'Se
faltar dinheiro, Estado cobre'
Segundo
ele, não haverá aumento da contribuição previdenciária
dos servidores para reduzir déficit do sistema
Silvia
Amorim
Às vésperas
de uma semana decisiva para a aprovação da reforma da
Previdência paulista no Legislativo, o superintendente
do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp),
Carlos Flory, descartou ontem, em entrevista ao Estado,
que o governo José Serra (PSDB) vá aumentar a
contribuição previdenciária dos servidores ativos,
aposentados e pensionistas para reduzir um déficit
anual do sistema de R$ 10 bilhões. O suposto reajuste
é hoje a maior preocupação do funcionalismo.
“O
compromisso deste governo é não mexer nisso”,
afirmou Flory, que comandará o novo instituto de previdência
do Estado, a SPPrev. Com a reforma, segundo ele, a
expectativa do governo é de redução do rombo da
previdência em até R$ 500 milhões por ano.
Os
servidores cobram do governo uma dívida antiga com o
Ipesp e temem que, com a extinção da entidade e a criação
da SPPrev, essa dívida seja perdida. Qual o
entendimento do governo?
Se fizer
todo o fluxo de entrada de contribuições (dos
servidores) e saída de benefícios pagos (pelo Estado),
pode ser que se descubra que saiu mais dinheiro do que
entrou. Na realidade, o Ipesp deveria para o Estado e não
o contrário. Tudo indica que é isso.
Será
feita uma auditoria?
Não é
necessário. Tudo é razoavelmente conhecido, os imóveis
que foram cedidos ao Estado pelo Ipesp (cujos aluguéis
não foram pagos), o fluxo das contribuições nos últimos
anos. Um grupo levantou os números até 1998 com
representantes dos servidores e pedi para atualizar. Em
três meses deve estar pronto.
Se o
governo entender que os servidores devem ao sistema,
haverá aumento da contribuição previdenciária, hoje
de 11%?
O
compromisso deste governo é não mexer nisso. Não há
nenhuma orientação do governador para sequer se
analisar isso. O importante para o servidor é saber
que, se faltar dinheiro para pagar os benefícios, o
Estado cobrirá, como vem fazendo há anos.
É um
compromisso para os próximos quatro anos?
Sim.
Agora, há um detalhe importante: a lei federal fixa que
os Estados adotem, no mínimo, 11%. Se o governo federal
aumentar isso para 12%, o Estado é obrigado a aumentar.
Por isso, não aceitamos a proposta dos servidores de
colocar na reforma da previdência um artigo para fixar
em 11%.
A nova
previdência terá algum impacto sobre o rombo
previdenciário, hoje estimado em R$ 10 bilhões por
ano?
No momento
em que se junta todos os regimes (das universidades, do
Judiciário, dos militares, entre outros) em uma
entidade e dá uma gestão eficiente, com uma base única
de dados, você começa a tampar ralos. Não digo que
existam por má-fé, mas por má interpretação da lei
ou interpretações mais paternalistas por uma ou outra
instituição. A expectativa é conseguir uma redução
nos gastos em torno de 3%, ou cerca de R$ 500 milhões
por ano. Aí entra o benefício da nova previdência
para a população em geral. É dinheiro que deixa de
sair do Orçamento do Estado e poderá ser investido em
outros lugares.
Quais são
esses ralos?
Por
exemplo, um filho pode deixar a mãe como sua dependente
se ela vivia sob sua dependência econômica. E se a mãe
casar? Você corta ou não? Em muitos órgãos a
interpretação é de que mãe é mãe e não pode
cortar. A regra é clara. Tem que cortar.
Fonte:
O Estado de S. Paulo, de 12/05/2007
Proteção ao sigilo bancário não é direito absoluto
A proteção
ao sigilo bancário não é direito absoluto e pode ser
quebrado quando prevalecer o interesse público sobre o
privado,desde que a decisão esteja devidamente
fundamentada. O entendimento é da 5ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça. Os ministros mantiveram a quebra
de sigilo bancário de uma empresa, investigada por
crime de sonegação fiscal.
A quebra
de sigilo foi determinada pela 3ª Vara Criminal de
Franca (SP). A empresa entrou com pedido de Mandado de
Segurança. O Tribunal de Justiça paulista manteve a
ordem. A empresa apelou ao STJ. Sustentou não haver
fundamento na decisão, porque deixou de demonstrar a
necessidade, adequação e proporcionalidade da medida.
O relator
do recurso, ministro Gilson Dipp, considerou que não há
como conceder o pedido. Primeiro porque o acórdão está
devidamente fundamentado, apontando as razões pelas
quais se considerou necessária a quebra de sigilo da
empresa. Segundo porque “a proteção ao sigilo bancário
não é direito absoluto”.
Fonte:
Conjur, de 12/05/2007
Projeto do MP dispõe sobre subsídio dos procuradores
de Justiça
O
procurador-geral de Justiça, Rodrigo César Rebello
Pinho, encaminhou à Assembléia Legislativa projeto de
lei complementar que dispõe sobre o subsídio mensal
dos membros do Ministério Público do Estado de São
Paulo. Similar a projeto recentemente apresentado pelo
Tribunal de Justiça, o PLC 16/07 fixa o subsídio
mensal dos procuradores de Justiça em 90,25% do que
recebem os ministros do Supremo Tribunal Federal.
