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Para o Estado, reforma tributária é aumento de imposto

O sistema tributário ideal para o Brasil seria aquele com três impostos: um sobre a renda, outro sobre o patrimônio e um imposto sobre a circulação de bens e serviços. A fórmula, sugerida pelo advogado tributarista Ives Gandra da Silva Martins, já chegou a ser apresentada oficialmente mas jamais chegou a ser discutida seriamente. E a razão é muito simples, como explica o autor da idéia: “Toda vez que fala em reforma, o Estado só pensa em arrecadar mais impostos”. Sua fórmula pretende apenas simplificar e racionalizar o sistema existente.

Para Ives Gandra, o Brasil tem um sistema tributário desconfigurado, com nada menos do que 12 impostos, cada um deles com enorme peso na arrecadação. “O ideal seria que o grosso da arrecadação ficasse concentrado em alguns poucos impostos”, ensina o mestre. Além disso, uma infinidade de contribuições foi criada com a única intenção de substituir os impostos existentes e ludibriar a partilha da arrecadação.

Os males do sistema não param por aí: impostos regulatórios, como o imposto de importação, ganharam caráter claramente arrecadatório, e impostos diferentes incidem sobre o mesmo fato gerador “É uma irracionalidade absoluta”, defende o tributarista.

Ao ouvi-lo discorrer com tanta segurança sobre tema tão complexo, pode-se pensar que Ives Gandra seja apenas um grande tributarista. Mas ele é muito mais. Um dos doutrinadores mais citados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, Ives Gandra é também um constitucionalista respeitado. E é com esta autoridade que ele formula sugestões como a de um Poder Judiciário tríplice, formado por uma corte constitucional, pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Contas. “O Supremo Tribunal Federal seria a corte constitucional, enquanto o STJ atuaria para resolver os conflitos de competência e harmonizar a jurisprudência. Já o Tribunal de Contas seria submetido ao Judiciário e atuaria como um poder fiscalizador do poder público”.

Autor de várias dezenas de livros sobre Direito, Economia e Política é também um poeta de mão cheia e ainda era uma criança quando produziu os seguintes versos: “Tange, Orfeu, sozinho, tange a lira agreste/ Para afugentar a dor que te devora,/ Na floresta antiga, embaixo de um cipreste, /Dorme para sempre a amada e tão singela, Como se dormisse ao lado teu outrora, /Tange, Orfeu, a lira... tange e lembra dela”.

Seu múltiplo talento pode ser medido também pelo número de Academias que o têm como membro: 20, da Academia Paulista de Letras, Academia Brasileira de Direito Constitucional e New York Academy of Science. Além de ter sido presidente do Clube de Poesia.

Em entrevista à Consultor Jurídico Ives Gandra falou de impostos, leis, poesia e futebol, outra de suas paixões. Sócio número 46 do São Paulo Futebol Clube, Ives Gandra tem o diagnóstico para a derrota da seleção brasileira na Copa da Alemanha: “Na Copa, tínhamos os melhores jogadores do mundo, mas não tínhamos um time”.

Participaram da entrevista os jornalistas Márcio Chaer, Maurício Cardoso, Rodrigo Haidar, Aline Pinheiro, Lílian Matsuura e Gláucia Milício.

Leia a entrevista

ConJur — Qual seria o sistema tributário ideal para o Brasil?

Ives Gandra — O ideal seria um sistema semelhante a alguns países da União Européia. O modelo alemão e o português, por exemplo. Na Alemanha, são três impostos que correspondem a 90% da arrecadação. Em Portugal, três impostos são dois. Os portugueses dividem o imposto sobre o valor agregado, o imposto de renda das pessoas físicas e o imposto de renda das pessoas jurídicas. O IR incidente sobre a pessoa jurídica corresponde a mais de 90 % da arrecadação. Em todos estes casos temos o grosso da arrecadação concentrado em um número muito restrito de impostos.

ConJur — Qual é o grande problema do sistema brasileiro?

Ives Gandra — Temos um sistema desconfigurado. São 12 impostos e todos muito importantes dentro do sistema. Além disso, existem as contribuições. No Brasil, as contribuições são substitutivas dos impostos para não se partilhar a receita. Eu não partilho receita no Cofins, não partilho receita no PIS, eu partilho receito no IPI, no Imposto de Renda. O governo, ao partilhar essas receitas, privilegia contribuições que não têm figura de impostos e desfigura o conceito. Toma-se, por exemplo, imposto de importação e exportação. Isso é regulatório. Mas no Brasil é utilizado como arrecadatório. Agora, vamos aos estados. Neste caso, temos dois impostos. Um deles é concorrente do IPI, o imposto do ICMS. É o mesmo fato gerador. A única diferença é que é o IPI só incide sobre a produção.

