Estado
ganha direito de regresso se for condenado
O
estado de São Paulo ganhou na Justiça o direito de
regresso numa ação de indenização por danos morais
por prática de racismo ocorrida na sala de aula de uma
escola de Diadema. O suposto caso de racismo foi
praticado por uma professora. A decisão, por votação
unânime da 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal
de Justiça de São Paulo, acolheu pedido da Fazenda do
Estado para que, no caso de condenação, a professora
tenha que ressarcir o estado pelo prejuízo sofrido com
a decisão judicial.
A
Fazenda do Estado havia feito o mesmo pedido junto ao
juiz de primeira instância, que negou o reclamo. Então,
recorreu ao Tribunal de Justiça alegando que a
Constituição Federal não impede que o direito de
regresso da pessoa jurídica de direito público seja
reconhecido no mesmo processo em que ela se apresenta
como ré. Argumentou, ainda, que a decisão de primeiro
grau é incompatível com os princípios de celeridade e
economia processual.
A
aluna ingressou com ação de indenização contra o
estado alegando ter sido tratada de forma
preconceituosa, por ser negra, por uma professora da
rede pública estadual. O tratamento, de acordo com a
autora da ação, se deu dentro da sala de aula, na
frente dos colegas. O fato foi levado ao conhecimento da
direção da escola. Diante da diretora, a professora
negou a acusação e assegurou que as manifestações
foram feitas em tom de brincadeira, sem intenção de
ofender ou humilhar a aluna.
A
Fazenda do Estado contestou a ação pedindo ao juiz de
primeiro grau a denunciação à lide da professora.
Para justificar o pedido, argumentou que, no caso da
conduta da professora ser considerada causa de dano
moral à aluna e o estado for condenado, este tenha o
direito automático de regresso. O juiz indeferiu a
denunciação da servidora pública envolvida no episódio.
A
aluna é uma dona de casa de 40 anos, moradora do bairro
Vila Nogueira, em Diadema. Ela se sentiu motivada a
voltar à escola e matriculou-se numa das turmas da
noite do curso supletivo oferecido pela Escola Estadual
Jornalista Rodrigues Soares Júnior. Os problemas começaram
no início do curso com a professora de português.
“Você
é tão diferente dos outros pretos, tem uma pele mais
escura”, comentou a professora, segundo relatos da
aluna, que disse ter ficado assustada. “Se você
estiver numa sala escura e as luzes se apagarem, ninguém
enxergará você, só se abrir a boca, porque apenas
seus dentes são brancos”, continuou a professora para
a surpresa da classe de 40 alunos, ainda de acordo com a
estudante.
A
aluna disse que ficou sem reação, constrangida, sem
saber o que dizer para aquela mulher que estava no papel
de ensinar. De acordo com a defesa da vítima, a
professora ainda deu risadas. Orientada pelos colegas, a
autora lavrou Boletim de Ocorrência no 2º Distrito
Policial de Diadema.
“Não
pode haver qualquer tolerância com a prática de
racismo”, afirmou o secretário da Justiça e da
Defesa da Cidadania de São Paulo, Luiz Antonio Marrey.
“Digo isso em tese porque não conheço o caso e ainda
não há uma decisão da Justiça”, completou. Para
ele, a escola é um lugar onde se devem reproduzir os
valores da democracia e do respeito aos direitos humanos
e que é inconcebível manifestações de intolerância,
ainda mais partindo do agente público que tem o dever
de educar.
A
defesa da professora pede que o estado seja condenado a
pagar 200 salários mínimos por conta do abalo moral
que causou a sua cliente, afetando seu bem-estar e seus
sentimentos.
Fonte:
Conjur, de 4/01/2010
A
Justiça e a Meta 2
Se
em 2009 as instâncias superiores do Poder Judiciário
apresentaram um balanço positivo, tendo aumentado o número
de acórdãos, reduzido o número de recursos à espera
de julgamento e praticamente concluído o programa de
digitalização dos processos, o mesmo não se pode
dizer com relação aos tribunais de primeira e segunda
instâncias.