O projeto,
segundo a justificativa que o acompanha, obedece ao
disposto no artigo 93 da Constituição Federal, aplicável
ao Ministério Público. O objetivo é promover a
readequação da tabela de vencimentos do Ministério Público
em decorrência das modificações no sistema previdenciário
e do teto de remuneração para os ocupantes de cargos
nos três poderes.
A proposição
do MP dispõe ainda que os adicionais, gratificações,
pensões, proventos e vencimentos excedentes a 90,25% do
subsídio dos ministros do STF serão percebidos como
“vantagem pessoal inalterável no seu quantum, a ser
absorvida em futuros reajustes”.
Fonte:
Diário de Notícias, de 14/05/2007
Governo prepara alívio financeiro para Estados
Após
forte pressão dos governadores, o governo Lula decidiu
elaborar uma proposta que assegure, aos Estados, alguma
forma de alívio financeiro. Ela ainda não está
pronta, mas o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo,
adiantou que algo será feito. A solução, disse ele,
será "intermediária" - não comprometeria a
saúde das contas públicas nem deixaria os governos
estaduais de mãos abanando.
O tema é
delicado. As regras que regem o pagamento das dívidas
refinanciadas dos Estados com a União foram
estabelecidas pela Lei 9.496, de 1997. Por essa lei, os
governos estaduais só podem contrair novos empréstimos
se sua dívida corrente líquida não for superior a uma
vez a receita líquida real. Dados do Tesouro mostram
que, em 2006, 12 Estados, entre eles, os mais ricos (São
Paulo, Rio, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), não
tinham condições de contratar novas dívidas.
Trata-se,
sem dúvida, de uma regra severa, adotada num momento em
que reinava plena desordem nas contas públicas não só
dos Estados, mas também nas da União, premidos que
estavam pelo impacto nas finanças da queda brusca da
inflação, promovida pelo lançamento do Plano Real três
anos antes. Para o conjunto das contas de todos os
Estados e do Distrito Federal, a relação entre dívida
e receita corrente líquida fechou 2006 em 142,6%, acima
do limite que autorizaria novos endividamentos. É
importante registrar, no entanto, que a situação vem
melhorando - em 2000, essa relação era de 170,6%.
Os
governadores alegam que o limite da Lei 9.496 é
extremamente rígido e fere a Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF), que foi aprovada depois, no ano 2000.
Ocorre que não constam da LRF limites para o
endividamento dos Estados. A lei remeteu essa
prerrogativa ao Senado, que, por sua vez, aprovou resolução
permitindo que o teto de endividamento dos governos
estaduais seja equivalente a duas vezes a receita líquida
anual.
Há uma
distinção entre os conceitos de receita corrente líquida
e receita líquida anual. De qualquer forma, a resolução
do Senado estabelece um limite de endividamento mais
frouxo que o da lei de 1997. Em tese, por ser uma lei
complementar, a LRF é superior hierarquicamente à lei
que fixou as regras de refinanciamento das dívidas dos
Estados. O problema é que o mesmo não pode ser dito da
resolução do Senado. Além disso, a LRF veda de forma
taxativa, em seu artigo 35, a possibilidade de renegociação
dessas dívidas.
O ministro
da Fazenda, Guido Mantega, de início reagiu contra a
proposta dos governadores, argumentando que a mudança
da regra original ampliaria de forma insustentável o
limite de endividamento dos Estados. Desde o início das
discussões, antes mesmo da posse dos atuais
governadores, ele foi contrário à renegociação das dívidas
estaduais e à possibilidade de mudanças no texto da
LRF. Agora, porém, a elaboração de uma proposta
intermediária está sendo feita por seus assessores.
A preocupação
de Mantega é justificável. Uma vez que, em meio à
crise fiscal vivida pelo Estado no fim dos anos 90, as dívidas
estaduais foram federalizadas e as contas do setor público
passaram a ser calculadas de forma consolidada, a União
não pode correr o risco de perder o controle sobre as
finanças. Embora tenha avançado bastante nos últimos
anos, o ajuste fiscal não é uma obra completa. A relação
entre dívida pública e PIB caiu de 50% para 45%,
segundo a nova metodologia do IBGE, mas é fato que o
Estado brasileiro continuará tendo que produzir superávits
primários elevados, nos próximos anos, para assegurar
a solvência de suas contas.
É verdade
que, na medida em que o ajuste fiscal avançar, o
governo será obrigado a rever a atual estrutura, sob
pena de manter a Federação amarrada a Brasília. Hoje,
governadores e prefeitos, mesmo quando gerindo as finanças
de forma responsável, estão impedidos de investir e de
executar políticas públicas que atendam as demandas de
suas comunidades. A centralização das contas foi
necessária porque a inadimplência dos Estados e municípios
caía no colo do Tesouro, mas já é possível começar
a pensar em flexibilizá-la. O saudável diálogo
existente hoje entre União e Estados é um bom começo
para tratar do assunto.