ConJur — Há equilíbrio tributário entre os entes da federação — município, estado e a União?

Ives Gandra — Não. É uma irracionalidade. Além desses 12 impostos, temos diversos tributos incidentes sobre o mesmo fato gerador. Quando se fala em Reforma Tributária, lembro do Hitler, durante a 2ª Guerra Mundial. Nas reuniões do comando de guerra, seus generais sempre diziam que queriam fazer manobras, mas ele não aceitava. Ele sabia que quando os generais diziam quequeriam fazer manobras, na verdade tinham intenção mesmo, ele acreditava, era de recuar. Só não tinha coragem para afirmar isso. No Brasil, o mesmo ocorre quando se fala em Reforma Tributária, . Neste caso a intenção sempre é elevar a carga de impostos. Estados querem mais tributo. Municípios querem mais tributos. A União quer mais tributo. Hitler dizia que era para recuar. No Brasil, é para aumentar. Não há Reforma Tributária de racionalidade. O projeto que está em andamento do ICMS, por exemplo, é um dos negócios mais escandalosos que já vi. Eles pretendem pegar um regulamento de ICMS e colocar dentro da Constituição. É uma irracionalidade absoluta.

ConJur — O que seria mais racional então?

Ives Gandra — Um imposto sobre a renda. Um imposto sobre o patrimônio. Um imposto sobre a circulação de bens e serviços. Não haveria União, estados e municípios. O órgão com melhor capacidade de arrecadação é que recolheria e partilharia por definição constitucional entre os diversos entes. Seria um sistema simplificado. Alguns criticam essa tese e defendem que isso deixaria as alíquotas mais elevadas. Não é verdade. Hoje, tenho as mesmas alíquotas com diversas estruturações. Pago 7,6% do Cofins e pago 1,16 % do PIS. Essas duas contribuições chegam a praticamente 10 % para a área de serviços. Então, ao invés de ser 7,6% e 1,6%, faço a soma dos dois. A sonegação ficaria muito mais difícil, porque seria um sistema controlado por computadores. A alíquota continuaria sendo rigorosamente a mesma, porque é apenas a soma daquilo que existe em um sistema mais complexo. Critico muito o governo do Luiz Antônio Fleury Filho [governador de São Paulo de 1991a1995], mas na época ele reuniu um grupo para a revisão Constitucional de 1993, encabeçada pelo Miguel Reale. O Miguel me ligou para e pediu que fizesse parte. Criei todo o sistema tributário na Constituição, com esses três tributos. O Fleury encampou o projeto e mandou para o Congresso Nacional para a revisão de 1993, que fracassou. Mais tarde, o Germano Rigotto atual governador do Rio Grande do Sul] me ligou e disse: “Ives, eu gostei do projeto e eu vou apresentá-lo no estado”. Não deu certo porque cada estado quer mais receita. Basta tomar como o exemplo o projeto que consolida a guerra fiscal até 2015. Isso é completamente inconstitucional. Significa a desmoralização completa do sistema.

ConJur — Dentro desse contexto, há possibilidade de Reforma Tributária?

Ives Gandra — Não. A reforma tributária teria de passar por uma reforma administrativa para o governo gastar menos, porque o que se tem é uma máquina esclerosada. Estão sugerindo o veto de pouco mais de R$ 7 bilhões que representaram o aumento da previdência. Seriam 21 milhões de brasileiros beneficiados. Agora, há mais ou menos uns 30 mil brasileiros que vão receber entre algo em torno de R$ 5 bilhões, que são os anistiados. O governo não pode dar R$ 7 bilhões para 20 milhões de brasileiros, mas pode dar R$ 5 bilhões para pouco mais do que umas dezenas de amigos que fizeram pelo Brasil uma revolução durante a Ditadura Militar para ficarem ricos. Isto o governo acha normal. Até porque os mesmos que fizeram a revolução são os que estão no governo e que decidem em causa própria. Dar um pequeno aumento para 20 milhões de brasileiros é quebrar o orçamento. O mesmo não acontece quando os beneficiários são os anistiados. Para mim, eles não fizeram revolução, mas assaltaram o contribuinte brasileiro. Não é o Estado quem está pagando, somos nós.

ConJur — E não há critérios para estabelecer essas indenizações?

