Carreira
exige regime jurídico paritário
O
Texto Maior definiu, no caput
do artigo 131, as funções
institucionais da
Advocacia-Geral da União¹.
Com efeito, a representação
judicial e extrajudicial da
União e a consultoria e o
assessoramento jurídicos do
Poder Executivo são deveres
funcionais a serem exercitados
no âmbito da instituição
ou, em outras palavras, pelo
sistema de órgãos jurídicos
da Advocacia Pública Federal.
Ocorre
que o mesmo artigo 131 da
Constituição, agora no parágrafo
2º, prescreveu que o ingresso
nas classes iniciais das
carreiras jurídicas da
Advocacia-Geral da União será
efetivado por meio de concurso
público de provas e títulos².
O disposto no artigo 131, parágrafo
2º, merece especial atenção.
Afinal, a exigência de
concurso para ingresso nos
cargos públicos já está
inscrita no artigo 37, inciso
II, da mesma Carta Magna³. Não
é crível admitir que o
comando consiste em mera
repetição da salutar e
republicana definição
constitucional. São outras,
portanto, as finalidades do
parágrafo 2º do artigo 131
da Constituição.
Os
dois sentidos mais importantes
do dispositivo em comento,
notadamente quando realçado o
seu locus normativo, como parágrafo
do artigo 131, são: a) a fixação
do status ou dignidade
constitucional das carreiras
jurídicas da Advocacia-Geral
da União4, e b) a definição
de que as funções
institucionais da Advocacia
Geral da União são exercitáveis
pelos integrantes de suas
carreiras jurídicas5. O
primeiro sentido está
expressamente reafirmado no
Texto Maior. Diz o artigo 29,
parágrafo 2º, do Ato das
Disposições Constitucionais
Transitórias6, que o
procurador da República, então
advogado da União,
representante judicial da
Fazenda Pública Federal,
poderia optar por integrar as
carreiras da Advocacia-Geral
da União. Somente a mais
torpe hermenêutica masoquista
poderia imaginar a existência
e manutenção de tamanhas
discrepâncias entre as duas
classes de funções
essenciais à Justiça
viabilizadoras de um descenso
remuneratório por ato de
vontade, quando essa mesma
redução é interditada pela
via normativa, conforme a cláusula
da irredutibilidade salarial
consagrada no artigo 37,
inciso XV, da Constituição7.
Assim,
o status constitucional das
carreiras jurídicas da
Advocacia-Geral da União8, em
presença simétrica com as
carreiras que dão vida às
demais funções essenciais à
Justiça, exige a fixação,
no plano legal, de um regime
jurídico paritário. Tal
paridade deve ser efetivada em
remunerações estabelecidas
nos mesmos níveis e em
prerrogativas e sujeições
similares e condizentes com o
exercício das atribuições
específicas.
Ressalte-se,
neste passo, um quadro dos
mais perversos para com a
Advocacia Pública Federal.
Tratam-se dos
"esquecimentos" da
fixação das prerrogativas
necessárias para o exercício
isento e eficiente das funções
desse estratégico segmento do
Estado e da definição de
patamares remuneratórios
compatíveis, evitando,
inclusive, o
"canibalismo" entre
carreiras jurídicas, com as
mais nefastas consequências
daí decorrentes. Por outro
lado, as sujeições são
"convenientemente",
e de forma isolada,
"lembradas".
Observe-se que o exercício da
advocacia, pelos membros da
Advocacia-Geral da União,
somente nas funções
institucionais foi consagrado
com acerto no artigo 28,
inciso I, da Lei Complementar
73, de 19939. Recentemente,
por força do artigo 6º da
Lei 11.890, de 2008,
decorrente da conversão da
Medida Provisória 440, de
2008, foi veiculada uma nova
sujeição ou restrição:
"... regime de dedicação
exclusiva, com o impedimento
do exercício de outra
atividade remunerada, pública
ou privada, potencialmente
causadora de conflito de
interesses, ressalvado o exercício
do magistério, havendo
compatibilidade de horários".
