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Para ganhar tempo, SP descarta leilão  

Apesar da pressão dos bancos privados, o governo de São Paulo está decidido a não fazer o leilão para vender a Nossa Caixa. A Folha apurou que, na avaliação do governo, se for a leilão, a operação enfrentaria muitas resistências tanto dos milhares de funcionários estaduais como da própria Assembléia Legislativa, o que praticamente inviabilizaria o negócio no atual governo, que acaba em 2010. O leilão, segundo o governo estadual, levaria o dobro do tempo de um acerto com o Banco do Brasil.

A avaliação do governo de São Paulo é que o próprio PSDB, partido do governador José Serra, iria se opor à privatização da Nossa Caixa. A venda depende de aprovação da Assembléia Legislativa.

O governador de São Paulo, José Serra, deixou evidente ontem a disposição de venda do banco Nossa Caixa para o BB, em vez de um leilão.

Após frisar que o critério será o de obtenção "do máximo de recursos", Serra afirmou que "é natural pensar que a proposta do Banco do Brasil será sempre melhor para o Estado de São Paulo", porque, como instituição pública, terá direito aos R$ 16 bilhões em depósitos judiciais da Nossa Caixa.

"O interesse do Banco do Brasil, em grande medida, é comprar a Nossa Caixa para poder receber também esses depósitos. Eles nunca iriam para um banco privado. Nesse sentido, é natural pensar que a proposta do Banco do Brasil será sempre melhor para o Estado de São Paulo, implicará trazer mais recursos do que, em princípio, propostas de banco privado", afirmou o governador, em Campos do Jordão.

Embora não tenha descartado categoricamente a hipótese de leilão -lembrando, porém, que dependeria de aprovação prévia da Assembléia Legislativa-, Serra construiu o argumento de que o BB apresentará melhor oferta por ser o maior interessado. Segundo ele, as propostas dos bancos privados "não aconteceram". "Se quiserem fazer, podem fazer. Mas o BB tem mais interesse porque é um banco público e poderá ficar com os depósitos judiciais."

Ele repetiu que, "se a Nossa Caixa fosse vendida para a área privada, os depósitos judiciais não iriam para o banco que comprasse". E insistiu: "Está claro isso? Iria para algum banco público do Brasil. Isso que o pessoal não está levando em consideração, às vezes, quando faz seus comentários".

Em outro recado aos bancos privados, Serra reafirmou que a venda dependerá da proposta. O governador apontou "as necessidades de investimentos em São Paulo, que precisa muita coisa" como justificativa para a venda. "Tem muita demanda aqui em São Paulo. Nesse sentido, se houver uma oferta boa, a gente tende a aceitar. Mas, eu insisto, está muito no começo e depende do preço. Se for um preço que não convier, não vamos vender."

Questionado sobre a possibilidade de leilão, Serra lembrou que "qualquer que seja a decisão terá que passar pela Assembléia Legislativa". "Em qualquer caso, o que vamos defender é que se obtenha o máximo de recursos e que se defenda os direitos e interesses dos funcionários da Nossa Caixa". Serra disse que trabalhará para que se tenha "mais recursos para investir".

Já o vice-governador e secretário de Desenvolvimento, Alberto Goldman, disse que a "expectativa é que não se faça leilão, é fazer a operação com o BB". "Nós temos que vender nas melhores condições possíveis. Dificilmente os bancos privados poderão oferecer o que o Banco do Brasil vai nos oferecer", justificou Goldman, lembrando ainda que a venda para o BB enfrentaria menor resistência política.

Serra, por sua vez, fez questão de afirmar que "o que houve até agora foi uma proposta do Banco do Brasil, foi o Banco do Brasil que nos procurou manifestando seu interesse. Então, concordamos com a idéia de recebermos uma proposta".

O governador disse que não participou da negociação nem falou com Lula do tema, apesar da grande aproximação e constante diálogo entre os dois. 

Fonte: Folha de S. Paulo, de 24/05/2008

 


''Venda financiará obras'', diz Serra 

Diante da reação dos principais bancos privados do País, pedindo que o banco estadual paulista Nossa Caixa seja vendido em leilão aberto, e não diretamente ao Banco do Brasil, como foi anunciado na noite de quarta-feira, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), interrompeu o repouso em Campos do Jordão para defender, em entrevista, a venda para o banco federal. 

Segundo ele, a venda para o Banco do Brasil tem a vantagem de ser mais rentável para o caixa do governo do Estado. Isso porque na Nossa Caixa estão depositados cerca de R$ 16 bilhões em depósitos judiciais que, pela lei, só podem estar em bancos públicos.

"É natural pensar que a proposta do BB será sempre melhor para o Estado de São Paulo, pois implicará trazer mais recursos", afirmou Serra. "Se a Caixa fosse vendida para bancos privados, os depósitos judiciais não iriam para o banco que a comprasse." 