Ives Gandra — Não. O critério é o que eles fizeram em causa própria. Eles alegam que foram prejudicados. Mas quantos não foram prejudicados? Estou na relação dos 28 mil que tem direito de quebrar o arquivo militar. Na época, brigava com o governo em matéria tributária. Pediram confisco dos meus bens. Fui manchete de jornal. Atuei como advogado do Antônio da Gama e Silva, no caso da Sudam. Declarei tudo o que recebia. Quando ele foi nomeado ministro da Justiça, pediu que eu tocasse a questão, não na matéria penal, mas na área tributária. O objetivo era defender a tese de que o IPI estava incidindo sobre o ICMS, indevidamente. Isso porque o IPI é um imposto sobre industrialização, o ICM, na época, é um imposto sobre a circulação. Como é que um imposto anterior pode incidir sobre o imposto posterior? O governo reconheceu que isso era um erro técnico de tributação. Lutamos, discutimos e ganhamos. Mais tarde, foram presos os diretores da Sudam, nós os defendemos. Ganhamos em primeira instância, segunda instância e no Supremo Tribunal Federal, em pleno Regime Militar, no ano de 1971. Meu nome ficou envolvido no caso. Mais tarde, o Gama mandou arquivar em 24h o IPM — Inquérito Policial Militar. Apesar dos danos, não vou tomar nenhuma medida contra o governo, porque quem vai ter de pagar é o contribuinte. O que se percebe é que enquanto se gastar dinheiro mal, da forma como se tem gasto, é evidente que sem reforma administrativa, sem controle de gastos administrativos, não há reforma tributária possível. Você pode melhorar a técnica de tributação. Ao invés de ter sete incidências, ter uma só. Mas eu vou ter de manter a carga tributária lá em cima, para atender a necessidade de gastos malfeitos, de benefícios indevidos, de uma Federação maior que o PIB. De políticos e burocratas que pensam mais em si do que prestar serviço público. Porque países com 40 % de carga tributária prestam grandes serviços públicos? Nós temos carga tributária superior aos Estados Unidos e Japão, que são as duas maiores economias do mundo.

ConJur — Qual percentual o senhor considera da nossa carga tributária?

Ives Gandra — O governo diz que é de 36%. Mas não leva em consideração multas que são penalidades e compõem a carga tributária. No ano passado, tivemos em torno de 38%. Neste primeiro semestre tivemos 40%. A carga tributária o que é? É o arrecadado, é o que bate nos cofres públicos. Vamos admitir que você tenha 40% de inadimplência e sonegação. Quer dizer, se todos pagassem tudo, nós estaríamos com mais de 50%.

ConJur — Há segurança jurídica no sistema tributário brasileiro?

Ives Gandra — Nenhuma. Por melhor que seja o contribuinte, as leis são tão complexas que ele corre o risco de cometer erros. Vou citar o exemplo do artista de televisão. Ele trabalha em uma empresa, em regime de exclusividade. Também participa como ator em anúncios e ganha por isso. O fisco entendeu que esse tipo de atitude afronta a legislação trabalhista e passou a cobrar dele o imposto como pessoa física e não pelo lucro presumido. A idéia do Everardo Maciel [secretário da Receita Federal] era reduzir de 27,5% a 16% o lucro presumido, com a soma de Pis e Cofins, para trazer a maior parte das empresas informais para a formalidade. Não deu certo. O Fisco continua dizendo que isso é uma forma de burlar os encargos trabalhistas e que tem de pagar 27,5%. Veio a Medida Provisória 133 (aquela que corrigiu a Medida Provisória do Mal, para transformá-la do Bem) e mudou o entendimento. Ainda assim, não houve nenhum resultado prático. Que segurança jurídica é essa? Se o governo disser “preciso de determinada quantia para cobrir os furos da minha má administração”, vai buscar. Ele sabe que o Direito Tributário brasileiro tem dois princípios fundamentais. O primeiro é o da legalidade. O segundo é o princípio da ilegalidade eficaz. Aliás, o mais importante da administração pública. É todo o dinheiro que entra e não sai, mas vira recurso do governo. Se o governo cobrou alguma coisa inconstitucional, ilegal, aquele princípio da ilegalidade eficaz prevalece.

ConJur — É o paradigma Delfim Neto, não é?

