Temendo
punição, juízes vetam acesso a processos
Uma
resolução do Conselho da Justiça Federal (CJF) sobre a condução
de processos com dados sigilosos vem causando apreensão entre
os juízes federais, que estão tornando inteiramente secretas ações
judiciais que contêm algum tipo de informação sob segredo.
Ao
decretarem as restrições, por receio de punições, os
magistrados também acabam impedindo o acesso a dados e decisões
de interesse público.
Os
juízes reclamam que, além das restrições à divulgação de
informações, a resolução nº 58 do CJF -órgão
administrativo da Justiça Federal- determina a abertura
imediata de processo administrativo disciplinar contra os
magistrados quando ocorrerem vazamentos de dados sigilosos nas ações
sob responsabilidade deles.
Antes
da resolução, isso ocorria em geral após a realização de
apurações preliminares.
Em
vigor desde 27 de maio, a resolução do CJF teve como efeito a
decretação em massa de segredo de Justiça em processos nas
varas federais, principalmente nas criminais. Muitos magistrados
deram à medida do conselho o apelido de "resolução da
mordaça".
Entre
outras restrições, a resolução impede que os juízes tornem
públicas as sentenças até o esgotamento das possibilidades de
defesa nas causas -o chamado trânsito em julgado- , situação
que em geral leva muitos anos para ocorrer.
Em
procedimentos de investigação criminal com dados sob sigilo,
somente podem ser fornecidas "informações meramente
referentes à sua existência", de acordo com a resolução.
O
texto também permite que até mesmo os nomes dos réus sejam
omitidos dos sistemas de informática e das páginas dos
tribunais na internet.
A
Constituição Federal estabelece que "a lei só poderá
restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem".
Com
base nesta regra, antes da criação da resolução os juízes
decretavam o sigilo para documentos relativos à vida privada,
ao sigilo fiscal, bancário e telefônico dos réus.
Agora,
com receio da medida do CJF, os magistrados passaram a tornar
secretos todos os volumes dos processos que possuam algum
documento sob segredo de Justiça.
Fernando
Mattos, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais
do Brasil), diz que não vê na resolução uma medida para
calar juízes, mas aponta problemas no texto do CJF.
Mattos
critica a imediata instauração de processo disciplinar contra
juízes quando houver suspeitas de vazamentos.
"Não
pode ser assim, acho que talvez aí tenha havido um excesso de
zelo. Realmente isso pode causar algum tipo de intranquilidade
na magistratura. Na verdade, deve haver uma apuração prévia",
disse.
Quanto
às proibições de divulgação de informações, Mattos
afirmou que tais regras devem ser interpretadas em conformidade
com o direito à informação previsto na Constituição.
"Pode-se ter acesso às informações que não atinjam a
intimidade. O que não pode acabar é o direito de
informar", afirmou Mattos.
Ele
disse que a comissão de processo penal da Ajufe está
analisando a resolução do CJF e pode propor modificações ao
texto do órgão. "O Conselho da Justiça Federal se
mostrou aberto a fazer modificações e, se não fizer, podemos
questionar judicialmente", afirmou.
O
presidente da Ajusfesp (Associação dos Juízes Federais de São
Paulo e Mato Grosso do Sul), Ricardo Nascimento, também afirma
que a criação da resolução teve o objetivo de fixar regras
claras para a condução dos processos com dados sigilosos, mas
merece reparos.
"O
CJF está com boas intenções. Mas tenho sérias dúvidas sobre
a legalidade disso. O CJF é um órgão administrativo, e matéria
processual é matéria de lei", disse o magistrado.
Quanto
à divulgação de informações sobre as ações, Nascimento
disse que, "na prática, a resolução vai levar o juiz a
uma posição mais conservadora em relação ao sigilo dos
processos. Isso pode acarretar prejuízo ao direito de informação".
Segundo
o juiz, "o direito à informação tem como seu limite a
intimidade das pessoas, e deve estar equilibrado com o interesse
da investigação".
Procurado
para comentar as críticas à resolução nº 58, o CJF
informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que "a
resolução não inova na matéria [das regras sobre processos
sigilosos], apenas contempla o que já existe na legislação
sobre o assunto".
Fonte:
Folha de S. Paulo, de 28/06/2009
Caos
da telefonia vai além das panes
As
panes da Telefônica são a face mais visível de um problema
maior: a baixa qualidade do atendimento das empresas de
telecomunicações. O setor lidera as reclamações nas
entidades de defesa do consumidor, submetendo seus clientes a
caladões, serviços intermitentes e outras falhas técnicas, a
informações erradas e esperas sem fim nos call centers, a
cobranças por serviços que não foram contratados e não foram
prestados.
Segundo
o Ministério da Justiça, cerca de 30% das reclamações
apresentadas nos Procons desde outubro de 2004 estão
relacionadas a telefonia fixa, telefonia móvel e aparelhos
celulares. Neste semestre, o número também ficou perto de 30%.
"O comportamento das empresas é preocupante", afirmou
Ricardo Wada, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do
Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça. "As
operadoras estão transferindo o atendimento do consumidor para
os órgãos públicos."
Um
balanço do comportamento das empresas desde que entrou em vigor
a chamada Lei do SAC, que definiu regras para o serviço de
atendimento ao consumidor de setores regulados, apontou que as
operadoras de telecomunicações tiveram o pior desempenho.
Entre dezembro de 2008 a abril de 2009, as operadoras de
telecomunicações responderam por mais da metade das reclamações
relativas ao SAC, segundo o Ministério da Justiça.
As
empresas costumam justificar a quantidade de queixas com o número
de clientes que atendem. Existem no País 41,7 milhões de
telefones fixos em serviço e 157,5 milhões de celulares. Para
Wada, não é desculpa. "Existe meio bilhão de cartões de
crédito no Brasil", comparou o diretor do DPDC. No
semestre, 11,4% das reclamações recebidas pelos Procons foram
relacionadas aos cartões.
