Estados
maquiam gasto com pessoal para cumprir a LRF
Do
Oiapoque ao Chuí. E, com aval -ou até mesmo por força- de decisões dos
tribunais de contas, pelo menos 21 Estados adotam interpretações legais
que aliviam, no papel, o peso dos gastos com pessoal. Da exclusão de
despesas com aposentados à supressão do Imposto de Renda pago, artifícios
acabam por maquiar o impacto da folha sobre a arrecadação para a apuração
da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
A
LRF fixa diferentes tetos de gastos com a folha de pagamento para os três
Poderes. Um governo estadual pode gastar, por exemplo, até 49% do que
arrecada com pessoal.
Superados
os limites -aplicáveis ao Judiciário, ao Ministério Público, às
Assembleias e aos TCEs (Tribunais de Contas Estaduais)- o Estado tem um
prazo de até dois quadrimestres para corte de gasto. Do contrário, perde
direito às transferências voluntárias da União e a empréstimos.
Mas
as diferentes aplicações da mesma lei podem dificultar a avaliação do
real comprometimento dos Estados neste ano pré-eleitoral.
Uma
delas é a retirada do Imposto de Renda do cálculo de despesa. Como
empregador, o Estado paga ao servidor um salário bruto, do qual parte é
retida para o IR. Só que, como são os Estados que ficam com o dinheiro,
alguns não o computam como gasto nem como receita.
Em
resposta a questionários enviados pela reportagem a governos e TCEs, Rio
Grande do Sul, Paraná, Tocantins, Goiás e Rondônia informaram que tiram o
IR da conta.
Já
o Rio Grande do Norte chegou a ser alvo de ação do procurador-geral junto
ao TCE-RN, Carlos Thompson Fernandes, pela adoção da mesma prática.
Secretário-executivo
e titular do Ministério do Planejamento durante a implantação da LRF, o
hoje secretário estadual Guilherme Dias (ES) explica, com um exemplo hipotético,
que a dedução pode funcionar como artifício para que o Estado declare um
comprometimento menor com pessoal.
Se
um Estado arrecada R$ 100 e gasta R$ 65 com pessoal, sendo R$ 10 de IR, as
despesas somam 65%. Mas, se o Estado excluir esses R$ 10, o percentual cairá
para 61% (R$ 55 correspondem a 61% de R$ 90).
"Essas
manobras são como tirar o sofá da sala, porque a baixa capacidade de
investimento do Estado continua", afirma Guilherme Dias.
Estados
como Goiás e Rio Grande do Sul não incluem os gastos com pensões. E, a
exemplo de Rondônia e Tocantins, o TCE-MG exclui inativos e pensionistas do
cálculo, sob o argumento de que "não podem ser contingenciados
[congelados] pelos administradores".
Embora
o secretário de Finanças de Minas, Simão Cirineu, afirme que o Estado
declara os gastos com aposentadorias e pensões, os outros Poderes
-inclusive o TCE- estão liberados. Com isso, Minas -onde até o Executivo
chegou à beira do limite prudencial- viu adiada a ameaça de retenção de
repasses ao governo do Estado.
Mas
o próprio Cirineu reconhece que, com a queda de receita, o Estado está
prestes a estourar o teto prudencial (de 46,55%), a partir do qual reajustes
e contratações ficam proibidos. "O gasto com pessoal vai aumentar.
Porque a receita está caindo, mas as despesas com pessoal não",
explica.
Na
prestação de contas ao Tesouro, o governo do Amazonas também não declara
gastos com inativos e pensionistas.
Inspirado
na Paraíba, o TCE-RN concentra no Executivo os registros de gastos com
aposentadorias de outros Poderes.
E,
no Rio de Janeiro, a decisão do governo de engrossar, desde 2008, os cofres
do fundo de previdência com royalties acabou afetando a relação do
pessoal sobre a receita. Como o fundo cobriu os gastos com a aposentadoria e
pensões, o dinheiro -que chegou a R$ 4,3 bilhões no ano passado- não foi
registrado como despesa do Estado com inativos. Mas foi mantido entre a
receita.
"Essa
é uma incongruência da lei. Mas, mesmo que se exclua da base essa receita,
o Rio fica bem abaixo dos limites", alega o subsecretária de Política
Fiscal do Rio, George André Palermo, que chegou a fazer um cálculo,
segundo o qual o gasto do Estado com pessoal passaria de 23,91% a 27,64%.
No
Espírito Santo e no Ceará, o registro da "receita cheia" -sem a
declaração de benefícios fiscais concedidos- também alivia o impacto da
despesa sobre a folha.
Além
de excluir verbas indenizatórias, como diárias e auxílio-alimentação,
Santa Catarina descarta as despesas com "locação de mão-de-obra -
serviços terceirizados".
Está
aí um dos pontos mais controversos. Pela LRF, "os contratos de
terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de
servidores e empregados públicos serão contabilizados como "outras
despesas de pessoal". O manual do Tesouro dispensa os contratos que não
se refiram a atividades fins de Estado.
Com
isso, Estados como São Paulo, Piauí, Amapá, Mato Grosso do Sul, Acre e
Roraima não declaram qualquer gasto de mão-de-obra terceirizada. "Não
estamos substituindo servidores por terceirizados", justifica o secretário
de Fazenda do Estado de São Paulo, Mauro Ricardo Costa.
"Um
dos problemas no cumprimento dos limites de despesa com pessoal é a
diversidade de posicionamentos, todos visando sempre a flexibilizar os parâmetros",
disse Thompson.
Fonte:
Folha de S. Paulo, de 27/04/2009
Estágio
probatório dos servidores públicos é de três anos
Depois
de algumas idas e vindas legislativas, a Terceira Seção do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) definiu: com a Emenda Constitucional (EC) n.
19/1998, o prazo do estágio probatório dos servidores públicos é de três
anos. A mudança no texto do artigo 41 da Constituição Federal instituiu o
prazo de três anos para o alcance da estabilidade, o que, no entender dos
ministros, não pode ser dissociado do período de estágio probatório.
O
novo posicionamento, unânime, baseou-se em voto do ministro Felix Fischer,
relator do mandado de segurança que rediscutiu a questão no STJ. O
ministro Fischer verificou que a alteração do prazo para a aquisição da
estabilidade repercutiu sim no prazo do estágio probatório. Isso porque
esse período seria a sede apropriada para avaliar a viabilidade ou não da
estabilização do servidor público mediante critérios de aptidão, eficiência
e capacidade, verificáveis no efetivo exercício do cargo. Além disso, a
própria EC n. 19/98 confirma tal entendimento, na medida em que, no seu
artigo 28, assegurou o prazo de dois anos para aquisição de estabilidade
aos servidores que, à época da promulgação, estavam em estágio probatório.
De acordo com o ministro, a ressalva seria desnecessária caso não houvesse
conexão entre os institutos da estabilidade e do estágio probatório.
Não
só magistrados como doutrinadores debateram intensamente os efeitos do
alargamento do período de aquisição da estabilidade em face do prazo de
duração do estágio probatório fixado no artigo 20 da Lei n. 8.112/90.
Conforme destacou o ministro Fischer, o correto é que, por
incompatibilidade, esse dispositivo legal (bem como o de outros estatutos
infraconstitucionais de servidores públicos que fixem prazo inferior para o
intervalo do estágio probatório) não foi recepcionado pela nova redação
do texto constitucional. Desse modo, a duração do estágio probatório
deve observar o período de 36 meses de efetivo exercício.
Promoção
O
caso analisado pela Terceira Seção é um mandado de segurança apresentado
por uma procuradora federal. Na carreira desde 2000, ela pretendia ser incluída
em listas de promoção e progressão retroativas aos exercícios de 2001 e
2002, antes, pois, de transcorridos os três anos de efetivo exercício no
cargo público.
Inicialmente,
apresentou pedido administrativo, mas não obteve sucesso. Para a administração,
ela não teria cumprido os três anos de efetivo exercício e, “durante o
estágio probatório, seria vedada a progressão e promoção” nos termos
da Portaria n. 468/05 da Procuradoria-Geral Federal, que regulamentou o
processo de elaboração e edição das listas de procuradores habilitados
à evolução funcional.
