Apesar da
pressão dos bancos privados, o governo de São Paulo está
decidido a não fazer o leilão para vender a Nossa Caixa.
A Folha apurou que, na avaliação do governo, se for a
leilão, a operação enfrentaria muitas resistências tanto
dos milhares de funcionários estaduais como da própria
Assembléia Legislativa, o que praticamente
inviabilizaria o negócio no atual governo, que acaba em
2010. O leilão, segundo o governo estadual, levaria o
dobro do tempo de um acerto com o Banco do Brasil.
A avaliação do
governo de São Paulo é que o próprio PSDB, partido do
governador José Serra, iria se opor à privatização da
Nossa Caixa. A venda depende de aprovação da Assembléia
Legislativa.
O governador de
São Paulo, José Serra, deixou evidente ontem a
disposição de venda do banco Nossa Caixa para o BB, em
vez de um leilão.
Após frisar que
o critério será o de obtenção "do máximo de recursos",
Serra afirmou que "é natural pensar que a proposta do
Banco do Brasil será sempre melhor para o Estado de São
Paulo", porque, como instituição pública, terá direito
aos R$ 16 bilhões em depósitos judiciais da Nossa Caixa.
"O interesse do
Banco do Brasil, em grande medida, é comprar a Nossa
Caixa para poder receber também esses depósitos. Eles
nunca iriam para um banco privado. Nesse sentido, é
natural pensar que a proposta do Banco do Brasil será
sempre melhor para o Estado de São Paulo, implicará
trazer mais recursos do que, em princípio, propostas de
banco privado", afirmou o governador, em Campos do
Jordão.
Embora não tenha
descartado categoricamente a hipótese de leilão
-lembrando, porém, que dependeria de aprovação prévia da
Assembléia Legislativa-, Serra construiu o argumento de
que o BB apresentará melhor oferta por ser o maior
interessado. Segundo ele, as propostas dos bancos
privados "não aconteceram". "Se quiserem fazer, podem
fazer. Mas o BB tem mais interesse porque é um banco
público e poderá ficar com os depósitos judiciais."
Ele repetiu que,
"se a Nossa Caixa fosse vendida para a área privada, os
depósitos judiciais não iriam para o banco que
comprasse". E insistiu: "Está claro isso? Iria para
algum banco público do Brasil. Isso que o pessoal não
está levando em consideração, às vezes, quando faz seus
comentários".
Em outro recado
aos bancos privados, Serra reafirmou que a venda
dependerá da proposta. O governador apontou "as
necessidades de investimentos em São Paulo, que precisa
muita coisa" como justificativa para a venda. "Tem muita
demanda aqui em São Paulo. Nesse sentido, se houver uma
oferta boa, a gente tende a aceitar. Mas, eu insisto,
está muito no começo e depende do preço. Se for um preço
que não convier, não vamos vender."
Questionado
sobre a possibilidade de leilão, Serra lembrou que
"qualquer que seja a decisão terá que passar pela
Assembléia Legislativa". "Em qualquer caso, o que vamos
defender é que se obtenha o máximo de recursos e que se
defenda os direitos e interesses dos funcionários da
Nossa Caixa". Serra disse que trabalhará para que se
tenha "mais recursos para investir".
Já o
vice-governador e secretário de Desenvolvimento, Alberto
Goldman, disse que a "expectativa é que não se faça
leilão, é fazer a operação com o BB". "Nós temos que
vender nas melhores condições possíveis. Dificilmente os
bancos privados poderão oferecer o que o Banco do Brasil
vai nos oferecer", justificou Goldman, lembrando ainda
que a venda para o BB enfrentaria menor resistência
política.
Serra, por sua
vez, fez questão de afirmar que "o que houve até agora
foi uma proposta do Banco do Brasil, foi o Banco do
Brasil que nos procurou manifestando seu interesse.
Então, concordamos com a idéia de recebermos uma
proposta".
O governador
disse que não participou da negociação nem falou com
Lula do tema, apesar da grande aproximação e constante
diálogo entre os dois.
Fonte: Folha de S. Paulo, de
24/05/2008
''Venda financiará obras'', diz Serra
Diante da reação
dos principais bancos privados do País, pedindo que o
banco estadual paulista Nossa Caixa seja vendido em
leilão aberto, e não diretamente ao Banco do Brasil,
como foi anunciado na noite de quarta-feira, o
governador de São Paulo, José Serra (PSDB), interrompeu
o repouso em Campos do Jordão para defender, em
entrevista, a venda para o banco federal.
