Estado é condenado a
indenizar aluno baleado em escola
A escola pública, representada pela
Administração Pública, é responsável por qualquer dano que o aluno venha a
sofrer. Essa responsabilidade é baseada no princípio do artigo 37, parágrafo
sexto, da Constituição Federal. Basta uma simples falha na garantia da
segurança, independentemente da verificação da culpa específica de qualquer
servidor.
Com esse fundamento, o Tribunal de Justiça
condenou o Estado paulista a pagar indenização por danos morais e materiais
a um aluno de uma escola pública de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. A
decisão foi tomada, por maioria de votos, pela 10ª Câmara de Direito
Público.
Os desembargadores analisaram o caso de um
adolescente que levou um tiro no ombro. A arma foi disparada acidentalmente
por um colega do adolescente, quando estava na sala de aula da Escola
Estadual Pedro Mallozze. O garoto ficou internado nove dias e depois foi
obrigado a se submeter a fisioterapia por mais sete meses.
“Não há dúvida quanto a responsabilidade da
Administração Pública pela integridade física dos alunos nos
estabelecimentos do ensino oficial”, afirmou o relator, Antonio Celso
Aguilar Cortez. “Cabia ao Poder Público zelar pela integridade da vítima,
que estava, no momento do evento danoso, sob sua guarda, vigilância e
proteção”, completou o magistrado. Ele foi seguido pelo juiz substituto de
segundo grau Reinaldo Miluzzi.
Em primeira instância, a Justiça de Mogi das
Cruzes julgou improcedente a ação de indenização proposta contra o Estado.
O relator determinou que o valor da
indenização por danos materiais fosse fixado em R$ 20.395,00, que
corresponderia às despesas com serviços médicos, exames e sessões de
fisioterapia. Pelo dano moral, estabeleceu que o Estado deve arcar com uma
indenização de R$ 20 mil.
“A finalidade desse tipo de indenização [dano
moral], a propósito, não é de compensar de qualquer modo a dor e o
desconforto, evidentemente não mensuráveis economicamente. Sua finalidade é
propiciar alguma satisfação, não vantagem econômica. O valor fixado não deve
implicar enriquecimento exagerado para o ofendido nem exagerada punição para
o ofensor”, justificou Aguilar Cortez.
O desembargador Torres de Carvalho discordou
do entendimento de culpa do Estado pelo dano causado ao adolescente. Para
ele, o caso foi um fato imprevisível, sem participação da escola ou de seus
funcionários. Torres de Carvalho defendeu a tese da responsabilidade por
omissão porque os agentes do Estado não revistaram os alunos na entrada, o
que exigiria a demonstração da falha do serviço.
Segundo o desembargador Torres de Carvalho, o
acidente aconteceu numa escola com 2.300 alunos, todos estudantes de segundo
grau, dentro da sala de aula, por meio de um disparo acidental quando eles
faziam um trabalho escolar. Nessa situação, segundo o desembargador, não há
configuração de culpa administrativa.
Fonte: Conjur, de 28/10/2008
STJ edita súmulas para
evitar “indústria de indenizações” no País
Com a entrada em vigor da Constituição Federal
de 1988, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), ambos de 1990, e do Estatuto do Idoso (2003), foram
definidos diversos direitos para o cidadão brasileiro. A regulamentação na
relação com empresas e com o Estado ampliou consideravelmente a proteção das
pessoas e empresas, inclusive o direito de serem indenizados por danos. O
Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem acompanhado essa evolução do direito
com seus julgados e com a edição de diversas súmulas.
O dano moral, um tema intensamente debatido no
Tribunal, já teve várias súmulas publicadas para regulá-lo, como a 326, que
define os honorários de sucumbência em indenizações concedidas em valores
inferiores ao pleiteado. Outra súmula importante, que se alia ao Código
Civil de 2002 e aos incisos V e X da Constituição, é a 227, que definiu que
a pessoa jurídica também pode sofrer danos morais. Em julgado de empresa de
alimentos contra a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, a ministra
Eliana Calmon afirmou que muitas vezes a marca e a reputação de uma empresa,
o chamado “patrimônio insubstancial”, vale tanto ou mais quanto seu
patrimônio físico.
Outra súmula importante para garantir os
direitos da população é a de número 37, que garante que a indenização por
dano moral pode ser cumulada com a de danos materiais. Em voto recente do
ministro aposentado Humberto Gomes de Barros no julgamento de um caso de
indenização pela morte de um parente, foi apontado que, apesar do fato
gerador da indenização ser apenas um, os danos causados são claramente
diferentes. Para o ministro, isso leva à clara conclusão que a indenização
deve cobrir os diferentes tipos de dano.
A responsabilidade do Estado com os cidadãos
também tem sido um grande destaque em processos com pedidos de indenização.
Dois casos recentes relatados pelo ministro Luiz Fux trataram de alunos que
sofreram dano dentro de estabelecimentos de ensino público. Numa das ações,
um dos alunos foi atingido por uma bola e sofreu perda parcial de audição.
No outro, uma aluna morreu ao ser atingida por uma árvore derrubada por
fortes ventos. Indenizações foram concedidas às famílias das vítimas em
ambos os casos. O ministro Fux destacou que é responsabilidade do estado
zelar pelo bem estar dos alunos de ensino público enquanto estes estiveram
nas instituições de ensino.
Casos em que agentes públicos causam dano ao
cidadão também são constantes na Casa. O ministro Castro Meira manteve o
valor da indenização que o estado do Ceará deve pagar a rapaz que foi
obrigado a assistir ao estupro de sua namorada por dois policiais militares.