Ives Gandra — O Estado necessariamente é ético. E estou convencido que é. Há um juiz filósofo alemão chamado Helmuth Kuhn, que escreveu um livro monumental — “O Estado”. Ele diz que o Estado é uma mera estrutura de poder, que não tem função de organizar. Então, ninguém está interessado se é justo ou injusto. O Brasil não tem política tributária, tem política de arrecadação. Tudo é possível. Qual é o perfil do Poder Judiciário? De longe, o melhor dos três poderes. Para uns, muito acumulado. Do outro lado, com visão pró-Estado, contra a iniciativa privada. Na formação acadêmica, sinto como professor de Direito aposentado que há uma tendência de ir contra o modelo neoliberal. Ninguém sabe definir o que é, mas são contra. Entendem que tudo o que o Estado faz é bom. O mesmo ocorre com os que estão entrando agora na magistratura. Eles pensam que o Estado é sempre puro. Os homens no Estado são sempre dignos. O servidor público é melhor do que a sociedade. Todos os empresários, toda a iniciativa privada é formada só de aproveitadores. Isso traz o arbítrio de um lado e a insegurança jurídica do outro. Termina contaminando os tribunais superiores, composto por elementos incomensuravelmente melhores do ponto de vista ético e do conhecimento do que os do Legislativo e Executivo. Na questão da alíquota zero, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal decidiu por 90 vezes sobre o direito a crédito das empresas. Eu considerava que este entendimento estava errado. Mas se o Supremo, intérprete da Constituição, afirmou isso, quem era eu para discutir. Posteriormente, os ministros reformaram a decisão. Acho que agora o Supremo acertou, mas defendo a tese de dar efeito prospectivo. A decisão só vale a partir de agora. Não pode valer pelo passado O STF não pode dizer: vocês terão de pagar pelo meu erro. Os ministros não têm tempo de raciocinar, infelizmente. São os assessores que decidem, exceto nos grandes temas. E o próprio Supremo é culpado por isso.

ConJur — A Repercussão Geral ajudaria a amenizar a quantidade de trabalho no Supremo ou é preciso criar outros mecanismos?

Ives Gandra — Ajudaria. No governo Fernando Henrique Cardoso defendi o princípio da transcendência, o mesmo da Repercussão Geral. O FHC baixou uma lei regulamentando a matéria para a área trabalhista, mas o Supremo julgou inconstitucional. Agora, vão adotar exatamente o mesmo mecanismo. Tenho um livro chamado Roteiro para uma Constituição, que agora vai ser reeditado depois de 20 anos sem mudar uma palavra sequer. Nele, defendo um tríplice Poder Judiciário. Teria a Corte Constitucional, que seria o STF. O Superior Tribunal de Justiça seria exclusivamente um tribunal de conflitos de competência e harmonização de jurisprudência. Transformaria o Tribunal de Contas em um poder conciliador, submetido e nos mesmos moldes do Poder Judiciário. Teria autonomia absoluta de decidir e de executar as decisões. No máximo, se fossem inconstitucionais, provocaria o Supremo Tribunal Federal. Seriam três vertentes do Poder Judiciário. Tenho a impressão que assim funcionaria melhor. Hoje, do jeito que está, um bom advogado leva qualquer questão para quatro instâncias.

ConJur — A nova formação do Supremo mudou o perfil da Corte?

Ives Gandra — Sim. Antes, o Supremo Tribunal Federal era claramente o legislador negativo. Por exemplo, a crise Collor. O Supremo poderia intervir sobre o direito de defesa. O Collor tinha todo o direito a ter acesso aos documentos da acusação. Só três ministros defenderam isso. O Collor foi cassado. A atual formação intervém cada vez que esse direito é atingido. 

ConJur — Qual o limite de poder entre o Conselho Nacional de Justiça e o STF? 

Ives Gandra — Isso é interessante, porque o presidente de um é o presidente do outro. Em matéria de fiscalização, cabe ao CNJ o poder maior do que o Supremo. Ao Supremo só cabe saber se esses atos não feriram a Constituição. Há esferas muito claras de atuação. CNJ tem poder de fiscalizar o Supremo. O CNJ não tem o poder de fazer algo inconstitucional. E quem vai decidir se a decisão é inconstitucional é o Supremo. As esferas são bem delineadas.

ConJur — Qual sua opinião sobre a incidência de Cofins para a sociedade prestadora de serviço?

Ives Gandra — Tenho um certo receio. Teria de ser regulamentada por lei complementar. Mas acho que o Supremo não vai aceitar a tese. O que espero é que a nova composição possa se sensibilizar e acolher nossos argumentos.

ConJur — E a criação do Refis III — programa de parcelamento de dívidas fiscais?