Segundo ele, a
venda para o Banco do Brasil tem a vantagem de ser mais
rentável para o caixa do governo do Estado. Isso porque
na Nossa Caixa estão depositados cerca de R$ 16 bilhões
em depósitos judiciais que, pela lei, só podem estar em
bancos públicos.
Segundo o
governador, caso a venda se concretize, os recursos
serão usados em obras em estradas, no sistema de
transporte, em educação, saúde e saneamento. "Vamos
procurar fazer aquilo que seja melhor para o Estado de
São Paulo, esse é o critério do governo e vamos
trabalhar para que nós tenhamos mais recursos para
investir."
Ontem, após o
Estado publicar uma declaração do presidente do Banco
Itaú, Roberto Setubal, favorável a um leilão que garanta
maior transparência na venda da Nossa Caixa, todos os
principais bancos saíram em defesa da mesma tese.
O governador
explicou que o interesse na compra da Nossa Caixa partiu
do Banco do Brasil e o governo concordou em receber a
proposta. "Estamos conversando com o Banco do Brasil.
Isso depois vai ter que ser examinado pela Assembléia
Legislativa. Não é um assunto para resolver hoje ou
amanhã."
Serra disse que
não está participando das negociações e não conversou
com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a esse
respeito. "Toda a conversa foi entre a Secretaria da
Fazenda e a direção do Banco do Brasil; eu apenas
acompanhei."
PRÓXIMOS PASSOS
Reunião
realizada ontem, em São Paulo, entre o presidente do
Banco do Brasil, Antonio Francisco Lima Neto, e o
presidente da Nossa Caixa, Milton Luiz de Melo Santos,
acertou os próximos passos para o acerto do negócio. O
primeiro passo será assinar um acordo de
confidencialidade das informações da Nossa Caixa, o que
deverá ocorrer na terça-feira. Se a conversa for
adiante, a etapa seguinte será uma auditoria na Nossa
Caixa .
Do lado
paulista, quem vai conduzir a negociação será o
secretário da Fazenda, Mauro Ricardo. Ele terá um
encontro na segunda-feira com dirigentes da Nossa Caixa.
Nas negociações deverão ser usadas informações que estão
sendo levantadas pelos bancos Fator e Citi, contratados
no início do ano para fazer um estudo sobre as estatais
de São Paulo.
Fonte: Estado de S. Paulo, de
24/05/2008
Negociação sem licitação é ilegal, dizem juristas
A operação de
compra da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil, sem a
realização de um leilão, é inconstitucional, dizem
juristas. De acordo com Ives Gandra Martins, o negócio
fere os artigos 173 e 175 da Constituição Federal e
também a Lei 8.666, de licitações. "Estou convencido de
que um leilão, nesse caso, é imprescindível", afirmou em
entrevista ao Estado.
Segundo o
jurista, o fato de o Banco do Brasil ser uma sociedade
de economia mista - parte do capital é estatal, outra
parte é negociada em bolsa de valores - o torna
equivalente a um banco privado, no processo de
aquisição. "Caso contrário, fere o artigo 173 da
Constituição Federal, que afirma que sociedades de
economia mista estão sujeitas às mesmas regras aplicadas
às empresas privadas", diz. "A Lei de Licitações reforça
isso: todo bem público a ser vendido deve passar por uma
licitação."
Para Ives Gandra,
o negócio é claramente ilegal. "Se a venda for feita,
certamente cairá no Judiciário." Além disso, diz, a não
realização de um leilão contraria o artigo 175 da
Constituição Federal - que "incumbe ao Poder Público, na
forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, sempre através de licitação, a prestação de
serviços públicos." Segundo ele, um leilão seria o
caminho correto, pois daria transparência à aquisição e
asseguraria o melhor preço pela instituição, a exemplo
do que ocorreu na privatização do Banespa.
O jurista Marçal
Justen Filho, especializado em direito administrativo e
licitações, tem a mesma opinião. "A alienação de bens e
direitos da administração pública deve ser feita por
meio de licitação. E o Banco do Brasil não pode ter
benefícios em face de outros bancos privados." Segundo
Justen, a não realização de licitação quando há
obrigatoriedade pode ser considerada crime.