Mas
nem tudo está
"perdido" no plano
institucional. A histórica
resistência dos formulados da
política de pessoal no Poder
Executivo, no sentido de não
enxergarem os ditames
constitucionais antes
mencionados na fixação dos
parâmetros remuneratórios
das carreiras jurídicas da
Advocacia Pública Federal,
está logrando o devido reparo
no âmbito do Congresso
Nacional no exercício do
papel de constituinte
derivado.
Com
efeito, o ilustre deputado
federal Bonifácio de Andrada
liderou a apresentação de
uma Proposta de Emenda
Constitucional (PEC 443/2009)
que consagra expressamente a
paridade remuneratória entre
as carreiras que dão substância
às funções essenciais à
Justiça10. O projeto em questão
foi aprovado pela Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara
dos Deputados. A pertinente
Comissão Especial para análise
da matéria foi instalada
tendo como presidente o
influente deputado federal José
Mentor e como relator o
experiente e respeitado
deputado federal Mauro
Benevides.
Paralelamente
à justeza da causa, uma forte
mobilização das entidades
representativas dos vários
segmentos da Advocacia Pública
11, bem como dos próprios
advogados públicos, aponta
para a aprovação da PEC
443/2009 na aludida Comissão
Especial da Câmara dos
Deputados12. Assim, o
constituinte derivado, em
passos certos e seguros,
caminha para explicitar, para
além de qualquer dúvida e
dobrando qualquer resistência
indevida, a paridade remuneratória
entre as carreiras que o
constituinte originário
qualificou como essenciais à
Justiça. Nessa linha, o
constituinte foi sábio. Não
só criou a instituição
Advocacia-Geral da União, mas
também previu expressamente o
seu princípio ativo, a sua
sustentação visceral: as
carreiras jurídicas da
instituição. Depreende-se,
pois, do discurso
constitucional que instituição
e carreiras formam uma necessária
simbiose. Não existe um sem o
outro.
Cabe,
neste passo, uma palavra sobre
a aguerrida carreira de
Procurador Federal, aqui
abrangidos dos procuradores do
Banco Central do Brasil. Essa
carreira convive com uma situação
muito peculiar. Com efeito, os
procuradores federais não são
membros da Advocacia-Geral da
União, nos termos do artigo 2º,
parágrafo 5º, da Lei
Complementar 73, de 1993.
Ocorre que a
Procuradoria-Geral Federal,
habitat natural dos
procuradores federais,
integra, de fato e de direito,
a Advocacia-Geral da União.
Assim, é de todo conveniente
utilizar a expressão
"carreiras jurídicas da
Advocacia-Geral da União"
envolvendo os advogados da União,
os procuradores da Fazenda
Nacional e os procuradores
Federais.
Convém
destacar que o discurso da Lei
10.480, de 2002,
particularmente o seu artigo 9º,
deve ser tomado com o devido
cuidado e de forma sistêmica.
Não guarda nenhuma lógica ou
sentido a existência de um órgão
(a PGF) despersonalizado e
vinculado, portanto,
estruturalmente alheio, à
Advocacia-Geral da União.
Notadamente, quando esse órgão
não integra a presidência da
República ou algum dos ministérios.
Assim, a leitura racional do
comando legal, segundo os cânones
da ordem constitucional
brasileira, impõe a conclusão
de que a PGF integra, compõe
ou faz parte da
Advocacia-Geral da União,
assim como a
Procuradoria-Geral da União e
a Consultoria-Geral da União.
Nesse
sentido, observe-se que as últimas
leis orçamentárias da União
não contemplam orçamentos
separados para a AGU e para a
PGF. As dotações orçamentárias
para o funcionamento da PGF
estão inseridas no âmbito da
AGU. Infelizmente, alguns
setores da Advocacia Pública
Federal alimentam um triste e
descabido tratamento
preconceituoso para com os
valorosos procuradores
federais. Trata-se de
preconceito por preconceito.
Uma postura que claramente não
colabora para o aprimoramento
e o fortalecimento da
Advocacia Pública Federal.
NOTAS
1
Artigo 131. A Advocacia-Geral
da União é a instituição
que, diretamente ou por meio
de órgão vinculado,
representa a União, judicial
e extrajudicialmente,
cabendo-lhe, nos termos da lei
complementar que dispuser
sobre sua organização e
funcionamento, as atividades
de consultoria e
assessoramento jurídico do
Poder Executivo".