Como
o desempenho das Justiças estaduais, da Justiça
Federal e da Justiça do Trabalho sempre foi considerado
baixo, no começo de 2009 os dirigentes dessas cortes,
numa decisão inédita, adotaram uma política de metas
de produtividade. Reunidos em Belo Horizonte, em
fevereiro, eles estabeleceram dez objetivos, entre os
quais a adoção de planejamento estratégico e a
melhoria do controle interno dos tribunais. O mais
importante foi a Meta 2, pela qual a Justiça Federal, a
Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral, a Justiça
Militar, as Justiças estaduais, o Tribunal Superior do
Trabalho, o Superior Tribunal de Justiça, o Superior
Tribunal Militar e o Supremo Tribunal Federal se
comprometeram a concluir, até o final do ano, o
julgamento de todas as ações distribuídas antes de
dezembro de 2005.
Alguns
ministros referiram-se à iniciativa como uma tentativa
de "ressuscitar cadáveres processuais que jaziam
mortos pelo tempo, sem perspectiva de solução à
vista". Pelas estimativas do Conselho Nacional de
Justiça, a Meta 2 permitiria encerrar 40 milhões dos
67 milhões de processos em trâmite no Judiciário. Até
2008, eram julgados, em média, 20 milhões de ações
por ano.
Dez
meses depois, os tribunais superiores atingiram a Meta
2, mas o mesmo não ocorreu com os tribunais inferiores.
Por falta de recursos humanos, de problemas de
infraestrutura e até da resistência de alguns juízes,
que alegaram não ser "unidades de produção",
a Meta 2 foi revisada duas vezes. Em maio, tendo em
vista os primeiros relatórios, a meta caiu de 40 milhões
de processos para 23 milhões. E, nos meses seguintes,
quando as Justiças estaduais constataram que seus
cadastros eram uma imensa barafunda, a meta foi reduzida
para 5,1 milhões de ações.
Um
dos principais problemas ocorreu com os casos cujo
julgamento depende de perícias. Milhares de ações de
investigação de paternidade ficaram paradas nos
tribunais por falta de exames de DNA. Além de as partes
mais carentes não terem dinheiro para pagar esses
exames, os órgãos públicos não dispunham de peritos
em número suficiente para tantos casos e os tribunais não
conseguiram firmar convênios com universidades, laboratórios
e hospitais.
Há
também dezenas de milhares de ações de inventário
que não puderam ser julgadas porque os herdeiros não
dispunham de recursos para pagar o imposto de transmissão
dos bens deixados como herança. Há, ainda, milhares de
processos com grande número de autores, como as ações
civis públicas relativas a moradia, muitas com centenas
de pessoas envolvidas. No caso de falências, os juízes
tiveram de respeitar os prazos da Lei de Recuperação
de Empresas. Com os mutirões, as instâncias inferiores
da Justiça do Trabalho foram as que chegaram mais perto
de cumprir a Meta 2.
Com
isso, apesar dos esforços do Judiciário para implantar
uma política de aumento de produtividade e dos avanços
trazidos pela Meta 2 em matéria de melhoria da
qualidade das estatísticas judiciais, a maioria dos
tribunais ? especialmente nas Justiças Estaduais e na
Justiça Federal ? continuará congestionada em 2010.
Isso prejudica quem depende das instituições judiciais
para defender seus direitos. Como afirmam os juristas,
justiça tardia é injustiça, pois quanto mais um
julgamento demora para ser proferido, mais ele vai
perdendo seu sentido reparador, até que, transcorrido o
tempo razoável para a solução, qualquer solução será
irremediavelmente injusta para as partes litigantes. Além
dos prejuízos materiais, a demora causa danos à
coletividade e desencoraja os cidadãos a baterem nas
portas dos tribunais, comprometendo assim a própria
credibilidade da Justiça.
Aprovada
em 2004, a Emenda Constitucional 45, que introduziu a
reforma do Judiciário, incluiu um dispositivo que dá
aos litigantes a "garantia da razoável duração
do processo". O saldo da Meta 2 mostra que tardará
muito, ainda, para que essa garantia seja assegurada.
Fonte:
Estado de S. Paulo, seção Opinião, de 4/01/2010
Teto
só para os outros
EM
2007 , na onda de medidas anunciadas em torno do PAC, o
governo Lula prometeu colocar um freio legal no aumento
de gastos com pessoal no poder público. Tais despesas não
poderiam crescer mais do que 1,5% ano, além da inflação.