Na visão de
outros especialistas, no entanto, o negócio pode ser
concretizado, mesmo sem leilão. "A aquisição é viável
juridicamente, pois trata-se de transferência de ativos
dentro da esfera do patrimônio público", afirma
Alessandro Octaviani, professor da Fundação Getúlio
Vargas (FGV).
"Não há
alienação do patrimônio público, ou seja, transferência
do público para uma empresa privada. O leilão pode ser
feito para dar transparência ao processo, mas, nesse
caso, não há obrigação legal", afirma Gilberto Bercovici,
professor de direito econômico da Universidade de São
Paulo (USP).
SINDICALISTAS
Ontem pela
manhã, em reunião com o presidente do Banco do Brasil,
Antônio de Lima Neto, lideranças sindicais manifestaram
preocupação quanto à preservação de direitos e a
possíveis demissões caso o negócio se concretize. O
presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Luiz
Claudio Marcolino, disse que espera do Banco do Brasil
respeito aos contratos vigentes entre a Nossa Caixa e
seus funcionários. "Quando ocorreram as privatizações de
bancos, na década de 90, o que vimos foi a redução de
postos de trabalho e o fechamento de agências em todo o
País."
Para o deputado
estadual Davi Zaia (PPS-SP), presidente da Federação dos
Bancários de São Paulo, as negociações entre o governo
de São Paulo e o Banco do Brasil colaboram para
intensificar a concentração do setor financeiro. Mas
critica os questionamentos feitos por Bradesco e Itaú.
"Existe um processo de concentração, mas não é justo que
somente os bancos privados possam participar disso."
Fonte: Estado de S. Paulo, de
24/05/2008
Estados exageram perdas com reforma tributária, revela
estudo
Os Estados
perderão muito menos do que estão declarando alguns
governadores e, em alguns casos, terão aumento de
receita com a reforma tributária, de acordo com estudo
elaborado por técnicos do Conselho Nacional de Política
Fazendária (Confaz). Os dados indicam que as perdas
devem se restringir a seis Estados (Amazonas, São Paulo,
Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo)
e não passariam de R$ 4 bilhões ao final da transição da
mudança na cobrança do ICMS da origem para o destino. Já
os ganhos de receita, provenientes do fim da guerra
fiscal, de acordo com estimativas do Ministério da
Fazenda utilizadas na comparação, podem chegar a R$ 11
bilhões para as outras 21 unidades da Federação.
O estudo do
Confaz obtido pelo Estado é inédito e, apesar de estar
há mais de dois meses pronto, até hoje não foi
divulgado. Alguns secretários estaduais de Fazenda
preferem continuar utilizando em público seus próprios
números, em vez dos dados levantados pelo órgão técnico,
que cruza informações sobre o fluxo comercial de todos
os cantos do Brasil referentes ao ano de 2005.
Com base nesses
dados, os técnicos tentaram estimar qual seria o efeito
das alterações na partilha do ICMS propostas pelo
governo. A mudança da cobrança do imposto na origem para
o destino é uma das principais polêmicas da reforma
tributária, porque redistribui recursos e aplaca a
guerra fiscal, ao reduzir os benefícios que os Estados
podem oferecer para atrair a instalação de empresas em
seus territórios.
Atualmente,
metade dos R$ 187 bilhões arrecadados anualmente pelos
Estados provém das chamadas operações interestaduais, ou
seja, vendas de um Estado para outro.
Nesses casos, a
maior parte do imposto fica atualmente com o Estado
produtor, de origem. Em média, quando a mercadoria é
tributada com uma alíquota de 17% (como os automóveis),
12% ficam com o Estado produtor e a diferença de 5% fica
com o Estado de destino. É esse rateio que o governo
está tentando mudar na reforma, reservando apenas 2%
para a origem e entregando os 15% restantes para o
destino. O princípio por trás da proposta é que o
imposto fique no Estado em que vive o consumidor que
pagou pelo mesmo, como ocorre em outras partes do mundo.
PERDAS
DISCUTÍVEIS
"A briga
origem-destino está superada. O destino vai prevalecer,
mas é preciso saber como o governo pretende compensar os
Estados perdedores", diz o secretário de Fazenda do
Ceará, Mauro Benevides Filho, coordenador do Confaz.