²
"§2º — O ingresso nas
classes iniciais das carreiras
da instituição de que trata
este artigo far-se-á mediante
concurso público de provas e
títulos".
3
"II — a investidura em
cargo ou emprego público
depende de aprovação prévia
em concurso público de provas
ou de provas e títulos, de
acordo com a natureza e a
complexidade do cargo ou
emprego, na forma prevista em
lei, ressalvadas as nomeações
para cargo em comissão
declarado em lei de livre
nomeação e exoneração;
(redação dada pela Emenda
Constitucional 19, de
1998)".
4
"Analisando a concepção
de agentes públicos adotada
pela Constituição de 1988,
Moreira Neto (1991, p. 245)
aduz que os agentes que
exercem as funções
essenciais à Justiça (dentre
os quais se incluem os membros
da Advocacia-Geral da União)
são verdadeiros 'agentes políticos'.
Isto porque 'há muito que o
direito político deixou de
considerar o provimento
eletivo como o critério
definitório do político: o
traço diferenciativo
deslocou-se para a
indisponibilidade da função
pública desempenhada'
(MOREIRA NETO, 1991, p. 244).
Tratam-se, portanto, de
agentes públicos de existência
necessária (e não
contingente), a qual se prende
'ao exercício diferenciado de
funções derivadas do Poder
Uno do Estado, estritamente
vinculadas à sua finalidade
e, por isso, com cargo de
autoridade própria' (MOREIRA
NETO, 1991, p. 244). Tal
concepção de agente político,
por óbvio, pressupõe a
exclusividade no exercício
das atribuições de tais
agentes, as quais, como regra,
não podem ser desempenhadas
por terceiros". MACEDO,
Rommel. Advocacia-Geral da União
na Constituição de 1988. São
Paulo: LTr, 2008. p. 57. A
referência a Moreira Neto
corresponde ao eminente
jurista Diogo de Figueiredo
Moreira Neto.
5
"No que tange à
exclusividade no exercício
das competências da
Advocacia-Geral da União por
parte de membros de suas
carreiras (com exceção do próprio
advogado-geral da União, de
livre nomeação pelo
presidente da República),
isto se revela corolário da
própria leitura dos §§ 1º
e 2º do artigo 131 da
Constituição de 1988.
Clarividente, assim, a regra
de que as referidas competências
não podem ser exercidas por
pessoas não integrantes das
carreiras da instituição".
MACEDO, Rommel.
Advocacia-Geral da União na
Constituição de 1988. São
Paulo: LTr, 2008. p. 57.
6
"§ 2o — Aos atuais
procuradores da República,
nos termos da lei
complementar, será facultada
a opção, de forma irretratável,
entre as carreiras do Ministério
Público Federal e da
Advocacia-Geral da União".
7
"XV — o subsídio e os
vencimentos dos ocupantes de
cargos e empregos públicos são
irredutíveis, ressalvado o
disposto nos incisos XI e XIV
deste artigo e nos artigos 39,
§ 4º, 150, II, 153, III, e
153, § 2º, I;"
8
As funções de
assessoramento, consultoria e
representação judicial e
extrajudicial da União são
estratégicas para o Estado.
Afinal, a existência e a
continuidade de cruciais decisões
governamentais e de imprescindíveis
políticas públicas dependem
necessariamente das várias
formas de atuação jurídica
da administração pública.
Ademais, o resguardo do patrimônio
público, em sentido amplo,
contra toda sorte de
investidas indevidas depende
de uma Advocacia Pública
forte e aparelhada, em todos
os sentidos, para resistir aos
ataques oriundos dos
interesses mais
diversificados.
9
"Artigo 28. Além das
proibições decorrentes do
exercício de cargo público,
aos membros efetivos da
Advocacia-Geral da União é
vedado: I — exercer
advocacia fora das atribuições
institucionais;"
10
Eis a redação original da
proposta apresentada: "o
subsídio do grau ou nível máximo
das carreiras da
Advocacia-Geral da União, das
procuradorias dos estados e do
Distrito Federal corresponderá
a noventa inteiros e vinte e
cinco centésimos por cento do
subsídio mensal, fixado para
os ministros do Supremo
Tribunal Federal, e os subsídios
dos demais integrantes das
respectivas categorias da
estrutura da Advocacia Pública
serão fixados em lei e
escalonados, não podendo a
diferença entre um e outro
ser superior a dez por cento
ou inferior a cinco por cento,
nem exceder a noventa inteiros
e vinte e cinco centésimos
por cento do subsídio mensal
fixado para os ministros do
Supremo Tribunal Federal,
obedecido, em qualquer caso, o
disposto nos artigos 37, XI, e
39, § 4º".