O
governo federal parecia, enfim, dar ouvidos a uma crítica
que atravessou toda a gestão FHC e os primeiros quatro
anos da administração petista. Nesse período, as
autoridades abusaram do aumento dos impostos e do corte
nos investimentos em infraestrutura, a fim de financiar
os gastos crescentes na máquina estatal, na Previdência
e com os juros da dívida pública.
Sem
colocar um freio na gastança, é impossível o governo
recuperar sua capacidade de investir, e o país jamais
reduzirá sua brutal carga de impostos. O correr dos
meses logo mostrou, contudo, que essa promessa do
segundo mandato de Lula não era para ser levada a sério.
Apenas
com a folha de pagamentos de seus servidores, a União
gastou neste ano o equivalente a 5,1% do PIB -um recorde
em 15 anos. O número de funcionários públicos
federais na ativa galopou durante a administração
petista e hoje, com 670 mil, já supera o nível
anterior ao Real.
Impulsionada
pelos aumentos salariais generalizados oferecidos pelo
Executivo em 2008 e 2009, a folha de pagamentos da União
cresceu 10% acima da inflação no ano passado, na
comparação com o anterior. Note-se que o governo Lula
não precisaria ter esperado a aprovação de uma lei
limitando o gasto para aplicar o princípio sobre o seu
próprio quadro funcional.
Agora,
no encerramento do ano legislativo, o Senado aprovou a
medida anunciada em 2007, mas ampliou o teto de elevação
das despesas para 2,5% acima da inflação -a matéria
segue para a Câmara. Parece que Lula vai legar ao seu
sucessor os princípios de responsabilidade fiscal que
seu governo atropelou.
Fonte:
Folha de S. Paulo, Editorial, de 4/01/2010
DECRETO
Nº 55.300, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2009
Dispõe
sobre a instituição do Regime Especial
de pagamento de precatórios a que
se refere o artigo 97 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal, introduzido pela Emenda
Constitucional nº 62/2009, e dá providências
correlatas JOSÉ
SERRA, Governador do Estado de São Paulo, no
uso de suas atribuições legais, Decreta:
Artigo
1º - Nos termos do artigo 97 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias,
dentre as modalidades de
Regime Especial de pagamento nele previstas, o
Estado de São Paulo opta pelo pagamento de seus precatórios
judiciários, da administração direta e indireta,
na
forma do inciso I do § 1º e do § 2º do aludido
artigo 97, ficando incluídos
em tal regime os precatórios que
ora se encontram pendentes de pagamento, e
os que vierem a ser emitidos durante a sua vigência.
§
1º - Para o pagamento dos precatórios vencidos e
a vencer referidos no caput, serão depositados
mensalmente, no último
dia útil de cada mês, em conta própria,
1/12 (um doze avos) do valor correspondente a 1,5%
(um e meio por cento) da receita corrente líquida
apurada
no segundo mês anterior ao mês do depósito, na
forma do § 3º e seus incisos, do artigo 97 do Ato das
Disposições
Constitucionais Transitórias.
§
2º - A Secretaria de Estado de Fazenda divulgará
mensalmente o valor da
receita corrente líquida apurada nos
termos e para os fins do § 1º.
Artigo
2º - Dos recursos que, nos termos do Artigo 1º,
forem depositados em conta própria para pagamento
de precatórios judiciários,
serão utilizados:
I
- 50% (cinquenta porcento), para o pagamento de
precatórios em ordem cronológica de apresentação,
observadas as preferências
definidas no § 1º do artigo 100
da Constituição Federal, para os precatórios do
mesmo ano, e no § 2º
daquele mesmo artigo, para os precatórios
em geral;
II
- 50% (cinquenta porcento), na forma que oportunamente
vier a ser estabelecida
pelo Poder Executivo, em
conformidade com o disposto no § 8º e seus incisos,
do artigo 97 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias.
Artigo
3º - Fica instituído, junto à Procuradoria Geral
do Estado, o Sistema Único de Controle de Requisitórios
Judiciais, no qual será
mantido o registro cadastral e
de pagamentos de todos os requisitórios da administração
direta e indireta, para fins de controle estatístico,
verificação dos pagamentos e conferência da
ordem em que serão realizados.
§
1º - As entidades da administração indireta deverão
manter atualizados os
registros de seus requisitórios junto
à Procuradoria Geral do Estado, cadastrando- os
diretamente, e preferencialmente em meio eletrônico,
em até 5 (cinco) dias da data do respectivo recebimento,
e nesse mesmo prazo registrando as alterações que
a qualquer tempo lhes forem comunicadas pelo
Poder Judiciário.