Segundo ele, o número de Estados que perdem com a
mudança chega a 10 ou 13, e não há segurança de que o
Fundo de Equalização de Receitas (FER) proposto pelo
governo (com até R$ 7,1 bilhões) será suficiente para
repor todas as perdas. "Não há recurso que cubra a perda
do Centro-Oeste", afirma taxativamente o
secretário-adjunto da Receita de Mato Grosso, Marcel
Cursi.
As estimativas
da equipe econômica, entretanto, e os próprios dados do
Confaz, que reúne os secretários de Fazenda dos Estados,
mostram uma realidade distinta. Em primeiro lugar, as
perdas e ganhos levantadas pelos técnicos não se
igualam. Ou seja, a soma das perdas supera a soma dos
ganhos, o que prova que os dados estão incompletos e que
as perdas potenciais estão superestimadas.
Em segundo
lugar, os técnicos argumentam que as "perdas" embutem a
parcela do ICMS que já não está sendo cobrada pelos
Estados por causa da guerra fiscal, e ninguém pode
perder algo que não está arrecadando hoje. No total,
estima-se que o valor da renúncia fiscal nas transações
interestaduais seja de R$ 15 bilhões.
O Amazonas, por
exemplo, aparece no estudo como o principal perdedor da
mudança da origem para o destino. São R$ 2,8 bilhões em
valores de 2005 ou 95% de sua receita de ICMS.
Esse valor
corresponde ao que o governo amazonense teoricamente
estaria cobrando nas transações interestaduais, mas que,
na prática, não cobra, como atestam os próprios
documentos da Secretaria de Fazenda. A renúncia fiscal
no Amazonas chega a R$ 3,1 bilhões e, desse valor, pelo
menos R$ 2 bilhões se referem a isenções de vendas para
outros Estados.
Quando a
alíquota do ICMS na origem começar a ser reduzida de 12%
para 2%, essa isenção na origem vai começar a diminuir
de tamanho, sem efeito para os cofres do Amazonas (que
não cobra o imposto), mas com ganhos para os cofres dos
Estados para onde são destinadas as mercadorias da Zona
Franca de Manaus.
Fonte: Estado de S. Paulo, de
25/05/2008
Justiça não aceita lei processual em execução
Uma cooperativa
do Estado do Pará conseguiu na primeira instância da
Justiça Federal manter as regras tradicionalmente
aplicadas pelo Judiciário à execução fiscal, evitando
assim que seja aplicado o Código de Processo Civil ao
processo fiscal ao qual responde. Apesar das alegações
da Fazenda Nacional, o juiz substituto da 6ª Vara
Federal de Belém reviu entendimento do juiz titular da
vara e manteve suspensa a execução fiscal da cooperativa
a partir da apresentação de defesa (embargos) por ela.
Este tipo de
discussão tem feito parte das ações de cobrança de
tributos federais - as chamadas execuções fiscais - em
razão de uma tese que tem sido defendida pela
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) desde o
fim do ano passado. O órgão alega que as regras do
Código de Processo Civil (CPC) podem ser aplicadas às
ações de execução fiscal na ausência de regras
específicas da Lei de Execução Fiscal - a Lei nº 6.830,
de 1980 - ou ainda quando as previsões do CPC forem mais
benéficas para a efetivação dos créditos da União.
Na prática, de
acordo com advogados tributaristas, aplicar o CPC
significa que a ação continuará a tramitar, mesmo com o
oferecimento de bens e a apresentação de defesa. Desta
forma, os bens dados em garantia poderão ser leiloados
antes mesmo do julgamento final da ação. Isto ocorre em
razão do artigo 739-A do CPC - introduzido pela Lei nº
11.382, de 2006 - segundo a qual a execução continua
mesmo com os embargos e o oferecimento de bens. Antes, o
código previa o contrário: a defesa e os bens oferecidos
suspendem o andamento da execução, entendimento que
também era aplicado pelos tribunais.
Na decisão, o
juiz substituto Sérgio de Norões Milfont Júnior, afirma
não vislumbrar lacuna na Lei de Execução Fiscal para a
aplicação subsidária do artigo 739-A do CPC, "sendo
cristalina a opção do legislador pela eficácia
suspensiva até, pelo menos, a decisão de primeiro grau
dos embargos".