O
principal motivo de reclamação contra as teles são cobranças
abusivas ou indevidas. O desespero do consumidor é tanto que o
administrador de empresas Carlos Teixeira chegou a enviar para
este jornal uma mensagem de correio eletrônico com o título:
"Socorro - A Telefônica quer me matar". No começo
deste ano, ele descobriu que seu nome havia sido mandado para o
SPC pela operadora, por causa das contas de abril e maio do ano
passado.
Apesar
de ter provado, com os comprovantes, que havia pago as contas em
dia, não conseguiu limpar seu nome até agora. Por causa do que
aconteceu, Teixeira mudou de operadora e, dias depois, recebeu
uma ligação da Telefônica perguntando porque havia deixado de
ser cliente.
"Tenho
quase 60 anos e já estava à beira de um enfarte", disse o
administrador de empresas, que chegou a receber uma nova conta
da Telefônica depois de ter mudado de operadora. Ele tentou várias
vezes conseguir o cancelamento dos débitos, perdendo horas ao
telefone, e chegou a reclamar para a Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel). "Parece que querem levar você
à loucura. Não consigo me desvencilhar deles." A Telefônica
informou, por meio de sua assessoria, que já cancelou as
"contas indevidamente emitidas" e tomou as providências
para tirar o nome de Teixeira do SPC.
A
Telefônica lidera o ranking de reclamações do Procon-SP.
Entre as dez mais reclamadas no ano passado, cinco são
operadoras de telecomunicações ou fabricantes de aparelhos. Na
lista de queixas sobre serviços essenciais, sete entre as dez são
empresas de telefonia.
"A
nosso ver, existe um problema sério de regulamentação",
afirma Roberto Pfeiffer, diretor executivo do Procon-SP.
"Nas regras do setor, é praticamente inexistente a
preocupação com o modo de comercialização dos serviços."
Para Pfeiffer, as empresas não se sentem obrigadas a cumprir as
condições que oferecem na comercialização do serviço.
Daniela
Trettel, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec), concorda que os problemas do setor refletem
uma regulação falha. "Quando a regulação e a agência
foram estruturadas, todo o pensamento estava voltado para a
privatização, e se esqueceram do consumidor", explicou
Daniela. "As metas de qualidade têm somente indicadores
quase matemáticos, e não levam em conta a satisfação do
consumidor."
A
advogada considera muito brandas as punições para as
operadoras previstas pela regulamentação. "Não doem no
bolso", disse Daniela, acrescentando que a Anatel deveria
tomar medidas que reforcem a concorrência no setor. "Em
outros países, os consumidores participam na elaboração das
normas, e não são somente chamados a opinar durante uma
consulta pública de 15 dias, quando a norma já está
escrita."
A
Telefônica sofreu cinco panes nos últimos 12 meses, sendo
quatro do Speedy, seu serviço de banda larga, e uma da
telefonia fixa. A Anatel suspendeu as vendas do Speedy na
segunda-feira e exigiu que a operadora elaborasse um plano para
garantir a prestação do serviço. Esse plano foi entregue à
agência na sexta-feira.
Além
das panes, existem muitos problemas que afetam individualmente
os consumidores. Edison Peixoto, que trabalha com marketing
cultural, ficou sem o Speedy no dia 20 e, até sexta-feira, o
serviço não tinha voltado. "Moro na Serra da Cantareira e
não tenho escapatória", disse Peixoto. "Aqui não
existe outro serviço de banda larga." Por meio de sua
assessoria, a Telefônica informou que mandaria um técnico
ontem para verificar o problema.
Fonte:
Estado de S. Paulo, de 28/06/2009
Goffredo
vai-se ao som da oração de São Francisco
O
diretor da Escola de Direito do Largo São Francisco, João
Grandino Rodas, conseguiu, na última quinta-feira, corrigir um
equívoco histórico no itinerário da Academia. A congregação
da escola aprovou, por unanimidade, a concessão do título de
professor emérito da São Francisco a Goffredo da Silva Telles
Jr. Infeliz coincidência, o professor chegou a ser informado.
Mas morreu pouco tempo depois. Em 1985, a mesma proposta deixou
de ser aprovada por uns poucos votos. Em desagravo, na ocasião,
o reitor da Universidade de São Paulo, José Goldemberg fez
aprovar o título incomum de professor emérito da USP.
Esse
foi um dos fatos lembrados no velório do professor, neste
domingo, ao qual compareceram cerca de cento e cinquenta
personalidades do mundo jurídico. Ironia lisonjeira: as
principais autoridades que foram reverenciá-lo foram seus
alunos. O presidente da República foi representado pelo
advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli; o
presidente do STF foi representado pelo ministro Ricardo
Lewandowsky; o governador de São Paulo pelo seu vice, Alberto
Goldman; o Superior Tribunal de Justiça, pelo ministro Sidnei
Beneti. Outras personagens fundamentais presentes que seguiram
os passos do professor foram o secretário de justiça do
Estado, Luiz Antônio Guimarães Marrey; o ministro do Superior
Tribunal Militar, Flávio Bierrenbach; o ex-ministro da Justiça
Márcio Thomaz Bastos; o ex-chanceler Celso Lafer,
desembargadores e advogados notáveis como Celso Mori, Modesto
Carvalhosa, Carlos Belisário e João Piza. Cássio Schubsky,
historiador, co-autor do Estado de Direito Já – Os trinta
anos da Carta aos Brasileiros, também esteve no velório. A OAB
paulista foi representada por seu presidente, Luiz Flávio
Borges D’Urso. Compareceu ainda o senador Eduardo Suplicy e
seu ex-colega, Almino Afonso.
D’Urso
anunciou ali mesmo que o edifício sede da OAB passará a ter o
nome de Goffredo e decretou luto oficial de três dias. “Ficou
um vácuo, mas fica também o legado, o exemplo de resistência
a todas iniciativas que possam ameaçar a liberdade e a
democracia”, afirmou o presidente da Seccional.
Flávio
Bierrenbach, o articulador do movimento que levou Goffredo à
tribuna para ler a incrível “Carta aos Brasileiros”,
resumiu sua admiração em uma frase emocionada: “Ele foi o
mais importante professor que a escola teve no século XX”.