11
Merece destaque a atuação enérgica
do Fórum Nacional da
Advocacia Pública Federal
(reunião de sete entidades
representativas dos advogados
públicos federais: Anauni,
Anprev, Anajur, Anpaf, APBC,
Apaferj, Sinrpofaz) sob a
presidência do incansável
procurador da Fazenda Nacional
João Carlos Souto.
12
Nesse sentido, o eminente
deputado federal Mauro
Benevides, relator da proposição,
apresentou manifestação
favorável à proposta,
incorporando, com justiça, os
defensores públicos, em reunião
da Comissão Especial no dia
14 de julho de 2010.
Aldemario
Araujo Castro é procurador da
Fazenda Nacional,
corregedor-geral da
Advocacia-Geral da União,
professor e mestre em Direito
pela Universidade Católica de
Brasília
Fonte:
Conjur, de 18/07/2010
Procurador
federal não pode exercer função
em órgão diverso da lotação
efetiva
O
presidente do Superior
Tribunal de Justiça (STJ),
ministro Cesar Asfor Rocha,
suspendeu liminar concedida
pelo juiz federal da 6ª Vara
Federal da Seção Judiciária
do Ceará, que havia mantido
um procurador federal em órgão
diferente da sua lotação de
origem, contrariando norma da
Advocacia-Geral da União
(AGU).
Em
sua defesa, o procurador
federal alegou que está no
cargo há 15 anos e que sempre
exerceu suas atribuições na
Procuradoria da União do Ceará,
em Fortaleza, por isso teria
direito subjetivo de
permanecer no mesmo local. Ele
sustentou que, em decorrência
da portaria da AGU n. 1011
(14/11/2008), estaria obrigado
a retornar ao órgão de lotação
de origem, a Procuradoria
Federal Especializada do INSS
do Ceará, também em
Fortaleza, em razão do
encerramento de todos os exercícios
provisórios fora das hipóteses
previstas na legislação. O
procurador pediu a sustação
da norma a fim de evitar o
regresso à sua unidade originária.
O
juiz da 6ª Vara Federal da Seção
Judiciária do Ceará aceitou
o pedido do procurador e
determinou a suspensão dos
efeitos da portaria da AGU.
Desse modo, o procurador
federal pode permanecer em
exercício na Procuradoria da
União. O presidente do
Tribunal Regional Federal da 5ª
Região, com sede em Recife
(PE), negou o pedido da União
para modificar essa decisão.
A
União argumentou que, ao
determinar a lotação provisória
do procurador,
independentemente do desfalque
no quadro de advogados da
Procuradoria do INSS ou mesmo
do interesse público, a decisão
do juiz federal “invadiu
esfera exclusiva da Administração
Pública – mérito
administrativo –, em
manifesto desrespeito às
deliberações do
advogado-geral da União”.
O
presidente do STJ, ministro
Cesar Asfor Rocha, citou casos
semelhantes a esse, nos quais
considerou a provável lesão
à ordem pública e a
possibilidade de ocorrência
do efeito multiplicador, o que
abriria precedentes para
outros pedidos de remoção,
por interesse particular, sem
a observância dos critérios
legais. No caso concreto, o
governo federal demonstrou que
a Procuradoria da União no
Ceará já possui oito
advogados da União
excedentes. Assim, o ministro
Cesar Asfor Rocha suspendeu a
liminar concedida pelo juiz
federal que havia permitido a
permanência do procurador na
Procuradoria da União do Ceará.
A primeira instância deve
analisar o caso.
Fonte:
site do STJ, de 17/07/2010
Moralização
dos cartórios
Em
nova decisão, que pode ser
definitiva, para regularizar a
situação dos cartórios em
operação no País e
moralizar esses serviços, o
Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) declarou vagas as
titularidades de 5.561 cartórios
e, cumprindo o que estabelece
a Constituição, determinou
que essas vagas sejam
preenchidas por concurso público
a ser realizado pelos
Tribunais de Justiça (TJs)
estaduais no prazo de seis
meses.
