Os
gastos com precatórios
Provenientes
das dívidas judiciais que a União, os Estados e os
municípios têm de pagar a pessoas físicas e jurídicas,
os precatórios sempre foram uma das principais dores de
cabeça das autoridades econômicas. Embora ninguém
saiba ao certo qual é seu montante, o valor estimado é
tão alto que, se todas essas dívidas tivessem de ser
pagas num mesmo exercício fiscal, o efeito sobre a
economia seria devastador.
No plano
federal muitos precatórios datam do tempo da inflação
alta, envolvendo processos abertos por cidadãos e
empresas com o objetivo de serem ressarcidos por perdas,
erros de cálculo, calotes e confiscos promovidos entre
1986 e 1993 pelos Planos Cruzado, Bresser, Verão e
Collor. Só a discussão que vem sendo travada no
Supremo Tribunal Federal (STF) relativa à substituição
do IGP-M pelo IGP-1, ocorrida em 1993, e que aguarda o
parecer do relator, ministro Sepúlveda Pertence, pode
custar R$ 26,5 bilhões ao Tesouro. Outros precatórios
decorrem de ações judiciais impetradas por corporações
de servidores públicos com o objetivo de questionar os
índices de correção de seus vencimentos e de
reivindicar o pagamento de gratificações, abonos e
vantagens funcionais.
O primeiro
tipo de ação traz para o presente as anormalidades do
passado, abrindo caminho para a reindexação da
economia e anulando os esforços das autoridades econômicas
para institucionalizar o princípio da responsabilidade
fiscal. O segundo tipo de ação, apesar de decorrer de
pretensões justas e legítimas da parte de alguns
servidores, acabou sendo desvirtuado pelos interesses
corporativos do funcionalismo, que se vale dos tribunais
para tentar multiplicar seus vencimentos. Atualmente, os
servidores públicos são os campeões em ações de
ressarcimento impetradas contra as diferentes instâncias
governamentais.
Nesse
quadro, são dignos de atenção os resultados que a
Advocacia-Geral da União (AGU) vem obtendo desde que,
na metade da década de 90, criou uma equipe
especializada para calcular com precisão o valor dos
precatórios em que o Executivo é condenado a pagar. O
trabalho é realizado pelo Departamento de Cálculos e
Perícias, cujos 220 técnicos, só no ano passado,
produziram mais de 363 mil planilhas, recomendando a
revisão dos cálculos dos precatórios devidos pelo
governo.
Treinados
em contabilidade, esses peritos procuram identificar os
valores superestimados das ações nas quais a União é
ré, com o objetivo de impugnar a ordem de pagamento na
fase de execução da sentença, procurando conseguir a
redução do valor da condenação. Graças a esse
cuidado, 442 mil processos judiciais tiveram seus cálculos
revistos ao longo dos últimos 12 anos, o que reduziu os
gastos do Executivo com precatórios em 62%.
Entre 1995
e 2006, a União foi condenada pelas instâncias
superiores do Poder Judiciário a pagar R$ 69,2 bilhões
em precatórios. Contudo, graças à atuação do
Departamento de Cálculos e Perícias da AGU, o valor
efetivamente pago foi de R$ 26,2 bilhões. A economia no
valor de R$ 43 bilhões equivale ao total de
investimentos previstos pelo Orçamento-Geral da União
durante três anos consecutivos. Entre janeiro e
novembro de 2006, os técnicos do órgão detectaram
erros nos cálculos de 75 mil processos judiciais, o que
levou o montante das condenações a sofrer uma redução
de R$ 9,22 bilhões para R$ 5,14 bilhões, ou seja, uma
economia de R$ 4,08 bilhões. As diferentes corporações
de servidores públicos foram responsáveis por 68,5%
das ações com cálculos superestimados, em 2006.
O trabalho
do Departamento de Cálculos e Perícias da AGU também
ajudou, no plano institucional, a pôr fim à tendência
do funcionalismo de fazer reivindicações mirabolantes,
para depois aceitar um valor justamente arbitrado. O
exemplo mais ilustrativo é a ação que os policiais
civis de Rondônia moveram contra a União, pedindo R$
436 milhões a título de gratificação. A AGU
contestou as contas, reduziu o pagamento para R$ 160
milhões e o sindicato da categoria não recorreu, o que
mostra como era absurda a pretensão original.