O
ministro Ricardo Lewandowsky, que foi aluno de pós-graduação
de Goffredo em Teoria Geral do Direito preferiu destacar os traços
filosóficos e humanistas do professor. “Ele praticou o que
pregava” — enfatizou o ministro do STF — “Era despojado,
nunca foi tributário de ideologias ou doutrinas sectárias,
viveu para o aperfeiçoamento intelectual e científico. Nunca
se interessou por cargos públicos e sempre enfatizou sua visão
de que o serviço público deve colocar, em primeiro lugar, o público”.
O
advogado-geral da União Dias Toffoli também puxou pela
humildade e pela simplicidade do homenageado. “Exemplar, ele
sempre incentivou os maiores valores que o ser humano pode
cultivar como a liberdade, a democracia e o direito.”
Antes
de o cortejo deixar o centro velho de São Paulo para dirigir-se
ao Cemitério da Consolação, ainda no velório do Salão Nobre
da São Francisco, os alunos, amigos e admiradores do professor
puderam conviver um pouco mais com as idéias de Goffredo. A
presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, Talita Nascimento,
falou dos exemplos do professor e repetiu trecho da Celebração
da Morte e Ressurreição lida ali pouco antes por um frei católico:
“A morte não extingue, ela transforma, a morte não aniquila,
renova; a morte não separa, aproxima”.
O
professor Sérgio Resende de Barros leu uma saudação feita aos
calouros de 2007, escrita por Goffredo e lida por Resende na
ocasião. Falou o professor Celso Lafer (turma de 1964) que
destinou ao mestre frase dele próprio cunhada para outrem mas
que a ele pareceu servir melhor: um homem que plantou rosas no
piso de pedras da escola. “Um ser humano de rara elegância e
perfeita educação”, disse Lafer, para arrematar chamando-o
de “o mais emérito dos professores eméritos” — ao que um
grupo numeroso passou a entoar as célebres trovas dos alunos da
São Francisco.
Todos
cercaram a viúva, Maria Eugênia e sua filha, Olívia, tentando
confortá-las e compartilhando a densa tristeza da perda. Por
fim, pela qualidade dos alunos que foram homenageá-lo, ficou a
certeza de que Goffredo foi mesmo um grande professor.
Fonte:
Conjur, de 28/06/2009
Ex-procurador
de Roraima é condenado por pedofilia
O
ex-procurador-geral do estado de Roraima Luciano Queiroz foi
condenado pelo juiz Jarbas Lacerda de Miranda a 202 anos de prisão
por participação em um esquema de pedofilia. Cabe recurso. No
Brasil, o tempo máximo que uma pessoa pode ficar presa é 30
anos. As informações são da Agência Folha.
Queiroz
foi condenado pelos crimes de estupro, atentado violento ao
pudor e exploração sexual de crianças e adolescentes. Após
ser preso na Operação Arcanjo, da Polícia Federal, o
ex-procurador foi exonerado do cargo pelo governador de Roraima,
José de Anchieta Júnior (PSDB).
Em
junho do ano passado, oito pessoas foram presas pela PF. Além
de Queiroz, foram presos dois empresários e um policial
militar. As investigações incluíram escutas telefônicas
autorizadas pelo Judiciário, fotografias e vídeos. Em uma das
gravações, duas crianças apareciam acompanhadas por Queiroz
saindo de um motel de Boa Vista.
"Diante
da quantidade de vítimas, de fatos por ele praticados e da
gravidade dos fatos, com crianças de seis anos de idade sendo
levadas ao motel para serem abusadas por ele, é uma pena justa
que deve ser mantida pelos tribunais", disse o promotor José
Rocha Neto, do Ministério Público Estadual de Roraima.
Além
de Queiroz, outras seis pessoas que foram presas na operação
também foram condenadas. Entre elas Lidiane Foo, apontada pela
PF e pelo MP como líder do esquema que aliciava crianças para
serem abusadas sexualmente. Ela foi condenada a 331 anos de prisão.
A
Justiça Estadual de Roraima determinou também que o grupo
pague cerca de R$ 1,1 milhão às famílias das crianças que
foram abusadas sexualmente. Para o juiz, que presidiu o
processo, a decisão "é uma resposta que o Poder Judiciário
dá não só para Roraima, como também para a sociedade
brasileira".
A
reportagem não conseguiu localizar o advogado que, segundo a
OAB de Roraima, representa Luciano Queiroz no caso. Quando foi
preso em 2008, Queiroz negou as acusações e disse ser
inocente. Naquela ocasião, segundo ele, a prisão havia sido
uma represália da PF por sua atuação no caso da homologação
da terra indígena Raposa/Serra do Sol. Queiroz era contrário
à realização da operação da PF para a retirada de não índios
da terra indígena, o que veio a acontecer posteriormente.
O
advogado Clodoci Amaral, que defende Lidiane Foo, disse à Folha
que irá recorrer da sentença, assim que for notificado
oficialmente. Para ele, todo o processo "é um
absurdo".
Fonte:
Conjur, de 28/06/2009
Falta
de lei não cria inconstitucionalidade
Iniciou
seus trabalhos na última terça-feira (23/6) a comissão da Câmara
dos Deputados que vai promover a regulamentaçao dos artigos da
Constituição que têm previsão de lei, mas que 20 anos depois
da promulgação da Carta ainda não foram regulamentados.
A
comissão, formada por dez grupos temáticos de trabalho, de
acordo com os artigos ainda não regulamentados, pretende
aproveitar e agilizar a tramitação de projetos de lei já
existentes. Coordenador dos trabalhos, o deputado Regis de
Oliveira (PSC/SP) acredita que em cerca de 10 meses será possível
levantar os dados sobre os dispositivos que faltam ser
regulamentados, discutir os projetos nas comissões onde se
encontram, enviá-los à Comissão de Constituição e Justiça
e, enfim, no começo do próximo ano, levá-los a Plenário para
votação.