§
2º - Os requisitórios da administração indireta, já
formalizados até a data
do presente Decreto e ainda não
cadastrados junto à Procuradoria Geral do Estado,
deverão ser cadastrados
dentro de 60 (sessenta) dias contados
da publicação deste.
Artigo
4º - A Procuradoria Geral do Estado, a Secretaria
da Fazenda e a Secretaria
de Economia e Planejamento, no
âmbito de suas respectivas atribuições, poderão
adotar providências para a implantação e regulamentação
das disposições do presente Decreto.
Artigo
5º - As disposições deste Decreto entram em
vigor na data de 1º de janeiro de 2010, vigorando
enquanto o valor dos
precatórios devidos for superior ao
valor dos recursos vinculados, na forma do Artigo 1º.
Palácio
dos Bandeirantes, 30 de dezembro de 2009
JOSÉ
SERRA
Fonte:
D.O.E, Caderno Executivo I, seção PGE, de 31/12/2009
O
fim da prisão do depositário infiel e a súmula
A
Emenda Constitucional 45/2004 acresceu à Constituição
Federal o artigo 103-A, que dispõe acerca das súmulas
vinculantes. Conforme menciona o dispositivo indicado, a
aprovação de súmula vinculante se dará pelo Supremo
Tribunal Federal, ofício ou por provocação.
A
Lei Federal 11.417/06 regulamentou o artigo 103-A da Lei
Maior, disciplinando a edição, revisão e cancelamento
de enunciado de súmula vinculante.
A
Resolução 381/2008, do Supremo Tribunal Federal,
estabeleceu os procedimentos para edição, revisão e
cancelamento dos mencionados verbetes, inclusive,
instituindo a nova classe processual no âmbito do
Supremo Tribunal Federal: a proposta de súmula
vinculante. Já a Resolução 388/2008 disciplina o
processamento do mencionado procedimento.
Destarte,
é através do ajuizamento de proposta de súmula
vinculante que, tanto o Supremo Tribunal Federal, de ofício,
quanto os legitimados do artigo 3º da Lei Federal
11.417/06, por provocação, que é possível a edição,
revisão e cancelamento de súmula vinculante.
Através
desse instrumento, a presidente de Comissão de
Jurisprudência do Pretório Excelso, ministra Ellen
Gracie, encaminhou ao presidente do Supremo Tribunal
Federal, ministro Gilmar Mendes, propostas de edição
de súmula vinculante, tendo uma delas originado a
Proposta de Súmula Vinculante 31, cujo proponente foi o
ministro Cezar Peluso.
O
texto proposto dispunha que é “ilícita a prisão
civil de depositário infiel, qualquer que seja a
modalidade do depósito”, citando como precedentes três
recursos extraordinários e oito habeas corpus e, como
legislação aplicável, o artigo 5º, LXVII, parágrafo
2º, da Constituição Federal; o artigo 7º, parágrafo
7º, do Pacto de São José da Costa Rica; e artigo 11
do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
O
mencionado dispositivo inserto na Constituição Federal
dispõe que:
“Art.
5º.................................................................................
LXVII
— não haverá prisão civil por dívida, salvo a do
responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável
de obrigação alimentícia e a do depositário
infiel”.
O
parágrafo 2º do mesmo ainda reza que:
Ҥ
2º — os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil
seja parte”.
De
fato, há dois tratados internacionais ratificados pelo
Brasil no que se refere à prisão civil. O citado Pacto
de São José da Costa Rica, no artigo 7º, parágrafo 7º,
assevera que:
“Art.
7..................................................................................
§
7º. Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio
não limita os mandados de autoridade judiciária
competente expedidos em virtude de inadimplemento de
obrigação alimentar”.
Por
sua vez, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos dispõe no artigo 11:
“Art.
11. Ninguém poderá ser preso apenas por não poder
cumprir com uma obrigação contratual”.
No
ordenamento jurídico brasileiro, há ainda uma quarta
regra que dispõe acerca da prisão civil, sobretudo no
que se refere ao depositário infiel: o Código Civil. O
artigo 652 é claro ao dispor:
“Art.
652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o
depositário que não o restituir quando exigido será
compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a
um ano, e ressarcir os prejuízos”.