A
exigência do preenchimento de
cargos de titulares de cartórios
? de registro civil, de
registro de imóveis, de notas
e de protesto ? por concurso público
de provas e títulos realizado
pelos Tribunais de Justiça
foi estabelecida pela
Constituição de 1988, mas a
medida só foi regulamentada
em 1994. Nesse intervalo,
muitos cartórios foram
assumidos por titulares não
concursados. Com a regulamentação
da exigência constitucional,
titulares nessa situação
recorreram à Justiça
invocando o direito adquirido
para permanecer no cargo.
Há
pouco mais de um ano, o CNJ
determinou a remoção dos
titulares de cartórios que não
passaram por concurso público.
Na época, o CNJ estimava em 5
mil o número de cartórios
com titulares não
concursados. A Corregedoria do
CNJ constatou a existência de
um número maior de casos
irregulares. Em janeiro, o CNJ
declarou vagos os cargos de
titular de 7.828 cartórios, o
que correspondia a quase
metade dos 14.964 existentes
no País. O número foi
reduzido para pouco mais de um
terço do total, pois cartórios
inscritos na lista anterior
foram excluídos por decisão
judicial ou por comprovação
da regularidade de sua situação.
A
Corregedoria do CNJ constatou
que muitos cartórios eram
providos por um sistema que
chamou de "permuta entre
familiares". Por esse
esquema, o filho ou outro
parente de um titular prestava
concurso para uma repartição
do interior do Estado, tomava
posse, pedia transferência
para o cartório do titular não
concursado e lá assumia como
novo titular. Com isso, famílias
se perpetuavam no domínio de
um cartório rentável, numa
conduta que o CNJ considerou
"afrontosa aos princípios
da igualdade e da
impessoalidade, que devem ser
observados no serviço público".
Constatou-se
também a existência de cartórios
fantasmas, criados quando um
município se emancipou ou
quando um cartório foi
desmembrado. O titular abriu
então uma filial, indicando
um parente ou amigo para ser
seu titular.
"Houve
uma cultura cartorialista de
transmissão de pai para
filho, de acobertamento e de
omissão por parte da
administração do Judiciário",
afirmou o corregedor nacional
do CNJ, ministro Gilson Dipp,
ao anunciar a nova decisão do
órgão. É possível que o número
de cartórios em situação
irregular aumente, pois há
1.105 casos que podem exigir
novas diligências da
Corregedoria do CNJ, 153 cartórios
fantasmas em operação no País
e 470 unidades que não
constaram da lista das que
tiveram sua titularidade
declarada vaga porque pendências
judiciais impediram a análise
do caso.
O
que explica, mas não
justifica, o grande número de
cartórios em situação
irregular é a receita que
esse serviço gera. Segundo o
CNJ, alguns deles, instalados
em grandes centros urbanos, têm
receita de até R$ 5 milhões
por mês. A mais recente decisão
do CNJ sobre o assunto deixa
claro que os titulares
interinos, a serem designados
pelos TJs, não poderão
receber mais do que o teto
salarial do funcionalismo público,
de R$ 24,1 mil.
Contra
as decisões do CNJ,
registradores, notários e
tabeliães interinos
conseguiram mobilizar, no ano
passado, um poderoso lobby no
Congresso para apressar a
tramitação de proposta de
emenda à Constituição que
os efetiva nos postos que
ocupam. À medida que a
proposta avançava ? chegou a
ser incluída na pauta de votação
do plenário da Câmara dos
Deputados ?, o CNJ acelerava
suas decisões para corrigir
as irregularidades.
Em
outubro, diante da notória
dificuldade para justificar a
proposta perante o eleitorado,
as lideranças partidárias
decidiram engavetá-la, à
espera, como disseram, de uma
alternativa constitucional. Não
há necessidade de
alternativa, pois a solução
já está na Constituição: o
preenchimento dos cargos por
concurso, como exige o CNJ.
