como parâmetros os modelos americano e
europeu. Por agora, creio que é esse o nosso caminho, mas que é
necessário aperfeiçoá-lo. Em certa medida, as ideias vencidas
contribuem para legitimar a tese vencedora.
ConJur
— O julgamento sobre o humor nas eleições foi um ponto alto?
Toffoli
— Foi também relevante porque mais uma vez se analisou o tema da
liberdade de imprensa. O Supremo definiu a questão com grande
maturidade, levando em conta a necessidade de se garantir um pleito
isonômico, sem o abuso dos meios de comunicação, e sem impedi-los
de opinar, criticar, de prestar o serviço público de informar a
sociedade. Houve a liberação das críticas nas televisões e nas rádios,
que são concessões e, por isso, tinham as maiores limitações
legais. O importante é que a imprensa também mostrou maturidade ao
não passar a agir sem critérios depois do julgamento. Não se
observou, desde o julgamento, uma atuação dos meios de comunicação
que tenha pesado ou influenciado no resultado das eleições. Espero
que isso se reproduza nas eleições municipais.
ConJur
— Mas o senhor não votou contra a liberação?
Toffoli
— Votei no sentido de que a crítica sempre foi permitida pela
legislação impugnada. Nunca entendi vedada pela lei eleitoral as
críticas nos programas de telejornais e de rádios. Meu voto teve o
objetivo de alertar sobre os efeitos da decisão nas eleições
municipais. Minha preocupação é se essa responsabilidade da
comunicação social, que é perceptível no âmbito da eleição
presidencial, vai se reproduzir na esfera municipal, na medida em
que nós temos centenas de parlamentares que são donos de rádios e
TVs. Muitos deles participam da disputa municipal, na condição de
candidatos ou de apoiadores dos prefeitos em busca da reeleição.
Uma coisa é a atuação no plano federal, com todos os mecanismos
de controle, outra coisa é o eventual abuso restrito à pequena
cidade ou na média cidade, onde há um poder maior de influência
dos meios de comunicação, cujos titulares são os próprios políticos.
Quem nasceu e conviveu no interior conhece bem o potencial de
utilização dos serviços de radiodifusão em benefício ou em
prejuízo de determinada candidatura. Esse julgamento serviu para
que eu expusesse uma diretriz político-constitucional que tenho
pouco a pouco manifestado em alguns de meus votos, especialmente em
casos mais emblemáticos: é preciso compreender as peculiaridades
da federação brasileira e impedir que as assimetrias entre o poder
central e as forças locais condicionem a interpretação da
Constituição. É nesse mister que o Tribunal a que pertenço tem
condições de contribuir para a estabilidade institucional e a
preservação dos direitos fundamentais.
ConJur
— O senhor destaca algum outro julgamento importante?
Toffoli
— Sim. Tive a oportunidade de me convencer e mudar de posição no
julgamento no qual o Supremo julgou inconstitucional a vedação de
o juiz converter a pena privativa de liberdade em pena restritiva de
direitos, no caso de condenados por tráfico de drogas. Acompanhei
os colegas que entenderam que a proibição feria o princípio da
individualização da pena. Com os debates, persuadi-me que não se
pode aceitar a prisão sob o fundamento reducionista da lei. Dito de
outro modo, o confronto entre a lei e o princípio constitucional da
individualização da pena fez-me ver que seria necessário
emprestar ao juiz, senhor das circunstâncias do caso concreto, uma
margem de conformação maior, levando-se em consideração os
direitos fundamentais do réu.
ConJur
— Quando isso acontece, sempre se ouvem críticas de que a
jurisprudência do Judiciário, hoje, é muito flutuante. Mas a
jurisprudência não pode ser estática, certo?
Toffoli
— Não pode ser estática, mas também não pode ser traiçoeira.
Há um caso julgado pelo TSE que exemplifica bem a diferença. Em
março de 2008, o TSE editou uma resolução sobre a possibilidade
de quem já ocupou dois mandatos seguidos em uma cidade, disputar um
terceiro mandato pela cidade vizinha. Pela resolução, o prefeito
teria de se desincompatibilizar e poderia concorrer.
ConJur
— Sair seis meses antes das eleições?
Toffoli
— Exato. A resolução sinalizou para um conjunto de prefeitos,
que estavam em segundo mandato, que eles poderiam ser juridicamente
admitidos pela Justiça Eleitoral, desde que renunciassem ao
mandato. Muitos renunciaram. Depois, houve impugnação no TSE e em
novembro de 2008, em um caso concreto, o TSE decidiu que essa situação
de fato configurava-se uma fraude ao princípio constitucional que
veda o terceiro mandato. Ocorre, porém, que o próprio Tribunal já
havia autorizado essa conduta.