O sucesso
da AGU com medidas simples e sensatas, como a criação
de um Departamento de Cálculos e Perícias, pode tornar
a administração pública mais eficiente.
Fonte:
O Estado de S. Paulo, de 15/01/2007
A luta continua
Reforma não
é solução para problemas do Judiciário
por Maria
Fernanda Erdelyi e Aline Pinheiro
A segunda
parte constitucional da reforma do Judiciário vem para
dar agilidade aos tribunais e impedir que fiquem
analisando constantemente casos semelhantes. Mas, a
considerar o clima na comunidade jurídica e no
Congresso Nacional, deve seguir o mesmo caminho que a
sua predecessora, a Emenda Constitucional 45/04: muito
barulho por pouco resultado.
A Proposta
de Emenda Constitucional 358/05, apresentada 10 dias
depois da promulgação da EC 45/04 e aprovada pela
Comissão Especial da Câmara dos Deputados em dezembro,
cria a chamada Súmula Impeditiva de Recursos para o
Superior Tribunal de Justiça e para o Tribunal Superior
do Trabalho. A ferramenta é uma versão mais amena da Súmula
Vinculante. Como o próprio nome revela, a Impeditiva de
Recursos servirá para impedir recursos contra decisões
que estejam em acordo com o entendimento dos tribunais
superiores.
Pela PEC,
a Ação Declaratória de Constitucionalidade poderá
ser usada para leis estaduais. Uma vez declarada
constitucional, a lei deixa de ser questionada nos
tribunais. Hoje, a ADC só pode ser proposta na esfera
federal.
No firme
intuito de racionalizar a Justiça, a continuação da
reforma do Judiciário ataca em outra frente: valoriza a
resolução extrajudicial de conflitos. O texto prevê a
criação de órgãos de conciliação para questões
trabalhistas e a constitucionalização da arbitragem.
Mal-vista
À parte
as boas intenções, o fato é que a Proposta de Emenda
Constitucional 358/05 não agrada. Na comunidade jurídica,
é alvo de duras críticas, de olhares desconfiados e de
promessas de luta contra ela. É tida entre os
promotores como aquela que foi aprovada na Comissão
Especial da Câmara dos Deputados no apagar das luzes. O
texto foi aprovado dias antes do Natal, já de
madrugada.
As mudanças
são vistas como paliativas ou até ineficazes. É o
caso do advogado constitucionalista José Levi Mello
Amaral. “A reforma que deveria ser feita é a criação
de um tribunal constitucional, que deveria ser o único
poderoso para declarar determinada lei inconstitucional,
poderia decidir o que julgar e as cadeiras da corte
seriam ocupadas por ministros com mandatos”, sugere.
Mais
ainda. O que se discute na comunidade jurídica é se
seria necessária a aprovação de uma emenda
constitucional para tentar solucionar os problemas do
Judiciário. Para a Associação Nacional dos Membros do
Ministério Público (Conamp) e a Associação dos
Magistrados Brasileiros (AMB), não. A Conamp aposta na
reforma da legislação ordinária apenas e a AMB
defende que a PEC não trará grandes novidades. “Essa
segunda parte da reforma tem menor repercussão. As
mudanças de grande impacto, como a Súmula Vinculante,
já foram aprovadas”, considera Doorgal Gustavo Borges
de Andrada, presidente em exercício da AMB.
José Levi
do Amaral concorda com as entidades. Ele diz que a PEC
358 traz muitos detalhes — por exemplo, quando muda a
designação do juiz federal de segunda instância para
desembargador federal — que não deveriam ser
discutidos na Constituição. “Mais importante do que
colocar na Constituição que o processo deverá ser célere
é fazer o processo célere por meio de leis ordinárias
mais objetivas, com menos recursos. Isso tem sido feito
e dispensa emenda constitucional.”
Outro
advogado que acompanha o processo de reforma do Judiciário,
Renato Ventura, também não é otimista com relação
à proposta em tramitação. Para Ventura, o problema da
Justiça seria resolvido com mais estrutura e com mudanças
nas leis processuais, como as que têm sido feitas.