Em
entrevista à revista Consultor Jurídico, Regis de Oliveira
afirma que o fato de não haver lei não significa que o cidadão
não tenha direitos. "Se eu não posso, a pretexto de
legislar, criar nenhuma inconstitucionalidade, também não
posso criar nenhuma inconstitucionalidade não legislando",
explica. Nesse caso, para fazer valer o seu direito, o cidadão
é forçado a recorrer ao Judiciário. “Uma preocupação
central da Câmara é que o Judiciário não legisle em nosso
nome como tem sido feito”, conta o deputado Isso ocorre,
reconhece ele, não por culpa do Judiciário, mas por omissão
do Legislativo.
O
deputado também critica o excesso de temas constitucionalizados
pela Carta de 1988. “Todo mundo está na Constituição porque
depois de 20 anos de ditadura era preciso garantir todos os
direitos constitucionalmente. Esse momento histórico não
existe mais. As instituições estão funcionando regularmente.
Os direitos e garantias individuais estão preservados. Tem
sentido querer fazer um divórcio e ter de mudar isso por uma
emenda constitucional, com duas votações na Câmara e mais
duas no Senado?”, questiona.
Um
projeto acalentado por ele é o que enxuga a Constituição
deixando sob seu guarda-chuva apenas os temas referentes à
organização do poder e à resistência ao poder. "Tudo o
que não é matéria constitucional sai da Constituição e
reduz o texto a 70 artigos. Hoje são quase 300", afirma.
Embora reconhecidamente necessário, o enxugamento do texto
constitucional ainda é considerado politicamente inviável.
Outro
projeto igualmente polêmico é o que pretende juntar Câmara e
Senado em uma casa de representação apenas. “Se tivesse um
Legislativo enxuto e comprometido, teríamos a possibilidade de
ter um Legislativo atuante e eficaz. O que não ocorre hoje.”
Além de colocar senadores e deputados na mesma casa, ele
pretende reduzir seu número para cerca de 300. Atualmente a Câmara
abriga 513 deputados e o Senado, 81 senadores. Mesmo convencido
das virtudes do projeto, ele sabe que dificilmente a iniciativa
será bem recebida por seus colegas parlamentares por um motivo
simples: mais da metade deles perderia o lugar no Congresso.
Para
o deputado, o Congresso está com a imagem bastante arranhada.
Parte disso é por não cumprir suas funções de legislar e
fiscalizar. Ele, que já foi juiz, citou a sabatina dos
ministros dos tribunais superiores e dos conselheiros do
Conselho Nacional de Justiça. “Ser inquirido pelo Senado é
mera formalidade de aprovação.” Regis tem proposta para que,
de fato, os candidatos sejam inquiridos reiteradas vezes sobre
matérias de Direito de relevância nacional e sobre
comportamento pessoal. “Clinton teve dois ministros indicados
por ele e que foram rejeitados pelo Senado”, conta. Já no
Brasil, completa, é dada a competência para o Senado e ele não
exerce sua própria função.
Juiz
de carreira e desembargador do Tribunal de Justiça de São
Paulo, Regis de Oliveira foi vice-prefeito da capital paulista
formando chapa com o prefeito Celso Pitta. Antes disso, já
exercera um primeiro mandato de deputado federal em 1995.
Voltou à Camara em 2007 e é um dos mais atuantes
membros da Comissão de Constituição e Justiça, por onde
passam todos os projetos de leis antes de ir a votação na
casa.
Participaram
da entrevista também os jornalistas Aline Pinheiro e Maurício
Cardoso.
ConJur
— Não ter leis impede que a Constituição produza efeitos?
Regis
de Oliveira — Isso é uma questão que teremos de enfrentar.
Para mim, a solução é muito fácil. Se eu não posso, a
pretexto de legislar, criar nenhuma inconstitucionalidade, também
não posso criar nenhuma inconstitucionalidade não legislando.
Por conseqüência, todas as normas são eficazes dependendo da
potência e da força de cada uma delas.
ConJur
— Faltam muitos artigos a ser regulamentados na Constituição?
Regis
de Oliveira — Em um levantamento bem inicial, constatei que são
cerca de 61 leis para regulamentar dispositivos da Constituição.
Não significa que estes artigos já não tenham sido
regulamentados. Há dispositivos como “territórios federais
integram a União” que exigem lei complementar. Mas pode até
acabar com isso, porque territórios federais não existem. É
um dispositivo inútil.
ConJur
— Mas é preciso suprir as lacunas legislativas. Como fazer
isso?
Regis
de Oliveira — As lacunas são comportamentos não previstos em
lei. Há o comportamento obrigatório, o proibido e o resto é
permitido. O sistema dentro dessa ótica não tem lacunas, pois
todos os comportamentos estão disciplinados. O que chamamos de
lacuna é quando não tem lei que diga se o comportamento é
permitido, obrigatório ou proibido. Fica no ar. A lacuna tem
que ser suprida de alguma forma. Não ter lei não faz com que a
pessoa perca o direito. Ela tem direito, mas precisa perguntar
ao Judiciário qual é esse. Uma preocupação central da Câmara
é que o Judiciário não legisle em nosso nome como tem sido
feito.
ConJur
— Está errado o Judiciário fazer isso?
Regis
de Oliveira — Claro que não. Se alguém procura o Judiciário
para saber qual é o seu direito, pois não há norma que o
especifique, o Judiciário tem que dizer. E isso é muito comum.
O Judiciário legislou sobre fidelidade partidária, uso de
algemas, nepotismo. Não tem lei. Mas veja o absurdo. A questão
do nepotismo surgiu no Supremo depois que o Conselho Nacional de
Justiça, respondendo a uma indagação de um dos estados, disse
que não pode ter parentes até terceiro grau empregado no
Tribunal. A constitucionalidade dessa norma foi questionada
junto ao Supremo. Os ministros respondem que é constitucional e
diz mais do que isso. Estabelece que o nepotismo está proibido
em todos os poderes. Era um caso específico. Sobre as algemas
aconteceu o mesmo. Não houve julgamentos reiterados sobre o
assunto. E o STF fez uma súmula legislando a respeito. Isso
causa perplexidade na Câmara.
ConJur
— O Supremo também criou um vácuo ao revogar a Lei de
Imprensa?