Fonte:
Estado de S. Paulo, Opinião,
de 19/07/2010
Súmula
que afasta honorários é
inconstitucional
No
ano de 2003, a 1ª Seção do
Superior Tribunal de Justiça[1]
firmou entendimento, através
da decisão prolatada no
Recurso Especial
493.342/RS[2], no sentido de
que a Defensoria Pública
estadual, por ser entidade
desprovida de personalidade
jurídica, não pode recolher
honorários sucumbenciais
decorrentes de condenação
contra a Fazenda Pública
estadual, em causa patrocinada
por Defensor Público. O
ministro José Delgado, então
relator do acórdão,
consignou que:
“A
Defensoria Pública é mero, não
menos importantíssimo, órgão
estadual, no entanto, sem
personalidade jurídica e sem
capacidade processual,
denotando-se a impossibilidade
jurídica de acolhimento do
pedido da concessão da verba
honorária advocatícia, por
se visualizar a confusão
entre credor e devedor.”
A
suposta confusão entre o órgão
público e os estados membros
foi repetidamente invocada
pelo Tribunal Superior (EREsp.
566.551/RS, EREsp. 480.598/RS,
REsp. 852.459/RJ, REsp.
1.108.013/RJ) até que, em 11
de março de 2010, decidiu o
Superior Tribunal de Justiça
formalizar seu posicionamento
através da publicação do
enunciado 421, segundo o qual
“Os honorários advocatícios
não são devidos à
Defensoria Pública quando ela
atua contra a pessoa jurídica
de direito público à qual
pertença.”
Formulamos
neste ensaio argumentos jurídicos
para demonstrar que a tese
sustentada em 2003 pela
Primeira Seção do Superior
Tribunal de Justiça e
recentemente transformada em
enunciado de súmula por
aquele tribunal, carece de
respaldo legal e
constitucional, ante o atual
tratamento normativo conferido
à Defensoria Pública.
Inicialmente,
destacamos que a confusão,
prevista nos artigos 1.049 do
Código Civil de 1916 e 381 do
Código atual, configura
instituto de natureza civil
pelo qual se reúnem na mesma
pessoa as qualidades de credor
e devedor. Cabe, portanto,
indagar: seriam os Estados
membros ou a União Federal
(entes políticos) credores
dos honorários sucumbenciais
eventualmente recolhidos pela
Defensoria Pública Estadual
ou pela Defensoria Pública da
União?
A
Emenda Constitucional 45/04
concedeu à Defensoria Pública
autonomia funcional,
administrativa e financeira
(iniciativa de elaboração de
sua proposta orçamentária,
prevendo a sua gestão
financeira anual). Por via
reflexa, a instituição
deixou de ser um simples órgão
auxiliar do governo, passando
a ser órgão constitucional
independente, sem qualquer
subordinação ao Poder
Executivo.[3] A Constituição
Federal não deixa margem para
indagações:
Artigo
134. A Defensoria Pública é
instituição essencial à função
jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a orientação
jurídica e a defesa, em todos
os graus, dos necessitados, na
forma do artigo 5º, LXXIV).
(...)
Parágrafo
2º Às Defensorias Públicas
Estaduais são asseguradas
autonomia funcional e
administrativa e a iniciativa
de sua proposta orçamentária
dentro dos limites
estabelecidos na lei de
diretrizes orçamentárias e
subordinação ao disposto no
artigo 99, parágrafo 2º.
A
Lei Complementar Federal nº
80/94, que organiza a
Defensoria Pública da União,
do Distrito Federal e dos
Territórios, dispõe em seu
artigo 4º, XXI, que
“são
funções institucionais da
Defensoria Pública, dentre
outras, executar e receber as
verbas sucumbenciais
decorrentes de sua atuação,
inclusive quando devidas por
quaisquer entes públicos,
destinando-as a fundos geridos
pela Defensoria Pública e
destinados, exclusivamente, ao
aparelhamento da Defensoria Pública
e à capacitação
profissional de seus membros e
servidores.”
O
dispositivo transcrito possui
redação relativamente nova,
promovida pela Lei
Complementar Federal nº 132,
de outubro de 2009. Os Estados
membros têm o dever de
adaptar a organização de
suas Defensorias Públicas aos
preceitos da Lei Complementar
Federal nº 80, inclusive no
que concerne à criação dos
fundos de gestão das verbas
sucumbenciais.