O ministro considerou que, mesmo estando fora do horário de serviço, os PMs
seriam figuras com autoridade do Estado e que a “torpeza e brutalidade do
crime” justificariam o alto valor da indenização.
A responsabilidade das empresas também – seja
por danos diretos, seja por negligência delas – foi reafirmada por diversas
vezes pelos ministros. Uma decisão que gerou grande repercussão foi a
condenação da empresa Schering ao pagamento de uma indenização coletiva de
R$ 1 milhão, no caso das “pílulas de farinha”. Em 1998, diversas mulheres
engravidaram depois de terem consumido pílulas de farinha usadas para testar
as máquinas embaladoras de um popular anticoncepcional do laboratório. A
relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, apontou que houve uma quebra
de expectativa das consumidoras que tomaram o remédio para se precaver de
uma gravidez indesejada e, com base no CDC, manteve a condenação.
Outro caso julgado pela ministra Andrighi
contra a indústria farmacêutica foi a indenização paga aos usuários do
antidepressivo Surverctor. A droga teria sido inicialmente usada para o
tratamento da memória, mas posteriormente sua aplicação foi alterada para o
tratamento de depressão. A ministra considerou que a simples mudança da
embalagem e da bula não teria informado suficientemente os usuários,
especialmente porque o princípio ativo do remédio poderia causar
dependência. A ministra considerou como “temerária” a atitude da empresa ao
classificar o medicamento como “seguro”.
Os chamados danos ambientais também geraram
diversos julgados em que comunidades e municípios foram ressarcidos. Um
exemplo famoso teve como relator o ministro Castro Meira, decidindo que a
Petrobrás deveria indenizar o município de Cubatão pela contaminação do rio
que passa em seu território. A empresa contratou uma construtora para fazer
escavações no curso de água para a passagem de dutos de combustível. Um
descuido na obra provocou a contaminação por material químico tóxico, com
conseqüente mortandade de grande quantidade de peixes. O ministro entendeu
que a Petrobrás falhou em fiscalizar as escavações e que, no seu papel de
contratante, era co-responsável na recuperação do rio e das espécies
atingidas.
Os ministros do STJ estão constantemente
atentos para ajustar o pagamento das indenizações a um valor compatível ao
dano. Uma grande preocupação é evitar o que a mídia chama de “indústria das
indenizações”. Vários critérios são adotados, desde o tipo e a extensão do
dano até a disponibilidade financeira do condenado. O que não pode acontecer
é a indenização representar enriquecimento ilícito. Em um dos seus votos, a
ministra Nancy Andrighi destacou a importância do valor adequado da
reparação, afirmando que a indenização não é apenas uma punição contra o
causador do dano. É também uma maneira de restaurar a integridade da vítima.
Fonte: Diário de Notícias, de
28/10/2008
Polícia amplia pressão
sobre governo
Sindicatos e associações de policiais civis em
greve desde 16 de setembro fizeram uma manifestação no centro de São Paulo e
decidiram aumentar a pressão sobre o governo do Estado. Sete mil policiais
civis, segundo os organizadores - e mais de 3 mil, de acordo com a Companhia
de Engenharia de Tráfego (CET) -, fizeram uma caminhada que começou na Praça
da Sé e seguiu até a sede da Delegacia-Geral de Polícia, na Rua Brigadeiro
Tobias, passando pela Secretaria da Segurança Pública.
"A quantidade de pessoas na manifestação é
importante para mostrar que o movimento não tinha fins eleitoreiros.
Queremos ver agora qual vai ser a desculpa do governador (José Serra)",
repetia o presidente do Sindicato dos Investigadores da Polícia Civil, João
Rebouças. Nos próximos dias, os grevistas prometem marcação cerrada na
agenda do governador, seguindo a estratégia dos manifestantes de Bauru, no
interior paulista. Na sexta-feira, policiais civis interpelaram o governador
em visita à cidade. Segundo políticos locais, houve até agressões por parte
dos manifestantes. Os policiais negam.
Amanhã, representantes de sindicatos e
associações de todo o Brasil prometem uma paralisação nacional em apoio ao
movimento paulista. E está marcada para quinta-feira uma audiência pública
na Assembléia Legislativa de São Paulo para discutir com os deputados
projetos para a reforma da polícia. Os sindicalistas defenderam que haja
nova manifestação na frente do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do
Estado, se as propostas de reajuste não avançarem na Assembléia. Procurados
pela reportagem, outros líderes se mostraram contrários. A falta de um
comando único é uma das queixas do governo estadual na hora de negociar.
Foi justamente no Palácio dos Bandeirantes o
local do confronto histórico entre policiais civis e militares, ocorrido no
dia 16. Na manifestação de ontem, a situação foi tranqüila e não houve
tumultos. Até o padre Renato Cangianeli, pároco da Catedral da Sé, foi
chamado no carro de som para rezar um Pai-Nosso e pedir calma.
Um breve registro de confusão ocorreu na Rua
Xavier de Toledo, na esquina com o Viaduto do Chá, quando motoboys se
irritaram por causa da paralisação no trânsito. Houve empurra-empurra, mas a
caminhada seguiu sem problemas.
Pouco adiante, na Conselheiro Brotero,
policiais militares que organizavam o trânsito chamaram a atenção dos
integrantes da passeata. Enquanto alguns aplaudiam, outros faziam gestos
obscenos. Depois de se comunicarem por rádio, os PMs deixaram rapidamente o
local, sendo substituídos por guardas-civis metropolitanos. Desta vez, a PM
não acompanhou a passeata. A rixa entre as corporações, contudo, é evidente:
no meio dos discursos, a Tropa de Choque era hostilizada pelos agentes
civis.