Ives Gandra — Sou favorável ao Refis. No momento em que a empresa deixa de pagar imposto, entra num inferno astral. Um programa que a facilita a se livrar desse problema é positivo. O Refis vai viabilizar que uma série de empresas pague seus débitos.

ConJur — É difícil pagar imposto?

Ives Gandra — É. E é difícil abrir uma empresa. Outro dia eu estava com um cidadão de Hong Kong. Ele me contava que lá você abre uma empresa em quatro, cinco dias. Os encargos trabalhistas quase que não existem. A China tinha um PIB menor que o Brasil em 1994. Hoje é o quarto PIB do mundo, com quase dois trilhões de dólares. Nós estamos com 750 bilhões. Aqui, é preciso de mais de cem dias para abrir uma empresa. E sempre há aqueles fiscais que dizem que os documentos não são legais. O fisco tira do contribuinte o que bem entende e nós contribuintes não podemos reclamar. E quando reclamamos, não temos o respaldo que gostaríamos de ter do Poder Judiciário em decorrência de toda a complexidade e da percepção de que o Estado é sempre ético.

Fonte: Conjur

 


Repasse de ICMS é revertido para cidade onde se situa sede de fazenda

No caso de propriedade rural que se estenda por dois municípios, o critério de repartição do ICMS é o do local em que foi realizada a operação, ou seja, a sede. Com esse entendimento, a 21ª Câmara Cível do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) julgou, por unanimidade, improcedente a pretensão do município gaúcho de Ernestina, que buscava repasse do Imposto referente à venda de produtos agropecuários realizada em uma fazenda cujas terras localizam-se entre Ernestina e Passo Fundo.

Segundo a assessoria do TJ gaúcho, o relator do caso, desembargador Marco Aurélio Heinz considerou, em seu voto, que "não importa se o estabelecimento rural onde há prática de fatos geradores de ICMS se estende pelo território de vários municípios. O importante para a caracterização do local da operação é o domicílio do contribuinte".

"No caso, o co-réu (proprietário do imóvel) tem no município de Passo Fundo o local de seu domicílio tributário e sede da fazenda onde se realizam, com habitualidade, operações sujeitas ao ICMS", argumentou o magistrado.

O desembargador referiu que o critério de repasse do ICMS pertencente aos municípios está fixado na Constituição Federal (art. 158, § único, inciso I). Para que a operação sujeita ao ICMS seja considerada realizada no em área do município, é indispensável que atenda ao critério de domicílio tributário, previsto no artigo 127 do Código Tributário Nacional.

Fonte: Última Instância

 


Conselho isenta títulos agrícolas de imposto

Como forma de aumentar a emissão dos títulos Certificado de Depósito Agropecuário (CDA) e Warrant Agropecuário (WA), atrair novos investidores e oferecer segurança jurídica para os mesmos, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) aprovou, no início deste mês, um convênio que isenta a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na operação de produtos caracterizados pela emissão e negociação do CDA / WA. A cobrança do ICMS será feita uma única vez e somente quando o produto chegar ao destino final.

Os títulos agropecuários, lançados no ano passado pelo governo federal, têm como objetivo possibilitar ao agroempresário nacional captar recursos diretamente do setor financeiro para atender parte da necessidade de financiamento do setor agrícola. “Qualquer pessoa que tenha um volume em dinheiro pode comprar os títulos emitidos por uma instituição financeira e terá como garantia não o produtor, mas sim o próprio emissor”, explica o coordenador geral de estudos e informações agropecuárias da Secretária de Política Agrícola, Régis Alimandro.

De acordo com ele, a expectativa é que os incentivos tragam o investidor urbano, como os fundos de investimento para o agronegócio. “Essa é uma ótima forma de carregar estoques e ampliar o financiamento para o agronegócio sem a utilização do dinheiro público”, afirma o coordenador.

Incentivos

Segundo Alimandro, os incentivos fiscais que os títulos tem recebido devem contribuir para o crescimento deste mercado a médio e longo prazos. Além da isenção de ICMS, o segmento já conta com a isenção do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), garantida pela Portaria nº 19 do Ministério da Fazenda, assim como a isenção de Imposto de Renda na fonte e na Declaração de Ajuste Anual das Pessoas Físicas, determinada pela Lei nº 11.311, do último dia 13 de junho. “Do fim do ano passado até junho deste ano, estimamos que foram emitidos cerca de R$ 1,5 bilhão em títulos agropecuários, sendo R$ 1 bilhão apenas em CDA / WA” e completa: “Não haveria sentido cobrar ICMS do investidor, ainda mais sobre volumes tão altos”. Os demais títulos do agronegócio são o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA).