A
procuradora ingressou com mandado de segurança contra o ato do
advogado-geral da União, cujo processo e julgamento é, originariamente, de
competência do STJ (artigo 105, III, b, CF). Argumentou que estágio probatório
e estabilidade seriam institutos jurídicos distintos cujos períodos não
se vinculariam, razão pela qual teria direito à promoção.
Nesse
ponto, o ministro Fischer destacou que, havendo autorização legal, o
servidor público pode avançar no seu quadro de carreira, independentemente
de se encontrar em estágio probatório.
Ocorre
que essa não é a situação da hipótese analisada, já que a Portaria PGF
n. 468/05 restringiu a elaboração e edição de listas de promoção e
progressão aos procuradores federais que houvessem findado o estágio
probatório entre 1º de julho de 2000 e 30 de junho de 2002. Em conclusão,
o mandado de segurança foi negado pela Terceira Seção.
Fonte:
site do STJ, de 25/04/2009
Procuradores
da Cidadania no programa Carreiras da TV Justiça
Na
segunda-feira, dia 27 de abril, às 22h 30, irá ao ar na TV Justiça o
programa Carreiras, no qual um dos criadores do movimento Procuradores da
Cidadania falou sobre a carreira de Procurador de Estado. O programa
refletiu a nova concepção de atuação da advocacia púbica, com dicas de
leitura, questões da carreira, concurso etc.
Após
cerca de 2 meses de criação do movimento Procuradores da Cidadania, com a
superação de mais de 3.700 acessos, com a impressão e divulgação dos
cartazes da Advocacia Pública Cidadã, este é mais um passo rumo à
consolidação da imagem de uma advocacia pública próxima da sociedade.
Convidamos
todos a assistirem o programa na segunda, dia 27 de abril, às 22h 30, com
reprises na terça 10h, quarta 10h 30, quinta 18h e sexta 19h. A TV Justiça
pode ser assistida nos canais 10 da NET, 209 da Directv, 117 da Sky e no
canal aberto 53 UHF Brasília.
Contamos
com a divulgação e audiência de todos.
Fonte:
Blog Procuradores da Cidadania (www.procuradoresdacidadania.blogspot.com),
de 26/04/2009
A
história do Direito é a história do Brasil
Pouca
gente tem conhecimento para achar que Ruy Barbosa não é o maior jurista da
história do Brasil. Entre esses privilegiados das ciências humanas está o
bacharel em Direito e historiador Cássio Schubsky. Antes que se desate a
polêmica, vale explicar que Schubsky não questiona o valor do bom baiano.
Ele só defende que Ruy foi beneficiado por um marketing pessoal que o fez
se destacar em relação a figuras tão imponentes para o Direito como Clóvis
Bevilaqua, Teixeira de Freitas ou o Barão de Ramalho. Para ele, o
pensamento jurídico do Brasil vai muito além de Ruy Barbosa.
Ao
juntar seus dois diplomas – é formado em Direito pela USP e em História
pela PUC-SP – Cássio tornou-se ele mesmo um caso raro: historiador
especializado na área jurídica. Já escreveu e publicou – é também
dono da editora Lettera.com – uma série de livros, todos focados no
Direito e na Justiça e em seus operadores.
Tem
preferência por contar a história das instituições. Sua última obra é
sobre a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo: Apontamentos sobre a
História da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Antes já havia
colocado no papel as histórias da Associação dos Advogados de São Paulo
e do Centro Acadêmico XI de Agosto. Sua próxima aventura literária é
sobre a Apamgis, a Associação Paulista dos Magistrados de São Paulo.
Já
está pesquisando também a vida de Clóvis Bevilaqua, jurista que dá nome
à praça onde fica o Palácio do Tribunal de Justiça de São Paulo e o
autor do Código Civil de 1916 que vigorou até 2003. Na linha da biografia
é co-autor de Estado de Direito Já – Os trinta anos da Carta aos
Brasileiros, que trata tanto da publicação do documento que deflagrou o
processo de distensão que pôs fim à ditadura militar nos anos 70, quanto
do seu autor Goffredo da Silva Telles Junior. Organizou também um livro de
depoimentos sobre San Tiago Dantas, e outro, interessantíssimo, que analisa
o conteúdo jurídico da obra de Machado de Assis: Doutor Machado – O
Direito na vida e na obra de Machado de Assis.
Corintiano,
43 anos de idade, Cássio Schubsky fala nessa entrevista à Consultor Jurídico
sobre sua obra e também sobre a evolução histórica do Judiciário. E
desfaz outro mito: se há descrença no país com a Justiça e se o Judiciário
é lento para cumprir sua missão, não é por falta de insistir: juízes,
promotores e advogados chegaram à terra de Pindorama quase ao mesmo tempo
dos descobridores.
Leia
a entrevista
ConJur
— Qual a representação histórica do juiz no Brasil?
Cássio
Schubsky — Os juízes existem desde sempre e sempre tiveram muito poder
político. O aspecto interessante é que o procurador, o promotor de justiça,
o próprio juiz têm origem fidalga. Eram nomeados pelo rei, seus asseclas.
Com o desenrolar da história, depois da Colônia, do Império, sobretudo
com a República e principalmente com a Constituição de 1988, todos os
procuradores se transformaram efetivamente em servidores públicos. Isso
implica uma mudança de mentalidade enorme. Hoje, todos sabem que o temor
reverencial que o juiz inspira tem que se circunscrever ao âmbito do
processo. Fora disso, o juiz é um cidadão. No âmbito da sua atividade
judiciária, ele é um servidor público. Ele tem direitos, prerrogativas,
mas também tem obrigações. Antigamente o que existia era desmando. Quem
era soberano? Não era o povo, era o rei. O operador do Direito devia
satisfações ao rei. Hoje, deve satisfações ao povo brasileiro, este sim
soberano. Essa mudança vem se construindo não apenas no âmbito do Judiciário.
ConJur
— Essa questão das origens nobres é muito forte no Judiciário?
Cássio
Schubsky — É muito forte ainda. A própria ritualística judicial, que é
um resquício daquela época, tem que evoluir. Os hábitos evoluem e o
Judiciário tem que evoluir junto. O temor reverencial é uma circunstância
necessária no âmbito do processo. O juiz tem que inspirar esse temor,
porque é uma autoridade, investida de poder, mas sem exageros. Esse poder não
transforma o juiz no dono da verdade. Mas já há muita evolução. Eu tenho
convivido com juízes para escrever o livro sobre a história da Apamagis
[Associação Paulista dos Magistrados]. O presidente, Calandra [Henrique
Nelson Calandra] ou o presidente anterior, Sebastião Amorim, inspiram
respeito pelas pessoas que são, mas não exercem um convívio incomum, uma
atitude opressiva. Pelo contrário, eles têm bastante consciência do papel
de cidadãos que têm de exercer.
ConJur
— Até que ponto a linguagem do Direito, o chamado juridiquês, é um
anacronismo ou uma necessidade de precisão?
Cássio
Schubsky — É uma maneira de criar distância, o temor reverencial. Isso não
é só no juridiquês. No economiquês, no tucanês também. Tudo isso serve
para as pessoas se postarem numa posição de soberba, de poder. Esse é o
lado ruim. Outro lado é o técnico. No âmbito do processo, ele é necessário.
O jargão é uma necessidade de um público especializado. O Machado de
Assis usava muito o juridiquês em seus livros.
ConJur
— O senhor escreveu um livro sobre o escritor, não é?
Cássio
Schubsky — Sim, O Direito na vida e na obra de Machado de Assis. Machado
usa e abusa da linguagem jurídica. Até na poesia. Há uma infinidade de
personagens jurídicos na obra de Machado. De nove romances que analisei
nessa obra, seis têm protagonistas bacharéis em Direito, a começar pelo
Bentinho, do Dom Casmurro. A maioria era formada na Faculdade do Largo São
Francisco e alguns poucos na Faculdade de Direito de Recife. Ao pesquisar
para escrever sobre ele, a primeira surpresa foi descobrir que era um
advogado público. Ele escrevia pareceres jurídicos e elaborava projetos de
lei para o Ministério da Agricultura, da Viação. Não havia o cargo de
advogado público na época, mas, na prática, ele era isso. Era um rábula,
não tinha formação jurídica. Aliás, Machado de Assis não tinha formação
nenhuma, mal foi à escola. Era 100% autodidata. Os primeiros 15 anos de sua
vida são obscuros. Até onde se sabe, nem neste período ele frequentou a
escola formalmente. Era um gênio, um self made man.