O advogado que
defende a cooperativa, Fernando Facury Scaff, sócio do
escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello,
Guimarães, Pinheiro e Scaff Advogados, afirma que o
magistrado entendeu que apesar da Lei de Execuções
Fiscais não tratar diretamente da suspensão, a lógica da
norma leva à admissão do efeito suspensivo. O advogado
defende que o CPC não pode ser aplicado à execução
fiscal, pois o código trata de títulos que não têm
contraditório (confessa-se de antemão a dívida) e as
questões fiscais necessariamente têm contraditório. Além
disto, como afirma, a discussão envolve questões
constitucionais e os tribunais administrativos não
tratam do controle de constitucionalidade.
O Código de
Processo Civil foi modificado entre 2005 e 2006 com a
edição de cinco leis que o alteraram para tornar mais
céleres os processos de cobranças em geral. A principal
mudança processual que vem sendo usada pela Fazenda nas
ações tributárias é a do artigo 739-A. A tese da Fazenda
tem tido aceitação nos Tribunais Regionais Federais (TRFs)
e já conta com pelo menos duas decisões do STJ.
Fonte: Valor Econômico, de
26/05/2008
Decisão considera ilícito o interrogatório realizado por
videoconferência
Foi considerado
ilícito o interrogatório por videoconferência realizado
no caso de Wagner Antônio dos Santos, condenado por
tráfico de drogas. Esse foi o entendimento da Sexta
Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, sob a
relatoria da desembargadora convocada Jane Silva, deu
provimento por unanimidade ao habeas-corpus interposto
em favor dele, reconhecendo a nulidade do interrogatório
e da audiência realizada por videoconferência.
A defesa de
Wagner dos Santos alegou a ocorrência de constrangimento
ilegal devido à decisão do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo (TJSP) que deu parcial provimento à
apelação criminal apenas para reduzir suas penas. Com
isso, sustentou que deve ser reconhecida a nulidade do
interrogatório e da audiência realizada por
videoconferência, em virtude da inconstitucionalidade do
método.
Em sua decisão,
a desembargadora convocada Jane Silva entendeu que o
interrogatório deve ser realizado sempre na presença do
magistrado e do réu, de modo a satisfazer o princípio do
contraditório e da ampla defesa consagrado pela
Constituição Federal. Segundo a desembargadora, é por
meio do interrogatório com a presença física de ambos –
juiz e réu – que poderão ser extraídas as mais
minuciosas impressões, podendo ainda ser observado se o
réu encontra-se em perfeitas condições físicas e
mentais, além de poder relatar possíveis maus-tratos.
A magistrada
afirma que a informatização tem um papel importante no
Judiciário atual, inclusive mediante a Lei n. 11.419/06,
que cuida da informatização do processo judicial, sendo
o peticionamento eletrônico viável em vários tribunais,
reduzindo gastos e tempo. Ela afirma que não se trata de
desvalorizar o papel do desenvolvimento tecnológico no
processo, mas, segundo ela, para a realização do
interrogatório, não é possível preterir a presença de
juiz e acusado frente a frente.
Fonte: site do STJ, de 23/05/2008
Legitimidade da defensoria pública em ações
consumeristas
A 2ª Câmara
Especial Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul julgou recentemente Ação coletiva onde a Defensoria
Pública do mesmo estado logrou êxito na pretensão da
tutela coletiva dos consumidores, em relação ao direito
dos poupadores do Banco Itaú a receberem os expurgos da
caderneta de poupança existentes durante a incidência
dos planos Bresser, Verão, Collor I e II (processo
70023232820).
Houve recursos
do Ministério Público e do Banco Itaú, onde ambos,
preliminarmente, alegaram a ilegitimidade ativa da
Defensoria Pública para a propositura de ações
coletivas, em razão de vedação constitucional, neste
particular.
O artigo 5º,
XXXII, da Constituição de 1988 estatuiu que cabe ao
Estado promover, na forma da lei, a defesa do
consumidor, razão pela qual o artigo 48 do ADCT
determinou que o Congresso, dentro de 120 dias da
promulgação da Constituição, elaborasse o Código de
Defesa do Consumidor, evidenciando, assim, a vocação
constitucional da legislação consumerista.