Regis
de Oliveira — Sim. Ao retirar do mundo jurídico artigos da
lei, o Judiciário colocou a imprensa em uma situação bem mais
complicada do que a anterior. Antes havia um prazo de prescrição;
não há mais. O direito de resposta era disciplinado; passou a
não ser. Temos que fazer uma lei para dizer em que situações
cabem indenizações. O ponto crucial da imprensa é não ter
limites de indenização. Imagine uma reportagem da Rede Globo
transmitindo o rosto da pessoa no Jornal Nacional e outra no
Canal Rural. Tudo isso o juiz só pesa na hora de fazer a apuração
do montante da indenização.
ConJur
— E isso não tem como ser fixado por meio de lei.
Regis
de Oliveira — É o que a imprensa quer. Mas acho que não dá
para dosar a honra de uma pessoa. Fica mesmo a critério do
Judiciário. No caso da revogação da Lei de Imprensa, não foi
criado um vácuo constitucional, mas há uma lacuna legal. Isso
tudo nós vamos ter que disciplinar.
ConJur
— A Câmara vai apresentar projetos de leis para regulamentar
os artigos que ainda estão sem regulamentação?
Regis
de Oliveira — Eu duvido que falte algum, mas pode ser que
falte. São matérias complexas, como a greve no serviço público.
Como que será feita greve no serviço de saúde? Tem de ter um
mínimo de atendimento em funcionamento. Qual é esse mínimo?
É preciso lei para disciplinar isso. Há muita divergência na
própria casa sobre qual é o limite dessa disciplina.
ConJur
— As medidas provisórias podem atrapalhar o trabalho de
regulamentação?
Regis
de Oliveira — A pauta está livre. Antes estava tudo parado.
Pensei em como a Câmara poderia sair desse enrosco. Cheguei à
conclusão que resolução não pode ser trancada por medida
provisória. Resolução não é lei. Isso eu consegui sustentar
juridicamente. Apresentei uma questão de ordem. O presidente da
Câmara estudou e foi além. Ele entendeu que MP só tranca matéria
de lei ordinária. A decisão foi sensacional. A oposição foi
ao Supremo e o voto do ministro Celso de Mello, brilhante, disse
que está tudo certo. A partir disso, ficou decidido que, na
sessão ordinária, é votada medida provisória. A sessão
ordinária, que é regimental, acontece das 16h às 19h e a
partir deste horário pode colocar em pauta os projetos que
interessam. Agora a casa pode trabalhar para mostrar algo para o
país.
ConJur
— O que faz mais pela imagem do Congresso: o trabalho da
comissão de regulamentação da Constituição ou uma CPI?
Regis
de Oliveira — A CPI pode chegar a bons resultados, mas com
certeza é um jogo da oposição contra a situação. Legítimo,
porque é um direito das minorias. A minoria tem toda a parte de
obstrução e a parte de fiscalização. A CPI é um instrumento
fortíssimo de fiscalização.
ConJur
— Mas a primeira atribuição do Legislativo é legislar.
Regis
de Oliveira — Claro. São duas vertentes. Uma delas é a
legislação e a outra é o controle. E esse controle não tem
sido exercido em hipótese alguma. Nós podemos controlar o orçamento,
mas o que há é um controle formal. Isso é péssimo para a
casa.
ConJur
— E também não está legislando.
Regis
de Oliveira — Não está legislando nem exercendo a função
de fiscalização. Com isso começam todas as críticas,
esvaziamento da casa de representação popular, com prejuízo
para a própria democracia. Muitos falam para fechar a Câmara,
porque ali não se faz nada. Isso é gravíssimo. Mas, do jeito
que está, não funciona mesmo, porque a estrutura interna é
pesada e o jogo de interesses é muito grande. Os partidos se
pulverizam.
ConJur
— O senhor tem um projeto para deixar a Constituição mais
enxuta. Como é isso?
Regis
de Oliveira — É uma PEC que está tramitando. Tudo o que não
é matéria constitucional, sai da Constituição e reduz o
texto a 70 artigos. Hoje são quase 300.
ConJur
— O que não pode ser tirado da Constituição?
Regis
de Oliveira — A estrutura do Poder Legislativo, Executivo e
Judiciário, como está armada e funciona, quais são os órgãos
de ação. E de outro lado a resistência ao poder. A Constituição
é isso: um pacto em determinado momento histórico em que há o
poder e a resistência ao poder. E por força do artigo 60 parágrafo
4º há as clausulas pétreas, que também não podem ser
mexidas.
ConJur
— O resto sairia.
Regis
de Oliveira — Sim. Por éxemplo: é preciso ter sistema tributário
na Constituição? O que aconteceu historicamente é que saímos
de uma ditadura, época em que os direitos foram sufocados. Para
impossibilitar outra ditadura, decidimos colocar tudo na
Constituição. Todo mundo está na Constituição. Esse momento
histórico não existe mais. As instituições estão
funcionando regularmente. Os direitos e garantias individuais
estão preservados. Tem sentido querer fazer uma nova lei de divórcio
e ter de mudar isso por emenda constitucional, com duas votações
na Câmara e mais duas no Senado?
ConJur
— Seria, então, uma grande reforma da Constituição.
Regis
de Oliveira — É a crítica que estou sofrendo. Estão achando
que quero fazer uma mini reforma constitucional. Se é possível
mudar um, dois, três artigos, por que não 200? É questão de
mensuração. Precisamos parar com essa mania de legislar tudo.
Tenho rejeitado na Câmara todo tipo de disciplina de profissões.
Outro dia foi a de manicure. Ela já realiza seu trabalho por
instinto. E agora querem que ela vá fazer um curso para ter um
papelzinho. Também veio a do apicultor. A pessoa já tira mel
da colméia há 200 anos. Agora, quem não tiver um papel,
comete um crime por exercício ilegal de profissão. Veja como
estamos burocratizando tudo. É loucura.
ConJur
— A de jornalista quase foi parar na Constituição.
Regis
de Oliveira — Sim, exigindo diploma. É muito mais fácil o
Estado deixar o povo caminhar com as próprias pernas. Não
precisamos dar muletas para as pessoas. Não tem sentido ensinar
a pessoa a ser apicultor, se ele já faz isso. E o que vier, vai
aprender a fazer com ele. O conhecimento é empírico. Não
precisa de teoria.