Fonte:
Valor Econômico, de 14/05/2007
Juízes criticam projetos da Fazenda
Josette
Goulart
As
propostas do governo que permitem a execução fiscal
administrativa e a negociação entre fisco e
contribuinte já têm críticos entre os juízes
federais. Apesar de oficialmente a Associação dos Juízes
Federais do Brasil (Ajufe) ainda não ter uma posição
firmada sobre os projetos de nova Lei de Execução
Fiscal e da Lei Geral de Transação e Soluções
Alternativas de Controvérsias Tributárias, o tema
preocupa os magistrados. Isso porque cerca de 37% dos
processos que correm atualmente na Justiça Federal são
execuções fiscais, segundo dados da Procuradoria Geral
da Fazenda Nacional (PGFN), e um esvaziamento desta instância
de julgamento não é, necessariamente, uma boa notícia.
A execução fiscal é o grande instrumento para cobrar
a dívida ativa do governo, hoje em torno de R$ 600 bilhões,
e na tentativa de recuperação destes créditos houve
um grande investimento na infra-estrutura do Poder
Judiciário federal. Mas, apesar disso, não mais do que
R$ 1 bilhão é recuperado ao ano.
Se por um
lado há uma certa preocupação corporativa entre os
magistrados da Justiça Federal, por outro há
argumentos que, segundo eles, precisam ser levados em
consideração nas propostas de novas leis. Durante o II
Congresso Internacional de Direito Tributário do Rio de
Janeiro, o juiz federal Marcus Lívio Gomes disse que o
projeto que cria a chamada transação tributária, por
exemplo, é inovador e implementará uma revolução na
relação entre o fisco e os contribuintes. Ele lembra,
no entanto, que o contencioso não será resolvido - a
começar pelo fato de a própria Secretaria da Receita
Federal não ser uniforme em seus entendimentos nas várias
esferas. "O próprio Estado tenta mitigar o poder
de órgãos como o Conselho de Contribuintes", diz
o juiz, referindo-se à tentativa da Fazenda de permitir
que o fisco possa recorrer ao Poder Judiciário das
decisões do conselho.
Os pontos
que, para os juízes federais, ainda estão mais
obscuros dizem respeito ao projeto de nova Lei de Execução
Fiscal. "Existe hoje um problema crônico de
localização do devedor e de seus bens e este não é
um problema de morosidade da Justiça", diz o juiz
Gomes. "Quando se chega à fase de execução da dívida
não se encontra mais nada, e este problema o projeto não
soluciona, pelo contrário", afirma. O juiz diz que
o projeto traz outro problema, que é o fato de não
haver previsão de criação de uma estrutura
administrativa para fazer a execução fiscal, enquanto
hoje o Judiciário está aparelhado para isso. Além
disso, o juiz lembra que a possibilidade de existir uma
execução fiscal administrativa levará os diferentes
incidentes, hoje resolvidos na própria execução, para
o Judiciário como um todo, e não para as varas
especializadas. "E a penhora on line poderá ser
feita pela própria Fazenda? A Fazenda poderá declarar
um contribuinte inadimplente?", questiona o juiz,
que garante que, apesar das críticas, os projetos devem
desafogar a Justiça Federal. "Só na vara que atuo
metade dos processos são de execução e a outra metade
está parada", afirma.
O advogado
e professor Heleno Taveira Tôrres, que auxilia na redação
dos projetos de lei, diz, no entanto, que a morosidade
do Judiciário citada na exposição de motivos do
projeto da nova Lei de Execução Fiscal é a demora no
envio de cartas precatórias quando os bens do devedor não
estão no mesmo Estado em que se pede a execução - que
às vezes pode ser de até um ano e meio, tempo
suficiente para que os bens desapareçam. "A
procuradoria, por meio da informações que possui no
sistema integrado da Receita, sabe onde esses bens estão
e pode ser mais ágil", diz Tôrres.
O
procurador-geral da Fazenda Nacional, Luis Inácio
Adams, que está encampando a idéia das mudanças
lembrou que os projetos estão em audiência pública e
que todas as sugestões serão recolhidas até o fim de
maio, na tentativa de se fazer as melhores modificações
possíveis. O advogado e professor Sacha Calmon Navarro
Coelho, que já foi procurador da Fazenda em Minas
Gerais, lembra, entretanto, que é importante que a
execução administrativa seja jurisdicional.
"Ninguém pode ser credor e juiz do próprio título
que executa", diz Coelho. Além disso, o professor
afirma que o contribuinte precisa ser notificado e ter
direito de defesa, lembrando do risco que uma penhora on
line feita pela administração traz aos contribuintes.
O próprio procurador-geral da Fazenda admite que o
processo de fiscalização e cobrança tem que ter órgãos
distintos.
Fonte:
Valor Econômico, de 14/05/2007
CNJ autoriza incorporação de benefício que estoura
teto em SP
Liminar dá
aval para recebimento da ‘sexta-parte’, que chega a
R$ 4 mil e eleva salários acima de R$ 24,5 mil
Fausto
Macedo e Ricardo Brandt
O Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) curvou-se ao lobby de São
Paulo e reconheceu como legal uma vantagem paga aos
magistrados sob a rubrica “sexta-parte” - no
contracheque, isso representa incorporação do
equivalente a 1/6 dos vencimentos, após 20 anos de
serviço. A concessão abriu caminho para holerites com
cifras que furam o teto do Supremo Tribunal Federal
(STF), de R$ 24,5 mil - limite imposto a todo o
funcionalismo pela Constituição. Dezenas de
desembargadores paulistas foram contemplados. Para quem
ganha próximo do teto, a sexta-parte representa valor
em torno de R$ 4.000.