Segundo o governador, caso a venda se concretize, os recursos serão usados em obras em estradas, no sistema de transporte, em educação, saúde e saneamento. "Vamos procurar fazer aquilo que seja melhor para o Estado de São Paulo, esse é o critério do governo e vamos trabalhar para que nós tenhamos mais recursos para investir." 

Ontem, após o Estado publicar uma declaração do presidente do Banco Itaú, Roberto Setubal, favorável a um leilão que garanta maior transparência na venda da Nossa Caixa, todos os principais bancos saíram em defesa da mesma tese.  

O governador explicou que o interesse na compra da Nossa Caixa partiu do Banco do Brasil e o governo concordou em receber a proposta. "Estamos conversando com o Banco do Brasil. Isso depois vai ter que ser examinado pela Assembléia Legislativa. Não é um assunto para resolver hoje ou amanhã." 

Serra disse que não está participando das negociações e não conversou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a esse respeito. "Toda a conversa foi entre a Secretaria da Fazenda e a direção do Banco do Brasil; eu apenas acompanhei." 

PRÓXIMOS PASSOS 

Reunião realizada ontem, em São Paulo, entre o presidente do Banco do Brasil, Antonio Francisco Lima Neto, e o presidente da Nossa Caixa, Milton Luiz de Melo Santos, acertou os próximos passos para o acerto do negócio. O primeiro passo será assinar um acordo de confidencialidade das informações da Nossa Caixa, o que deverá ocorrer na terça-feira. Se a conversa for adiante, a etapa seguinte será uma auditoria na Nossa Caixa . 

Do lado paulista, quem vai conduzir a negociação será o secretário da Fazenda, Mauro Ricardo. Ele terá um encontro na segunda-feira com dirigentes da Nossa Caixa. Nas negociações deverão ser usadas informações que estão sendo levantadas pelos bancos Fator e Citi, contratados no início do ano para fazer um estudo sobre as estatais de São Paulo.  

Fonte: Estado de S. Paulo, de 24/05/2008

 


Negociação sem licitação é ilegal, dizem juristas
 

A operação de compra da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil, sem a realização de um leilão, é inconstitucional, dizem juristas. De acordo com Ives Gandra Martins, o negócio fere os artigos 173 e 175 da Constituição Federal e também a Lei 8.666, de licitações. "Estou convencido de que um leilão, nesse caso, é imprescindível", afirmou em entrevista ao Estado.

Segundo o jurista, o fato de o Banco do Brasil ser uma sociedade de economia mista - parte do capital é estatal, outra parte é negociada em bolsa de valores - o torna equivalente a um banco privado, no processo de aquisição. "Caso contrário, fere o artigo 173 da Constituição Federal, que afirma que sociedades de economia mista estão sujeitas às mesmas regras aplicadas às empresas privadas", diz. "A Lei de Licitações reforça isso: todo bem público a ser vendido deve passar por uma licitação."

Para Ives Gandra, o negócio é claramente ilegal. "Se a venda for feita, certamente cairá no Judiciário." Além disso, diz, a não realização de um leilão contraria o artigo 175 da Constituição Federal - que "incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos." Segundo ele, um leilão seria o caminho correto, pois daria transparência à aquisição e asseguraria o melhor preço pela instituição, a exemplo do que ocorreu na privatização do Banespa.

O jurista Marçal Justen Filho, especializado em direito administrativo e licitações, tem a mesma opinião. "A alienação de bens e direitos da administração pública deve ser feita por meio de licitação. E o Banco do Brasil não pode ter benefícios em face de outros bancos privados." Segundo Justen, a não realização de licitação quando há obrigatoriedade pode ser considerada crime.

Na visão de outros especialistas, no entanto, o negócio pode ser concretizado, mesmo sem leilão. "A aquisição é viável juridicamente, pois trata-se de transferência de ativos dentro da esfera do patrimônio público", afirma Alessandro Octaviani, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

"Não há alienação do patrimônio público, ou seja, transferência do público para uma empresa privada. O leilão pode ser feito para dar transparência ao processo, mas, nesse caso, não há obrigação legal", afirma Gilberto Bercovici, professor de direito econômico da Universidade de São Paulo (USP).

SINDICALISTAS

Ontem pela manhã, em reunião com o presidente do Banco do Brasil, Antônio de Lima Neto, lideranças sindicais manifestaram preocupação quanto à preservação de direitos e a possíveis demissões caso o negócio se concretize. O presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Luiz Claudio Marcolino, disse que espera do Banco do Brasil respeito aos contratos vigentes entre a Nossa Caixa e seus funcionários. "Quando ocorreram as privatizações de bancos, na década de 90, o que vimos foi a redução de postos de trabalho e o fechamento de agências em todo o País."

