Devedor
paulista pode lucrar com a própria dívida
Quem
passa pela rua Boa Vista, no centro de São Paulo, vê um
painel com números em um crescendo alucinante expressando
cifra de bilhões. Pertence à Associação Comercial de São
Paulo, e quer mostrar ao povo quanto ele está pagando em
impostos por ano.
Para
informar corretamente a população, deveria haver um
segundo painel. Um que mostrasse, também em ritmo
alucinante, o volume do que o Estado tem deixado de
arrecadar por políticas fiscais benevolentes.
E
ainda um terceiro, para que a informação fosse ainda
mais precisa, mostrando o volume de impostos pagos pelos
contribuintes de fato, nós, o povo, retido por
inadimplentes com o fisco e premiados com parcelamentos e
descontos generosos que alcançam, praticamente, o
surgimento da geração seguinte.
Os
tributos compõem o preço dos produtos e serviços
oferecidos ao adquirente final. O empresário é intermediário
dessa apropriação do excedente econômico que
caracteriza o Estado moderno.
Nem
sempre o Estado obtém a apropriação do excedente. No
meio do caminho, por vezes, o empresário a retém e vem
sendo, no entanto, premiado pelo Estado. O Refis, criado
pelo governo federal em 2000, inaugurou a prática de
parcelamentos infindáveis de tributos. Governos estaduais
e municipais fizeram seus próprios “refis”. O do
estado chama-se Programa de Parcelamento Incentivado
(PPI), e permite que o ICMS, declarado pelo contribuinte
de direito, ou seja, o agente econômico, que deveria
recolher o tributo que embutiu no preço, seja parcelado
em até 15 anos, com renúncia parcial do estado às
multas e aos juros determinados pela legislação tributária.
O
governo do estado pretende mais uma medida do gênero.
Enviou à Assembléia Legislativa proposta para
“securitizar” esses débitos parcelados, já aprovada
(Lei Estadual 13.723, de 2009). Isto quer dizer que o
estado cederá o crédito desses parcelamentos a
investidores do mercado financeiro para antecipar receita.
É
uma operação temerária juridicamente. Trata-se de uma
clássica operação de crédito, como tal definida pela
Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas a proposta,
defensivamente, procura descaracterizá-la como tal com
nomenclatura artificial. Se reconhecesse que é operação
de crédito, deveria submetê-la às autoridades monetárias
federais para que não seja atingido o limite de
endividamento do estado. Mas nomes não mudam a realidade,
nem transformam magicamente conceitos jurídicos. O nome
da rosa é só um nome, mas seu perfume a torna
imediatamente reconhecível. Como o Estado terá sempre
que prestar garantia por força do Código Civil (art.
295), que não pode ser alterado por lei estadual,
trata-se efetivamente de operação de crédito. Aliás,
assim já decidiu a Secretaria do Tesouro Nacional ao
editar o Ofício Circular nº 14/2003 E, claro, terá que
prestar garantia também porque sem isso o investidor não
aparecerá.
A
operação amplia o rol de benefícios fiscais generosos.
É cessão onerosa e implica deságio. O que impedirá o
contribuinte cuja dívida fiscal foi “securitizada”,
ou seja, transformada em papel negociável, de ir ao
mercado, adquirir por interposta pessoa seu próprio título,
especular, e com isso obter mais um ganho em detrimento
dos demais contribuintes, os “otários” que pagam
pontualmente seus impostos? Fica violado o princípio
basilar da tributação numa república moderna, a
igualdade dos contribuintes.
Outros
problemas jurídicos graves existem. A exposição de
motivos afirma que não se trata de vinculação de
imposto, que é expressamente vedada pela Constituição,
porque “engessa” o orçamento, com exceções que a própria
Constituição estabelece. Nenhuma das exceções
constitucionais possibilita destinação de imposto ao
tipo de operação financeira desenhada.
Se
o estado realizar a arriscada operação prevista poderá
ficar sujeito a sanções impostas pela Lei de
Responsabilidade Fiscal, considerando que não há
autorização da Secretaria do Tesouro Nacional e do
Senado Federal para realizá-la.