ConJur
— Mas o que deveria ser feito?
Toffoli
— O TSE poderia decidir que o ato se caracterizaria como fraude,
mas aplicar a decisão aos casos posteriores. Assim entendo, porque
o prefeito abriu mão de nove meses de mandato legítimo para
disputar em um município vizinho, após a sinalização do TSE. A
segurança jurídica não impõe uma jurisprudência petrificada,
mas a mudança não pode atingir as pessoas que agiram da forma que
ela própria indicou. Minhas convicções ou minha visão de mundo não
podem ser colocadas acima da segurança jurídica. É uma questão
de lealdade para com o jurisdicionado. Numa caricatura da divisão
dos poderes, o Executivo cuida do presente, o Legislativo do futuro
e o Judiciário do passado. Judiciário que quer cuidar do futuro ou
do presente acaba tornando o passado instável.
ConJur
— Para o recebimento de denúncia, bastam indícios de participação
e a materialidade do crime ou é necessária a descrição e
individualização da conduta dos acusados?
Toffoli
— A conduta tem que ser descrita e tipificada pelo Ministério Público
porque o fato de o cidadão responder a uma ação penal já
modifica seu status social.
ConJur
— O senhor considera que a ação criminal, por si só, já é uma
pena?
Toffoli
— Eu vou dar-lhe um exemplo. Eu era recém-formado e um médico
formado pela USP, com 55 anos de idade, qualificado técnica e
intelectualmente, recebeu uma citação por conta de uma dívida não
quitada. O valor era pequeno e ele havia se esquecido de pagar.
Bastava quitar a dívida e acabava o litígio. Ele me procurou
indignado porque o ato judicial se referia a ele como réu. Ele
repetia: “Como réu? Não cometi nenhum crime e vou pagar a dívida,
como ele me chama de réu? O credor não me ligou, não recebi
cobrança e agora virei réu? Não sou criminoso!”. O mais difícil
foi explicar-lhe que não se lhe imputava crime algum. Mas, o termo
réu, naquela citação, já lhe colocava em situação difícil, ao
menos em sua visão do caso. Veja, estamos falando de uma pessoa
esclarecida. O exemplo mostra como, para o senso comum, o fato de
alguém ser réu já lhe impõe uma mácula. É dentro desse
contexto que o juiz precisa analisar o recebimento de uma denúncia.
Não é à toa que a lei processual penal passou a exigir
recentemente que, antes do recebimento da denúncia pelo juiz, o
acusado seja intimado para se defender. Por que se passou a exigir
isso? Exatamente pelo sentido de desvalor que vem acompanhado do ato
de recebimento da denúncia.
ConJur
— É por isso que muitas denúncias no STF são consideradas
ineptas?
Toffoli
— Chegam ao Supremo muitas denúncias de natureza objetiva. Por
exemplo, um prefeito assina determinado convênio, há um desvio e
ele é denunciado apenas por ter assinado o convênio. Se há um
desvio na execução do convênio, é necessário verificar quais
foram os sujeitos responsáveis por aquele desvio. O fato de alguém
ser imputado apenas pela ocupação de um cargo é um exemplo típico
da famigerada responsabilidade objetiva, utilizada geralmente por
regimes de força. Há uma teoria do Direito Penal que é a do domínio
do fato. “Ah, o cidadão tinha o domínio do fato”. O Código
Penal brasileiro adotou a necessidade de individualização das
condutas. Por isso, eu considero não ser a teoria do domínio do
fato adequada ao sistema penal e processual penal brasileiro.
Preocupa-me a ideia da responsabilidade objetiva no Direito Penal.
ConJur
— Ao julgar Mandado de Injunção e Ação Declaratória de
Inconstitucionalidade por Omissão, cabe ao Supremo apenas declarar
a mora do Poder Legislativo ou deve garantir o direito reclamado?