“Essa Proposta de Emenda à Constituição, de reforma
do Judiciário, é mais uma forma de distribuição dos
poderes no Judiciário do que de solução de seus
problemas.”
Supressão
de instância
Um dos
pontos mais polêmicos da proposta aprovada na comissão
da Câmara é a extensão do foro privilegiado para
prefeitos. Pela PEC, os prefeitos só poderão ser
julgados no Tribunal de Justiça. “Ou seja, é a volta
ao regime de exceção. O foro privilegiado para
prefeitos traz a impunidade”, argumenta José Carlos
Cosenzo, presidente da Conamp, uma das principais
opositoras do foro privilegiado.
Para a
entidade de promotores, a mudança diminui o poder do
Ministério Público. “As ações que hoje são
cuidadas por 14 mil promotores vão acabar nas mãos de
apenas 27 procuradores-gerais de Justiça.”
O deputado
Luiz Antônio Fleury Filho, parte da Comissão Especial
da Câmara que analisou o projeto, também se posicionou
contrário à extensão do foro privilegiado. Para ele,
a questão entra em choque com o artigo 5º da Constituição
Federal, que garante o amplo direito de defesa.
Para a
Conamp, a forma como o texto foi aprovado na comissão
(durante a madrugada e por apenas três deputados)
mostrou desrespeito com a população. “Uma reforma
que mexe tanto com a vida das pessoas não pode ser
aprovada por apenas três parlamentares.”
Fleury
rebate as acusações. Ele considera que houve ampla
discussão do texto aprovado no Senado e na Comissão
Especial da Câmara. De acordo com o deputado, também
foi aberta oportunidade de manifestação a diversas
entidades da comunidade jurídica.
Questão
de tempo
Em princípio,
o texto aprovado na Comissão Especial da Câmara segue
direto para apreciação do Plenário da casa, onde
deverá ser submetido a duas votações. Depois, retorna
ao Senado para que as mudanças sejam analisadas. “Se
houver pressão e interesse, poderá ser votado ainda
este ano pelo Plenário da Câmara”, afirma o deputado
Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), parte da Comissão
Especial.
O caminho
que a PEC tem de percorrer, no entanto, é mais longo do
que parece. A Conamp, por exemplo, pretende lutar contra
as mudanças. Além disso, em fevereiro, começa uma
nova legislatura, com novos dirigentes no Congresso.
Tudo isso somado à polêmica da PEC e a lentidão
habitual do Legislativo impede qualquer otimista de
esperar começar 2008 com a segunda parte da Reforma do
Judiciário sancionada.
O próprio
deputado Arnaldo Faria de Sá reconhece que algumas
discussões não foram muito bem fechadas e podem se
tornar embates futuros. Uma delas é quanto à composição
nos Tribunais Regionais Eleitorais. A Justiça Federal
quer modificar a composição para aumentar a sua
participação nos TREs e transferir as corregedorias
para sua competência. A Justiça Estadual, porém, não
quer modificações neste sentido. O texto aprovado
contempla o pleito da Justiça Estadual. Fora isso, há
o embate que o Ministério Público promete travar
contra a extensão do foro privilegiado.
Instrumentos
ordinários
Enquanto
isso, segue a todo vapor a reforma processual
infraconstitucional, por enquanto, aclamada pela
comunidade jurídica. Dos 28 projetos apresentados pelo
Executivo em 2005, 10 já viraram lei.
Nesse ano,
passam a valer a Súmula Vinculante (Lei 11.417/06), a
Repercussão Geral do Recurso Extraordinário (Lei
11.418/06), a lei que regulamenta a informatização do
Judiciário (Lei 11.419/06) e a que estabelece as regras
para a penhora online (Lei 11.382/06). Desde o dia 5, já
está em vigor a Lei 11.441/07, que permite que divórcios,
separações, inventários e partilhas, desde que
consensuais, sejam feitos direto no cartório, sem a
participação de um juiz.