Esse
quadro mostra que é necessário que a sociedade passe a
um novo plano de reflexão e de debates sobre a questão
fiscal. Se os tributos fossem civilizadamente pagos, e o
Estado não premiasse tão generosamente inadimplentes, a
carga tributária deveria ser menor. Se fôssemos mesmo
republicanos na questão fiscal, teríamos mais
racionalidade tributária e uma sociedade com um pouco
mais de autoestima. Todos seríamos beneficiados, econômica
e moralmente.
Marcio
Sotelo Felippe foi procurador-geral do Estado de São
Paulo de 1995 a 2000, e Diretor da Escola Superior da
Procuradoria-Geral do Estado, de 2007 a 2008
Fonte:
Conjur, de 3/10/2009
Assembleia muda licença-prêmio e paga até 2 salários a
mais a servidor
Os
2.853 servidores da Assembleia Legislativa de São Paulo
tiveram ampliado um benefício já extinto no
funcionalismo público federal e em alguns municípios, a
licença-prêmio - uma regalia concedida aos servidores
como recompensa por assiduidade ao serviço. Em um ato
interno, a Mesa Diretora aprovou no último dia 10 resolução
que autoriza no Legislativo a venda de até 60 dias, dos
90 previstos de descanso por conta da gratificação.
A
medida incha ainda mais a folha de pagamentos do
Legislativo, que este ano consumirá R$ 485 milhões, o
equivalente a 82,8% de seu Orçamento.
Criada
em São Paulo dentro do estatuto do funcionalismo público
em 1968, auge da ditadura militar, a licença-prêmio é
um benefício que dá ao servidor 90 dias de folga
remunerada a cada cinco anos de serviços prestados sem
faltas injustificadas ou com até no máximo 30 ausências
amparadas por atestados. Penas administrativas também
cassam a bonificação.
Como
ocorre no Executivo e no Judiciário, a possibilidade de
converter os dias de folga em dinheiro existia para os
funcionários do Legislativo, mas era uma exceção
reservada apenas para casos em que a presença do servidor
era essencial e os recursos para os pagamentos estivessem
disponíveis no Orçamento - abrindo precedentes para
excessos.
A
partir da resolução aprovada pela Mesa, todo servidor da
Assembleia com direito a licença-prêmio pode requerer a
venda de dois terços dos dias de folga, sem
justificativa. Além disso, sob o valor pago pelos dias
parados não incidem tributos (nem Imposto de Renda, nem
contribuições previdenciárias), nem o teto salarial
(que é de R$ 16 mil/mês).
Atualmente,
1.070 dos 2.853 servidores da Casa estão aptos a requerer
a licença-prêmio e se beneficiam imediatamente com a
decisão. A presidência da Assembleia, por meio de sua
assessoria de imprensa, informou não poder calcular o
impacto financeiro que a ampliação do benefício trará.
O
gasto dos últimos dois anos, no entanto, mostra o que
acontecerá. Em 2007, quando a conversão das folgas não
tiradas da licença-prêmio em pecúnia era uma exceção,
foram gastos R$ 3 milhões com esse tipo de despesa - 0,8%
da folha.
Em
2008, a Mesa Diretora baixou um ato (23/2008) no fim do
ano permitindo que os servidores com direito ao benefício
até aquela data poderiam receber em dinheiro até 30 dias
dos 90 de descanso, sem necessidade de argumentação de
"absoluta necessidade de serviço". O dispêndio
com os pagamentos triplicou, chegando a R$ 10,7 milhões -
2,3% da folha.
Entre
os beneficiados estão servidores que poderão receber
cifras acima de R$ 50 mil pela venda das folgas. É que,
dentro do quadro de 908 funcionários concursados da
Assembleia, alguns adquiriram direitos ao longo dos anos
que fazem seus salários chegarem a R$ 25 mil, mas na prática
podem receber apenas o teto imposto por lei, R$ 16 mil
mensais. Como a licença-prêmio é considerada indenização,
não vencimento, o entendimento jurídico é que sobre ela
não devem incidir nem impostos nem o teto, o que torna a
venda dos dias de descanso um negócio lucrativo para os
funcionários e caro para os cofres públicos.