ConJur
— O senhor defende que o juridiquês deve continuar no Judiciário. E o
uso da toga, como poderia evoluir?
Cássio
Schubsky — Uma medida que poderia constar da reforma do Judiciário é a
contratação de um estilista para mudar a toga e um decorador para mudar as
mesas antigas (risos). Falando sério, entendo que é preciso modernizar.
Este processo é longo, demorado, aos poucos vai vencendo resistências.
Hoje, há a Associação dos Juízes para a Democracia, o Ministério Público
Democrático, movimentos importantes para a modernização. Mesmo as
entidades mais tradicionais, como a Apamagis, a Ajufe [Associação dos Juízes
Federais], a Ajufesp [Associação dos Juízes Federais de São Paulo] já
estão mais antenadas com a necessidade de se atualizar, de tornar o
operador do Direito cada vez mais cidadão. Mas como diria Caetano Veloso,
“a mente apavora o que ainda não é mesmo velho”. As mudanças são
gradativas. Não tem cabimento, o juiz despachar de short. Antigamente, o
estudante de Direito tinha de trajar terno e gravata. Era obrigatório. Os
estudantes fizeram uma campanha que durou anos, talvez décadas. Era a
campanha pela “proibição da esgravatura”. Só em 1972, os estudantes
da Faculdade de Direito da USP deixaram de ser obrigados a usar terno e
gravata.
ConJur
— É a dificuldade em acomponhar a evolução da sociedade que impede o
Judiciário de desempenhar cabalmente sua missão?
Cássio
Schubsky — O Judiciário precisa de uma consultoria de organização e método.
No Rio de Janeiro, houve modernização em relação aos procedimentos por
conta da informatização, onde São Paulo está muito atrasado. Mas estamos
num país de muitas demandas. Faltam juízes, faltam promotores. Os
operadores do Direito, como um todo, é um pessoal que trabalha muito. Via
de regra, vejo gente trabalhando, não enrolando. Para mim, deve haver um
consenso em termos de rituais e uma dose de racionalidade em termos de
procedimento.
ConJur
— A professora Maria Tereza Sadek, diz que os juízes detém um poder
muito grande em suas mãos. Foi sempre assim?
Cássio
Schubsky — A Súmula Vinculante é um exemplo de evolução. Tira o poder
autocrático dos juízes de primeira instância. É discutível em alguns
casos, mas há boa aceitação dessa novidade. O Judiciário, como a vida em
sociedade, é imperfeito, tem falhas que devem ser corrigidas, revigoradas.
Esse processo vem enfrentando uma depuração. Assistimos pela primeira vez
a prisão de juízes. O número de juízes respondendo a processo, sendo
afastados a bem do serviço público vem aumentando. A propina era uma
instituição no Brasil, no período colonial e no período imperial. Era
como uma gorjeta. A lei permitia a propina para o servidor público. Era
quase uma remuneração por produtividade (risos) admitida. Continua a
existir, mas é cada vez menos aceita e mais punida. Sou bastante otimista
em relação à evolução da sociedade brasileira, do Judiciário.
ConJur
— O Conselho Nacional de Justiça tem um papel importante na evolução do
Judiciário?
Cássio
Schubsky — O CNJ exerce um papel muito importante, que é o de funcionar
como um foro de debates entre os vários operadores do Direito. Isso é
maravilhoso. Um acaba conhecendo melhor as mazelas do outro. Havia esse
debate no âmbito do Legislativo, mas não entre os próprios operadores do
Direito para resolver suas questões. O CNJ é um órgão recente. Daqui a
20 anos vamos poder avaliar os seus frutos, mas já há decisões bastante
interessantes.
ConJur
—O Executivo e o Legislativo reclamam que o Judiciário está invadindo o
espaço dos outros poderes. Historicamente como tem sido a convivência
entre os poderes?
Cássio
Schubsky — O que se tinha era uma exacerbação do Executivo. Antes disso,
não havia separação de poderes. As pessoas se confundiam. Havia uma
superposição de poderes, de atribuições, de circunscrição e uma
concorrência. Os poderes eram concorrentes. O Executivo legislava e
julgava. A separação vem de Montesquieu, da Revolução Francesa, no final
do Século XVIII: Legislativo, Judiciário, Executivo.
ConJur
— O senhor considera que essa maior ingerência do Judiciário foi possível
a partir da Carta de 1988?
Cássio
Schubsky — Sem dúvida nenhuma a Constituição deu maior autonomia à
Justiça. O que é positivo e tem produzido bons frutos. Mas há a
possibilidade de distorções, exageros. O Judiciário pode dizer: “Bom,
mas o Legislativo não legisla”. E aí o Legislativo diz que não legisla
porque tem medida provisória que tranca a pauta. Aí o Executivo diz assim:
“Bom, mas eu faço medida provisória porque eles não legislam”. A
evolução depende de treino. O nosso aprendizado histórico e democrático
tem contribuído para a solução dos conflitos.
ConJur
— Quais os fatos da história do Judiciário que considera mais
importantes?
Cássio
Schubsky — Temos marcos regulatórios importantes em termos de Judiciário.
Quando se forma o governo geral no Brasil, em 1548, nasce o primeiro
regimento organizando o aparelho do Judiciário. O rei escrevia o regimento,
conferindo atribuições e nomeando pessoalmente algumas pessoas para
exercer cargos. Em 1609, há 400 anos portanto, há a criação do primeiro
Tribunal de Relação, na Bahia. O conceito de procuradores gerais é outro
marco importante, em 1822, às vésperas da Constituinte do Império, que
depois vai ser dissolvida. As Constituições são sempre marcos importantes
para o Judiciário.
ConJur
— Antes dos Tribunais de Relação, não havia como recorrer das sentenças?
Cássio
Schubsky — Na origem não havia atividade judicial no país. Na época das
Capitanias Hereditárias não se podia entrar na Justiça. A História do
Brasil diz isso claramente. Não havia advogados. O capitão hereditário
era o governador e ele tinha poder total no âmbito do Executivo, do Judiciário
e do Legislativo. Mandava e desmandava. Mais tarde, começam a aparecer os
advogados para recorrer na corte. A última instância no Brasil só aparece
no Século XVI.
ConJur
— O senhor pesquisou e contou a história da Aasp [Associação dos
Advogados de São Paulo] em livro. O que o surpreendeu?
Cássio
Schubsky — A Aasp é voltada para a defesa das prerrogativas dos advogados
e oferece todo apoio ao exercício da profissão. Mas existia um mito de que
a entidade não tem vocação política. Durante a pesquisa, constatei que não
é verdade. Uma entidade de advogados criada em 1943, em pleno Estado Novo,
que não surgiu para defender o estado de Direito. É esquisito, não é?
Como vivíamos uma ditadura, nas atas de fundação da Aasp não há
qualquer referência a ação política. De forma sutil, entretanto,
encontrei referências em boletins distribuídos. Em muitas passagens de sua
história, a Aasp assumiu um posicionamento político inevitável. Em 1964,
o conselho da entidade apoiou o golpe militar. Depois se voltou contra a
ditadura. O mesmo aconteceu com o Conselho Federal da OAB, com a Fiesp
[Federação das Indústrias do Estado de São Paulo].
ConJur
— O senhor escreveu também um livro sobre a Procuradoria-Geral do Estado
de São Paulo.