Também já
estão valendo a intimação eletrônica, desde que com
certificação digital (Lei 11.280/06); a unificação
da fase de conhecimento e da execução (Lei 11.232/05);
a súmula impeditiva de recursos (Lei 11.276/06); o
agravo retido (Lei 11.187/05); e a possibilidade de o
juiz extinguir a ação sem precisar ouvir as partes em
matérias repetitivas (Lei 11.277/06).
Fonte:
Conjur, de 15/01/2006
Pertence: caso típico de um advogado sem escrúpulos
O jornal
Correio Braziliense traz neste domingo (14/01)
entrevista da repórter Fernanda Guzzo com o decano da
mais alta corte de Justiça do país, o ministro Sepúlveda
Pertence. A entrevista com o ministro do Supremo
Tribunal Federal, porém, aconteceu antes de vir a público,
na sexta-feira (12/01), o conteúdo de conversas telefônicas
gravadas pela Polícia Federal nas quais advogados e
lobistas afirmam ter comprado decisão favorável em um
processo julgado pelo ministro.
As notícias
da data dão conta de que gravações da Polícia
Federal flagraram um advogado dando a entender que
obteve uma liminar no Supremo graças a uma propina de
R$ 600 mil que teria sido paga ao ministro. Não existem
provas nem indícios de que o ministro teria participado
de qualquer negociação. Ele não é parte das gravações
e nem mesmo é citado. Mas a referida liminar é de sua
autoria. O ministro, contudo, aplicou a jurisprudência
da Casa, obedecendo entendimento do colegiado já
consolidado e adotado em centenas de casos sempre no
mesmo sentido.
Pertence
negou o envolvimento e afirmou que se tratava de um caso
típico de um advogado sem escrúpulos, que diz ter
comprado uma sentença que, na verdade, só poderia ter
uma decisão igual a decisões anteriores do próprio
tribunal.
O
ministro, que se aposenta compulsoriamente em novembro
de 2007 aos 70 anos, fala de punição de políticos
corruptos, foro privilegiado, combate ao crime
organizado, reforma política e sua possível ida para o
Ministério da Justiça. O decano do Supremo comenta,
ainda, as transformações da Corte depois da Constituição
de 1988 e os novos rumos do Judiciário com a reforma.
Leia a
entrevista
Correio
— Na opinião do senhor, por que o Judiciário
brasileiro ainda tem dificuldades de julgar e punir políticos?
Pertence
— O foro privilegiado põe nas mãos do STF processos
que não são do perfil do tribunal. São questões
basicamente dependentes de apuração dos fatos contra o
Executivo e o Legislativo. Então, muito destoantes da
função básica do Supremo, que seria de um tribunal
constitucional. O Judiciário, como um todo, vamos ser
francos, ainda é pouco equipado para apurar — não é
um fenômeno só brasileiro — toda criminalidade do
colarinho branco. A opinião pública atribui a influências
políticas, mas isso tem raízes mais profundas no tipo
de criminalidade. Os crimes cometidos por assaltantes de
rua e pelo homicida são, muitas vezes, improvisados. O
criminoso pratica o fato e depois vai procurar como
fugir do processo e da punição. A criminalidade econômica
e alguns tipos de crimes políticos são delitos
planejados. Na dúvida, se vão deixar rastros, não se
pratica. Ou se muda a forma de praticar. Não se pode
comparar. Mas eu não negaria também que há um caldo
de cultura e de preconceito, ainda que inconsciente.
Correio
— Então, o senhor acha que o problema estaria ligado
à qualidade das investigações criminais?
Pertence
— Sim. Há até uma modernização do aparelho
repressivo que criou mecanismos, por exemplo, de escutas
telefônicas e de perícia, mas está só começando. O
nosso aparelho repressivo era feito realmente para punir
a criminalidade do marginal.
Correio
— O senhor fala que o tribunal não teria o perfil de
julgar ações criminais. Então, o senhor é contra o
foro privilegiado?
Pertence
— É difícil que se mude o sistema. O que congestiona
de fato o tribunal é a competência de julgar todo e
qualquer crime imputado aos membros do Congresso
Nacional — de furto de água à desaforo eleitoral.