Considerada
uma regalia já ultrapassada do funcionalismo brasileiro,
no serviço público federal a licença-prêmio foi
substituída, em 1997, pela licença para capacitação,
que em vez de folga prevê um prazo, a cada período
trabalhado, para reciclagem profissional.
No
Estado de São Paulo, o benefício é mantido até hoje,
mas desde sua criação passou por restrições como a de
1999, quando o então governador Mário Covas (PSDB)
estipulou um prazo mínimo para que as folgas fossem
tiradas (4 anos e 9 meses, caso contrário, o benefício
caducava).
No
ano passado, o governador José Serra (PSDB) editou uma
lei complementar (1.048/2008) que acabou com esse prazo,
mas estipulou que cada Poder (Executivo, Legislativo e
Judiciário) regulamentasse o assunto à sua maneira.
Com
exceção do Legislativo, a possibilidade de converter as
folgas em dinheiro continuou proibida, salvo os casos
especiais. No Executivo, por exemplo, a possibilidade é
dada a policiais e professores, casos em que as ausências
e suas substituições são mais complexas.
CONQUISTA
"Essa
foi uma conquista do funcionalismo, que não tem direito a
fundo de garantia", defende a presidente do Sindicato
dos Servidores da Assembleia Legislativa, Rosely Assis.
O
argumento é que, como o funcionalismo não tem Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a possibilidade de
conversão da licença-prêmio em dinheiro acaba servindo
como "compensação". Pela lei, porém, o
direito às folgas pressupõe o descanso para quem durante
os anos de serviço não se ausentou sem justificativa.
O
presidente da Assembleia, Barros Munhoz (PSDB), defendeu,
por meio de sua assessoria, a legalidade do ato.
Fonte:
Estado de S. Paulo, de 4/10/2009
Estado libera precatórios para 9.398 credores
A
PGE (Procuradoria Geral do Estado) liberou ontem o
pagamento de precatórios para 9.398 credores. O valor
total pago é de cerca de R$ 56 milhões. De acordo com a
procuradoria, o valor máximo que cada um poderá receber
é de R$ 17.994,32.
Veja
a lista dde quem vai receber os precatórios na edição
impressa do Agora, nas bancas nese sábado, 03 de outubro.
Confira também como sai o precatório de pequeno valor
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o Agora
Os
credores acima de 60 anos podem ter prioridade para o
recebimento após a publicação da lista. A maioria
dessas pessoas que esperam pelo pagamento é formada por
servidores, pensionistas ou aposentados que entraram na
Justiça cobrando remuneração do Estado que tinham
direito a receber.
Após
a publicação da lista, o pagamento poderá demorar até
três meses para chegar às mãos do credor, de acordo com
o conselheiro do Madeca (Movimento dos Advogados em Defesa
dos Credores Alimentares) Felippo Scolari.
"Esse
tempo pode ser ainda maior se houver credores falecidos,
por exemplo. Nesse caso, é preciso convocar os herdeiros,
o que costuma atrasar os outros pagamentos. Varia de caso
a caso. É a tradicional burocracia da Justiça."
O
dinheiro deverá ser sacado pelo advogado, que repassará
o valor para o credor. Por isso, é importante que o ele
esteja sempre atento às listas de pagamento liberadas mês
a mês, normalmente perto do dia 30. De qualquer forma, o
credor poderá consultar se seu CPF (Cadastro de Pessoa Física)
está incluído na lista. É possível consultar as
listagens de meses anteriores por meio do site da PGE, que
é o www.pge.sp.gov.br.
A
lista relativa a setembro foi a maior dos últimos quatro
meses, segundo a PGE. O maior pagamento havia sido em
agosto, quando 6.414 precatórios foram liberados.
Valores
maiores
Para
os precatórios maiores do que R$ 17.994,32, a fila é
muito maior. O Estado só está liberando a grana dos
processos de 1998, com 11 anos de atraso. Normalmente, o
Estado de São Paulo libera o dinheiro para esses precatórios
(derivados de ações trabalhistas) uma vez por ano.
Garantia
Para
garantir o pagamento do precatório, a orientação do
Madeca é que o credor nunca perca o contato com seu
advogado, comunicando qualquer mudança de endereço,
principalmente porque a maioria dos servidores que
entraram na Justiça contra o Estado é idosa.