José Afonso da
Silva consigna que: “a Constituição foi tímida no dispor
sobre a proteção dos consumidores. Estabeleceu que o
Estado proverá, na forma da lei, a defesa do consumidor
(art. 5º, XXXII)”, realçando a importância de sua
inserção dentre os direitos fundamentais, ou seja,
conferindo àqueles a titularidade de tais direitos, bem
como adverte-nos para a regra do artigo 170, V, da CF
88, que toma a defesa do consumidor como princípio da
ordem econômica, o que, nos dizeres de Gomes Canotilho e
Vital Moreira, vem a “legitimar todas as medidas de
intervenção estatal necessárias a assegurar a proteção
prevista” (In Curso de direito constitucional positivo,
14ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, páginas. 254 e 255).
O Código de
Proteção e Defesa do Consumidor dispôs no artigo 81 que
“a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e
das vítimas poderá ser exercido individualmente, ou a
título coletivo”Artigo 5º Para a execução da Política
Nacional das Relações de Consumo, contará o poder
público com os seguintes instrumentos, entre outros:
I – manutenção
de assistência jurídica, integral e gratuita para o
consumidor carente.
Nesse aspecto, a
decisão proferida pelo TJRS sustentou:
“De fato, em
leitura literal e apressada do texto constitucional, a
ação proposta pela Defensoria Pública só aproveitaria
aos consumidores que demonstrassem efetivamente sua
condição de necessitados.
Ocorre, todavia,
que, em se tratado de norma constitucional, a exegese do
dispositivo há de ser sistemática e material, isto é, de
molde a garantir sua plena eficácia, e portanto em
atenção aos princípios que dão sustentação ética e
concreta ao texto fundamental”.
Nada obstante, o
STJ já havia decidido com base em fundamentos
semelhantes, no julgamento do REsp. 555111 / RJ:
PROCESSUAL
CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO NO JULGADO.
INEXISTÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA COLETIVA DOS
CONSUMIDORES. CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL
ATRELADOS A MOEDA ESTRANGEIRA. MAXIDESVALORIZAÇÃO DO
REAL FRENTE AO DÓLAR NORTE-AMERICANO. INTERESSES
INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE ATIVA DO ÓRGÃO
ESPECIALIZADO VINCULADO À DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO.
I – O Nudecon,
órgão especializado, vinculado à Defensoria Pública do
estado do Rio de Janeiro, tem legitimidade ativa para
propor açãocivil pública objetivando a defesa dos
interesses da coletividade de consumidores que assumiram
contratos de arrendamento mercantil, para aquisição de
veículos automotores, com cláusula de indexação
monetária atrelada à variação cambial.
II - No que se
refere à defesa dos interesses do consumidor por meio de
ações coletivas, a intenção do legislador pátrio foi
ampliar o campo da legitimação ativa, conforme se
depreende do artigo 82 e incisos do CDC, bem assim do
artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, ao
dispor, expressamente, que incumbe ao “Estado promover,
na forma da lei, a defesa do consumidor”.
III –
Reconhecida a relevância social, ainda que se trate de
direitos essencialmente individuais, vislumbra-se o
interesse da sociedade na solução coletiva do litígio,
seja como forma de atender às políticas judiciárias no
sentido de se propiciar a defesa plena do consumidor,
com a conseqüente facilitação ao acesso à Justiça, seja
para garantir a segurança jurídica em tema de extrema
relevância, evitando-se a existência de decisões
conflitantes.
Recurso especial
provido.
Contudo, o
acórdão, além de promover a exegese de dispositivos
constitucionais e infraconstitucionais, destacou, ainda,
que o art. 5°, inc. II, da Lei 7.347/85, foi alterado
pela Lei 11.448/07, vindo a conferir legitimidade à
Defensoria Pública para a propositura de Ação Civil
Pública, fundamentando a decisão também em lei
específica editada no Estado do Rio Grande do Sul (Lei
nº. 11.795/02), cujo art. 3°, parágrafo único, VIII,
diz:
“Artigo 3.° —
Aos membros da Defensoria Pública do Estado incumbem a
orientação jurídica e assistência judiciária, integral e
gratuita, dos necessitados, assim considerados na forma
da lei, incluindo a postulação e a defesa, em todos os
graus e instâncias, dos direitos e interesses
individuais e coletivos, além das atribuições contidas
na Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (Lei
Complementar 82, de 12 de janeiro de 1994) e na Lei
Complementar Estadual 9.230, de 07 de fevereiro de 1991,
alterada pela Lei Complementar Estadual n.° 10.194, de
30 de maio de 1994.