Cássio
Schubsky — É o livro Advocacia Pública — Apontamentos sobre a História
da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. A história da PGE me
fascinou, porque não havia referências. O tema da advocacia pública é
muito importante. Durante a pesquisa, me deparei com Ulisses Guimarães, que
foi advogado do estado de São Paulo por alguns anos, com o ex-governador
André Franco Montoro, advogado da assistência judiciária por vários anos
e que militou na área. O Valdir Troncoso Peres, grande criminalista que
morreu recentemente, também trabalhou na assistência judiciária por
bastante tempo. Outra coisa que me chamou muita atenção foi a origem
remota dessas atividades. A consultoria jurídica, que é uma das atribuições
do advogado público, do procurador do estado, do advogado da União ou do
procurador do município, remonta à formação do estado por poderes.
Quando se constitui um Estado, já se tem a figura do jurista, para orientar
sobre a formação administrativa.
ConJur
— A figura do procurador-geral já existia?
Cássio
Schubsky — No Século XIV existia uma espécie de procurador-geral. Quando
se implanta a colônia no Brasil, vão se formando os tribunais. Nos
Tribunais de Relação, por exemplo, havia o Procurador Supremo da Coroa, da
Fazenda, promotores. A origem é bastante remota. A história é fascinante.
ConJur
— Em que o senhor está trabalhando agora?
Cássio
Schubsky — Estou pesquisando para contar a história da Apamagis. A
entidade vai completar 56 anos e nunca teve uma publicação com uma
pesquisa de fôlego. E tem uma história riquíssima. Quando se materializa
essa história, as pessoas percebem o valor real que a entidade tem e que às
vezes fica diluída. Com o registro, até quem trabalha há anos na entidade
ou que passou pela diretoria, descobre histórias novas.
ConJur
— O que já descobriu sobre a Apamagis?
Cássio
Schubsky — Em sua origem, a entidade era beneficente, visava ajuda mútua.
Aliás, essa é a origem de várias das entidades na área jurídica:
proporcionar auxílio entre os membros. Além disso, a Apamagis sempre teve
fortíssima participação cívica. Sempre foi ativa e importante. Muitas
acham que livro de história, inclusive na área jurídica, é perfumaria.
Quando fica pronto, as pessoas lêem e conhecem mais a própria instituição
e acabam ficando encantadas.
ConJur
— Por que o senhor se especializou na área jurídica?
Cássio
Schubsky — Eu tenho formação jurídica. Sou bacharel em Direito pela USP
e em História pela PUC-SP. Juntei as duas coisas. Na minha editora
[Lettera.Doc] cuidamos de outras áreas também, mas a área jurídica é o
carro-chefe. Desde que o Brasil foi colonizado tem operadores do Direito,
tem juízes. No trabalho feito para a Procuradoria-Geral do Estado de São
Paulo, descobrimos que essa função existe desde o Século XVI, com o
Procurador dos Feitos da Coroa. Então, contar a história do Direito é
contar a história do próprio Brasil. Quando se fala da história humana
naturalmente se esbarra na questão jurídica. As leis sempre acompanham a
vida em sociedade.
ConJur
— O senhor também editou livro sobre Goffredo Telles Junior.
Cássio
Schubsky — Sim, chama-se Estado de Direito Já – Os trinta anos da Carta
aos Brasileiros. O professor Goffredo era muito querido na Faculdade de
Direito da USP. No meu entender, evoluiu de uma posição extremamente
conservadora para uma posição progressista, avançada, democrática. A
Carta aos Brasileiros foi um marco na luta contra a ditadura militar. Em
1977, o general Geisel fechou o Congresso Nacional. O país continuava sob a
tutela do Ato Institucional 5. Havia muita violência policial, um clima de
medo. Embora se falasse numa distensão lenta e gradativa ainda estava muito
lenta, muito gradual e pouco segura. A Carta aos Brasileiros foi um grito
que ecoou pelo país todo, pelo Congresso Nacional, na imprensa. Reuni a
documentação, ouvi vários depoimentos de que a carta foi realmente um
marco da resistência e que suscitou um debate sobre a reinstitucionalização
do país: convocação de uma Constituinte, eleições diretas, anistia,
enfim, a volta do estado democrático de direito. Nesse livro tem um
depoimento do jornalista Carlos Chagas, em que ele compara a importância da
Carta aos Brasileiros à importância do Manifesto dos Mineiros,de 1943,
durante o Estado Novo. Nessa época também foram os juristas que se
reuniram para defender a volta do país à democracia, a volta do estado
democrático de direito. A Carta teve a mesma função.
ConJur
— A História, enquanto ciência, tem uma visão diferente hoje?
Cássio
Schubsky — Quando me formei em História a visão era de que a história
é o documental. Hoje, sabemos que não é bem assim. Há também a História
Oral, que na área jurídica é ainda incipiente. No caso do livro da PGE e
da Apamagis, parte do trabalho é feito através de História Oral. Há um
material riquíssimo e ainda pouco explorado, apesar de ser fundamental para
se contar uma boa história. Na minha época de estudante, havia um
preconceito. Diziam que a memória é falha, tendenciosa, subjetiva. O
documento oficial não é? Quem escreve também tem suas intenções. No
jornalismo também é assim. A fonte sempre quer plantar alguma coisa. E na
história não é diferente. Quem produz uma fonte histórica tem intenção,
qualquer fonte tem intencionalidade. O trabalho de pesquisa, para ser bem
feito, depende da diversidade de fontes e de leituras.
ConJur
— Quais são as referências históricas na área jurídica?
Cássio
Schubsky — Hoje em dia, o acesso à informação é muito mais rápido. Além
da internet, há o processo de digitalização de documentos, impressão
mais rápida. Antes não era possível fazer um trabalho de arte em menos de
três, quatro anos. Atualmente, em seis meses você faz. Eu brinco
respondendo dizendo o seguinte: “na verdade, esse trabalho demora 20 anos
porque são 20 anos de leituras e das minhas referências na área jurídica”.
ConJur
— Quais leituras em especial o historiador deve dominar para fazer estudos
na área jurídica?
Cássio
Schubsky — Os clássicos da historiografia brasileira estão em Caio Prado
Júnior e Sérgio Buarque de Hollanda. Eles dão uma base de compreensão do
que era a estrutura administrativa e jurídica do país. Os donos do poder,
de Raimundo Faoro, também é importante. Ele conta a história a partir da
organização do estado do patronato político. E, portanto, como é a
organização jurídica do estado. Caio Prado faz a mesma coisa em Formação
do Brasil Contemporâneo. Há um capítulo específico sobre a organização
administrativa e jurídica. Eles são “os caras”. São a base da formação
de um bom trabalho histórico, historiográfico.
ConJur
— Como as instituições percebem a pesquisa histórica?
Cássio
Schubsky — Há um movimento no Brasil, muito alvissareiro, de valorização
da história. Hoje, há publicações periódicas mensais de duas ou três
revistas com excelente qualidade. A revista da Biblioteca Nacional e a
revista História Viva, sobre história geral, são exemplos de que existe
mercado para História. Há best sellers no mercado, como o 1808 [escrito
por Laurentino Gomes, a obra trata da chegada da família real portuguesa ao
Brasil naquele ano], um livro de História do Brasil. Este foi um dos mais
vendidos no país durante muito tempo e continua sendo. Ganhou o Prêmio
Jabuti em 2008, na categoria melhor livro de não-ficção. A série do Elio
Gaspari sobre a ditadura também é um exemplo. São obras de jornalistas,
mas que são trabalhos de historiador. Como historiador não é uma profissão
regulamentada, você vira historiador pelo exercício da atividade. O que
faz o historiador é a alma. É de bom tom que você tenha formação, mas
ela não é suficiente.
ConJur
— E quanto à história das instituições?
Cássio
Schubsky — Na história institucional, há muita coisa por fazer. A Aasp
tem 65 anos e até três anos não tinha uma obra para contar a sua história.
A OAB tem muitas publicações, mas ainda há muita coisa para contar. No
momento estou fazendo uma pesquisa sobre a Apesp [Associação dos
Procuradores do Estado de São Paulo], que é uma entidade de 60 anos. O
trabalho começa com a formação do acervo da entidade. Recolhemos imagens,
fotos, documentos, publicações, fazemos entrevistas, para formar um centro
de documentação e memória.
ConJur
— Quais são as leituras fundamentais para conhecer a história da Justiça
brasileira?