ConJur
— O enxugamento da Constituição tira poder, por exemplo, do
Supremo?
Regis
de Oliveira — Tira , porque diminui o rol de matérias
constitucionais que são da competência do Supremo. Mas não é
esse o objetivo.
ConJur
— E quanto às novas ferramentas para acelerar os processos,
como a súmula vinculante e a repercussão geral. Elas não
enfraqueceram o Legislativo?
Regis
de Oliveira — Acho que não. Quando o Supremo decide algo,
nasce instintivamente uma reação da Câmara. Pensamos em
disciplinar. Uma das coisas que já passou pelo plenário é
tirar a competência do Tribunal Superior Eleitoral para
responder consulta com efeito retroativo. Quando decidiu sobre
infidelidade partidária, pegou pessoas mudando de partido e
cassou o mandato delas. Deu um efeito retroativo a uma
interpretação deles. Já surgiu a reação para que, quando o
TSE decidir, a consulta terá valor a partir da decisão. Faz
parte de uma crise que estamos vivendo, chamado ativismo judiciário.
ConJur
— Nos Estados Unidos, isso também acontece.
Regis
de Oliveira — Só que lá é muito diferente. A Constituição
dos Estados Unidos é ampla, não tem as especificações todas
que nós temos. Aqui fica complicado, porque temos que
disciplinar tudo. Ocorre que não disciplinamos. É um erro do
Congresso. Não pode nem criticar o Supremo por assumir o papel.
O Ministério Público também está legislando, quando o
Conselho Nacional do MP permite que se instaure inquérito
criminal contra delegado de Polícia. Não tem previsão
normativa para isso. O ato do CNMP foi suspenso. Mas já está
criado um confronto de um Poder com um órgão do Estado. E isso
não acrescenta nada para ninguém. É só desgaste. O
Presidente da República legisla através de Medida Provisória.
As agências reguladoras já normatizam. O Tribunal de contas
legisla o tempo todo ao impor obrigações. São normas que estão
no mundo jurídico, mas que não são feitas pelo legislador a
quem cabe fazê-las.
ConJur
— Também há muita coisa sendo aprovada pelo Legislativo e
declarada inconstitucional pelo Supremo.
Regis
de Oliveira — Também. O programa “Minha casa, minha
vida”, por exemplo, tem um dispositivo que diz que as custas e
os emolumentos das serventias judiciais serão reduzidas em
determinada porcentagem. Custas são taxas e estas decorrem da
prestação do serviço. Logo, quem pode isentar é quem presta
o serviço. As custas de cartório são do estado. A União não
pode isentar. O pessoal não entende. É muito comum deputados
proporem aumento dos vencimentos. Isso é privativo do
Executivo, porque só ele sabe qual é seu orçamento. O
resultado é que propostas de aumento são para fazer média.
Tem que fazer um controle rigoroso. Eu examino tudo.
ConJur
— Essa é a função do CCJ?
Regis
de Oliveira — Toda proposta de emenda constitucional deve,
primeiro, ser examinada se é admissível ou não, se agride as
cláusulas pétreas. Esse é um trabalho da Comissão de
Constituição e Justiça. Outro dia alguns juízes ficaram
bravos comigo, porque havia uma PEC reduzindo a participação
do juiz nos Tribunais Eleitorais. Os juízes diziam que eu
estava contra eles. Ocorre que não posso dizer que não é possível
discutir o assunto. A PEC é admissível. No âmbito próprio,
os deputados vão examinar se deve mudar ou não a regra. Aí
sim será um exame de mérito. O mesmo acontece com a PEC do
terceiro mandato.
ConJur
— Deputados assinaram e depois retiraram a assinatura.
Regis
de Oliveira — É comum acontecer isso. O deputado ajuda o
colega a colocar a PEC em pauta, mas isso não significa que está
comprometido com o conteúdo da proposta. A culpa é da
Constituição que caiu na besteira de exigir que um deputado
para apresentar uma proposta de emenda constitucional precise
ter 171 assinaturas. Com isso, criou-se um mercado paralelo de
pessoas que ficam colhendo assinaturas de parlamentares. Como
sabem que a assinatura é só para preencher um requisito
formal, os deputados assinam. O resultado é que muita gente
assina a PEC mesmo não querendo o terceiro mandato. É normal.
ConJur
— Qual a chance da PEC do terceiro mandato ser aprovada?
Regis
de Oliveira — Nenhuma. Pelo menos até o governo entrar em
campo com toda a estrutura que tem, prometendo coisa para todo
mundo. Ainda assim acho que não passa. Acho isso um escândalo.
Faz parte do princípio republicano a periodicidade de mandato.
Sou contra a reeleição. E já se pensa em redução das reeleições
parlamentares. Se o parlamentar ficar no cargo 20, 30 anos, vira
emprego. No Congresso, tem um grupo muito bom, de primeiríssima
qualidade. Mas tem uns que nem sabem o que estão fazendo ali. Vão
para eventualmente proteger a sua estrutura, seu setor, sua
corporação.
ConJur
— Isso é ruim?
Regis
de Oliveira — Eu não recrimino. O Congresso é o retrato da
sociedade, que é formada por sindicatos, corporações,
entidades ruralistas. E é muito comum nos Estados Unidos o
parlamentar dizer que foi eleito por tal sindicato. Não há
vergonha nisso. Ao contrário. Todo mundo sabe que ele está
defendendo o interesse da ala A, B ou C. Eu não tenho ala
nenhuma. Tenho vínculos com a magistratura, por ter sido juiz a
vida inteira, um pouco com os advogados e com quem mais venha
pedir ajuda. Acho absolutamente normal o parlamentar defender a
classe dele desde que isso seja claro.
ConJur
— Como o senhor avalia o trabalho da CCJ na análise da
constitucionalidade das leis?
Regis
de Oliveira — Há dois caminhos. Um é o exame rigoroso que
procuramos fazer e o outro quando há pressão política. Às
vezes, aprovam algo absolutamente inconstitucional que vai cair
no Senado ou no Supremo. Aprovam por causa da pressão política.