“Parágrafo único
– No exercício de suas atividades os membros da
Defensoria Pública do Estado devem:
“...
“VIII –
patrocinar defesa dos direitos dos consumidores que se
sentirem lesados na aquisição de bens e serviços;
Sem embargos à
tradicional caracterização do Poder Judiciário como ente
competente para a composição de conflitos de interesse,
devido ao atual contexto social instalado pela
globalização, pensamos ser um dever da magistratura
sub-rogar-se no desempenho de funções estranhas à de sua
competência estrita, com o fim de realizar efetivamente
a justiça social, de forma a atingir os fins traçados
pelo Estado Democrático de Direito, em resposta ao
individualismo que outrora dominava a sociedade. Mais do
que nunca, a função do juiz, como “administrador” das
tensões sociais, emerge de forma destacada, sendo
imperioso registrar o disposto no artigo 5º da LICC, o
qual determina que “na aplicação da lei, o juiz atenderá
aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do
bem comum”.
Em se tratando
de defesa do consumidor, o dispositivo acima transcrito
deve ser veementemente observado pelos magistrados, uma
vez que o paradigma sócio-econômico reclama uma tutela
enérgica por parte dos mesmos, e até mesmo em razão do
Judiciário assoberbado hodiernamente. Por isso, conferir
legitimidade ativa à Defensoria Pública para a
propositura de ações coletivas é medida que também
ajudará a “desafogar” os órgãos jurisdicionais,
prestigiando-se, ainda, a economia e celeridade
processuais.
Foge à sensatez
dispensar tratamento individual a situações geradas por
uma sociedade de consumo de massas. Da mesma forma, as
questões levadas à apreciação do Judiciário devem
receber tratamento massivo diante da permissão do
ordenamento jurídico pátrio, em homenagem à dignidade da
pessoa humana como um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito, não havendo maior respeito à
democracia do que tratar o mesmo fato de maneira
uniforme.
Kazuo Watanabe,
em seus comentários ao CDC, afirmou, de forma
categórica, e com rara felicidade, ao discorrer acerca
das principais medidas protetivas do consumidor nele
previstas, que “de nada adiantará tudo isso sem que se
forme nos operadores do direito uma nova mentalidade
capaz de fazê-los compreender, aceitar e efetivamente
pôr em prática os princípios estabelecidos no Código de
Defesa do Consumidor”. Em outras palavras, tão
importante quanto nosso avanço legal, é o correspondente
avanço daqueles que têm o dever de garantir a eficácia
da lei perante a realidade social a que ela se destina
tutelar. Dessa forma, a lei se engrandece. Caso
contrário tornar-se-á pequena e ineficaz.
Causa estranheza
o fato de o Ministério Público tentar impedir a
Defensoria Pública de figurar no pólo ativo de uma ação
coletiva, como esta julgada pelo TJ-RS, uma vez que é
sua função institucional zelar pelo efetivo respeito dos
serviços de relevância pública, bem como dos direitos
assegurados na Constituição Federal, consoante reza o
respectivo artigo 129, I. Isto porque logrando êxito
naquela actio, a Defensoria Pública certamente garantiu
o cumprimento dos preceitos constitucionais atinentes à
defesa do consumidor.
De seu turno, o
impedimento pretendido pelo MP só traria prejuízos aos
consumidores, atrasando a prestação jurisdicional, além
de não cumprir com sua missão institucional, e tudo isso
simplesmente para garantir o cumprimento de literal
disposição da lei, esquecendo-se que o direito
processual, no Estado Democrático de Direito, visa,
precipuamente, a prestar de fato a jurisdição aos que
dela necessitam, não mais sendo aceitável a discussão de
pormenores processuais há muito considerados arcaicos
pela moderna doutrina, portanto ineficazes e totalmente
divorciados da realidade social.
Diante de tais
considerações, o Ministério Público deve se orgulhar de
poder contar com a Defensoria Pública como aliada na
exigência do cumprimento dos preceitos constitucionais,
especialmente aqueles ligados à dignidade humana,
devendo, ainda, lembrar mais uma vez que, como defensor
do povo, não deve ser escravo das instituições, na
medida em que aquelas devem sim servir ao povo, sob pena
de se preterir os legítimos fins do Estado.
Vitor
Guglinski é especialista em Direito do Consumidor.
Fonte: Conjur, de 24/05/2008