A decisão
do CNJ, que tem caráter liminar, foi tomada em abril
por maioria de votos dos conselheiros que integram o órgão
encarregado pela Constituição de fiscalizar os atos do
Judiciário. O relator do caso, conselheiro Eduardo
Kurtz Lorenzoni, procurador da República no Rio Grande
do Sul, defendeu o fim da vantagem especial, mas foi
voto vencido.
O mérito
da questão ainda será julgado, mas não há um prazo
para que isso ocorra. Em junho termina o mandato dos
atuais conselheiros do CNJ. Dificilmente eles irão
retomar o assunto, devendo deixar a decisão final para
seus sucessores.
Precavidos,
diante da ameaça de perderem o benefício, os
desembargadores já estão passando procuração a
advogados para que preparem mandado de segurança a ser
impetrado perante o STF. Eles não admitem abrir mão da
sexta-parte, que consideram direito adquirido.
Argumentam que esse dinheiro é igualmente distribuído
a todos os servidores paulistas, indistintamente, desde
antes da Constituição. A sexta-parte, no entanto, não
é autorizada pela Lei Orgânica da Magistratura, em
vigor desde 1979.
Os
magistrados apegam-se ao princípio constitucional da
irredutibilidade de vencimentos. Nessa linha, também não
querem perder uma outra vantagem, a dos quinqüênios
acumulados - ou adicional por tempo de serviço.
Cada quinqüênio
representa 5% a mais no salário. Há casos de
desembargadores que contam até nove quinqüênios - o
que faz superar com folga o teto constitucional.
Com relação
a esse adicional, a que todo funcionalismo pode ter
direito, o CNJ impôs um limite de sete quinqüenios,
seguindo o que manda a Lei Orgânica da Magistratura.
Mesmo com a exclusão de dois quinqüenios,
desembargadores mais antigos ganham acima dos R$ 24,5
mil.
OUTROS
ESTADOS
Juízes de
outros Estados reclamam que não tiveram o mesmo
tratamento dado a São Paulo. A maior parte dos
Tribunais de Justiça teve que cortar excedentes pagos a
título de verba de representação - gratificações
absorvidas sob os mais variados pretextos e concedidas
com base em resoluções administrativas, carentes de
suporte legal na avaliação do CNJ.
No Rio
Grande do Norte, por exemplo, foram identificados 30 juízes
- 13 da ativa e 17 aposentados - recebendo remuneração
superior ao teto, sob a forma de verbas indenizatórias
e parcelas de irredutibilidade.
As exceções
que o CNJ reputou irregulares e mandou cortar incluíam
salário-família, anuênios e gratificações a
presidente de câmara, presidente, vice-presidente e
corregedor de tribunal. Também eram pagas a quem ocupou
o cargo de ouvidor, de diretor da escola da
magistratura, diretor da revista do tribunal e
integrante de conselho da magistratura. A parcela de
irredutibilidade correspondia ao chamado provento de
classe imediatamente superior e a adicional por tempo de
serviço, salário-família e gratificação de nível
universitário.
O CNJ só
autorizou pagamento - de forma temporária e dentro do
teto - de gratificações relativas às funções de
presidente, vice e corregedor de tribunal, além de
diretor de escola.
MORALIZADOR
“O teto
é moralizador, não tem nenhum juiz que seja contra o
teto”, afirmou o presidente da Associação Paulista
de Magistratos, Sebastião Amorim. Desembargador
aposentado, ele ganha cerca de R$ 26 mil, incluída a
sexta-parte. Incorporava 11 quinqüênios ao seu
contracheque; agora são 7 os quinqüênios recebidos,
por causa da exigência do CNJ. “Sou um recordista no
funcionalismo, trabalhei 55 anos no serviço público,
35 como juiz. Tiraram de mim até a gratificação que
tinha como presidente do 2º Tribunal de Alçada e como
vice. Era uma verba pequena, 2% como presidente e 2%
como vice, tudo somado não chegava a R$ 700.”
Amorim vai
recorrer ao STF, onde pretende reaver o que considera
seu direito. Ele lembrou que o CNJ havia determinado um
subteto (R$ 22, 1 mil) para os Estados, mas esse limite
ruiu em fevereiro, quando o STF, por 10 votos a 1,
concedeu liminar a uma ação da Associação dos
Magistrados Brasileiros. A principal entidade da toga
sustentou, com sucesso, que a magistratura é nacional e
única, modelo que não comporta diferenças entre juízes
estaduais, federais, militares ou trabalhistas,
inclusive na remuneração.
O
presidente da Apamagis ressaltou: “É correto que
aquele que ultrapassar o teto deva ter seu contracheque
congelado até que futuros aumentos ou reposições
absorvam o valor pago a mais. O Tribunal de Justiça de
São Paulo não concede privilégios e mandou excluir
qualquer valor que escapasse do teto. Mas a sexta-parte
está sendo depositada por força da decisão do CNJ.”
O ministro
do Superior Tribunal de Justiça e corregedor nacional
da Justiça, Antônio de Pádua Ribeiro, é contra a
interpretação favorável aos magistrados paulistas.
“Essas parcelas (sexta-parte) foram reconhecidas em
liminar como parcelas antigas. Estão recebendo como
valor nominalmente identificado, não são parcelas
manifestamente ilegais.”