Toffoli
— Depende do caso. É necessário fazer uma análise sob a
perspectiva histórica. Logo que se promulgou a Constituição, os
novos institutos foram saudados porque prestigiavam a ideia da
efetividade das garantias constitucionais. O Judiciário passou a
ser um ator privilegiado na concretização de garantias
fundamentais e dos direitos sociais. Alguns direitos foram delegados
para a legislação complementar e ordinária. Na Constituinte,
quando havia um impasse, o que se fazia? Garantia-se o direito, mas
deixava-se sua regulamentação para a lei. O tempo passou e a lei não
veio. Chegaram, então, os mandados de injunção. No início, o
Supremo Tribunal Federal agiu com muita parcimônia na concessão de
eficácia ao instituto, o que considero razoável, pois não se
regulamenta uma Constituição em pouco tempo. É preciso ter em
conta o que Konrad Hesse chama de “possibilidades de realização
do conteúdo constitucional”. Mas a jurisprudência mudou de um
tempo para cá e creio que isso foi positivo para a ordem
constitucional.
ConJur
— O marco da mudança foi o julgamento que garantiu o direito de
greve de servidores públicos?
Toffoli
— Sim. Uma coisa é um direito garantido na Constituição que há
cinco anos não é regulamentado. Outra é uma omissão legislativa
de 20 anos. Por isso, o STF decidiu que, enquanto o Congresso não
regulamentar esse direito, aplica-se aos servidores públicos a
mesma regra dos trabalhadores da iniciativa privada. O
posicionamento do Supremo em matéria de Mandado de Injunção e de
Ação Direta por Omissão tem de ser visto sob a perspectiva histórica
de tolerância com a mora do Congresso no início e de intolerância
hoje. Atualmente, o Mandado de Injunção é mais efetivo.
ConJur
— Por quê? Por que mudou a composição da Corte?
Toffoli
— Porque o tempo passou e o Congresso continua em mora. Simples
assim. Quem é que pode garantir que a composição que julgou os
primeiros mandados, se ainda estivesse na Corte, não decidiria como
os atuais ministros? Ela tolerou lá atrás, quando a Constituição
era recente. Agora, com mais de 20 anos sob a nova Constituição,
talvez fosse até mais radical do que nós somos. Os mandados de
injunção, portanto, nos casos concretos, têm que ser analisados
dessa forma. O Congresso teve tempo de regulamentar? O tema está em
discussão? O direito vem da Constituição originária ou foi uma
emenda recente? Penso que é razoável ter uma perspectiva de tolerância.
ConJur
— Quando o parlamentar que responde a processo no Supremo renuncia
ao mandato, seu processo deve continuar no STF ou volta para as instâncias
ordinárias?
Toffoli
— Já votei no sentido de que continua a correr no Supremo. Em
regra, o parlamentar renuncia às vésperas do julgamento e, se
decidirmos que a instância é outra, muitas vezes há o risco de
prescrição. Por isso sempre defendi o foro de prerrogativa por função.
Muitos que consideravam esse foro como uma forma de privilégio ou
de imunidade, hoje percebem que não se trata exatamente disso.
ConJur
— Por que o Supremo passou a julgar e, em alguns casos, condenar
parlamentares apenas recentemente?
Toffoli
— Porque antes a Constituição impedia. Era necessário ter a
autorização do Congresso. A Constituição mudou. Hoje a autorização
não é necessária.
ConJur
— Por que o senhor defende o foro por prerrogativa de função?
Toffoli
— Porque o membro de um Poder será julgado pela Corte mais autônoma
e independente do país. Que influência tem um parlamentar sobre o
Supremo em relação a um processo de seu interesse? Nenhum. Como,
aliás, de rigor, ninguém tem.
ConJur
— Além da repercussão geral e da súmula vinculante, há algum
outro instrumento eficaz para garantir a imperatividade das decisões
do Supremo?
Toffoli
— As decisões do Supremo já são bastante respeitadas. Mesmo
antes de Súmula Vinculante, ou de qualquer instrumento, o Judiciário
já aplicava os precedentes. Até porque os juízes, salvo exceções
que confirmam a regra, têm bom senso. O efeito positivo da Súmula
Vinculante, que é pouco destacado, é que ela vincula a Administração
Pública, o Estado brasileiro. Então, se ele descumpre determinada
decisão sumulada, o cidadão tem um remédio imediato perante o
Supremo Tribunal Federal, que é a Reclamação.
ConJur
— Mas esse número de reclamações não será restrito?
Toffoli
— Sim, mas será restrito exatamente graças à Súmula
Vinculante. A Administração Pública, por natureza, muitas vezes
faz a análise do custo-benefício, principalmente na área econômica.
Em alguns momentos da vida nacional, editava-se uma norma tributária
de duvidosa constitucionalidade, a despeito da ciência desse fato.