Cássio
Schubsky — A História do Direito Brasileiro, de José Reinaldo [Lima
Lopes], por exemplo. Ele é professor da faculdade de Direito da USP e
ganhou o Prêmio Jabuti na primeira vez que a premiação contemplou a
categoria jurídica. É um belo trabalho. Mas não é um trabalho de
pesquisa histórica, é um trabalho teórico sobre a história do Direito.
No Século XIV havia grandes juristas. A memória dessas pessoas, a lembrança
sobre elas vai se perdendo, aí você começa a pesquisar e encontra um
livrinho raro aqui, outro ali, e vai reconstituindo.
ConJur
— Ruy Barbosa é o maior jurista brasileiro?
Cássio
Schubsky — Em estatura não é, porque ele era baixinho [1,58 m]. O maior?
Eu não sei. Quando o personagem se autocultua e acabam criando, à revelia
de sua vontade, instituições para cultuar a sua memória, ele acaba se
projetando mais. Ruy Barbosa tem a Casa Ruy Barbosa, que cuida desde sempre
de sua memória. O grande jurista Augusto Teixeira de Freitas não tem.
Publicamos uma obra com depoimentos sobre San Tiago Dantas, Qualidade de
Santiago Dantas. Para minha surpresa, está na segunda edição. Quem
conviveu com o Santiago, nutre por ele grande admiração: era um jurista,
um político, um economista, um escritor, um ensaísta, um homem de muitas
atividades, um sujeito fabuloso. Mas morreu muito jovem, com 52 anos. Teve
um câncer fulminante. A memória dele foi se perdendo. Se ele tivesse
vivido mais 20 anos, provavelmente seria mais conhecido.
ConJur
— Quem foi Augusto Teixeira de Freitas?
Cássio
Schubsky — Era um grande nome do Direito, como era o Clóvis Bevilaqua,
como era o Ruy Barbosa, aquela figura enciclopédica, que tinha uma formação
humanística muito elaborada. Hoje, temos o jurista especialista.
Antigamente, o jurista era uma figura com formação bastante variada, rica.
O Teixeira de Freitas era pouco conhecido no país. Clóvis Bevilaqua também.
Este ano é o sesquicentenário do seu nascimento. Ele nasceu no dia 4 de
outubro de 1859. Ninguém está falando sobre ele.
ConJur
— Qual a contribuição de Clóvis Bevilaqua para o país?
Cássio
Schubsky — Eu estou pesquisando a vida deste jurista, para um perfil biográfico.
Trata-se de um ser extraordinário. Ele escreveu a história da Faculdade de
Direito do Recife, uma obra monumental, tem um ensaio sobre a relação
entre Literatura e Direito. A obra está esgotada e desconhecida. É uma
raridade. Ele era um filósofo importantíssimo, professor e acima de tudo
um sujeito modesto. Ele não ficava fazendo propaganda de si mesmo. Levou
uma vida modesta, não era dado a badalar socialmente. A sua mesa de
trabalho era super bagunçada, dizem. Ele prestava serviço jurídico de graça
porque às vezes a pessoa não podia pagar. A mais recente biografia dele
tem 20 anos. A praça Clóvis [no centro de São Paulo] é uma homenagem a
ele. É na Praça Clóvis Bevilaqua que fica o Palácio da Justiça [sede do
Tribunal de Justiça de São Paulo]. Foi ele quem concebeu o Código Civil
de 1916, que entrou em vigor no ano seguinte e durou até 2003. Antes deste
código, vigoravam as Ordenações do Reino.
ConJur
— Quais personagens da área jurídica teriam tanta relevância?
Cássio
Schubsky — José Antonio Pimenta Bueno, o Visconde e Marquês de São
Vicente, considerado por muita gente o grande constitucionalista do Império.
Tem até um instituto constitucional que é o Instituto Brasileiro Pimenta
Bueno. Tirando os constitucionalistas, boa parte da comunidade jurídica
nunca ouviu falar dele. Outro grande personagem foi o Barão de Ramalho
[Joaquim Ignacio Ramalho], que foi o fundador e primeiro presidente do
Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). Foi ele também que fundou o
Museu Paulista.
ConJur
— Quais as iniciativas mais importantes do Barão de Ramalho, em termos
jurídicos?
Cássio
Schubsky — Ele era professor e tinha atividade política. Foi vereador em
São Paulo, doutrinador e advogado. Fez trabalho de doutrina jurídica, foi
diretor da Faculdade de Direito da USP durante muitos anos e presidiu pela
primeira vez o Iasp, que é uma instituição importantíssima. Era, ainda,
conselheiro do Império.
ConJur
— O que pode dizer sobre o Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de
Direito da USP?
Cássio
Schubsky — O XI de Agosto tem uma atividade gloriosa. É de 1903, a mais
antiga entidade estudantil do país em atividade. Já tem 106 anos. A UNE
[União Nacional dos Estudantes] faz 70 anos em 2009. O XI de Agosto tem uma
trajetória rica de lutas e conquistas. Por exemplo: o voto feminino existiu
antes no XI de Agosto do que no Brasil. Só começou a ter voto feminino no
Brasil a partir da Constituição de 1934. No XI de Agosto, já tinha em
1905.
ConJur
— E já tinha mulher no XI de Agosto em 1905?
Cássio
Schubsky — Pouquíssimas mulheres. Com o voto secreto foi a mesma coisa:
chegou antes no XI de Agosto que no país, em 1925. Foi também o centro
acadêmico que criou a assistência judiciária, em 1919. Na PUC-SP, a
assistência judiciária começou em 1920. A atividade cultural também era
muito intensa, o coral, o teatro. O Largo São Francisco também foi o
celeiro de muitas lideranças políticas. O Monteiro Lobato foi da primeira
diretoria do XI de Agosto e era diretor do jornal do XI. O Oswald de Andrade
foi orador do XI em 1919. O Aluísio Nunes Ferreira Filho, que é o atual
secretário da Casa Civil do governo de São Paulo, foi presidente do XI de
Agosto em 1967. Época brava da ditadura militar. A bibliografia sobre a
escola e o movimento estudantil é pequena. Para escrever o livro A heróica
pancada — Centro Acadêmico XI de Agosto: 100 anos de lutas (são quatro
coautores) reunimos uma documentação vastíssima, desde 1903.
Fonte:
Conjur, de 26/04/2009
''Para
o cidadão, Justiça é mais eficaz que Legislativo''
A
influência crescente do Judiciário nas principais questões do País tem
assustado a classe política. Citando a imposição da fidelidade partidária
pela Justiça Eleitoral, que também cassou este ano dois governadores por
crimes eleitorais de caracterização controversa, o ministro da Justiça,
Tarso Genro, alertou para o risco da "judicialização da política".
O
vácuo do Legislativo, agravado pelo apetite legislador de medidas provisórias
do Executivo, favorece o protagonismo da Justiça, disse Cássio Casagrande,
doutor em ciência política pelo Iuperj, para quem esse é processo inevitável
na modernização da democracia e pode ter mais aspectos positivos do que
negativos.
Autor
do livro Ministério Público e a Judicialização da Política, ele
reconhece riscos de uma ação política ostensiva dos magistrados, como têm
apontado os críticos do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),
Gilmar Mendes, que bateu boca com o ministro Joaquim Barbosa na semana
passada. No entanto, lembra que os juízes têm um papel definido pela
Constituição e devem usá-lo para acelerar consensos e tirar os políticos
da inércia. A seguir, a entrevista concedida ao Estado:
O
ministro Tarso Genro alertou para o perigo da judicialização da política.
O Judiciário está assumindo papéis de outros Poderes?
A
participação das supremas cortes na formulação de políticas aumenta no
mundo inteiro. Uma das causas é a superação da ideia de supremacia do
Legislativo, que é lento, abriga interesses particularistas e não responde
a todas as mudanças sociais. A grande mudança foi o controle de
constitucionalidade importado dos Estados Unidos, que não existia no nosso
sistema jurídico até a Constituição de 1988. É o instrumento que
propicia a maior intervenção na política, porque dá ao Judiciário o
poder de dizer que uma lei aprovada pelo Legislativo não vale. Estamos
deixando uma era de supremacia do Legislativo para outra do Judiciário.