"O
ideal é que eles [credor e advogado] sempre mantenham
contato. E, no caso de o advogado morrer, é preciso
procurar um responsável, alguém que tenha assumido seus
processos", disse Scolari.
A
PGE informou ontem que, na lista deste mês, seria
liberado o pagamento para 10.578 credores. No entanto, até
a conclusão desta edição, às 23h30, somente os CPFs de
9.398 haviam sido divulgados pela internet.
Fonte:
Agora SP, de 3/10/2009
Busca de privilégios
A
JORNADA de trabalho no Brasil foi estipulada pela
Constituição em no máximo oito horas diárias e 44
horas semanais. Entre servidores do Judiciário em 18
unidades da Federação, porém, ela não passa de seis
horas por dia. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
decidiu reduzir o privilégio, determinando a jornada de
oito horas em todos os Tribunais de Justiça estaduais.
Note-se
que o CNJ preservou um resquício da regalia, ao conceder
um total semanal de 40 horas. Apesar disso, já se arma a
reação corporativa, com uma paralisação marcada para o
dia 21. Sob a aparência de luta por direitos adquiridos,
a categoria se agarra ao que em realidade são vantagens
extorquidas.
Quem
paga a conta é o público. Ou arca com a piora inevitável
do serviço, em resultado da jornada reduzida, ou custeia
horas extras dos servidores. Na mesma resolução, o CNJ
fixou um teto de dez horas adicionais por semana.
A
medida faz parte de uma pequena revolução gerencial que
o conselho tenta imprimir ao pesado aparelho do Judiciário.
Tardo e falho, ele não sai exatamente barato. Em 2008,
seu funcionamento consumiu R$ 33,6 bilhões -R$ 31,1 bilhões
dos quais em despesas com pessoal.
Contam-se
293 mil funcionários nos tribunais federais, estaduais e
trabalhistas. Com o esforço de racionalização e alterações
nas normas processuais para diminuir o número de ações
e recursos fúteis ou protelatórios, o Judiciário tem
conseguido alguns ganhos de eficiência. Mesmo assim, no
final de 2008 ainda havia mais de 44 milhões de casos
pendentes de decisão.
Decerto
a responsabilidade pelo atraso não cabe só ao expediente
camarada dos servidores. Mas também é inequívoco que o
cumprimento da chamada Meta 2 do CNJ -julgar neste ano
todos os processos distribuídos até dezembro de 2005-
depende do empenho dos funcionários.
Na
"Carta dos Trabalhadores do Judiciário
Nacional" em que prometem paralisar as cortes, 18
entidades sindicais do setor beiram o cinismo. "A
carga horária de seis horas se revela mais adequada,
aumentando comprovadamente a qualificação e a eficiência
dos serviços prestados".
Não
satisfaz aos servidores manter o privilégio e assim
prejudicar a expedição da Justiça. Está na sua mira
abocanhar mais recursos por meio do velho expediente da
equiparação salarial.
Este
é o fulcro da proposta de emenda constitucional nº 190,
em tramitação na Câmara. Aprovada, ela autorizaria o
Supremo Tribunal Federal a criar por lei complementar um
Estatuto dos Servidores do Judiciário Nacional, abrindo
caminho para unificar a categoria -e seus vencimentos- em
todo o país.
Fonte:
Estado de S. Paulo, seção Opinião, de 3/10/2009
Defender interesses não é crime, afirma Toffoli
Mais
novo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) indicado
pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, José Antonio
Dias Toffoli, 41, afirma que o Brasil precisa acabar com a
ideia de que "defender interesses é crime".
Em
entrevista à Folha, ele diz considerar "legítimo"
um congressista representar o setor que o elegeu e
sustenta que "pensar diferente é hipocrisia".
Contestado inicialmente por sua ligação com Lula e com o
PT, Toffoli, que já foi filiado ao partido e teve seu
nome aprovado pelo Senado para o STF na última quarta por
58 votos a favor, 9 contra e 3 abstenções, diz que sua
atuação no governo passa a "não existir
mais".