O coordenador da Secretaria de Política Agrícola afirma ainda que não é nenhum absurdo imaginar que 5% do total do patrimônio dos fundos de investimento possa ser revertido para esse segmento, o que contabilizaria uma soma de pelo menos R$ 30 bilhões. A expectativa já era demonstrada pelo ex-secretário de Política Agrícola do governo, Ivan Wedekin, que em meados do ano passado cogitou o número, afirmando que isso representaria 30% da necessidade de financiamento do agronegócio.

O otimismo é confirmado pelo relatório da Câmara de Custódia e Liquidação (Cetip) deste mês. De acordo com o documento, os negócios com títulos do agronegócio têm registrado um forte crescimento nos últimos meses. Em relação a fevereiro, o CDCA apresentou aumento de 156% no número de contratos registrados na Cetip no mês de maio. Nesse mesmo período, o volume em estoque cresceu 458%, saindo de R$ 29,5 milhões para R$ 164,7 milhões. Outro destaque entre os ativos do agronegócio foi o CDA / WA, que teve aumento de 418% no número de contratos em maio comparado a fevereiro.

Para o diretor de mercados agrícolas da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), Félix Schouchana, o Confaz sacramentou o que o mercado já imaginava e esperava. “Na ocasião do lançamento destes títulos, já se imaginava que não haveria a cobrança de ICMS. No entanto, isso não ficou claro e agora, com a normatização do Confaz, certamente o investidor terá maior segurança”. No entanto, de acordo com o executivo da BM&F, a liquidez dos títulos continua atrelada principalmente aos negócios dentro do mercado financeiro e não aos incentivos

CPR

Outro título que tem obtido bons resultados são as Cédulas de Produto Rural (CPR). Avalizadas pelo Banco do Brasil, o volume apurado nos primeiros seis meses deste ano chegou a R$ 1,57 bilhão, com 24.098 contratos.

A CPR é um título cambial, negociável no mercado e que permite ao produtor rural ou as cooperativas obter recursos para desenvolver sua atividade, com comercialização antecipada ou não. Desde o lançamento da CPR, em setembro de 2004, o Banco do Brasil já avalizou 238,8 mil títulos, no valor total de R$ 14,9 bilhões

Fonte: Diário Comércio e Indústria

 


Projetos de consolidação das leis dormem no Congresso

Há, atualmente, no Brasil, mais de 25 mil leis federais, cinco mil decretos-leis e um número incalculável de instruções normativas, comunicados, portarias e resoluções que, muitas vezes são tão importantes quanto alguns artigos da Constituição. Em meio à legislação útil e necessária, contudo, há leis repetidas, contraditórias, ultrapassadas, inúteis. Muita coisa coisa já foi revogada, mas no meio de milhões de normas (uma única lei, como o Código Civil, tem cerca de 1.500 artigos), fica impossível saber o que ainda está em vigor. Diante desta babel, o Congresso brasileiro faz como Roberto Carlos na hora do gol da França contra o Brasil na Copa da Alemanha: abaixa a cabeça e arruma sua meia.

O projeto de Consolidação da Legislação Federal brasileira foi idealizado no ano 2000. A subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil de então pediu a cada ministério a indicação do elenco de normas das suas áreas de atuação e a lei matriz na qual seriam incorporadas todos os dispositivos espalhados em diplomas diversos.

Com isso, foi possível dar um primeiro passo. O levantamento indicou todas as leis e dispositivos revogados, mas que continuavam fazendo parte, formalmente, das leis dispersas. Para sepultá-las definitivamente, três projetos de lei de revogação foram aprovados pelo Congresso: um na área do Trabalho, outro na de Previdência e um terceiro na área da Fazenda — basicamente tributário.

Com esse trabalho, por exemplo, pôde-se acabar com a obrigação de os uniformes dos carteiros do país serem da cor marrom, uma norma que teria de ser revogada quando a ECT passou a ser uma autarquia mas que, por falta da providência formal, continuava valendo.

A parte mais complexa do projeto viria em seguida: reunir todas as normas existentes em cerca de 500 leis apenas. Ou seja: tudo o que trata de matéria eleitoral, por exemplo, seria consolidado num único texto e assim por diante. A falta de interesse político do governo, do Congresso e da população, contudo, engavetou a boa idéia que hiberna até hoje no parlamento.