Fonte:
O Estado de S. Paulo, de 12/05/2007
O respeito ao direito de defesa está esquecido
por
Priscyla Costa
O direito
de defesa tem sido reiteradamente desconsiderado. Visto
por muitos como entrave para a aplicação correta da
Justiça e aliado da impunidade, esse importante
instrumento de garantia dos direitos fundamentais perde
espaço continuamente.
“O
direito de defesa só ganha importância quando alguém
assume a posição de réu”, afirmam as advogadas
criminalistas Dora Cavalcanti Cordani (à esquerda) e Flávia
Rahal. Dora é ex-presidente do Instituto de Defesa do
Direito da Defesa, o IDDD, e Flávia assumiu no mês
passado seu comando.
As duas
advogadas foram recebidas na redação da revista
Consultor Jurídico para falar sobre o trabalho da
entidade e mostrar porque o direito de defesa é tão
importante à administração e aplicação da Justiça.
“A
população brasileira não avançou na noção de que o
direito de defesa não pode pagar pela criminalidade,
pelos índices de homicídios, pelo medo geral, pela
ineficiência estatal. Até o trânsito em julgado da
sentença condenatória, o réu é presumidamente
inocente”, defende Flávia Rahal.
Flávia
assume o IDDD com um grande desafio pela frente. O de
mostrar que não é criando leis que se resolve o
problema da impunidade e nem o direito de defesa é o
responsável por ela. Dora Cavalcanti sai do instituto
com uma das pesquisas mais completas sobre a aplicação
da Justiça no estado de São Paulo.
O
levantamento foi feito com base nas sentenças por roubo
prolatadas entre 2000 e 2001 e constatou que todas elas
tinham alguma ilegalidade do ponto de vista da lei penal
e processual.
As
advogadas apontam a dificuldade de defender um cliente
quando ele já foi pré-julgado pela imprensa. “Todas
as vezes que um programa de TV dá espaço para um
delegado que mostra o rosto do acusado e grita ‘mostra
a cara bandido’, o direito de defesa é violado”,
afirma Flávia. A consideração é referendada por
Dora. “Nossa intenção não é censurar a liberdade
de imprensa. Mas o jornalista precisa informar sem
aniquilar ou tornar irrecuperável a presunção de inocência.”
Dora se
formou em Direito na USP em 1994 e integra o Conselho da
Ouvidoria da Defensoria Pública de São Paulo. Flávia
se formou na PUC em 1991, fez mestrado em Processo Penal
na USP e é professora no GVLAW. Ambas só atuam na área
penal e são conselheiras do Ilanud. Participaram da
entrevista os jornalistas Gláucia Milício e Rodrigo
Haidar.
Leia a
entrevista
ConJur —
O que é e como surgiu o IDDD?
Dora
Cavalcanti Cordani — O IDDD surgiu em 2000, depois de
constatarmos que não existia um grupo que discutisse
este tema em particular. Nosso objetivo é mostrar à
sociedade que o direito de defesa não é um aliado da
impunidade, nem serve para atrasar o trâmite dos
processos. É um direito fundamental, previsto na
Constituição Federal. Um dos pilares de qualquer
Estado de Direito.
ConJur —
Como explicar a importância do direito de defesa?
Dora — O
direito de defesa não é um aliado da impunidade, é
sim instrumento vital para a realização da Justiça,
garantindo um equilíbrio efetivo de forças entre o
Ministério Público capacitado, atuante e bem
aparelhado.
ConJur —
Uma pesquisa do IDDD sobre as sentenças nos casos de
roubo no estado de São Paulo constatou bem a
dificuldade em se exercer o direito de defesa. Como foi
isso?
Dora — O
instituto, em parceria com o IBCCrim [Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais], pesquisou as sentenças
de roubos prolatadas no estado de São Paulo em 2000 e
2001. Constatamos que todas elas são ilegais do ponto
de vista da lei penal e processual penal. Quem está
fora do sistema jurídico, ainda tem noção de que o
assaltante, que constituiu mais de 60% da população
carcerária, fica impune, consegue fugir, que a pena é
branda. A pesquisa provou o contrário. Na prática,
cada vez que o advogado atua num caso de roubo, já vai
com a certeza de que virá uma condenação pela frente.
E sempre a uma pena em regime fechado, mesmo que o
condenado tenha direito a um regime mais brando. Em São
Paulo, pelo que constatamos, se cristalizou uma
jurisprudência extremamente retrógrada, com base na
ilegalidade.
Flávia
Rahal — A pesquisa constatou o que para o advogado
criminalista já era bem claro. Fica muito difícil
defender alguém acusado de roubo. Porque no roubo,
existe uma acusação padrão, uma resposta padrão na
aplicação da lei. As sentenças, muitas vezes, já vêm
etiquetadas, com o argumento de que a violência que
assola os dias atuais favorece o endurecimento das penas
ou do regime penal. Parece que o entendimento dos juízes
é o de que o crime, por ser grave, não merece os
eventuais benefícios previstos na lei. Não se pode
agravar uma situação fática sem o devido amparo
legal, com argumentos extra-legais.
ConJur —
Como o advogado criminalista vê a cobertura da imprensa
sobre as questões criminais?