Extrai-se
das normas transcritas que,
implantados ou não os fundos
destinatários da verba honorária
recolhida pela Defensoria Pública,
não há como argumentar que a
Fazenda Pública (estadual ou
federal) é credora dos
valores arrecadados. Nesse
sentido, sustentar hoje em dia
a ocorrência de confusão, na
trilha do velho entendimento
encampado pelo Superior
Tribunal Justiça, é, antes
de tudo, negar validade ao
texto legal.
A
desembargadora Teresa Cristina
da Cunha Peixoto, do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais,
em decisão proferida no ano
de 2008, sustentou que “A
partir da vigência da Lei
Complementar 65/2003 os honorários
sucumbenciais relativos ao
Defensor Público não são
convertidos em renda para o
Estado, razão pela qual são
devidos pela fazenda Pública
do Estado.”[4]
Na
verdade é antiga a noção de
que a verba honorária
arrecadada pela Defensoria Pública
não ingressa, em hipótese
alguma, no patrimônio do ente
político respectivo.
Vale
lembrar que no Estado do Rio
de Janeiro, o Centro de
Estudos Jurídicos da
Defensoria Pública –
CEJUR/DPGE (criado pela Lei
Estadual nº 1.146 de 1987),
é custeado pelo Fundo Orçamentário
Especial, cuja receita provém,
dentre outras fontes, dos
“honorários advocatícios
que em qualquer processo
judicial, pelo princípio da
sucumbência, caibam à
Defensoria Pública.” (art.
3º, I).
O
verdadeiro sentido de
‘autonomia’ também deve
ser invocado para rebater a
vetusta tese pretoriana.
Autonomia administrativa e
financeira pressupõe
capacidade de autodeterminação
de uma instituição, conforme
suas próprias leis, livre de
qualquer fator externo com
influência subjugante. Há
bastante tempo Maria Sylvia
Zanella Di Pietro já ensinava
que “autonomia, de autós
(próprio) e nómos (lei),
significa o poder de editar as
próprias leis, sem subordinação
a outras normas que não as da
própria Constituição; nesse
sentido, só existe autonomia
onde haja descentralização
política.”[5]
O
Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul proferiu
recentemente decisão no
sentido de que “A Defensoria
Pública tem poderes para
auto-organizar seus serviços,
bem como capacidade para
elaboração de orçamento próprio,
com gestão e aplicação dos
recursos que lhe são
destinados.”[6]
Ora,
parece claro que, se os
tribunais reconhecem a
autonomia da Defensoria Pública,
mas, paralelamente, são
obrigados (por força da súmula
nº 421) a negar sua
capacidade de gestão
patrimonial, incorrem em grave
contradição, redundando,
conforme anteriormente
sublinhado, em violação da
norma jurídica que organiza a
Instituição. Neste ponto,
cabe ressaltar a colocação
do Desembargador do Tribunal
de Justiça do Mato Grosso do
Sul, Paulo Alfeu Puccinelli:
Tenho
que a confusão alegada entre
o Estado e a Defensoria Pública
não ocorre, a uma, porque a
Emenda Constitucional
45, de 8 de dezembro de
2004, concedeu autonomia
funcional à Defensoria Pública,
ou seja, ela deixou de ser um
órgão auxiliar do governo e
se tornou um órgão
constitucional independente,
vale dizer, sem nenhuma
subordinação ao Poder
Executivo. Além do que, também
recebeu autonomia
administrativa e financeira.
Assim, tenho que é
perfeitamente possível o
Estado de Mato Grosso do Sul
ser condenado a pagar honorários
advocatícios em favor da
Defensoria Pública, não
ocorrendo a mencionada confusão
prevista no artigo 381 do Código
Civil.[7]
Tudo
indica que existe no aludido
precedente do Superior
Tribunal de Justiça uma
imprecisão terminológica,
que foi ratificada pela súmula
421: órgão é entidade
despersonalizada, não se
discute. Todavia, se o órgão
é autônomo (como, no caso, a
Constituição afirma ser),
pouco importa a ausência de
personalidade jurídica. Impõe-se
o reconhecimento de destinatários
diversos de receitas: Estado
membro (ou União Federal) e
Defensoria Pública, estadual
ou federal. Pensar o contrário
é concordar com a absurda
tese de que toda e qualquer
verba honorária fixada em
prol da Defensoria Pública
pertence à Fazenda, estadual
ou federal.