Tem até um Grupo de Trabalho da Consolidação das Leis da Câmara dos Deputados, trabalhando desde 1997 para colocar ordem na bagunça. Cabe ao GT-Lex, como é chamado, estudar a consolidação da legislação federal e reorganizar em conjuntos os dispositivos que tratam de um mesmo assunto, revogando artigos que colidem entre si, com a Constituição e aqueles repetitivos. O que ofereceria ao juiz, ao advogado, ao cidadão, um conjunto de regras mais eficientes, claras e objetivas.

O GT-Lex chegou a formular cinco projetos de lei para consolidar as leis que dizem respeito ao meio ambiente, crédito rural, leis educacionais, leis de mineração e eleitorais. Um deles, o PL 151/99, de consolidação das leis da mineração chegou a ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois disso, a tramitação estacionou e nada mais foi avaliado pela comissão nem pelo plenário da casa.

“Vivemos uma crise séria na ordem jurídica brasileira. O Legislativo não anda, o Judiciário demora a decidir e o Executivo fica baixando portarias e resoluções ilegais e as impondo ao cidadão”, afirma o deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), coordenador do GT-Lex.

De acordo com o deputado, professor aposentado de Direito Constitucional da Universidade de Brasília, há mais de mil projetos de lei e propostas de emenda à Constituição tramitando na Câmara, o que, além de ser um indicativo de que a babel legislativa tende a crescer, impede a inclusão dos projetos de consolidação das leis na ordem do dia. “Há um excesso de projetos e muitos estão parados, esperando por anos para entrar em pauta principalmente por causa das medidas provisórias.”

O grupo continua estudando a consolidação de outras leis e a possibilidade de consolidar também os decretos. “Muitas vezes, decretos e resoluções passam a ter mais força e expressão na vida jurídica do que as próprias leis. E quase sempre esses decretos conflitam com a lei que regulamentam ou são inconstitucionais.”

Meio do caminho

O primeiro trabalho do GT-Lex foi o referente à legislação do meio ambiente. O projeto de consolidação reuniu aproximadamente 11 leis ordinárias com 320 artigos em um texto único, com 230 artigos.

O mesmo foi feito com a legislação no setor de educação, onde havia 57 leis ordinárias e 13 decretos-leis. O projeto de lei para esta consolidação reuniu tudo num único texto de 120 artigos. Na legislação do crédito rural, 166 artigos distribuídos em três leis se reduziram a um único texto com 110 artigos

A legislação eleitoral, hoje distribuída em 34 leis ordinárias e três decretos-leis, foi consolidada em um único texto legal que reduziu 857 artigos para 480, suprimindo 377 artigos que conflitavam com a Constituição, estavam repetitivos ou pouco claros. Todo esse trabalho, contudo, está estacionado. O Congresso continua arrumando a meia.

Executivo empenhado

O trabalho iniciado com força total na Câmara contava com o apoio e contribuição do Executivo e do Judiciário. O presidente do Supremo Tribunal Federal na época, ministro Sepúlveda Pertence, afirmou que a Corte daria todo apoio ao trabalho dos parlamentares, uma vez que o assunto era de máximo interesse também do Judiciário.

As regras que norteariam a consolidação foram amplamente discutidas e coordenadas pelo então subsecretário para assuntos jurídicos da Presidência da República, Gilmar Mendes, hoje ministro no STF, e pelo jurista Ives Gandra Martins Filho, hoje ministro no Tribunal Superior do Trabalho.

O Executivo chegou a propor 12 projetos para consolidação das leis. As propostas versavam sobre regime jurídico dos servidores do serviço exterior; terras devolutas e colonização; transportes; previdência social, trabalho; estrangeiros; trânsito; petróleo; cultura; agricultura e abastecimento; serviços de telecomunicações, radiodifusão e postal; planos de benefício e custeio da previdência social e organização da seguridade social.

Ao todo, são 17 proposições consolidando vários blocos da legislação brasileira que tramitam na Câmara dos Deputados. O trâmite funciona da seguinte forma: o projeto sai do GT-Lex, segue para a Comissão de Constituição e Justiça e depois vai a plenário. Aprovado na Câmara, segue para o Senado.

A pauta da CCJ, para onde devem caminhar inicialmente os projetos está lotada, com quase 90 itens. Entre eles, questões palpitantes, como o recurso do deputado José Janene (PP-PR) contra a cassação. E outras, nem tanto, sem querer desmerecer a iniciativa do deputado que pede a instituição do Dia Nacional dos Vicentinos, em 27 de setembro.