Para o deputado estadual Davi Zaia (PPS-SP), presidente da Federação dos Bancários de São Paulo, as negociações entre o governo de São Paulo e o Banco do Brasil colaboram para intensificar a concentração do setor financeiro. Mas critica os questionamentos feitos por Bradesco e Itaú. "Existe um processo de concentração, mas não é justo que somente os bancos privados possam participar disso."

Fonte: Estado de S. Paulo, de 24/05/2008

 


Estados exageram perdas com reforma tributária, revela estudo

Os Estados perderão muito menos do que estão declarando alguns governadores e, em alguns casos, terão aumento de receita com a reforma tributária, de acordo com estudo elaborado por técnicos do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Os dados indicam que as perdas devem se restringir a seis Estados (Amazonas, São Paulo, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo) e não passariam de R$ 4 bilhões ao final da transição da mudança na cobrança do ICMS da origem para o destino. Já os ganhos de receita, provenientes do fim da guerra fiscal, de acordo com estimativas do Ministério da Fazenda utilizadas na comparação, podem chegar a R$ 11 bilhões para as outras 21 unidades da Federação.

O estudo do Confaz obtido pelo Estado é inédito e, apesar de estar há mais de dois meses pronto, até hoje não foi divulgado. Alguns secretários estaduais de Fazenda preferem continuar utilizando em público seus próprios números, em vez dos dados levantados pelo órgão técnico, que cruza informações sobre o fluxo comercial de todos os cantos do Brasil referentes ao ano de 2005.

Com base nesses dados, os técnicos tentaram estimar qual seria o efeito das alterações na partilha do ICMS propostas pelo governo. A mudança da cobrança do imposto na origem para o destino é uma das principais polêmicas da reforma tributária, porque redistribui recursos e aplaca a guerra fiscal, ao reduzir os benefícios que os Estados podem oferecer para atrair a instalação de empresas em seus territórios.

Atualmente, metade dos R$ 187 bilhões arrecadados anualmente pelos Estados provém das chamadas operações interestaduais, ou seja, vendas de um Estado para outro.

Nesses casos, a maior parte do imposto fica atualmente com o Estado produtor, de origem. Em média, quando a mercadoria é tributada com uma alíquota de 17% (como os automóveis), 12% ficam com o Estado produtor e a diferença de 5% fica com o Estado de destino. É esse rateio que o governo está tentando mudar na reforma, reservando apenas 2% para a origem e entregando os 15% restantes para o destino. O princípio por trás da proposta é que o imposto fique no Estado em que vive o consumidor que pagou pelo mesmo, como ocorre em outras partes do mundo.

PERDAS DISCUTÍVEIS

"A briga origem-destino está superada. O destino vai prevalecer, mas é preciso saber como o governo pretende compensar os Estados perdedores", diz o secretário de Fazenda do Ceará, Mauro Benevides Filho, coordenador do Confaz. Segundo ele, o número de Estados que perdem com a mudança chega a 10 ou 13, e não há segurança de que o Fundo de Equalização de Receitas (FER) proposto pelo governo (com até R$ 7,1 bilhões) será suficiente para repor todas as perdas. "Não há recurso que cubra a perda do Centro-Oeste", afirma taxativamente o secretário-adjunto da Receita de Mato Grosso, Marcel Cursi.

As estimativas da equipe econômica, entretanto, e os próprios dados do Confaz, que reúne os secretários de Fazenda dos Estados, mostram uma realidade distinta. Em primeiro lugar, as perdas e ganhos levantadas pelos técnicos não se igualam. Ou seja, a soma das perdas supera a soma dos ganhos, o que prova que os dados estão incompletos e que as perdas potenciais estão superestimadas.

Em segundo lugar, os técnicos argumentam que as "perdas" embutem a parcela do ICMS que já não está sendo cobrada pelos Estados por causa da guerra fiscal, e ninguém pode perder algo que não está arrecadando hoje. No total, estima-se que o valor da renúncia fiscal nas transações interestaduais seja de R$ 15 bilhões.

O Amazonas, por exemplo, aparece no estudo como o principal perdedor da mudança da origem para o destino. São R$ 2,8 bilhões em valores de 2005 ou 95% de sua receita de ICMS.

Esse valor corresponde ao que o governo amazonense teoricamente estaria cobrando nas transações interestaduais, mas que, na prática, não cobra, como atestam os próprios documentos da Secretaria de Fazenda. A renúncia fiscal no Amazonas chega a R$ 3,1 bilhões e, desse valor, pelo menos R$ 2 bilhões se referem a isenções de vendas para outros Estados.