Em
resumo: a súmula 421 do
Superior Tribunal de Justiça
trata duas situações idênticas
de forma distinta. Se o
devedor sucumbente for pessoa
diversa do Estado, o credor
dos honorários será a
Defensoria Pública. Caso
contrário, se o devedor for o
Estado, o credor não mais será
a Defensoria, mas o próprio
ente político. Curioso é que
poucas pessoas questionam o
absurdo desse raciocínio e a
maioria simplesmente o toma
como verdade.
À
guisa de conclusão,
verificamos que a antiga decisão
do Superior Tribunal de Justiça,
que serve como precedente para
elaboração da súmula 421,
foi proferida no ano de 2003,
ou seja, antes da alteração
constitucional promovida pela
Emenda 45/2004, que consagrou
a autonomia administrativa e
financeira da Defensoria Pública.
Precede também a elaboração
da norma prevista no artigo 4º,
XXI da Lei Complementar
Federal 80/94, que alude aos
fundos para aparelhamento da
Instituição.
Logo,
a conversão daquele vetusto
entendimento em súmula, no
ano de 2010, só pode ser
qualificada como ilegal e
inconstitucional. Isso porque
ignora, de um lado, a existência
dos fundos para aparelhamento
da Defensoria Pública,
expressamente referidos na Lei
Complementar Federal nº 80/94
e, de outro, a autonomia
administrativa e financeira
assegurada pelo artigo 134,
parágrafo 2º da Constituição
Federal.
A
súmula 421 revela também um
privilégio injustificável (e
circunstancial) para a Fazenda
Pública, pois trata o Estado
membro e União Federal como
credores dos honorários
recolhidos pela Defensoria Pública
somente quando são
sucumbentes em causa
patrocinada por Defensor Público.
Reputamos
fundamental perceber que a ausência
de personalidade jurídica de
uma entidade não elimina sua
capacidade de gestão
patrimonial autônoma, diversa
daquela referente ao ente político.
Como exemplo, citamos o
Tribunal de Contas do Estado
de Minas Gerais e da União,
ambos órgãos classificados
como independentes, a exemplo
da Defensoria Pública.
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[1]
Interessante mencionar que a
Primeira Seção do Superior
Tribunal de Justiça é
composta por ministros da
Primeira Turma e da Segunda
Turma e aprecia matérias de
Direito Público, com ênfase
para as questões
administrativas e tributárias.
[2]
STJ, Resp nº 493.342/RS,
Primeira Seção, Ministro
Relator José Delgado,
julgamento em 10.12.2003.
[3]
TJMS, Apelação Cível nº
2007.025343-7/0000-00, 3ª
Turma Cível, Desembargador
Relator Oswaldo Rodrigues de
Melo, julgamento em
17.09.2007.
[4]
TJMG, Apelação cível, nº1.
0024.06.148112-3/001,
julgamento em 17.04.2008.
Nesse sentido, decidiu, no ano
de 2002, o Tribunal de Justiça
do Mato Grosso do Sul: “Com
o advento da Lei Complementar
Estadual n.º 94, de 26 de
dezembro de 2001, os honorários
advocatícios, nas causas
patrocinadas pela Defensoria Pública
Estadual, serão fixados em
prol do respectivo órgão e não
mais em favor da Fazenda Pública
Estadual.” (Embargos de
Declaração em Apelação Cível
n.
2001.010484-9⁄0001.00,
Primeira Turma Cível, rel.
Desembargador Hildebrando
Coelho Neto, julgamento em
28.05.2002).
[5]
DI PIETRO, Maria Silvia
Zanella. Direito
Administrativo. 17ª ed. São
Paulo: Atlas, 2004, p. 350.
[6]
TJRS, Apelação Cível nº
70022299911, julgamento em
10.04.2008.
[7]
TJMS, Apelação Cível nº
2007.000596-0, julgamento em
05.03.2007.
José
Cirilo de Vargas é livre
Docente em Processo Penal pela
UFMG
Fonte:
Conjur, de 18/07/2010