Segundo
ele, no processo de formação de um voto no STF, o
"documento fundamental é a Constituição", mas
devem ser levados em conta "a realidade social e o
momento histórico".
Repetindo
inúmeras vezes que não comentaria "casos
concretos" que possa vir a julgar, o novo ministro
diz que adotará como conduta só "falar nos
autos", mas evita julgar o comportamento de seus
futuros colegas nesse quesito.
Advogado
especializado na área eleitoral, ele defende o voto
obrigatório como valorização da política e da
cidadania e diz que um terceiro mandato para presidente é
"questionável" e pode levar "à perpetuação
no poder". Leia a seguir a entrevista concedida pelo
novo ministro do Supremo à Folha em sua casa, na última
sexta-feira.
FOLHA
- O plenário do Supremo é palco constante de disputas em
torno de decisões do Executivo. O sr. fez parte dele
antes de se tornar ministro do Supremo. Como enfrentar
esse dilema?
JOSÉ
ANTONIO DIAS TOFFOLI - A minha vida, no momento que tomar
posse no Supremo Tribunal Federal, passa a ser outra. A
atuação que tive no governo e todo o meu passado passam
a não existir mais. O que existe é um juiz, que tem o
dever de defender a Constituição e julgar as causas de
acordo com ela. É evidente que nas causas em que me
manifestei enquanto advogado-geral da União estarei
impedido de atuar.
FOLHA
- O sr., por exemplo, vai votar ou pretende se considerar
impedido de se manifestar sobre a concessão de refúgio a
Cesare Battisti?
TOFFOLI
- Esse caso eu analisarei quando estiver no Supremo. Ainda
não tomei posse, seria até um desrespeito à corte
antecipar um posicionamento futuro.
FOLHA
- O sr. foi subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil
na gestão do ministro José Dirceu, que é réu numa ação
penal sob a acusação de ter chefiado o mensalão. Há
suspeição sua para julgar o caso quando o ministro
Joaquim Barbosa levá-lo ao plenário?
TOFFOLI
- Eu não vou falar sobre caso concreto.
FOLHA
- O sr. vai entrar na vaga do ministro Menezes Direito,
que era substituto no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O
sr. pode substituí-lo nessa função? Haveria suspeição
no seu caso por já ter atuado como advogado eleitoral?
TOFFOLI
- Quem escolhe os ministros do Supremo que irão integrar
o TSE é o plenário do Supremo Tribunal Federal. Não
tenho a mínima ideia se serei ou não escolhido. Caso
venha a ser, e é da tradição do Supremo indicar aquele
que não foi para essa função, é evidente que não há,
no meu entender, nenhum tipo de impedimento de atuação
no TSE. Pelo contrário, a minha especialização em
direito eleitoral só será útil para julgar as causas.
FOLHA
- Por falar em independência, como deve ser o processo de
construção de uma decisão de um ministro do STF?
Baseado estritamente no que diz a lei ou é possível uma
interpretação à luz das circunstâncias históricas e
do momento?
TOFFOLI
- É evidente que a realidade social e o momento histórico
se manifestam na visão do juiz. Se nós formos pegar um
exemplo de fora do Brasil, da Suprema Corte dos Estados
Unidos, sob a mesma Constituição, se entendeu que era
legítima a escravidão e, depois, que ela não era legítima.
A realidade social, a realidade da cultura do momento em
que se vive integra a formação da consciência de um
julgador.
FOLHA
- Na hora de interpretar a Constituição, esses fatores
devem ser levados em conta?
TOFFOLI
- Para usar um exemplo bíblico, Jesus Cristo disse:
"O sábado foi feito para o homem, não o homem para
o sábado". O que Jesus quis dizer com isso? Que a
lei existe para o homem, não é o homem que existe para a
lei. A lei é o parâmetro, mas ela leva em conta, ao ser
aplicada, o homem, o ser, a vida.
FOLHA
- Até pouco tempo se costumava dizer que um ministro do
Supremo se pronunciava apenas pelo voto. Hoje, alguns
membros costumam fazer análises públicas de temas que
tramitam na Casa. Qual dos caminhos o sr. pretende seguir?
TOFFOLI
- Eu não vou comentar comportamentos de outros ministros.