Fonte: Estado de S. Paulo, de
28/10/2008
Governo do Estado quer
pauta única e coerência
As negociações das reivindicações com os
policiais civis de São Paulo poderão obter algum avanço caso o comando de
greve tenha uma pauta única e não mude os itens em discussão a cada
conversa, segundo fontes do governo de São Paulo. Um dos problemas
levantados pela administração estadual é a grande quantidade de entidades
envolvidas nas conversas - cerca de 18 - com pedidos diferentes a cada
reunião. O discurso de ação político-eleitoral ainda não foi deixado de
lado, mesmo após as eleições do último domingo. Segundo fontes no Palácio
dos Bandeirantes, sede do governo paulista, não é possível equiparar
salários de alguns segmentos da Polícia Civil com o de magistrados, que
estão em torno de R$ 19 mil mensais.
O governador José Serra não comentou a nova
estratégia dos grevistas, de acompanhar todas suas agendas externas, como
forma de pressão para desenvolver as negociações. "Não vou comentar nada
sobre essas ações", disse Serra ao sair de entrevista à TV Estadão, na tarde
de ontem. Ressaltou que não pode prever se o movimento de paralisação será
interrompido ainda nesta semana, e expressou que gostaria que a greve
acabasse já. "Pela minha vontade, (acabaria) amanhã. Mas, pelo rumo dos
fatos, não posso prever."
Antes, durante entrevista à TV, quando foi
perguntado sobre o ato que estava sendo realizado na Praça da Sé, ele
comentou que o governo estadual nunca deixou de receber sugestões e de
conversar com os grevistas. "Tem um projeto na Assembléia que o governo
mandou, que foi o resultado de muitas conversas. O governo estadual nunca
deixou, ao contrário do que se propala, de conversar, de ouvir, de receber
sugestões. Mandamos um projeto para a Assembléia e eu espero que em torno
desse projeto se crie uma situação de paz, de fim da greve e de trazer
tranqüilidade para o povo de São Paulo. A área da segurança é muito
importante para isso", disse.
As negociações tiveram início há cerca de seis
meses. A categoria pede reajuste salarial de 15% para este ano, 12% de
correção em 2009 e outros 12% em 2010. O governo do Estado propõe um
reajuste de 6,5% no salário base em 2009 e outro de 6,5%, em 2010. O pacote
salarial enviado à Assembléia Legislativa inclui também cerca de 16 mil
promoções de cargo - há 35 mil policiais civis no Estado -, por meio da
extinção da 5ª classe e da transformação da 4ª classe em estágio probatório.
A aposentadoria especial também seria restabelecida.
O diretor da Associação dos Delegados de
Polícia do Estado de São Paulo, André Dahmer, disse que o mais importante
para a categoria é que seja aberta a possibilidade de conversar com algum
interlocutor do Governo do Estado com poder de decisão. Os grevistas
defendem a extinção da carreira de 4ª classe, além da 5ª, e critérios de
promoção mais flexíveis na carreira. Eles também defendem que o Adicional de
Local de Serviço (ALE), gratificação paga pelo Governo Estadual, seja
incorporada ao salário. "Atualmente, depois de 30 anos de serviço, o
policial não consegue chegar ao topo. São pontos importantes na carreira que
até agora ninguém nos explicou porque não podem ser adotados", reclama
Dahmer.
MANIFESTAÇÃO
Apesar de o calendário eleitoral municipal já
ter ficado de fora das discussões da greve, a presença de políticos no
palanque foi grande. Até o ex-candidato a vereador e ex-jogador do
Corinthians Dinei esteve presente para dar apoio aos grevistas.
Parlamentares de oposição ao governador na Assembléia Legislativa de São
Paulo também marcaram presença. O vereador Celso Jatene (PTB), que foi
delegado de polícia antes de ser eleito para a base de apoio ao prefeito
Gilberto Kassab (DEM), também foi à passeata.
Políticos ligados à coligação do governador
José Serra não tiveram vergonha de mostrar a cara. O delegado José
Francisco, prefeito de Tanabi, município da região de São José do Rio Preto,
esteve presente com a farda da polícia civil. Só ficou constrangido ao falar
o partido ao qual pertence: Democratas, de Kassab, aliado de Serra. "Os
Democratas de Tanabi são mais parecidos com os americanos, do Barack Obama."
Fonte: Estado de S. Paulo, de
28/10/2008
Policiais estão perdendo a
razão, diz advogado
Os policiais têm razão em sua reivindicação,
mas começam a perdê-la quando realizam protestos em que seus integrantes
levam armas. A opinião é do advogado, mestre e doutor em ciência política
pela USP Oscar Vilhena Vieira, que diz que isso é inconstitucional.
Vieira, que é diretor jurídico da ONG Conectas
Direitos Humanos, avalia que a atitude põe em xeque a credibilidade dos
policiais e a capacidade de reivindicação. Para ele, porém, o governo errou
ao não ser capaz de negociar com a categoria.
Leia alguns trechos da entrevista de Vieira à
Folha:
FOLHA - Como vê a greve e as reivindicações
dos policiais civis?
OSCAR VILHENA VIEIRA - As polícias no Brasil e
a Polícia Civil em São Paulo, em particular, têm passado por um longo
período de deterioração das condições de trabalho. Isso significa, por um
lado, salário, mas por outro também capacitação, condições operacionais. Em
face de tudo isso, que é coisa de mais de uma década já, as reivindicações
são aparentemente pertinentes. A polícia de São Paulo tem um dos menores
vencimentos da federação.
FOLHA - Qual a sua opinião sobre a posição do
governo?
VIEIRA - Parece que o governo errou de forma
contundente na medida em que não foi capaz de negociar e levar em
consideração uma reivindicação que não é despropositada. Entrou-se num braço
de ferro; perde a população.