Flávia
— Há algumas distorções que acabam prejudicando a
realização da Justiça. Parte da imprensa desconhece o
assunto e faz um pré-julgamento usando o discurso da
impunidade. Todas as vezes que um programa de TV dá
espaço para um delegado que mostra o rosto do acusado e
grita “mostra a cara bandido”, o direito de defesa
é violado.
Dora —
Sabemos que a cobertura do Direito Penal é prazerosa
desperta o interesse do leitor. Mas o jornalista precisa
informar sem aniquilar ou tornar irrecuperável a presunção
de inocência, porque, por incrível que pareça, muitas
vezes o trabalho do advogado é defender alguém
injustamente acusado. A pessoa pode ter cinco decisões
que o absolveram, mas estará para sempre no imaginário
da população como suspeito e culpado, que foi
absolvido e se deu bem.
ConJur —
Qual é o grande vilão do direito de defesa?
Dora — O
discurso da impunidade, alimentado pela imprensa. O que
é impunidade? Quando alguém é acusado com base em
nada e a Justiça o absolve, a sensação do leitor de
um jornal é a de que imperou a impunidade. Mas, na
realidade, ele foi corretamente absolvido por falta de
provas ou por questões processuais. O erro foi da acusação,
não da defesa ou da Justiça.
Flávia
— A situação do réu é muito desgastante. Sobra
pouco de alguém depois que ele atravessa uma prisão,
uma condenação ou um linchamento moral. O Prof. Sérgio
Pitombo costumava dizer que o processo criminal, por si
só, traz infâmia. São raros os casos em que a pessoa
consegue reorganizar sua vida. Exemplo de pessoa que foi
duramente atingida por isso é do Eduardo Jorge (quando
secretário-geral na era FHC, foi acusado de cometer
irregularidades no governo). Ele foi alvo de várias
reportagens que ofenderam sua honra. Depois de ser
inocentado, entrou com ações de indenização contra
órgãos de imprensa e tem ganhado todas.
ConJur —
Ele é uma exceção.
Dora —
É alguém que tinha meios, capacidade, força, reserva,
condição financeira para se organizar e fazer isso. A
grande maioria das pessoas não consegue reabilitar sua
honra.
ConJur —
A mácula que o processo penal deixa em uma pessoa tem o
mesmo peso em outros países?
Flávia
— Em vários lugares ele tem o mesmo peso. Não é uma
característica unicamente brasileira. Coibir condutas
mais gravosas e gerar a privação da liberdade é a
regra do Direito Penal na maioria dos países. A aplicação
subsidiária do Direito Penal, no Brasil, é que vem
sendo desrespeitada.
Dora — O
que o Brasil não tem é a cultura de que o Direito
Penal deveria ser reservado única e exclusivamente para
as questões muito graves, quando outros campos do
Direito não resolvessem as questões.
ConJur —
Para quais casos deveria ser reservada a prisão?
Flávia
— Para os casos de violência física com indicativo
de que a pessoa pode reincidir. Há muitos equívocos na
aplicação da pena de prisão. Os crimes sexuais, por
exemplo. A pessoa que comete um crime sexual deveria, em
muitos casos, ser tratada psiquiatricamente. É claro
que deveria ficar isolada do convívio social, sem dúvida,
mas não colocada em uma prisão comum. O isolamento
apenas não vai recuperá-la. Os juízes têm uma enorme
resistência em reconhecer a imputabilidade ou
semi-imputabilidade, porque significa do ponto de vista
jurídico absolver o acusado. Tenho um cliente que ficou
preso recentemente em um centro de detenção provisória.
Ele conta que o maior medo era o de conviver com pessoas
que ele sabia que eram inimputáveis. Além da
imprevisibilidade do comportamento delas na cadeia,
tinha a certeza de que iam cumprir a pena, voltar para a
rua e reincidir.
Dora —
Também considero que deve ir preso só aquele indivíduo
que representa risco à integridade física das outras
pessoas. Para casos menos graves, a pena deveria ser de
prestação de serviços à comunidade, que ainda é
muito embrionária no Brasil.
ConJur —
A sociedade parece não ter interesse em ressocializar e
reeducar o preso.
Flávia
— Não tem. A prisão virou sinônimo apenas de punição.
E tanto faz se ela vem antes ou depois da sentença
condenatória. No discurso anti-impunidade vem a prisão
para mostrar que o Judiciário, o Ministério Público e
a Polícia estão fazendo a sua parte. “Não nos digam
que nós não estamos colaborando. Estamos colaborando
sim. Quantas operações, quantas prisões, quantas
pessoas por roubo já não mandamos para a cadeia,”
etc. e tal. E isso é muito complicado porque acaba
sendo gerador de processos ilegais e injustos e muitos
vezes da própria impunidade. A classe mais pobre é
fortemente atingida por isso, já que tem dificuldade de
comprovar condições básicas de vida. Se não tiver
emprego e residência fixa, não vai responder ao
processo em liberdade. Então, entramos em uma questão
social de fundo muito forte. Conheci um juiz que atuou
em determinado período no Departamento de Inquéritos
Policiais de São Paulo. Ele inovou porque quando
chegava um pedido de liberdade de alguém que não tinha
como comprovar residência, nem emprego, ele tinha um
despacho padrão: “tendo em vista a ineficiência
estatal em possibilitar ao cidadão acesso ao emprego e
à moradia, concedo a liberdade”.