O que eu posso dizer é que não estarei comentando casos
concretos que possam vir a ser julgados. É evidente que,
após uma decisão tomada pela Suprema Corte, a sociedade
debata. É um dever da sociedade debater.
FOLHA
- Mas tem outro tipo de debate, não com relação a casos
específicos, mas sim ao papel político do Supremo. O
ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, se manifestou
algumas vezes contra os excessos da Polícia Federal, do
Ministério Público, contra o que acha uma interferência
de um Poder no outro.
TOFFOLI
- O Supremo Tribunal Federal é um colegiado, composto por
pessoas com perfis diferenciados. O meu perfil, que eu
adotarei, será um de falar nos autos sobre casos
concretos.
FOLHA
- O sr. disse que a Constituição atual não prevê o
terceiro mandato e, por isso, ele é ilegal. Se esse princípio
for incluído na Constituição, ele ajuda ou atrapalha o
processo democrático?
TOFFOLI
- No meu entendimento, o terceiro mandato consecutivo é,
no princípio republicano, algo bastante questionável. Não
quero adiantar posição, mas a ideia de um terceiro
mandato pode levar à perpetuação no poder. É algo
questionável, discutível do ponto de vista jurídico.
FOLHA
- O sr. é a favor de mudanças no nosso sistema
eleitoral, com adoção do voto distrital misto ou em
lista? Aberta ou fechada?
TOFFOLI
- Dos vários sistemas eleitorais que eu já estudei, para
a formação da Câmara dos Deputados, entendo que o
melhor sistema é o alemão, chamado de sistema
proporcional misto.
FOLHA
- O sr. é a favor da manutenção do voto obrigatório?
TOFFOLI
- Entendo que o voto obrigatório é legal. Legítimo. Eu
penso que a política é uma área extremamente nobre,
onde se dá os debates da construção da nação, onde se
tem de fazer a grande discussão do país. Então, nesse
sentido de valorização da política e da cidadania como
foro onde tem de se dar as grandes decisões, eu sou a
favor do voto obrigatório.
FOLHA
- Analistas defendem que o atual sistema de financiamento
de campanha transforma o congressista num lobista do setor
privado. Concorda?
TOFFOLI
- Nós temos de acabar com essa história. Respondendo da
forma como você perguntou, parlamentar nenhum é lobista:
é representante do povo. Ao representar o povo defende
interesses. Temos de acabar com essa situação de se
achar no Brasil que defender interesses é crime. Temos de
acabar com a ideia de criminalização da política. Se
alguém é eleito com base numa região do país, com base
no apoio de um segmento social...
FOLHA
- Seja ele empresarial ou sindical...
TOFFOLI
- Sem dúvida, é legítimo que, se alguém foi eleito
pelo setor da indústria, defenda os interesses da indústria.
Se foi eleito pelo setor sindical, trabalhista, de
trabalhadores, que defenda uma legislação protetora dos
trabalhadores. Ele foi eleito para isso. Pensar diferente
é hipocrisia. Temos de acabar com essa hipocrisia de que
defender interesses é a ausência de legitimidade. Pelo
contrário, é o que legitima a ordem democrática. É por
isso que o Parlamento é o local de discussão mais nobre
da política, porque ali está representada a sociedade.
FOLHA
- E o financiamento de campanha?
TOFFOLI
- O problema do financiamento de campanha entra na questão
de dar paridade de armas a todos aqueles que querem ser
representantes da sociedade, para que alguns, pelo fato de
ter mais condições econômicas, não passem a ter uma
maioria em relação aos que não têm acesso a
financiamento de campanha. É para isso que existe a Justiça
Eleitoral, que tem agido no sentido de trazer essa
paridade de armas. E cada vez mais vejo que está havendo
um rigor maior nesse acompanhamento de financiamento.
FOLHA
- E a questão da sua indicação de um advogado para o
ex-ministro Silas Rondeau?
TOFFOLI
- Não vou comentar esse episódio. Já respondi.
Pluralidade
do STF é o "ideal", diz ministro
O
ministro do STF José Antonio Dias Toffoli afirmou que a
pluralidade é o "ideal" de uma corte coletiva e
que os recentes bate-bocas no Supremo sempre aconteceram.