FOLHA - Qual a sua opinião sobre policiais
levarem armas para a manifestação?
VIEIRA - Algumas ações dos policiais parecem
temerárias. Essa é inconstitucional. A Constituição diz com clareza que há
liberdade de manifestação sem armas. Não há exceção para policial, ainda
mais em greve. [...] Além disso, o governo, que anda sem razão, neste
momento, ganha alguma razão. Os policiais perdem a razão quando usam essa
ferramenta. [...] Põem em risco sua credibilidade e a capacidade de fazer
movimentos reivindicatórios futuros.
FOLHA - E se alegarem que eram manifestantes
isolados que usavam as armas?
VIEIRA - A maturidade da corporação e das
lideranças se mostra nessa hora. Isso não é aceitável.
Fonte: Folha de S. Paulo, de
28/10/2008
Delegado deveria ter mesmas
prerrogativas de juiz
A preocupação com a ausência de autonomia da
Polícia Judiciária é justificável em função da crescente importância que a
investigação criminal vem assumindo em nossa ordem jurídica, seja por conta
de uma necessária mudança de postura a seu respeito, para considerá-la como
uma garantia do cidadão contra imputações levianas ou açodadas em juízo,
seja pelo papel mais ativo que tem sido desempenhado nos últimos tempos
pelos órgãos policiais.
Esta ausência enfraquece a Polícia Judiciária
e a torna mais suscetível às injunções dos detentores do poder político, e
considerando a natureza e a gravidade da atribuição que exerce, bem como os
bens jurídicos sobre os quais recai a sua atuação, o efeito pode ser
desastroso em um Estado Democrático de Direito.
Por outro lado, a leitura constitucional do
tema indica que se a instituição Polícia Judiciária não tem autonomia
orgânica, e dificilmente virá a tê-la, a função de Polícia Judiciária
exercida pela autoridade policial na condução das investigações desfruta de
autonomia como um imperativo decorrente de princípios constitucionais da
maior envergadura. Esta atividade, entretanto não está protegida com
garantias funcionais suficientes para que possa ser exercida com serenidade
e isenção nos moldes em que o constituinte a confiou.
O reconhecimento da autonomia funcional do
delegado de polícia na investigação, verdadeiro escudo protetor contra
intervenções políticas no exercício das suas funções, passa por um processo
de filtragem constitucional do instituto investigação preliminar, uma
mudança da postura interpretativa atual que deve ser feita à luz da
Constituição e não baseada nas normas infraconstitucionais ou entendimentos
anteriores a Carta de 1988.
1 – Autonomia, discricionariedade e princípio
da separação dos poderes:
Investigação é atividade de busca da verdade
acerca de determinado fato, é esforço para conhecimento de determinada coisa
que está oculta. Segundo o léxico HOUAISS, investigação é “o conjunto de
atividades e diligências tomadas com o objetivo de esclarecer fatos ou
situações de direito”[1].
A investigação criminal, portanto, é o
conjunto de atividades e diligências tomadas com o objetivo de esclarecer
fatos ou situações de direito relativos a supostos ilícitos criminais. Tal
entendimento, com esta amplitude acaba por abarcar a própria instrução em
juízo como uma espécie de investigação criminal, uma vez que é a busca da
verdade processual[2] acerca de um ilícito. É neste sentido que se afirma
que a persecução criminal é formada pela fase processual e pela fase
pré-processual em que a investigação é a atividade cujo objetivo é o de
verificar, sumariamente, através de um juízo de probabilidade, se há
elementos mínimos a garantir que não seja leviana a instauração de processo
criminal.
Assim, a investigação preliminar cumpre a
“função de filtro processual contra acusações infundadas”[3] [4], embora a
sua própria existência já “configure um atentado ao chamado status
dignitatis do investigado”[5], e daí decorrem duas conclusões: a primeira é
que a investigação prévia através do inquérito policial[6] é uma garantia
constitucional do cidadão em face da intervenção do Estado na sua esfera
privada[7], porque ela atua como salvaguarda do jus libertatis e do status
dignitatis; a segunda é que a investigação prévia não é somente fase
anterior do processo penal, porque mesmo quando não há processo a
investigação terá cumprido um papel na ordem jurídica.
A natureza do inquérito policial, entretanto,
é dada por expressiva parcela da doutrina em função do que ele representa
para o processo criminal ou para o órgão da acusação. Desta forma, costuma
ser apresentado como procedimento administrativo pré-processual, “instrução
provisória, preparatória e informativa”[8]; “conjunto de diligências
realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e
de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em
juízo”[9]; “É a inquisitio generalis destinada a ministrar elementos para
que o titular da ação penal acuse o autor do crime”[10] e “procedimento de
índole meramente administrativa, de caráter informativo, preparatório da
ação penal”[11].
Acreditamos que ao conceituar um instituto,
devemos fazê-lo à luz da Constituição.
A norma do artigo 144 da Carta Magna deixa
claro que o conceito jurídico-constitucional de segurança pública é o
conjunto de atividades desempenhadas pelos órgãos enumerados naquele
dispositivo, entre eles, a Polícia Federal e as Polícias Civis. Tal
entendimento se dá porque ao abrir um capítulo denominado “Da Segurança
Pública”, e composto de apenas um artigo, o texto constitucional está
estabelecendo o que seja esta atividade, e por isto segurança pública para a
Constituição de 1988 é a atividade desempenhada pelos órgãos que ficaram
enumerados no artigo 144 da Lei Maior.