ConJur —
A necessidade e finalidade da prisão cautelar têm sido
cumpridas?
Dora — Não.
Há exagero. Quando faltam os requisitos de
cautelaridade, a prisão não é necessária do ponto de
vista do processo. Se não existe indicativo de que
aquele cidadão vá fugir, burlar ou atrapalhar a instrução
do processo, ele não deve ser preso. Todo acusado tem
direito de responder ao processo em liberdade porque ele
ainda é inocente presumido. É claro que o juiz pode
fazer sua análise, mas precisa fundamentar o decreto de
prisão. O que não pode existir é a mentalidade de
hoje: “deve ir para a prisão aquele que está sob
investigação, porque na prisão ele vai ficar tendente
a confessar e confessando pode ser solto”. É o
pensamento mais abominável que existe, fere de morte o
direito a não se incriminar, mas o identificamos nas
operações deflagradas pela Polícia Federal, por
exemplo.
Flávia
— Uma das coisas mais destacadas pela imprensa nas últimas
operações é o fato de que os acusados silenciaram nos
seus interrogatórios. Isso é decorrência óbvia da
forma como elas têm sido realizadas. Imagine-se sendo
retirado abruptamente de sua casa, algemado, levado para
uma prisão sem saber porque. Some-se a isso o fato de
que seu advogado não consegue ter acesso aos autos e o
preso, muitas vezes, não consegue ter livre acesso a
seu defensor. Nestas circunstâncias a pessoa é
interrogada. Qual é opção tem ele do ponto de vista
de defesa? Silenciar.
ConJur —
O princípio da presunção de inocência deve incidir
mesmo quando o réu confessa o crime?
Flávia
— Evidentemente que sim. Em quais condições o
acusado confessou o crime, afinal? Que orientação teve
sobre aquilo que estava falando? Que chance ele teve de
escolher um outro caminho? A confissão não pode ser
vista como a mais importante das provas. Ela é apenas
uma delas e deve ser analisada dentro do conjunto probatório.
ConJur —
Qual a opinião das senhoras sobre a delação premiada?
Dora —
Este é um tema caro ao IDDD. A delação é um
instrumento que pode desvirtuar a verdade. E muito me
entristece ver que hoje as instituições do Direito
aceitam a delação premiada.
Flávia
— Existe um projeto que prevê que depois da sentença
condenatória, a delação também pode ser válida.
Isso é um perigo. Do mesmo jeito que se imagina que uma
pessoa pode ser presa cautelarmente para confessar o
crime, qual raciocínio poderá ser feito? De que a
condenação seja a mola propulsora para o acusado
falar, desmantelando a organização criminosa da qual
ele, teoricamente, faz parte. E aí vem a delação para
legitimar esse tipo de coisa. Não digo que isso vá
necessariamente acontecer, mas é uma possibilidade.
ConJur —
O tripé da Justiça funciona? Ou seja, a Polícia
investiga, o Ministério Público denuncia e o Judiciário
julga? As instituições estão funcionando?
Flávia
— Acho complicado generalizar, mas tomemos como
exemplo, mais uma vez, as operações da Polícia
Federal. As ilegalidades nela cometidas são muitas, a
começar pela dificuldade de acesso aos autos, seja pelo
preso, investigado, seja por seu procurador. Interceptações
telefônicas que são feitas às margens da lei e cuja
transcrição é pura interpretação de quem ouve, são
outro exemplo de atos ilegais comuns. Invasões de
escritórios e até mesmo a colocação de escuta
ambiental sem ordem judicial têm ocorrido. A expedição
de mandados de busca e apreensão genéricos são
corriqueiros acontecimentos ilegais. E isso tudo passa
muitos vezes pelo crivo do Poder Judiciário, quando
deveria ser coibido por ele. Quando a ilegalidade é
mantida e o direito de defesa tão fortemente violado não
se pode falar em bom funcionamento da Justiça, tampouco
das instituições.
ConJur —
Mas o Supremo tem se posicionando de maneira firme para
corrigir isso.
Dora — O
Supremo zela pela Constituição Federal. Fez isso
quando declarou inconstitucional o artigo da Leis de
Crimes Hediondos que proibia a progressão de regime. O
STF reverteu uma tendência muito forte na primeira e
segunda instâncias e sofreu um enorme massacre da opinião
pública por isso. É assim também quando declara uma ação
nula porque as provas foram colhidas de forma ilegal ou
quando o advogado precisa ir até à Corte Suprema para
garantir o direito de acesso aos autos.
Flávia
— O que é assustador é imaginar que em um Estado
Democrático de Direito precisemos do Supremo Tribunal
Federal para que sejam assegurados ao cidadão seus
direitos constitucionais. Os princípios constitucionais
do devido processo legal, da presunção de inocência e
do amplo direito de defesa são basilares,
consubstanciam respeito à dignidade da pessoa humana,
mas infelizmente o cidadão ainda precisa do Supremo
para reafirmá-los. Em episódios recentes de CPIs, os
advogados tinham que impetrar Habeas Corpus para a proteção
de seu cliente e a sua própria; caso contrário
poderiam ir presos os dois. Certa vez, o ministro Marco
Aurélio se negou a conceder liminar afirmando que era
óbvio que o investigado tinha direito ao silêncio e à
orientação de seu defensor. Não havia sentido em dar
uma liminar para garantir o que estava escrito na
Constituição da República, disse ele na oportunidade.