Por
que o Legislativo perdeu o ritmo das demandas sociais?
Como
havia uma centralidade desse Poder, ele ganhou muitas atribuições:
controle do Executivo, diversas comissões, acompanhamento de contas, o próprio
processo legislativo com Casas cada vez maiores. Como é um Poder
representativo, depende de consenso. E isso é difícil em temas sensíveis,
principalmente relativos a minorias ou que acarretam custos políticos para
o legislador. O cidadão que quer reivindicar um direito que não está
previsto em lei não vai mais buscar o Legislativo e esperar um projeto de
lei. Prefere o Judiciário, que se tornou um Poder mais acessível.
Mas
isso não congestiona o Judiciário, que é lento e corporativo? Como um
Poder com esses problemas pode ocupar esse espaço?
A
resposta é: está ocupando. Para o cidadão, a Justiça, com todos os seus
defeitos, é mais eficaz do que o Legislativo.
As
decisões geram regras gerais por jurisprudência. Não é uma forma de o
Judiciário legislar, tomando o lugar dos eleitos para isso?
É
tênue a diferença entre interpretar a lei e criar o Direito. Na verdade,
é função também do juiz criar o Direito. Se não há lei regulando
aquele tema, um juiz não pode dizer que não vai julgar. Ele tem que dar
uma resposta. Interpretando o constitucionalismo, ele acaba criando esse
Direito.
Não
há o risco de a Justiça se apropriar do processo político?
A
judicialização tem riscos e oportunidades. Pode ser boa ou má. Pode
oferecer oportunidades de conquistas de direitos que não seriam
concretizadas por meio das formas tradicionais de representação política.
É preciso admitir que isso pode deslegitimar a representação, as pessoas
podem pensar que não precisam se preocupar em votar bem porque podem
recorrer à Justiça para garantir direitos. Mas acredito que esse risco é
contornado pelo sistema político, que reage.
Muitas
questões começam judicializadas e acabam resolvidas no Parlamento.
O
fato de os magistrados não serem eleitos e terem tanto poder não viola o
princípio da democracia representativa?
O
fato de parlamentares e chefes do Executivo serem eleitos não significa um
sistema democrático perfeito. Há a influência do poder econômico, a
sub-representação de minorias e a incapacidade de lidar com temas que
tragam custos políticos. É interessante que a sociedade tenha um segmento
que não esteja sujeito a esses fatores, que não é eleito, mas escolhido
por mérito. E há controle. O juiz quando decide tem que justificar. As
decisões do Judiciário despertam o debate público e podem construir uma
pauta política.
A
judicialização desequilibra a harmonia entre os três Poderes?
Não.
Estamos migrando de um sistema político europeu para um modelo americano.
Nos Estados Unidos, essas controvérsias são definidas pela Suprema Corte.
A ideia de repartição de Poderes, que vem da Revolução Francesa, é a de
que um controla o outro. E, de certa forma, isso está acontecendo. Na minha
avaliação, a Justiça atingiu hoje a dimensão que deve ter: de um
instrumento efetivo de controle do Executivo e do Legislativo, inclusive
obrigando-os a assumir suas responsabilidades.
Os
juízes buscam protagonismo?
Não.
O Judiciário é passivo. Se uma questão como a fidelidade partidária
chegou ao TSE, é porque alguém levou. A Justiça vai respondendo a essas
demandas. Quem deu esse poder ao Judiciário foi o próprio Legislativo,
sobretudo na Constituinte de 88. E de forma sábia.
O
Legislativo pode rever um decisão do STF?
Claro,
pode fazer emenda constitucional. Isso já aconteceu. Outra forma de
legitimação é o Congresso não fazer nada. Indica consenso na sociedade.
O
Legislativo ainda pode recuperar seu lugar?
O
Legislativo é essencial, mas a judicialização veio para ficar. O aumento
do poder dos juízes é um fenômeno do nosso tempo, inerente ao próprio
sistema de constitucionalismo democrático que temos. Ainda é cedo para
saber em que medida isso vai se dar. Se o Legislativo responder de forma
mais eficaz aos anseios da sociedade, esse protagonismo do Judiciário tende
a diminuir. Se continuar com os escândalos, moroso e distante, o Judiciário
vai avançar.
Isso
estimula magistrados a uma atuação política exagerada, como dizem os críticos
do presidente do STF, Gilmar Mendes?
Uma
coisa é a judicialização da política e outra é a politização do
Judiciário. Como o Judiciário acaba intervindo em questões afetas ao
Legislativo e ao Executivo, há o risco de o debate tomar um viés ideológico.
Isso está acontecendo, não há como negar.
Essa
postura de Mendes pode tirar a credibilidade do Judiciário, como acusou
Joaquim Barbosa?
É
um risco, mas não vai acontecer necessariamente. Hoje está se percebendo o
quão importante é a nomeação de um ministro do STF. O Supremo é um
Poder político. Essa ideia de que o Judiciário está descolado do sistema
representativo é equivocada. Até há pouco tempo, ninguém saberia dizer o
nome de três ministros do STF. Hoje todo mundo conhece os ministros, sabe
quem é conservador ou progressista, se gostam um do outro.
Quem
é:
Cássio
Casagrande
É
procurador do Ministério Público do Trabalho e doutor em ciência política
pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
Autor
de "Ministério Público e a Judicialização da Política - Estudo de
casos"
JUSTIÇA
FALA MAIS ALTO
Restrição
às algemas
13/8/2008:
Após reação do presidente do Supremo, Gilmar Mendes, aos métodos usados
pela Polícia Federal, a corte aprova uma súmula vinculante restringindo o
uso de algemas a "casos excepcionais"
Fidelidade
partidária
12/11/2008:
Nove ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) validam resolução do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 27 de março de 2007 que concluiu que
os mandatos pertencem aos partidos
Caso
Cesare Battisti
13/01/2009:
Apesar de o ministro da Justiça, Tarso Genro, ter concedido refúgio ao
ex-militante de esquerda italiano acusado de assassinato em seu país,
Battisti permanece preso. Caso será decidido pelo STF Liberdade antes do
julgamento
5/2/2009:
Com base na Constituição, STF decidiu que acusados sem condenação
definitiva podem responder ao processo em liberdade
Cassação
de governadores
17/2/2009:
TSE confirma cassação do mandato do governador da Paraíba, Cássio Cunha
Lima (PSDB), por abuso de poder econômico e político, e dá posse a José
Maranhão
14/4/2009:
TSE determina a posse de Roseana Sarney
(PMDB)
no governo do Maranhão em substituição a Jackson Lago (PDT), acusado de
abuso de poder político
Raposa
Serra do Sol
19/3/2009:
Sob a pressão de índios e agricultores, o STF
confirma
a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em
Roraima, e determina saída de arrozeiros
Fonte:
Estado de S. Paulo, de 26/04/2009
Delegado
acusa Marzagão de omissão
O
delegado Roberto Fernandes alugou um apartamento, instalou câmeras
escondidas e gravou as conversas durante dois meses. Reuniu documentos e
entregou o resultado das investigações aos superiores. Mas, em vez de ver
os corruptos punidos, Fernandes é quem foi afastado e colocado em um cargo
normalmente reservado a delegados que caem em desgraça: a delegacia de
cartas precatórias, ao lado do Viaduto Aricanduva. Tudo, segundo ele, era
de conhecimento do então secretário da Segurança Pública, Ronaldo Marzagão,
que "silenciou por completo e não tomou nenhuma providência no
sentido de coibir os crimes narrados". O ex-secretário nega.
Fernandes
está há 40 anos na polícia. É delegado de classe especial, o nível mais
elevado da carreira, há 20 anos. Trabalhou no antigo Departamento de Ordem
Política e Social (Dops) com o hoje senador Romeu Tuma (PTB-SP). Ele havia
sido nomeado delegado seccional de Marília em 2007. Era então considerado
um homem ligado a Marzagão. Em dezembro de 2007, foi exonerado.