Muitas vezes, alcançando fatos anteriores à
investidura parlamentar. Temos hoje casos que investigam
se houve superfaturamento de uma obra na época em que o
parlamentar foi prefeito de seu município. E há uma
tendência, pelo contrário, de expandir essa competência
para depois (para ex-autoridades e parlamentares). Se
isso acontecer, acho que será um desastre. Aumentará o
congestionamento e a competência penal, que deveria ser
excepcionalíssima.
Correio
— Há uma preocupação com a prescrição do mensalão.
O senhor acredita que a lentidão do trâmite no STF
pode fazer com que os parlamentares acabem sem
julgamento?
Pertence
— Suponho que não. Esperamos que haja julgamento —
seja num sentido ou em outro.
Correio
— O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos,
sempre fala que nunca se combateu tanto a corrupção no
país. O senhor concorda?
Pertence
— É indiscutível que a investigação criminal
federal e atuação do Ministério Público estão
vivendo uma nova fase. Eu acho que, junto à excitação
da imprensa investigativa, isso dá uma transparência
brutal à corrupção ou às acusações de corrupção.
Infelizmente, a dos juízes pouco vem à tona. E é
muito dolorido saber que se está sendo “vendido”
pelo Brasil afora.
Correio
— O que o senhor quer dizer, ministro?
Pertence
— Vou dar um exemplo. Uns meses atrás, numa dessas
questões rotineiras (que têm entendimento consolidado
no Supremo) houve um pedido de medida cautelar. O
gabinete está preparado para selecionar já na entrada
o que é dessa rotina. A questão foi decidida em 24
horas. Depois você vê um advogado, monitorado por
outras razões pelo telefone, cobrando que tinha feito
elefante voar. (Falando) que eu estava exigindo o meu.
Que ele cobrasse o dele, eu não tenho nada…. Mas isso
todo juiz está sujeito diariamente: de venda de fumaça.
Decisões absolutamente previstas e em que é muito fácil
para advogados menos escrupulosos, ou melhor, sem nenhum
escrúpulo…
Correio
— O senhor é do primeiro lote de ministros que
entraram no STF logo depois de 1988, ano da Constituição.
O que mudou na corte desde então?
Pertence
— Foram anos extremamente significativos e coincidem
com a vigência da constituição de outubro de 1988,
que mudou totalmente a atividade inicial do Supremo. É
o que se tem chamado, ora sentido positivo, ora
negativo, de judicialização da política. Até a
Constituição de 1988, a hoje chamada Ação Direta de
Inconstitucionalidade (Adin), só poderia ser proposta
pelo procurador-geral da República, que na época era
caracterizadamente uma posição de confiança e
solidariedade ao governo — até porque acumulava as
funções de chefe do MP e a defesa da União. Era,
sobretudo, uma arma do governo federal em relação aos
estados e do Executivo em relação ao Legislativo. O
novo desenho que veio com a Constituição deu ao MP um
volume de atribuições e um grau de independência
excepcional. Hoje, a Ação Direta pode ser proposta no
Supremo pelo procurador, agora desvinculado do governo,
e também pelos poderes, partidos e entidades da
sociedade civil. Nesse período, o judiciário em geral
e o Supremo em particular, transformaram-se em espaços
de afirmação da cidadania. E muitas vezes,
prolongando-se a luta política parlamentar em questões
relevantes.
Correio
— O senhor acha que o Supremo está prestes a viver
uma nova era com a aprovação de questões da reforma
do Judiciário, como a aprovação da lei que
regulamenta a súmula vinculante?
Pertence
— Tenho esperança que sim. Numa sociedade de massas e
com essa demanda longitudinária em certas áreas da
jurisdição, particularmente na área tributária,
trabalhista e previdenciária, não se pode continuar a
praticar o modelo processual clássico, pensado para se
resolver casos absolutamente individuais e peculiares. O
discurso de que a súmula vinculante vai violentar a
consciência do juiz (da primeira instância) é, no mínimo,
uma ilusão. Depois que se decidiu uma questão
constitucional, como saldos de FGTS e piso de benefícios
previdenciários, não há particularidade nenhuma a ser
examinada em cada caso. O que se tem é uma questão jurídica.
Acho que a súmula vinculante tem o papel que é pouco
enfatizado em sua discussão: o tratamento igualitário
das questões de massa, sobretudo, em relação à
administração pública.