É a inconstitucionalidade política. O meu trabalho na Comissão
é estritamente técnico. Aprovar questões inconstitucionais é
compreensível. E mesmo com algum conhecimento técnico, muitas
discussões se travam entre Eduardo Cardozo, Flávio Dino,
Roberto Magalhães, Antonio Biscaia, pessoal que tem estofo
doutrinário. Muitas vezes nós discutimos e divergimos. E tem
algumas perplexidades.
ConJur
— Quais?
Regis
de Oliveira — Por exemplo, um deputado propôs um plebiscito
para dizer se a população quer o voto obrigatório ou não. O
voto obrigatório está na Constituição. E se o plebiscito é
feito, decide-se pelo fim do voto obrigatório e o Congresso não
muda a Constituição? O povo quer uma coisa e o Congresso
decide outra. Vamos nos expor mais uma vez ao ridículo. Depois
fiquei pensando. O plebiscito é uma consulta apenas, não
vincula a nada, diferente do referendo, que é um ato posterior
para confirmar uma lei. Até agora, não tenho convicção sobre
isso. É esquisito.
ConJur
— Há também muito vício de iniciativa.
Regis
de Oliveira — Muito. O que acontece é que chegam Polícias
militar, civil, rodoviária, Exército e pedem ajuda para promoção.
É difícil explicar para as pessoas que não dá para fazer.
ConJur
— Há ainda várias leis de momentos.
Regis
de Oliveira — Tem. O que também não está errado. A Câmara
é uma casa de representação popular. O que repercute na
sociedade, repercute no Congresso. Se não fizermos nada, vamos
levar pancada. Vamos aprovar uma lei, ainda que seja uma
qualquer. Tem que dar uma resposta rápida. Não deveria ser
assim, mas tem que ser.
ConJur
— O que pode ser feito para recuperar o prestígio do
legislativo?
Regis
de Oliveira — Acho que é preciso regras claras. Veja a questão
das passagens aéreas. Há 49 anos é assim. Não há prestação
de contas. O que sobra na sua conta é seu. Nunca houve
problema. Teve a viagem da Roseana, do rapaz que levou a atriz,
e estourou a história das passagens. Fui juiz a vida inteira,
corregedor durante muito tempo, quando saía em viagem, eles
davam cinco diárias, por exemplo, R$ 100. Não tinha prestação;
não tinha que trazer nota de volta. Isso ocorre em qualquer
repartição do mundo. Mesmo o ticket refeição, que é uma
indenização presumida, pois se estabelece mais ou menos o
quanto a pessoa vai gastar para comer. Não se devolve o ticket
se não comeu. O ticket é da pessoa que o recebeu. Com a verba
de passagens ocorre algo semelhante. Cada um recebe de acordo
com a distância de Brasília à base. O que propus é que se
forneça a passagem. É muito mais cômodo para mim, não corro
risco de nada. Nunca se exigiu prestação de contas, e não era
o caso de se exigir, porque era uma indenização presumida.
Quando se joga isso à imprensa, a casa fica debilitada. Tudo
isso leva ao descrédito da Câmara. Primeiro, não legisla.
Quem legisla é o Executivo. Depois, não controla. E terceiro,
há toda a sorte de reclamação, de desvio.
ConJur
— Disciplinar os gastos do Congresso é parte da solução.
Regis
de Oliveira — Rigorosamente. Dizer quanto ganha e colocar tudo
no site. As minhas notas desde o primeiro dia em que assumi estão
no site. A partir de agora será obrigado. Outro projeto que
proponho é transformar as duas casas em uma só. Assim, enxuga
a despesa brutalmente.
ConJur
— E mantém o número de parlamentares?
Regis
de Oliveira — Não. Cada 500 mil habitantes elege um
parlamentar. Podemos dizer que são uns 300. Nós não falamos
de extinguir o Senado e sim misturar as casas e ficar com uma
representação proporcional à população. Com isso é possível
estudar muito os projetos. Hoje, o processo legislativo é
insano. O projeto vai para a Câmara, segue para a Comissão de
Meio Ambiente, depois para a Comissão de Constituição e Justiça,
e enfim para o plenário. Depois para o Senado, para a Comissão
de Meio Ambiente, Comissão de Constituição e Justiça, e vai
para o plenário do Senado. Não dá para funcionar desse jeito.
O processo legislativo é tão insano quanto o judicial, se não
for mais.
ConJur
— O senhor já foi juiz. Qual sua opinião em relação à PEC
que aumenta a idade da aposentadoria compulsória de 70 para 75
anos?
Regis
de Oliveira — Isso é uma discussão interessante e difícil.
Há homens que chegam ao 70 anos na magistratura com brilho, no
fulgor intelectual, e outros que estão para encostar o corpo e
não querem sair para lugar nenhum. Há um conflito e é preciso
colocar 308 votos no painel. Acho difícil passar. Sempre
defendi que não podia aumentar a idade, embora eu esteja,
ultimamente, convencido que devemos mexer nisso. Hoje, a idade média
de sobrevivência do brasileiro é de 72, 5 anos. Já há uma
vida útil maior. Uma das propostas é, a cada dois anos, elevar
um ano na idade da aposentadoria compulsória. Em 10 anos, passa
para os 75. Atende, inclusive, a faixa etária junto com a faixa
atuarial da previdência. Outra proposta interessante é a que
existe nos Estados Unidos. Quando chega aos 70 anos, a pessoa
sai da carreira e entra em uma outra estrutura para decidir
determinados processos definidos em lei, como casos de família
ou registros públicos, por exemplo. Assim, oxigena a carreira e
ao mesmo tempo aproveita a experiência dessas pessoas.
ConJur
— E o que senhor acha do instituto do quinto constitucional?
Regis
de Oliveira — Para mim, essa briga que não é do Judiciário.