As
acusações de Fernandes contra integrantes da cúpula da Polícia Civil e
contra Marzagão constam do depoimento que o delegado prestou em sigilo, em
agosto de 2008, aos promotores do Grupo de Atuação Especial e Combate ao
Crime Organizado (Gaeco), de Bauru, que apurava o caso em conjunto com
Ministério Público Federal (MPF). Segundo o procurador da República
Marcos Salati, o delegado se tornou uma das principais testemunhas da acusação.
Suas informações ajudaram na decretação da prisão de 33 dos 52 réus no
processo por contrabando, corrupção e formação de quadrilha contra a máfia
dos caça-níqueis.
Fernandes
conta que estava começando as investigações quando teve de interrompê-las,
por causa de sua remoção de Marília, em outubro de 2007. O policial foi
primeiramente classificado na subdelegacia-geral, em São Paulo. Ele decidiu
tirar 60 dias de licença-prêmio. Foi até Bauru, sede do Departamento de
Polícia Judiciária do Interior (Deinter-4), que comandava Marília, Jaú,
Lins e outras cidades em que o delegado sabia haver arrecadação de propina
da máfia do jogo. Ali, Fernandes alugou um apartamento.
O
delegado espalhou câmeras pelo imóvel e passou a se reunir com advogados e
outros que teriam conhecimento do esquema de corrupção. Gravou 11
entrevistas, material suficiente para preencher sete DVDs e dois CDs. Neles
haveria o relato de arrecadação de propina para que a máfia do jogo não
fosse incomodada na região.
O
policial reuniu tudo e, quando se apresentou em 22 de janeiro de 2008 na
subdelegacia-geral, procurou o então ocupante do cargo, delegado Paulo
Bicudo. Ali, fez a entrega dos documentos. Diante dos fatos, Bicudo chamou o
delegado Francisco Alberto de Souza Campos, então diretor da Corregedoria
da Polícia Civil. "Apanhei os documentos e entreguei o recibo",
disse o delegado. "Foi aberta uma investigação."
Fernandes,
no entanto, contou aos promotores que, um dia depois de entregar os
documentos, foi novamente removido. Desta vez, soube pelo Diário Oficial do
dia 23 de janeiro de 2008 que devia deixar a subdelegacia-geral, transferido
para o Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap), onde
assumiria a burocrática delegacia de cartas precatórias. Além disso, uma
apuração preliminar foi instaurada contra ele, com base em representação
de um dos delegados que acusava, o então diretor do Deinter-4, Roberto de
Mello Annibal, que integrava a cúpula da polícia.
A
retaliação, segundo Fernandes, era a tônica "da administração da
Polícia Civil com relação ao próprio declarante, por conta do
enfrentamento sistemático da corrupção". Na época, a polícia era
chefiada pelo secretário Marzagão. A corregedoria instaurou uma simples
apuração preliminar sobre suas denúncias. Meses depois, ao ser procurado
pelos promotores, Fernandes relatou que "a representação que
sofreu" estava "em fase de apuração muito mais rápida" do
que a denúncia que ele fizera.
Contou
que um advogado havia procurado o delegado Annibal para "defender os
interesses dos proprietários locais de máquinas caça-níqueis". O
advogado teria sido encaminhado por Annibal ao delegado seccional de Jaú,
Antônio Carlos Piccino Filho que, por "conta de recomendações e
tratativas, encaminhou o advogado ao chefe dos investigadores da seccional,
Pavini, para passar a orientação de que a Polícia Civil não deveria mais
atuar em repressão aos caça-níqueis".
Segundo
Fernandes, na reunião, o advogado encaminhado por Annibal a Jaú ofereceu
ao investigador R$ 30 mil mensais "para que o investigador adotasse o
mesmo tipo de entendimento". Como recusou a proposta, Pavini foi
destituído da chefia e "contou pessoalmente ao declarante
(Fernandes)" o que havia ocorrido. "Ele acabou lotado no 4º DP,
distante da sede anterior em mais de 20 quilômetros". Inquérito na
corregedoria só foi aberto em 13 de outubro de 2008. Mas, antes que o órgão
chegasse a uma conclusão, a Polícia Federal, acionada pelo MPF e pelo
Gaeco, saiu a campo em 31 de março e prendeu 26 dos 33 acusados que tiveram
a prisão decretada. Annibal e Piccino Filho, que negam as acusações,
foram denunciados pelo procurador Salati, que pediu as prisões, mas elas
foram negadas. A Justiça Federal, no entanto, abriu processo contra eles e
decretou as prisões de outros sete policiais.
DEPOIMENTO
Roberto
Fernandes
Delegado
classe especial
"Os
fatos referidos no dossiê e nas declarações e documentos que o instruem,
incluindo gravações em mídia, são de inteiro conhecimento do senhor
secretário da Segurança Pública, assim como também o são as retaliações
que vem sofrendo desde que se lançou nessa empreitada. Entretanto, apesar
desse profundo conhecimento dos fatos e circunstâncias, aquela autoridade
silenciou por completo e não tomou nenhuma providência no sentido de
coibir os crimes narrados ou de reparar a perseguição de caráter pessoal
que vem sofrendo"
Fonte:
Estado de S. Paulo, de 26/04/2009
O
SUS e o direito da coletividade
NESTA
SEMANA , o Brasil galga importante degrau rumo ao aperfeiçoamento de sua
democracia. O STF (Supremo Tribunal Federal) promove, em audiência pública,
o encontro de conhecimentos e responsabilidades, de diferentes posições, a
respeito dos diversos aspectos que estruturam o SUS (Sistema Único de Saúde),
dimensionam a sua abrangência e qualificam a sua gestão.
Os
debates reúnem representantes dos setores diretamente envolvidos com a saúde
pública brasileira. Com eles, a mais alta corte do país busca subsídios
para definir como as demais instâncias do Judiciário devem se posicionar
diante de uma avalanche de ações judiciais que pressionam o SUS a fornecer
medicamentos e os mais variados tratamentos.
A
discussão desse tema está diretamente relacionada à constitucionalização
dos direitos individuais e sociais, uma vitória da democracia brasileira
que precisamos garantir. Nosso sistema público de saúde tem a atribuição
constitucional de oferecer a todos os brasileiros o acesso à saúde segundo
um ideal de justiça social, baseado na universalidade, integralidade,
resolubilidade e acessibilidade.
Único
acesso aos serviços de saúde para 140 milhões de brasileiros (70% da
população), o SUS tem uma produção anual de 2,3 bilhões de atendimentos
ambulatoriais, 16 mil transplantes, 215 mil cirurgias cardíacas, 11,3 milhões
de internações e 9 milhões de procedimentos de rádio e quimioterapia.
Na
assistência farmacêutica, de 2002 até o ano passado, o orçamento do
Ministério da Saúde quase triplicou, passando de R$ 2,1 bilhões para R$
5,4 bilhões. São oferecidos medicamentos para a atenção básica e
programas estratégicos, nos quais estão incluídas doenças endêmicas e
negligenciadas, como tuberculose, hanseníase, malária e Chagas, entre
outras, e ainda medicamentos para doenças raras e de baixa prevalência que
apresentam alto custo de tratamento, como hepatite C, doença de Gaucher,
Alzheimer, Parkinson e insuficiência renal crônica. O Brasil é, também,
o único país em desenvolvimento a garantir, gratuitamente, tratamento
integral a portadores de HIV.
No
entanto, os recursos financeiros destinados ao custeio e a novos
investimentos do SUS são e sempre serão finitos, sobretudo se considerados
os custos crescentes na área da saúde, relacionados à ampliação dos
cuidados, ao envelhecimento populacional, às características próprias da
atividade econômica do setor e à crescente incorporação de novas
tecnologias.
Essa
incorporação tem de ser considerada diante da necessidade de atender ao
conjunto das doenças que mais acometem o brasileiro, em termos de ocorrência
ou de gravidade. Ela se faz a partir da análise dos critérios de eficácia,
efetividade e custo/ benefício e deve estar acompanhada de regras precisas
quanto às circunstâncias e condições de indicação, forma de uso, critérios
de acompanhamento e interrupção. Esses protocolos, com suas necessárias
revisões periódicas, são -e, para o bem do futuro do SUS, devem continuar
a ser- o norte dessa política.