Se caísse na Justiça, metade da população iria conseguir
reverter e a outra metade seria lucro para o Estado. Resultado: esse
expediente valeu a pena em uma situação de crise. A Súmula
Vinculante impede isso. A História mostra que a lógica da área
tributária e econômica de qualquer governo tem diversos momentos
de choque com a da área jurídica. A área econômica é pragmática,
ela faz o cálculo. Mas quando se aumenta o leque de acesso ao
controle direto pelo Supremo, introduz-se maior segurança jurídica
no país, maior celeridade na invalidação das normas
inconstitucionais. Cria-se a necessidade de o Executivo e de o
Congresso criarem leis observando com mais acuidade sua
constitucionalidade.
ConJur
— Já houve reclamações de que, ao ter que justificar os motivos
da recusa da repercussão geral, o ministro do Supremo acaba quase
enfrentando o mérito do processo. Na Suprema Corte americana, os juízes
escolhem os casos sem fundamentar a recusa. Esse modelo se aplica no
Brasil?
Toffoli
— Não. Decisão judicial tem de ser fundamentada e não cabe ao
Supremo deixar de fazer. Essa é uma bela herança da tradição jurídica
portuguesa, que muitos criticam, mas que deixou um legado importante
para a cultura jurídica nacional. Todos os meus votos e decisões são
devidamente fundamentados. O mínimo que o juiz deve fazer é
cumprir a determinação da própria Constituição. O juiz não é
eleito, não tem de prestar contas, mas ele tem um dever a cumprir:
tomar decisões transparentes. E a transparência está exatamente
permitir o controle público e técnico dos motivos pelos quais se
decidiu de determinada forma. Quando eu era advogado, uma das coisas
que mais me chateava era me deparar com um despacho sem os motivos.
Geralmente, vinha assim: “Ausente o fumus boni iuris e o periculum
in mora. Indefiro a liminar.” Hoje, como juiz, quando aprecio uma
liminar eu explico porque entendo que esses requisitos estão
ausentes ou não.
ConJur
— O Judiciário pode determinar que o Executivo implemente políticas
públicas?
Toffoli
— Essa questão foi enfrentada recentemente em um julgamento que
versava sobre o direito à saúde. Decidimos que o acesso a
medicamentos é um direito do cidadão e o Estado tem que fornecê-los.
Mas é uma discussão delicada. O Judiciário tem de ser cuidadoso.
Contudo, existem políticas públicas que a Constituição exige do
Estado brasileiro e, muitas vezes, dá-se a injustificável mora
estatal. O cidadão que se vê preterido pela ausência de um
direito não tem outro recurso senão vir ao Judiciário. Imaginemos
situações-limite. Se o Estado não construísse escolas ou
implementasse políticas para a universalização do ensino básico,
o Judiciário não poderia agir quando procurado pelos pais, cidadãos
brasileiros, cujos filhos não têm acesso à educação? Não seria
razoável. O que o Judiciário não pode é dizer de que forma a política
pública deve ser efetivada na área da saúde ou na área da educação,
por exemplo. Não pode influir no desenho da política pública. Mas
pode decidir que o Estado é obrigado a dar ao cidadão acesso a
essas garantias constitucionais. Talvez mais relevante do que essa
discussão seria o debate em torno do uso que se tem feito dos
termos de ajustamento de conduta, os TACs. A sociedade civil precisa
colocar esse problema na ordem do dia. Esses TACs, muitas vezes, são
impostos pelo Ministério Público aos quase seis mil municípios
brasileiros, tendo por efeito prático a substituição dos agentes
do Parquet ao mandatário eleito pelo povo. Dá-se a substituição
da vontade democrática do eleitor pela visão de mundo dos membros
do MP, que, por meio dos TACs, dizem como, quando e de que forma as
políticas públicas devem ser executadas. Esse protagonismo que o
MP, nas instâncias municipais, vem exercendo deve-se também à ausência
de obrigatoriedade constitucional de uma advocacia pública de
Estado nos municípios.
ConJur
— A penhora de bens pelo fisco sem qualquer manifestação da
autoridade judiciária é uma constrição legítima à luz da
Constituição?
Toffoli
— Eu penso que é possível a Administração Pública fazer, por
exemplo, uma pesquisa direta em cartórios e determinar a constrição.
Mas é evidente que isso não pressupõe a ausência do devido
processo legal. É necessário que haja um devido processo legal
administrativo, no qual o contribuinte tenha amplo direito de
defesa. Se não convencer a Administração, ele sempre poderá
buscar a última palavra no Poder Judiciário. Hoje, todos os casos
de constrição, necessariamente, têm de ser determinados pela
Justiça. Com esse quadro, muitas vezes um banco tem capacidade
maior de constrição do que o Fisco. Não se pode pressupor que a
Administração Pública vai abusar sempre. Nem é razoável
imaginar que ela vai abusar a maioria das vezes.