"É
fruto da transparência", afirmou, ao comentar que
eles ganharam mais repercussão por conta da TV Justiça e
da rádio Justiça, que permitem o acompanhamento on-line
dos julgamentos.
Ex-advogado-geral
da União do governo Lula, Toffoli toma posse no dia 23 de
outubro e promete trabalhar "tantos anos quantos eu
for útil à nação" ao comentar a hipótese de
ficar no Supremo por quase 30 anos. (VALDO CRUZ E VERA
MAGALHÃES)
FOLHA
- Nos últimos meses, o STF foi palco de bate-boca entre
ministros, algo que não era usual. É fruto da transparência
do tribunal ou um novo momento histórico?
TOFFOLI
- Todo colegiado tem altos graus de discussão e de
debate. Acompanho o Supremo de perto desde 1995, quando me
mudei para Brasília. Naquela época, não tinha TV Justiça.
Só sabia o que acontecia nos debates de votação em plenário
do Supremo quem estivesse lá de corpo presente.
E
eu me lembro de ter assistido a grandes discussões, a
grandes embates, a grandes polêmicas entre ministros da
Suprema Corte. Então, não se trata, no meu entendimento,
de algo novo no Supremo.
Discordo
da tese da pergunta, porque historicamente esses debates
sempre aconteceram no Supremo. O que acontece é que foi
criada a TV Justiça, a rádio Justiça, é fruto da
transparência.
FOLHA
- O sr. está prestes a ingressar numa corte que só há
pouco tempo admitiu mulheres, um negro, e, agora, deve
assumir como um dos ministros mais jovens da história.
Essa pluralidade é boa para o funcionamento do Supremo?
TOFFOLI
- Essa pluralidade é o ideal de uma corte coletiva. Por
que o Judiciário, na sua alta corte, no mundo inteiro, é
um colegiado? Exatamente porque a decisão final só vai
ser a melhor possível se for fruto de debate, fruto de várias
visões jurídicas e de mundo.
FOLHA
- O sr. acha que a forma de indicação de ministros para
o Supremo, pelo presidente da República, é a melhor?
TOFFOLI
- Seja qual for o sistema de indicação para a Suprema
Corte, o que é fundamental é que ele tenha o crivo do
eleitor, do cidadão. Na atual forma de composição
brasileira, que vem desde a época da Constituição de
1891, nós temos dois momentos de participação do
eleitor: uma pelo presidente da República, que é quem
indica o ministro, e outra pelo Senado Federal, que é
quem aprova. O que se pode discutir, e eu disse lá na
arguição, é que se pode aumentar o quorum. Tem país
que tem quorum de dois terços de aprovação da Câmara
Alta.
FOLHA
- Há uma corrente que defende que o Supremo não deveria
julgar questões penais. Que deveria haver uma corte
exclusiva para isso.
TOFFOLI
- É a ideia de que se deveria ter a Suprema Corte
exclusiva para questões constitucionais, e que as questões
penais ficariam a cargo de outra corte. É uma questão
que cabe à sociedade como um todo defender. De qualquer
forma, eu vou para o STF com muita disposição para
trabalhar, e para atuar em todas as áreas. Eu sou um
apaixonado pelo direito, gosto de todas as áreas do
direito, atuei em todas. Então, não tenho dificuldade
nenhuma em atuar em nenhuma área.
FOLHA
- O sr. está preparado para ficar 30 anos fazendo a mesma
coisa, depois de ter tido uma vida profissional dinâmica
e uma ascensão tão jovem?
TOFFOLI
- A honra de assumir um cargo de ministro da Suprema
Corte, de qualquer país do mundo, principalmente de um país
como o Brasil, com a dimensão do Brasil e do povo
brasileiro, é tão grande, tão grande, que evidentemente
entro com vontade de trabalhar muito pelo Brasil e
vocacionado a trabalhar tantos anos quantos eu for útil
à nação. Se forem 10, 15, 20, 30 anos, me dedicarei a
ele.
Fonte:
Folha de S. Paulo, de 4/10/2009
Comunicados do Centro de Estudos
Clique
aqui para o
anexo
Fonte:
D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 3/10/2009