Ressalte-se que ao elaborar o artigo 144 o
constituinte de 1988 também estava definindo parcela do modelo
constitucional da persecutio criminis no Estado brasileiro, fazendo atuar o
princípio da separação de poderes destinando a fase da investigação criminal
ao Poder Executivo, através das Polícias Civis e Federal.
Ora, a mais intensa atividade de intervenção
estatal em um Estado Democrático de Direito se realiza justamente através da
persecução criminal, que pode resultar na restrição do jus libertatis do
indivíduo, e mesmo quando não chega a tanto já atuou em outros âmbitos da
sua esfera de direitos individuais, como o direito à intimidade e à vida
privada.
Por isso, é preciso que esta função seja
exercida em conformidade com o princípio da separação dos poderes, cláusula
pétrea que com o seu corolário sistema de freios e contra-pesos norteou o
estabelecimento do Estado como o conhecemos hoje, tendo um elevado caráter
democrático por se prestar a limitar e controlar o poder estatal que recai
sobre os particulares, ao mesmo tempo em que é uma importante ferramenta
organizacional na estrutura de qualquer país que o adote.
Por outro turno pode-se dizer que o sistema de
freios e contrapesos, não é apenas uma técnica a serviço do princípio da
separação de poderes, mas o próprio princípio da separação de poderes visto
de outro ângulo, na medida em que a divisão das funções do poder estatal em
função legislativa, função executiva e função judiciária, estabelece,
originariamente, um sistema de controles e contenções recíprocos, com o
objetivo de evitar o abuso do poder.
Assim, esta divisão originária do poder, até o
mais inferior grau de controle entre os órgãos estatais, será decorrência da
adoção do princípio da separação de poderes.
No ponto, cabe destacar que este sistema de
controles e contenções recíprocas, pode ser dar de forma implícita, quando
determinada atividade é compartilhada entre órgãos estatais, sistema no
qual, cada um exercendo um estágio da atividade, evita o monopólio da
atuação do outro sobre toda ela, prevenindo o abuso do poder. Este é o caso
da persecução criminal, dividida entre Poder Executivo, que realiza a
investigação criminal; Ministério Público, como dominus litis; Poder
Judiciário, que aplica a lei penal e Poder Legislativo, que elabora as leis
processuais e materiais referentes à persecução criminal.
O mesmo sistema pode se dar também de maneira
explícita, sem que haja divisão da atividade de que se trata, mas
estabelecendo o constituinte que determinado órgão fiscalizará o trabalho do
outro. Esta forma se apresenta no controle externo realizado pelo Ministério
Público sobre a atividade policial, previsto no artigo 129, VII da Carta
Magna.
Sabemos que a persecução criminal, segundo
Belling, citado por Frederico Marques, é “a atividade estatal de proteção
penal”[12] e acontece em duas fases, uma preliminar, representada pela
investigação criminal, e uma posterior, o processo criminal.
Quanto à última fase, não há dúvida em
afirmar: trata-se de exercício da jurisdição, isto é, poder de dizer o
direito em um determinado caso concreto, com reflexos evidentes na segurança
pública.
Quanto à primeira, agora sabemos que trata de
exercício de atividade de segurança pública, com reflexos também evidentes,
embora eventuais, no exercício da jurisdição criminal.
Portanto, a investigação criminal se
autonomiza diante do processo, cabendo dizer ainda que em grande parte dos
casos existe inquérito policial sem a fase processual posterior, quando há
arquivamento dos autos sem oferecimento de denúncia. Por isso, o inquérito
policial embora possa ser um procedimento pré-processual, nem sempre tem
esta natureza, e mesmo sendo, esta função não terá sido a única, o que
confirma a autonomia do inquérito policial em relação ao processo criminal
e, por conseguinte a autonomia da Polícia Judiciária em relação àquela
condição de mera auxiliar do Poder Judiciário.
Outra decorrência do princípio da separação de
poderes é a existência do poder discricionário do delegado de polícia na
condução do inquérito. A discricionariedade, que é “a prática de atos
administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e
conteúdo”[13], tem uma importante função política, que é a reserva de campo
de atuação à Administração pelo legislador, sendo um princípio densificador
da separação de poderes.
A existência de atos administrativos
discricionários, portanto se deve menos à impossibilidade de o legislador
regular todas as situações com as quais a Administração tem de lidar,
comumente citada pela doutrina como um dos motivos da discricionariedade, do
que com a necessidade de preservar-se um espaço de mobilidade para que a
Administração aja segundo o que achar mais oportuno e conveniente. Desta
forma, ainda que a lei pudesse descer ao detalhe, não deveria fazê-lo.
Ora, se hipoteticamente o legislador pudesse
regular todos os aspectos da atividade da Administração, esta ficaria
completamente vinculada à vontade do Poder Legislativo, e, por isso sem
qualquer margem para aplicar as suas próprias diretrizes, com grave violação
do princípio da separação de poderes, já que a Administração estaria
coarctada na sua atividade.
Por outro lado a discricionariedade é um
imperativo do princípio da eficiência, que tem sede constitucional no artigo
37 da Lei Maior, uma vez que em cada caso concreto que se apresenta, para
que seja solucionado da melhor forma possível, devem ser levados em
consideração os seus aspectos peculiares, que exigem uma atuação estatal
também peculiar.
Além disso, a atividade investigativa tem como
pressuposto a escolha da estratégia da investigação por quem a conduz, cuja
decorrência é a escolha dos meios, formas, fins e oportunidades adequadas de
desencadear as diligências investigativas ou deixar de realizá-las.