É irrelevante. Há
muita experiência positiva no quinto constitucional. Eu
convivi, quando era desembargador, com José Osório e com
Francisco de Assis, dois homens do mais alto porte. Não vejo
nenhum problema mais sério de ter o quinto constitucional. Ao
contrário, desde que não faça o que está sendo feito, de
colocar apadrinhado na carreira. Está errado. Desde que tenha
nomes de peso que queiram ir para a magistratura, acho que o
quinto pode funcionar.
ConJur
— No Supremo só tem um juiz de carreira, o ministro Pelluso.
Regis
de Oliveira — Também tenho proposta para vincular algumas
carreiras. Coloca três da magistratura, dois do Ministério Público,
dois da Ordem dos Advogados, e alguém indicado pelo povo no
Supremo e com mandato. Proponho um mandato de nove anos. É como
na Alemanha. Ao longo da minha experiência, vi que o juiz fica
fossilizado com as pilhas de processos que tem. Vamos incluir um
médico, engenheiro, arquiteto, jornalista. No CNJ, são sempre
os advogados que representam o povo. Tem que ser alguém com
outra visão, porque o advogado sabe o que se passa nos
tribunais, e fica com receio de tomar uma atitude mais drástica.
ConJur
— Não há o risco de colocar pessoas que não dominam a técnica
do direito?
Regis
de Oliveira — Vale colocar um leigo, ainda que ele fale
bobagem. Mas, às vezes, uma conversa com uma pessoa que não é
do ramo faz pensar em questões que nunca lhe passaram à cabeça.
Vejo isso na Comissão de Constituição e Justiça. Estou
pensando tecnicamente e, de repente, surge uma pessoa com uma
colocação que eu não tinha pensado. É como supunha que o CNJ
devesse ser formado, com alguém que sabe que o processo dele
está demorando cinco, seis anos, não compreende essa demora e
vai dar pancada. Isso é bom.
Fonte:
Conjur, de 28/06/2009
A
guerra contra o fumo
A
derrubada parcial da lei que bane o fumo em ambientes fechados públicos
e privados no Estado de São Paulo - por decisão do juiz Valter
Alexandre Mena, da 3ª Vara da Fazenda Pública da capital, que
acolheu mandado de segurança coletivo impetrado pela Associação
Brasileira de Gastronomia, Hospedagem e Turismo (Abresi) - não
causou surpresa nos meios jurídicos.
A
decisão, que favorece 300 mil proprietários de bares,
restaurantes e hotéis, era esperada desde o momento em que o
governador José Serra mobilizou a bancada situacionista na
Assembleia Legislativa, no ano passado, para aprovar a lei
estadual antifumo. Ao impor medidas excessivamente severas, que
entrariam em vigor no início de agosto, prevendo multas de até
R$ 3 mil, fechamento de estabelecimentos comerciais por 30 dias
e proibição de cigarros até em prédios residenciais, sob a
justificativa de preservar a saúde da população, o governador
feriu direitos individuais assegurados pela Constituição e foi
muito além da esfera de competência dos governos estaduais.
Antes
mesmo de ser formalmente notificado da decisão do juiz da 3ª
Vara da Fazenda Pública da capital - que não só concedeu a
liminar pedida, como também julgou o processo no mérito,
afirmando que a lei antifumo paulista foi concebida "sem
exata noção de viabilidade e consequências" -, Serra
anunciou que irá recorrer. Enquanto isso não ocorre, ele poderá
sofrer novas derrotas judiciais, uma vez que tramitam em outras
varas da Justiça estadual mais quatro ações contra a lei
antifumo, impetradas por entidades dos setores de comércio e
serviços.
Os
advogados dessas entidades alegam que a competência para
legislar sobre a matéria é basicamente da União e que as
legislações estaduais eventualmente concorrentes não podem
ferir o princípio da hierarquia das leis assegurado pela
Constituição - argumento que tem sido acolhido pela Justiça e
é endossado por especialistas em direito constitucional.
Os
advogados de associações de bares, hotéis, restaurantes e
shopping centers lembram ainda que, desde 1996, está em vigor
uma lei federal que obriga empresas e estabelecimentos
comerciais a ter áreas exclusivas para fumantes, devidamente
isoladas e com "arejamento conveniente". Além disso,
há dois anos a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) regulamentou os chamados "fumódromos",
exigindo metragem mínima e exaustores.
Em
defesa da lei antifumo, o governo paulista partiu para o ataque
contra a indústria de cigarro, acusando-a de estimular ações
judiciais, e afirmou que teve de legislar sobre a matéria
porque a legislação federal não estaria sendo cumprida e as
providências anunciadas pela Anvisa jamais teriam saído da
gaveta. Além disso, alegou que os "fumódromos" não
são eficazes para proteger a saúde dos não-fumantes. E,
depois de estimular o sindicato de garçons a entrar na Justiça
para tentar derrubar as ações movidas por entidades patronais,
anunciou que, independentemente da decisão do juiz da 3ª Vara
da Fazenda Pública da capital, os 250 fiscais já contratados
pela Secretaria da Saúde para fiscalizar o cumprimento da lei
antifumo estadual começarão uma operação "caça fumaça"
a partir do dia 6 de agosto.
Como
os 300 mil bares, restaurantes e hotéis beneficiados pela decisão
do juiz Valter Alexandre Mena agora se consideram
"juridicamente blindados", o embate entre a Abresi e
as autoridades estaduais pode resultar numa longa batalha
judicial. Do ponto de vista legal, se a decisão da 3ª Vara da
Fazenda Pública da capital não for derrubada por algum
recurso, as multas aplicadas pelos fiscais não poderão ser
cobradas, pois o Executivo não pode se sobrepor às sentenças
da Justiça. Como a aprovação da lei antifumo paulista envolve
uma discussão sobre competências legislativas, sobre legislações
concorrentes e sobre direitos individuais - isto é, sobre questões
constitucionais -, a decisão do caso acabará ficando a cargo
do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ninguém
discute os efeitos maléficos do fumo. O que não se pode
admitir, contudo, é que, em nome da preservação da saúde pública,
a ordem jurídica seja desrespeitada. Caberá ao STF definir o
limite das competências de um governador de Estado no combate
ao fumo.
Fonte:
Estado de S. Paulo, seção Opinião, de 29/06/2009