Enquanto tudo isso se desenrola, os projetos de consolidação das leis esperam espaço na pauta e interesse político do Legislativo para dar continuidade ao trabalho que permitiria maior compreensão por parte do cidadão, ajudaria o advogado a defender os direitos do seu cliente e facilitaria ao juiz em sua missão de aplicar a Lei.

Fonte: Conjur

 


O grande teste do CNJ
 

Criado com a reforma do Poder Judiciário para promover o controle externo dos diferentes braços especializados da instituição, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) enfrentará nos próximos dias o maior desafio à sua autoridade. Trata-se da resistência dos escalões superiores da Justiça estadual à imposição do teto salarial de R$ 24,5 mil para a magistratura. Apesar dessa medida ter sido prevista por uma emenda constitucional e por uma lei devidamente aprovadas pelo Legislativo, ela sempre foi desrespeitada por meio de dezenas de vantagens que os Tribunais de Justiça (TJs) concedem aos desembargadores, elevando os vencimentos para muito acima do teto. Em março, o CNJ baixou duas resoluções exigindo o respeito ao teto e impondo aos TJs a obrigação de enviar, até o final de julho, um relatório circunstanciado sobre as providências tomadas para implementar essa determinação.

Embora o prazo vença dentro de 15 dias, presidentes de cinco TJs e desembargadores de vários Estados reuniram-se esta semana em São Paulo e decidiram recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para manter o que consideram “direito adquirido”. Dos 14 mil juízes brasileiros, 2 mil estariam recebendo acima do teto. Em alguns Estados, segundo o CNJ, há salários superiores a R$ 50 mil.

O expediente utilizado pelos TJs para aumentar o contracheque dos desembargadores e ultrapassar o teto é a multiplicação de vantagens funcionais. As mais conhecidas são ajuda de custo, verba de representação, auxílio-moradia, sexta-parte (incorporação de 1/6 sobre os vencimentos quando os juízes completam 20 anos de serviço), triênios (6% a cada três anos), adicional “trintenário” (10% após 30 anos de serviço), “pé-na-cova” (15% a mais para quem tem idade de se aposentar e permanece na ativa) e “cascatão” (gratificação por antiguidade que em algumas cortes chega a render R$ 8,5 mil extras).

Vários TJs criaram mais de 40 gratificações. Em alguns Estados, os desembargadores recebem 14º e 15º salários a título de “auxílio-paletó”. Em outros, a legislação estadual permite que benefícios da ativa sejam pagos após a aposentadoria. Em Roraima, o TJ paga combustível dos carros particulares e contas de água, luz e telefone das residências dos desembargadores. No Maranhão, a título de gratificação por direção, o presidente do TJ incorpora 40% do valor do salário e o vice-presidente e o corregedor, 30%. Deste modo, se um magistrado ocupou no passado um desses cargos e hoje ocupa outro, seu holerite é enriquecido com mais 60%.

Ao justificar a continuidade desses privilégios, muitos desembargadores alegam, além da tese do “direito adquirido”, que a Constituição proíbe a redução de salário. Outros desembargadores afirmam que as vantagens funcionais obtidas ao longo da carreira têm de ser excluídas para efeitos de cálculo do teto e que a manutenção da atual estrutura salarial deve ser respeitada “porque essa é uma das garantias fundamentais da magistratura”.

No entanto, em julgamentos anteriores, o STF já rejeitou esses argumentos, afirmando que “a remuneração do agente público tem vocação de subsistência e não de capitalização”. Além disso, a Lei Orgânica da Magistratura estabelece que adicionais por tempo de serviço não podem exceder um determinado porcentual do salário básico. E o próprio CNJ, por meio de suas resoluções, determinou quais as gratificações, abonos e prêmios que são abarcados pelo teto e quais as vantagens que podem ser excluídas. Na semana passada, o órgão recebeu o apoio de todas as entidades representativas das instâncias inferiores da Justiça.

Este episódio mostra o quão enraizado é o corporativismo do Judiciário. Em nome de sua autonomia, os TJs converteram prerrogativas em instrumento de multiplicação de privilégios. Em nome do pacto federativo, muitos desembargadores ignoraram decisões legítimas do Congresso e inverteram valores, como se as Constituições estaduais estivessem acima da Constituição Federal. Mas, com apoio da maioria da magistratura e com base na jurisprudência do STF, o CNJ tem condição de fazer prevalecer sua autoridade sobre aquela minoria que insiste em colocar seus interesses corporativos acima dos interesses maiores da Nação e da própria ordem jurídica do País.

Fonte: O Estado de S. Paulo, de 17/07/2006