Este poder é reconhecido à unanimidade pela
doutrina do direito processual penal, o que demonstra que é um imperativo
lógico na condução da investigação. Segundo Frederico Marques, a Polícia tem
“atribuições discricionárias, visto que sua ação vária e multiforme, não
pode ser prefixada em fórmulas rígidas e rigorosas”[14] e Mirabete afirma
que “As atribuições concedidas à Polícia no inquérito policial são de
caráter discricionário, ou seja, elas tem a faculdade de operar ou deixar de
operar, dentro, porém, de um campo cujos limites são fixados estritamente
pelo direito”[15] [16]
Evidentemente a discricionariedade não é um
poder ilimitado. O poder discricionário guarda inteira observância às normas
legais, assim, onde houver previsão legal de forma ou qualquer outro
elemento do ato administrativo a ser praticado, a autoridade policial deve
cingir-se ao seu cumprimento. Como se costuma dizer, discricionariedade não
é arbitrariedade.
O poder discricionário está limitado também
pela necessidade de motivação dos atos administrativos, decorrência do
princípio do devido processo legal, que norteia o nosso ordenamento
jurídico, e garantia política de controle dos atos estatais, na medida em
que, apenas através da fundamentação é possível entender os motivos do ato
para resolver sobre a sua eventual impugnação.
Nesta mesma linha, mas manifestando-se
especificamente acerca da investigação criminal, é a lição de Fausi Hassan
Choukr: “Na investigação criminal, a motivação, além de servir como fonte
controladora a nível interno, apresenta no aspecto de controle externo seu
relevo de maior importância”[17].
A motivação não é incompatível com a atividade
investigativa, devendo o delegado de polícia expor os pressupostos de fato e
de direito que orientam as suas decisões na escolha das diligências, e muito
mais por ocasião de decisões que importam na mudança de status do
investigado nos autos do inquérito policial, como no indiciamento.
A autoridade policial, munida do poder
discricionário na condução da investigação, só deve satisfações à lei. Não
obstante a Polícia Judiciária seja órgão da Administração, sujeita ao
princípio da hierarquia, esta não interfere no âmbito do inquérito criminal.
Aqui, o delegado de policia age com ampla liberdade em função da natureza da
atividade que realiza.
A condição de autoridade que reveste o cargo
de delegado, faz com que aja com completa independência na condução da
investigação policial, desautorizando qualquer determinação que seja
contrária à sua convicção. Desta forma, não pode o chefe da Delegacia
determinar que o delegado instaure inquérito policial, indicie, prenda ou
execute determinada diligência se com estas decisões a autoridade não
concordar.
Em parecer elucidativo sobre o conceito de
autoridade policial no nosso ordenamento, Hélio Tornaghi, após concluir que
apenas o delegado de polícia é autoridade policial, elencou, escudado em
doutrina alemã, as seguintes características da autoridade: “a) é órgão do
Estado; b) exerce o poder público; c) age motu próprio; d) guia-se por sua
prudência, dentro dos limites da lei; e) pode ordenar e traçar normas; f) em
sua atividade não visa apenas os meios, mas aos próprios fins do
Estado”[18].
Como se vê, surge cristalina a conclusão de
que o poder hierárquico da Administração não se aplica na condução do
inquérito, estando o agente responsável pela ingerência indevida sujeito às
penalidades administrativas, criminais e cíveis pertinentes.
O mesmo raciocínio se aplica ao Ministério
Público que no decorrer da investigação fica jungido a executar apenas o
controle externo determinado pelo constituinte.
2 – Princípio da isonomia
Mas com relação à autonomia da Polícia
Judiciária frente ao parquet há outro motivo ainda mais poderoso: o
princípio da isonomia.
Decorrência da filtragem constitucional do
processo penal é a aplicação in totun do princípio da igualdade em todas as
sua fases. Assim, o processo penal válido, consentâneo com a Constituição, é
aquele que está pautado pela aplicação do princípio da isonomia, fornecendo
ao órgão da acusação e à defesa as mesmas chances de produzir provas.
Este é o Devido Processo Penal.
Cláusula, de elevado teor democrático e
universal, que ganhou impulso sob o signo das idéias do cristianismo tendo
sido utilizada como salvaguarda contra as arbitrariedades do
absolutismo[19], a isonomia tem a prerrogativa decorrente de seu caráter de
generalidade de ser uma espécie de princípio que informa todos os outros,
sendo possível afirmar que até mesmo os princípios do contraditório e da
ampla defesa só existem efetivamente se aplicados dentro de um contexto
delineado pelo princípio da igualdade, afinal, de que vale a oportunidade de
ter “ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de
contrariá-los” se a acusação está muito melhor aparelhada para produzi-los e
a defesa não possui o instrumental adequado para contrariar a imputação?
A doutrina[20] [21] distingue a igualdade em
dois aspectos: igualdade formal (igualdade perante a lei) e igualdade
material (igualdade na lei). O primeiro sentido é o que se contenta com que
as pessoas recebam o mesmo tratamento estatal, desconsideradas as suas
diferenças, isto é, todos seriam iguais perante a lei, que não discrimina,
não distingue uns em relação a outros, ao passo em que a igualdade material
é a que determina que o Estado deve considerar as diferenças entre as
pessoas e procurar minorá-las, isto é, uma vez diante da lei, esta tem de
considerar as diferenças existentes para realizar a isonomia.
Luiz Flávio Gomes: é mestre em direito
penal pela Faculdade de Direito da USP, professor doutor em direito penal
pela Universidade Complutense de Madri (Espanha) e diretor-presidente da
Rede de Ensino LFG.
Fábio Scliar: é delegado da Polícia
Federal, mestre em Direito, Estado e Justiça e professor de Direito
Constitucional.