ConJur
— Mas pode abusar muitas vezes, não?
Toffoli
— É obvio que não somos ingênuos a ponto de achar que
Administração Pública não é capaz de abuso. O Estado erra. O
Estado, às vezes, persegue. No caso de um gestor mal intencionado,
pode haver perseguição e aí cabe ao lesado se socorrer no Judiciário.
Mas é necessário dar mais força à solução dos litígios na
esfera administrativa. O Supremo enfrentará em breve a questão da
prévia análise administrativa dos requerimentos previdenciários.
O cidadão que pleiteia algum benefício pode acionar a Justiça
sem, antes, ter litigado com a Administração? Lembre-se que
falamos de milhões de ações. Por que o Estado mantém uma
estrutura grande como a da Previdência, os postos do INSS, se o
cidadão vem imediatamente para o Judiciário discutir seu direito?
Nessa discussão entra a lógica perversa do mercado de trabalho da
advocacia.
ConJur
— Que lógica perversa?
Toffoli
— A ideia de que advogado só tem direito de receber honorários
se ganhar o processo na Justiça. Quando ele ganha na esfera
administrativa, a leitura que se faz é de que a parte já tinha o
direito. Então, não precisa pagar honorários. É uma visão muito
equivocada. Porque o advogado que ganha administrativamente também
tem direito de receber por seu trabalho. Há um mercado de trabalho
ainda muito pouco explorado na esfera administrativa no Brasil. E,
na verdade, a solução mais rápida justifica uma melhor remuneração
do que a mais demorada.
Fonte:
Conjur, de 20/02/2011
Juristas examinam leis internacionais sobre comércio eletrônico e
superendividamento
A
comissão de juristas que trabalha para atualizar o Código de
Defesa do Consumidor (CDC) dedicou sua segunda reunião de trabalho,
nesta quarta-feira (16), aos primeiros estudos sobre a legislação
aplicada em outros países para regular o comércio eletrônico e
ainda para evitar o superendividamento dos consumidores. Na instalação
da comissão, em dezembro passado, o ministro do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) Herman Benjamin, que preside a comissão, havia
adiantado que esses seriam os temas mais importantes em pauta.
“No
caso do superendividamento, a União Europeia e a França avançaram
muito nos últimos dez anos e, portanto, temos hoje uma referência
legislativa que pode ser útil − um ponto de partida, eu
enfatizo − para as eventuais propostas de atualização do
CDC”, comentou o ministro.
Na
primeira reunião, lembrou o ministro, a comissão havia traçado o
cronograma de trabalho, a forma de atuação e os temas a serem
abordados. Ficou ainda decidido que haverá reuniões com os setores
interessados, tanto instituições de defesa do consumidor quanto
representantes empresariais.
“A
partir de agora começa o exercício, que não é fácil, de
verificar que atualizações podem ser feitas no CDC, mantendo o
compromisso do presidente do Senado, José Sarney, de, em nenhum
momento, reduzir direitos previstos no código e sim ampliá-los,
com muita responsabilidade e levando em conta a experiência dos
outros países”, disse.
Herman
Benjamin ressaltou que, em matéria de direito do consumidor, o
Brasil tem pouco a aprender com outros países. Ao contrário,
conforme assinalou, o código brasileiro vem servindo de modelo para
países de línguas latinas, Ásia, África e da própria Europa,
quando estes atualizaram suas legislações. Quanto ao comércio
eletrônico, ele disse que a experiência internacional também é
escassa.
“Os
países, nesse momento, ainda estão numa fase inicial de modificações
legislativas”, observou.
Apesar
de o Brasil não estar tão atrasado em relação aos demais, no que
tange a uma legislação reguladora nesses dois campos, Herman
Benjamin observou, no entanto, que há dificuldades técnicas e
legislativas − em termos de direito comparado para se possa
avançar "de forma mais rápida e segura".
Além
de Benjamin, a comissão tem ainda como integrante a professora Cláudia
Lima Marques, que participou da elaboração do atual código e
agora está atuando como relatora. Também participam os juristas
Ada Pellegrini Grinover, Leonardo Roscoe Bessa e Roberto Augusto
Castellanos Pfeiffer.
Fonte:
site do STJ, de 20/02/2011
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