A
Proposta de Súmula Vinculante 31 foi ajuizada em 14 de
abril de 2009. Na Sessão Plenária de 16 de dezembro de
2009, os ministros decidiram por editar súmula
vinculante com o texto proposto, confirmando, então,
ser ilícita a prisão civil de depositário infiel,
qualquer que seja a modalidade do depósito.
Este
artigo não procura analisar a prevalência ou não da
prisão civil do depositário infiel. O que se busca é
sopesar se a Proposta de Súmula Vinculante deve ser
considerada uma nova modalidade de Controle Concentrado
de Constitucionalidade.
Não
cabe discorrer acerca do Controle Difuso de
Constitucionalidade, vez que este possui aplicação
apenas inter partes, sendo os efeitos da súmula
vinculante, por sua vez, erga omnes.
Os
efeitos da súmula vinculante atingem toda a administração
pública, direta e indireta. Desse modo, seu texto
possui força de lei ordinária federal.
Anteriormente
à edição de súmula vinculante declarando ilícita a
prisão civil do depositário infiel, os pactos
internacionais já emanavam seus efeitos, vez que foram
ratificados em 1992.
Desse
modo, a regra inserta no artigo 652, através do Código
Civil, em 2002, esteve prejudicada desde o início de
seu vigor?
Verifica-se
que pelos próprios precedentes apresentados pelo
ministro Cezar Peluso, proponente da Proposta de Súmula
Vinculante 31, sobretudo em sede de Habeas Corpus, foram
deferidas ordens de prisão para depositário infiel.
Os
Pactos de São José da Costa Rica e Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos possuem força de emenda
constitucional, na forma do parágrafo 3º do artigo 5º
da Constituição Federal. Tomando-se por base o inciso
LXVII do mesmo artigo, que prevê a prisão civil do
depositário infiel, pode-se concluir que desde 1992 o
inciso LXVII foi revogado automaticamente, pela ratificação,
pelo Brasil, de ambos os pactos internacionais já
mencionados.
Poder-se-ia
falar em violação à regra de não modificação de cláusula
pétrea por via de emenda constitucional. Contudo,
apesar de realmente ser cláusula pétrea a regra do
inciso LXVII do artigo 5º da Carta da República, as
alterações ocorridas em 1992 ocorreram em benefício
do réu e, não se podendo olvidar que o mencionado
artigo 5º está inserto no Título II da Lei Maior, que
trata de “Direitos e Garantias Fundamentais”, é
plausível que se altere a norma a fim de defender tais
direitos e garantias. E é o que realmente ocorreu.
Destarte,
apesar de considerada a revogação do inciso LXVII e,
portanto, a prevalência da regra dos Pactos
internacionais, qual seja, de ser inconstitucional a
prisão civil do depositário infiel, autoridades judiciárias
vêm descumprindo o dispositivo constitucional, ao
deferir ordens de prisão, com base, exclusivamente no
artigo 652 do Código Civil, que ainda permanece em
vigor.
Contudo,
se a súmula vinculante produz efeito erga omnes na
administração pública direta e indireta, atingindo,
portanto, autoridades judiciárias e policiais, por
exemplo, deve-se concluir que a súmula vinculante
originada a partir da Proposta de Súmula Vinculante 31
declarou inconstitucional o dispositivo inserto no Código
Civil, tendo feito um controle concentrado de
constitucionalidade, vez que revogou a norma
automaticamente, a partir de iniciada a vigência do
verbete do Supremo Tribunal Federal.
Aliás,
o texto da súmula vinculante deve ser alterado para “é
inconstitucional a prisão civil de depositário infiel,
qualquer que seja a modalidade do depósito”, ou seja,
alterando o termo “ilícita” por
“inconstitucional”, vez que, como foram tomadas por
base, para a aprovação da Proposta de Súmula
Vinculante 31, as regras dos Pactos de São José da
Costa Rica e Internacional de Direitos Civis e Políticos,
essa modalidade de prisão civil viola a Lei Maior, por
suas duas “emendas constitucionais” que a proíbem.
Bruno
Barata Magalhães é advogado, consultor em Direito
Administrativo e Eleitoral, membro do Comitê de Jovens
Advogados e do Fórum Latino Americano da International
Bar Association e professor do Instituto de Pesquisas
Aplicadas.
Fonte:
Conjur, de 4/01/2010