Fonte: Conjur, de 28/10/2008
Uso de precatório para
pagar imposto é controverso
É sabido que cada vez mais as empresas estão
fazendo uso de precatórios, fins de utilizarem no pagamento de seus
impostos, ou até mesmo para garantia de executivos fiscais, vez que este
título nobre é adquirido por um deságio bastante atrativo.
Este mercado ficou por demais aquecido depois
que o ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, deu provimento
através de decisão monocrática ao Recurso Extraordinário 550.400/RS oriundo
de empresa do estado do Rio Grande do Sul, autorizando a mesma a compensar
seu ICMS com a utilização de créditos oriundo de precatório alimentício.
Tal decisão não transitou em julgado, tendo em
vista que o Rio Grande do Sul agravou regimentalmente, enquanto a empresa
apresentou Embargos de Declaração, objetivando que o eminente ministro se
manifeste acerca da perda do caráter alimentar do precatório utilizado na
presente compensação. Contudo, os Embargos Declaratórios restaram
convertidos em Agravo Regimental, sendo assim, ambos os recursos aguardam
julgamento.
Por que a empresa adentrou com embargos
declaratórios?
O intuito da Embargante tem como finalidade a
manifestação do ministro no sentido de que o precatório ora utilizado pela
empresa, venha a ter efetivamente a descaracterização de “vínculo”
alimentício, pelo simples fato de que a partir do momento em que há o atraso
no pagamento, ocorrendo ainda, a cessão para a empresa, necessariamente haja
a perda do caráter alimentício, encaixando-se assim na tese de que caberia,
de forma definitiva a compensação com precatório não alimentício, instituído
pela emenda constitucional número 30, através do disposto no artigo 78 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.
O objetivo do artigo em comento é tão somente
alertar os patronos de empresas que atualmente vem utilizando precatórios
“alimentícios”, fins de que quando da solicitação de habilitação de seus
clientes nas varas de execuções, além de requererem a substituição
processual nos termos do art. 567, II, do Estatuto Processual Civil, devem
desde já pleitear que seja imediatamente reconhecida a mudança da natureza
jurídica do precatório em questão, devendo o mesmo ser considerado
precatório não alimentício, em conseqüência ocorrerá a inclusão do disposto
no artigo 78 do ADCT.
Vale ressaltar ainda, que o privilégio do
precatório alimentar consiste tão somente na preferência de pagamento dentro
do exercício fiscal. Como a Fazenda Pública não cumpre a obrigação de
pagamento dentro do exercício fiscal estabelecido, a natureza alimentar não
subsiste.
Assim sendo, o caráter alimentício deverá ser
sempre modificado quando da não realização de pagamento do precatório
durante o exercício fiscal preconizado.
Não obstante, a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça orienta que, tratando-se de precatório de caráter
alimentar, sendo este não pago no prazo razoável, pré-estabelecido, o
precatório automaticamente perde sua natureza jurídica originária, passando
a ser classificado como não alimentar.
Nesta linha, o Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul já se manifestou, senão vejamos:
A POSSIBILIDADE DE O TITULAR DE CRÉDITO
AMPARADO EM TÍTULO EXECUTIVO CEDÊ-LO ESTÁ PREVISTA NO ART. 567, II DO CPC,
CASO EM QUE O CESSIONÁRIO SUBSTITUIU NO PROCESSO O CEDENTE. A ÚNICA
CONSEQÜÊNCIA É QUE, COM A CESSÃO, O CRÉDITO PERDE A NATUREZA ALIMENTÍCIA
(CF, ART. 100). PRECEDENTE DO STJ E DIVERSOS DA CÂMARA. (AGRAVO DE
INSTRUMENTO Nº 70009992538, RELATOR DESEMBARGADOR IRINEU MARIANI, DJU
22/12/2004)”
Quando foi efetivada a cessão de créditos para
a empresa que vai utilizar para pagar seus tributos, o caráter alimentício
foi quebrado, uma vez que uma pessoa jurídica não necessita de alimentos
para subsistir-se, ficando o precatório, então, sob a égide da Emenda
Constitucional n º 30.
Vale ressaltar ainda que, de acordo com os
preceitos do Artigo 78 do ADCT, a Fazenda Pública possui a faculdade de
parcelar o precatório no prazo máximo de dez anos.
Segue, ditames do artigo supracitado, onde:
ART. 78. RESSALVADOS OS CRÉDITOS DEFINIDOS EM LEI COMO DE PEQUENO VALOR, OS
DE NATUREZA ALIMENTÍCIA, OS DE QUE TRATA O ART. 33 DESTE ATO DAS DISPOSIÇÕES
CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS E SUAS COMPLEMENTAÇÕES E OS QUE JÁ TIVEREM OS
SEUS RESPECTIVOS RECURSOS LIBERADOS OU DEPOSITADOS EM JUÍZO, OS PRECATÓRIOS
PENDENTES NA DATA DE PROMULGAÇÃO DESTA EMENDA E OS QUE DECORRAM DE AÇÕES
INICIAIS AJUIZADAS ATÉ 31 DE DEZEMBRO DE 1999 SERÃO LIQUIDADOS PELO SEU
VALOR REAL, EM MOEDA CORRENTE, ACRESCIDO DE JUROS LEGAIS, EM PRESTAÇÕES
ANUAIS, IGUAIS E SUCESSIVAS, NO PRAZO MÁXIMO DE DEZ ANOS, PERMITIDA A CESSÃO
DOS CRÉDITOS.
Conforme se percebe da análise do dispositivo
supracitado, o mesmo faculta as Fazendas Públicas a parcelarem seus
precatórios não–alimentares no prazo máximo de dez anos.