ConJur —
Dizem que o clima nos presídios melhorou muito depois
da decisão do Supremo que permitiu a progressão de
regime para condenados por crimes hediondos. É verdade?
Flávia
— A possibilidade de progressão dentro do sistema
penitenciário é o que mantém a saúde mental do preso
e do próprio estabelecimento prisional.
Dora — O
IDDD recebe muitas cartas de presos, apesar de não
fazer trabalho assistencialista, nem funcionar como um
departamento jurídico. Pouco antes da decisão do
Supremo, encaminhamos um memorando para todos os
ministros, instruído com uma carta de um preso, que
devia ser jurista e poeta. Depois de anos na prisão,
ele explicava a importância de manter acesa a chama de
um dia voltar a conviver em sociedade.
ConJur —
A pesquisa do IDDD com as sentenças de condenação por
roubo em São Paulo constatou que a Justiça paulista é
mais inclinada para condenar alguém à pena de reclusão.
Existe um estado em que a Justiça aplique mais penas
alternativas?
Dora — O
Ceará é um exemplo. O estado tem uma central de execução
da pena alternativa muito bem estruturada e que tem
funcionado. Também em Sergipe existe um diálogo próximo
do juiz da execução com o juiz que sentencia, o que
torna a aplicação da pena mais eficaz.
ConJur —
E em São Paulo?
Flávia
— O IDDD vem tentando mudar em São Paulo os horários
de recebimentos dos alvarás de soltura. A ordem de
liberdade só pode ser cumprida se chegar aos
estabelecimentos prisionais até às 17 horas. Prende-se
a qualquer hora, mas só se solta em horário comercial.
É uma grande ilegalidade alguém passar uma hora que
seja a mais na prisão em razão de um entrave burocrático.
O Tribunal de Justiça de São Paulo não tem plantão
judiciário efetivo. Se alguém é preso na sexta-feira,
vai muito provavelmente passar o final de semana inteiro
na cadeia. Independente do motivo da prisão e de sua
eventual ilegalidade. Em Porto Alegre, se o advogado
precisa despachar uma liminar, encontra no site do
Tribunal de Justiça o número do celular do servidor público
que está de plantão.
ConJur —
O que as senhoras acham das reformas pontuais e leis de
ocasião?
Flávia
— Não se percebe que esse discurso do pânico é
prejudicial. A redução da maioridade penal ressurgiu
depois da morte brutal do menino João Hélio. Mas entre
os cinco acusados, apenas um é menor de idade. Leis de
ocasião também causam impunidade, porque são regras
criadas às pressas, para responder à opinião pública,
geradoras muitas vezes de normas inexeqüíveis. O
Direito Penal não avança assim; muito menos o combate
à violência.
Dora —
Outro problema é que não abrimos os olhos para as
conseqüências das leis de ocasião a longo prazo. As
leis de ocasião trazem problemas sérios para a saúde
do sistema.
ConJur —
Nesse contexto, de zero a dez, que nota as senhoras dão
para o direito de defesa?
Flávia
— Dois. O direito de defesa tem sido reiteradamente
desconsiderado. Algumas pessoas o vêem como empecilho.
Por isso se distribui justiça de forma tão
ineficiente. O respeito ao direito de defesa caminha de
volta à idade das pedras, infelizmente.
Dora —
Dou três. Ainda temos a noção de que quem tem de
pagar pela criminalidade, pelo receio, pelos índices de
homicídios, pelo medo geral, é o direito de defesa. E
isso traz um impacto muito negativo à distribuição da
justiça.
ConJur —
O que o IDDD tem feito para reforçar a importância do
direito de defesa?
Flávia
— O instituto tem tentado explicar o que é sentir o
peso de uma acusação criminal e o que significa a
presunção de inocência. Pretendemos também estreitar
o relacionamento com a imprensa para conscientizar as
pessoas de que sem o direito de defesa não se faz Justiça.
O IDDD procura mostrar que o papel do advogado é estar
do lado de alguém que muitas vezes não tem mais ninguém
em quem se amparar. É esse o trabalho do advogado
criminalista: Ajudar alguém que está sendo rejeitado,
humilhado, linchado moralmente. É por essa causa que
nos apaixonamos, buscando no IDDD a possibilidade
coletiva de resguardar a importância do ato de defender
alguém.
Dora —
Um dos nossos projetos é trabalhar no fortalecimento do
conceito de direito de defesa no ensino médio, dentro
das escolas. No ano passado, o Centro Integrado de
Cidadania (CIC) convidou o IDDD para montar palestras
sobre o direito de defesa e os princípios fundamentais
que o integram. Criamos uma cartilha sobre direitos
fundamentais. Foi muito interessante porque é muito
mais fácil enxergar a importância do direito de
defesa, priorizá-lo e preservá-lo a partir de uma
simples experiência do cotidiano. Uma briga de escola,
por exemplo. Alguém vai precisar ser defendido, para
provar que não começou a discussão. É assim com o
direito de defesa. Seja qual for a situação, todas as
versões merecem ser ouvidas.
Fonte:
Conjur, de 14/05/2007