Está
nas mãos do Judiciário brasileiro a responsabilidade de julgar casos em
que, muitas vezes, prescrições médicas privilegiam medicamentos
extremamente caros em situações em que o SUS oferece remédios eficazes
para o mesmo tipo de tratamento a custo muito mais compatível.
Impressiona
e preocupa como a pressão por incorporação de procedimentos
experimentais, produtos não registrados no país, tecnologias sem forte
consenso entre especialistas, que envolvem milhares de desdobramentos
judiciais, tem distorcido a imagem da gestão do SUS, incorretamente tratada
como dificultadora do acesso a procedimentos e medicamentos. Transferir para
o SUS a responsabilidade por atendimento feito fora de suas normas
operacionais pode gerar consequências como desregulação do acesso
assistencial, perda da integralidade e redução de controle e avaliação
da atenção prestada.
Na
verdade, devemos buscar um modelo em que o Estado, os médicos e as
entidades que representam os pacientes possam juntos estabelecer critérios
transparentes, baseados em protocolos e consensos terapêuticos, a custos
que a sociedade brasileira possa suportar.
O
objetivo dessa estratégia deverá estabelecer normas, mecanismos e
instrumentos operacionais para proteger as pessoas e a coletividade,
garantindo a integralidade assistencial com o melhor resultado, o menor
risco e custos compatíveis.
Estamos
certos de que o STF, como de hábito, decidirá de modo ponderado e
equilibrado. Pois o que está em jogo é a manutenção dos pilares
conceituais do SUS.
JOSÉ
GOMES TEMPORÃO , 57, é o ministro da Saúde. Médico, é mestre em saúde
pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e doutor em
medicina social pelo Instituto de Medicina Social da Uerj (Universidade do
Estado do Rio de Janeiro).
Fonte:
Folha de S. Paulo, seção Tendências e Debates, de 26/04/2009
Controle
social das Defensorias Públicas
ESTÁ
SENDO debatido na Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 28/07, que
garante às Defensorias Públicas do Brasil maior autonomia em relação ao
Poder Executivo.
No
geral, o projeto traduz ganhos institucionais. O exame de alguns aspectos,
contudo, evidencia a configuração de um verdadeiro retrocesso em relação
às conquistas obtidas pela sociedade paulista.
Em
São Paulo, houve uma intensa mobilização de setores da sociedade para que
a Defensoria Pública fosse instalada. Essa participação social
estendeu-se durante todo o processo, refletindo-se claramente na lei orgânica
da instituição. Com efeito, vários mecanismos de participação e
controle sociais foram incorporados. O destaque conferido à atuação da
sociedade se constitui em um inovador paradigma legislativo.
Entre
esses mecanismos de participação e controle sociais está a
ouvidoria-geral, concebida como órgão da administração superior, gerida
por pessoa não integrante dos quadros da Defensoria Pública, escolhida
pelo governador do Estado com base em indicações da sociedade. Trata-se da
primeira ouvidoria externa da história das instituições jurídicas.
A
ausência de integrantes da Defensoria Pública, tanto como componentes da
lista de possíveis candidatos ao posto quanto no processo de escolha do
ouvidor, representa uma das principais garantias de sua autonomia e independência.
Atributos que, indiscutivelmente, contribuem positivamente para seu
desempenho.
Essa
exclusão da instituição não é fortuita. Trata-se de um requisito básico,
que assegura ao ouvidor condições para cumprir suas obrigações
fundamentais. Cabe a ele, basicamente, ser um elo entre a instituição e o
cidadão. É a voz da sociedade na Defensoria Pública. Tal atribuição
implica muito mais do que receber e transmitir reclamações e queixas.
A
representação dos interesses da sociedade significa um conjunto de práticas
cuja finalidade maior é o aperfeiçoamento da Defensoria Pública. Nesse
sentido, cabe ao ouvidor recolher informações, processar dados, elaborar
diagnósticos, apontar possíveis soluções.
A
efetivação dessas obrigações será seriamente comprometida se o ouvidor
possuir elos com a instituição -sejam essas ligações resultantes de sua
escolha e nomeação, sejam elas resultantes do pertencimento ao próprio
quadro da Defensoria Pública.
Seria
truísmo lembrar que as chances de distinguir aspectos frágeis e de
elaborar críticas são tanto maiores quanto maiores os graus de autonomia e
de independência do ouvidor.
São
exatamente esses parâmetros que são alterados no projeto de lei nº 28.
Segundo prescreve o projeto, a escolha do ouvidor passaria a ser feita ou
pelo defensor público-geral ou pelo Conselho Superior da Defensoria Pública.
Ademais,
condizente com a modificação anterior, altera também, e de modo
significativo, a posição da ouvidoria na estrutura da instituição. A
ouvidoria deixaria de ser um órgão da administração superior e passaria
a ser um órgão auxiliar.
O
projeto de lei em referência, tal como hoje está redigido, se aprovado,
mitigará de modo expressivo as potencialidades de atuação da ouvidoria.
Na prática, a ouvidoria será transformada em um departamento interno da
Defensoria Pública, passível de ser controlado pela instituição.
Ora,
no limite, uma ouvidoria sem autonomia e independência deixa de ser
ouvidoria. Os ganhos advindos de uma ouvidoria forte e emancipada da
Defensoria Pública são ganhos da e para a cidadania; são ganhos para a
inclusão social; são ganhos para a própria Defensoria Pública.
Por
paradoxal que pareça, o aumento do grau de controle da Defensoria Pública
sobre o ouvidor enfraquece não só o ouvidor mas também a própria
Defensoria Pública. Diminuem suas chances de abertura às demandas sociais,
de incorporar inovações, de transparência, enfim, de efetivamente colocar
o assistido em primeiro lugar.
São,
pois, de monta os riscos decorrentes da aprovação do projeto de lei em
debate, de autoria do Poder Executivo, elaborado com a contribuição das
Defensorias Públicas. Parece um contra-senso que a instituição que
legitimamente luta por autonomia valide mecanismos que enfraqueçam o
controle social e desfaça conquistas -que se acreditava que seriam
expandidas para além de São Paulo.
WILLIAN
FERNANDES é ouvidor-geral da Defensoria Pública de São Paulo e presidente
do Colégio de Ouvidorias das Defensorias Públicas do Brasil.
MARIA
TEREZA SADEK é pesquisadora sênior e diretora de pesquisa do Centro
Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, professora doutora do
Departamento de Ciência Política da USP e membro do Conselho da Ouvidoria
da Defensoria Publica de São Paulo.
Fonte:
Folha de S. Paulo, seção Tendências e Debates, de 27/04/2009
Defensores capixabas brigam por orçamento próprio
A
Associação Capixaba dos Defensores Públicos entrou com Reclamação, no
Supremo Tribunal Federal, com pedido de liminar, contra o governador do Espírito
Santo, que deixou de incluir no Projeto de Lei 308/08, orçamento autônomo
para a Defensoria Pública do estado. A associação alega que a atitude
viola o artigo 134, parágrafo 2º da Constituição Federal, que garante ao
órgão orçamento exclusivo. O subprocurador-geral da República,
FrAuancisco Adalberto Nóbrega, concedeu parecer favorável à reclamação.
A
associação fundamenta-se na Ação Direta de Inconstitucionalidade
3.569/PE - apresentada pelo Diretório Nacional do Partido Trabalhista
Brasileiro, no STF, que queria derrubar normas do inciso IV do artigo 2º da
Lei 12.775/05, de Pernambuco. A norma vincula a Defensoria Pública Estadual
à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos.
O
STF julgou procedente o pedido do partido e entendeu que o “dispositivo
impugnado viola o parágrafo 2º do artigo 134 da CF, incluído pela EC
45/04, que assegura às Defensorias Públicas Estaduais autonomia funcional
e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária”.
A
associação argumenta que o governo do Espírito Santo deveria seguir a
decisão do STF. “Assim, uma vez que essa Corte interprete a norma
constitucional abstratamente, em sede de ação direta de
constitucionalidade, há a definição do significado e alcance da norma que
deverá ser respeitado por todos os demais órgãos estatais, sob pena de
desrespeito à sua função constitucional”, completa.
Fonte:
Conjur, de 26/04/2009
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