Por derradeiro, o referido artigo não enfatiza
que o ente público “terá” necessariamente que parcelar os precatórios em dez
anos, e sim, faculta a possibilidade do predito ente público utilizar-se de
tal recurso, quer seja, parcelar a dívida estatal advinda de precatórios no
prazo máximo de dez anos.
Esta foi uma opção que o legislador
constitucional derivado outorgou as Fazendas Públicas, ou seja, se trata de
opção do ente em realizar ou não o parcelamento dos precatórios, de acordo
com a atual situação financeira do ente devedor.
Assim, cabe ao ente público, precisamente a
Fazenda Pública, através de seu procurador, quando da intimação acerca do
presente pedido de habilitação, manifestar-se sobre o parcelamento que o
art. 78 do ADCT lhe faculta, tendo em vista a mudança do regime jurídico dos
precatórios, visto que o mesmo perdeu sua natureza alimentar em decorrência
da mora do ente, bem como da realização da cessão de créditos então
realizada.
Outra vantagem importante para que o atual
credor venha a solicitar de imediato a quebra do caráter alimentar quando da
apresentação do pedido de habilitação da empresa cessionária, é a
possibilidade de a mesma caso não consiga compensar seu tributo, venha a
requisitar o seqüestro de recursos financeiros da entidade executada,
conforme lhe faculta o § 4º do art. 78 do ADCT, in verbis:
ART. 78.(...) §4º. O PRESIDENTE DO TRIBUNAL
COMPETENTE DEVERÁ, VENCIDO O PRAZO OU EM CASO DE OMISSÃO NO ORÇAMENTO, OU
PRETERIÇÃO AO DIREITO DE PROCEDÊNCIA, A REQUERIMENTO DO CREDOR, REQUISITAR
OU DETERMINAR O SEQÜESTRO DE RECURSOS FINANCEIROS DA ENTIDADE EXECUTADA,
SUFICIENTES À SATISFAÇÃO DA PRESTAÇÃO.
Oportuno mencionar ainda que, o parcelamento
dos precatórios pendentes já constituiu uma espécie de “calote” de
conhecimento público e notório. Dessa forma, utilizar interpretação em
beneficio mais uma vez do ente público mostra-se completamente divorciado do
objetivo da Carta Republicana a qual já o contemplava com pagamento via
precatório e ainda lhe autorizou, a partir da Emenda Constitucional n.º
30/2000, dilatação temporal para pagamento da dívida.
Sendo assim, restando inadimplente a Fazenda
Pública, mostra-se legítimo o pedido de seqüestro nos termos do artigo acima
transcrito, o qual estabelece e permite tal requerimento.
Por fim, com o objetivo de sepultar a
discussão, segue recente ementa de decisão do Supremo Tribunal Federal, em
acórdão de julgamento proferido pelo Tribunal Pleno, no Agravo Regimental em
sede da Reclamação nº 2253/RS, no qual foi relator o ministro Ricardo
Lewandowski.
AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. PRECATÓRIO
NÃO ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO À DECISÃO PROFERIDA NA ADI 1.662/SP.
IMPROVIMENTO.
I – ATRASO NO PAGAMENTO DE PRECATÓRIO
ORIGINADO DE DÍVIDA NÃO-ALIMENTAR.
II – DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE
DEFERIU ORDEM DE SEQÜESTRO. POSSIBILIDADE.
III – AUSÊNCIA DE AFRONTA AO DECIDIDO NA ADI
1.662/SP. PRECEDENTES.
IV - AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (AG.REG. NA
RECLAMAÇÃO Nº 2.253-6, RIO GRANDE DO SUL, REL. MIN. RICARDO LEWANDOWSKI –
JULGAMENTO: 02/02/2007 – ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO).
Em suma, fica o alerta aos eminentes patronos
de empresas, quando da utilização de precatórios alimentícios para pagamento
de tributos estaduais, devendo sempre atentar aos detalhes aqui exarados,
quando do pedido de habilitação desses créditos no Juízo de Execução,
garantindo assim um maior sucesso em suas demandas.
Sobre o autor
Marcelo Soares Duquia: é advogado e atua em
São Paulo e Rio Grande do Sul.
Fonte: Conjur, de 28/10/2008
OAB nacional deve processar
Defensoria da União
O Conselho Federal da OAB deve ir à Justiça
para buscar a nulidade dos artigos 1º, 2º, e 3º da Resolução número 19 do
Conselho Superior da Defensoria Pública da União. Isso porque, segundo a
OAB, os dispositivos trazem inovações irregulares nas áreas de atribuição
dos defensores públicos e cuja decisão extrapolou os limites de sua
competência.
A decisão foi tomada pelo Conselho Pleno da
OAB nacional com base no voto do relator da matéria, o conselheiro federal
por Pernambuco, Ricardo Correia de Carvalho. A votação foi conduzida pelo
vice-presidente do Conselho Federal da OAB, Vladimir Rossi Lourenço.
Segundo o relator da questão na OAB, os
defensores públicos têm por obrigação, conforme a Constituição Federal,
atuar juridicamente em defesa dos mais necessitados, única e exclusivamente.
Os artigos da Resolução, de maio de 2007, estendem a atuação dos defensores
públicos ao atendimento daqueles que não são necessitados.
“Isso é flagrantemente inconstitucional, além
de assoberbar a Defensoria Pública da União, que não dispõe de estrutura
necessária para atender a esse aumento da carga de trabalho. Esses artigos
da Resolução fogem por completo da norma constitucional”, afirmou o relator,
que foi seguido por unanimidade.
Na sessão, Vladimir Rossi encaminhou a matéria
para o exame da assessoria jurídica da OAB para que esta analise que tipo de
medida jurídica será adotada.
Fonte: Conjur, de 28/10/2008 |