Correio
— No fim do ano passado, o Judiciário viveu uma crise
interna. O Conselho Nacional de Justiça foi acusado de
extrapolar suas funções ao editar uma resolução que
autorizava férias coletivas a magistrados. O que o
senhor acha da atuação do órgão?
Pertence
— Eu sou favorável à idéia de um órgão central
para suprir deficiências do aparelho corregedor da
Justiça. Agora isso tem de ser exercido com muita
circunspecção. Mas todo poder novo é entusiasmado.
Aquelas questões eram tópicas, mas o órgão tem um
papel a desempenhar, sem dúvida.
Correio
— O senhor foi convidado para ser vice do presidente
Lula em 1998. Existe uma vontade de entrar para política,
depois de ter sido um militante do movimento estudantil?
Pertence
— Era uma conversa (o convite para ser vice) e que não
teve conseqüência. Eu não vou lhe dizer que, como
todo militante do movimento estudantil daquela época,
eu não tivesse minha mosca azul. A princípio, o período
militar de 64 varreu de boa parte da minha geração
qualquer aspiração de carreira política. Quando se
abriu (o regime), já éramos muito velhos para começar.
Correio
— O senhor pensa em aceitar um eventual convite do
Ministério da Justiça?
Pertence
— Não sei. Esse assunto está rigorosamente proibido
(risos). Eu só sei que, depois de me aposentar, quero
ir a matinês.
Correio
— Segundo Lula, uma das prioridades de seu governo é
combater o crime organizado. O senhor acha que esse é o
grande desafio para o próximo ministro da Justiça?
Pertence
— É um desafio sim. Só quero que quem for escolhido
tenha boas idéias. A questão não é uma
responsabilidade direta do governo federal, mas,
obviamente, o que se tem de prosseguir é um esforço de
cooperação estreita com os estados nesse sentido.
Correio
— O senhor acha que a reforma política sai no segundo
mandato do presidente Lula?
Pertence
— A reforma política é por definição a mais difícil
das reformas na vigência de um regime democrático. Já
dizia um cliente ilustre, Juscelino Kubitschek: há uma
regra fundamental na política, o vitorioso não muda de
método. Então, ela tem sempre que ser votada e
decidida pelos vitoriosos com o método atual. Esse é o
grande drama. Que se vive uma crise no sistema de
representação política e partidária é evidente.
Agora é esperar ver se o consenso dessa necessidade
consegue superar as resistências naturais a que o
vitorioso mude de método. Acho muito difícil.
Fonte:
Conjur, de 15/01/2007
Declaração
do ministro Sepúlveda Pertence a respeito de matéria
publicada no site Terra nesta sexta-feira (12)
O ministro
Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal (STF),
informa que tudo que teria a dizer a respeito do tráfico
de influência do qual foi objeto está contido na
entrevista concedida a um jornalista, publicada no Terra
Magazine de hoje (12), a qual reafirma.
O ministro
“escusa-se com os numerosos jornalistas que hoje o
procuraram por não recebê-los”. Só voltará
eventualmente a acrescentar alguma coisa à entrevista
depois de tomar conhecimento do expediente que o juiz
federal do Mato Grosso diz ter encaminhado ao Supremo
Tribunal Federal (STF) e à Procuradoria Geral da República
(PGR).
A matéria
que inclui a entrevista com o ministro Pertence fala
sobre o suposto pagamento de propina pela obtenção de
uma decisão favorável no Supremo Tribunal Federal. No
texto, o ministro explica, no entanto, que o episódio
envolve decisão judicial “que de antemão se sabe
qual será o teor”. No caso, trata-se de discussão
acerca da inconstitucionalidade de um dispositivo da Lei
9.718, de 1988, que ampliava a base de cálculo da
Cofins – tema julgado pelo Plenário do STF em 9 de
novembro de 2005.
No
julgamento dessa questão, o STF declarou a
inconstitucionalidade do dispositivo e, conforme o
ministro, é habitual que questões tributárias
envolvam “centenas, senão milhares de processos idênticos”,
em que os gabinetes, então, adotam decisões conforme o
entendimento já firmado pelo plenário.
Fonte:
STF, de 15/01/2007