Quando a alíquota do ICMS na origem começar a ser reduzida de 12% para 2%, essa isenção na origem vai começar a diminuir de tamanho, sem efeito para os cofres do Amazonas (que não cobra o imposto), mas com ganhos para os cofres dos Estados para onde são destinadas as mercadorias da Zona Franca de Manaus.

Fonte: Estado de S. Paulo, de 25/05/2008

 


Justiça não aceita lei processual em execução

Uma cooperativa do Estado do Pará conseguiu na primeira instância da Justiça Federal manter as regras tradicionalmente aplicadas pelo Judiciário à execução fiscal, evitando assim que seja aplicado o Código de Processo Civil ao processo fiscal ao qual responde. Apesar das alegações da Fazenda Nacional, o juiz substituto da 6ª Vara Federal de Belém reviu entendimento do juiz titular da vara e manteve suspensa a execução fiscal da cooperativa a partir da apresentação de defesa (embargos) por ela. 

Este tipo de discussão tem feito parte das ações de cobrança de tributos federais - as chamadas execuções fiscais - em razão de uma tese que tem sido defendida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) desde o fim do ano passado. O órgão alega que as regras do Código de Processo Civil (CPC) podem ser aplicadas às ações de execução fiscal na ausência de regras específicas da Lei de Execução Fiscal - a Lei nº 6.830, de 1980 - ou ainda quando as previsões do CPC forem mais benéficas para a efetivação dos créditos da União. 

Na prática, de acordo com advogados tributaristas, aplicar o CPC significa que a ação continuará a tramitar, mesmo com o oferecimento de bens e a apresentação de defesa. Desta forma, os bens dados em garantia poderão ser leiloados antes mesmo do julgamento final da ação. Isto ocorre em razão do artigo 739-A do CPC - introduzido pela Lei nº 11.382, de 2006 - segundo a qual a execução continua mesmo com os embargos e o oferecimento de bens. Antes, o código previa o contrário: a defesa e os bens oferecidos suspendem o andamento da execução, entendimento que também era aplicado pelos tribunais. 

Na decisão, o juiz substituto Sérgio de Norões Milfont Júnior, afirma não vislumbrar lacuna na Lei de Execução Fiscal para a aplicação subsidária do artigo 739-A do CPC, "sendo cristalina a opção do legislador pela eficácia suspensiva até, pelo menos, a decisão de primeiro grau dos embargos". 

O advogado que defende a cooperativa, Fernando Facury Scaff, sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro e Scaff Advogados, afirma que o magistrado entendeu que apesar da Lei de Execuções Fiscais não tratar diretamente da suspensão, a lógica da norma leva à admissão do efeito suspensivo. O advogado defende que o CPC não pode ser aplicado à execução fiscal, pois o código trata de títulos que não têm contraditório (confessa-se de antemão a dívida) e as questões fiscais necessariamente têm contraditório. Além disto, como afirma, a discussão envolve questões constitucionais e os tribunais administrativos não tratam do controle de constitucionalidade. 

O Código de Processo Civil foi modificado entre 2005 e 2006 com a edição de cinco leis que o alteraram para tornar mais céleres os processos de cobranças em geral. A principal mudança processual que vem sendo usada pela Fazenda nas ações tributárias é a do artigo 739-A. A tese da Fazenda tem tido aceitação nos Tribunais Regionais Federais (TRFs) e já conta com pelo menos duas decisões do STJ. 

Fonte: Valor Econômico, de 26/05/2008

 


Decisão considera ilícito o interrogatório realizado por videoconferência

Foi considerado ilícito o interrogatório por videoconferência realizado no caso de Wagner Antônio dos Santos, condenado por tráfico de drogas. Esse foi o entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, sob a relatoria da desembargadora convocada Jane Silva, deu provimento por unanimidade ao habeas-corpus interposto em favor dele, reconhecendo a nulidade do interrogatório e da audiência realizada por videoconferência.

A defesa de Wagner dos Santos alegou a ocorrência de constrangimento ilegal devido à decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que deu parcial provimento à apelação criminal apenas para reduzir suas penas. Com isso, sustentou que deve ser reconhecida a nulidade do interrogatório e da audiência realizada por videoconferência, em virtude da inconstitucionalidade do método.

Em sua decisão, a desembargadora convocada Jane Silva entendeu que o interrogatório deve ser realizado sempre na presença do magistrado e do réu, de modo a satisfazer o princípio do contraditório e da ampla defesa consagrado pela Constituição Federal. Segundo a desembargadora, é por meio do interrogatório com a presença física de ambos – juiz e réu – que poderão ser extraídas as mais minuciosas impressões, podendo ainda ser observado se o réu encontra-se em perfeitas condições físicas e mentais, além de poder relatar possíveis maus-tratos.

A magistrada afirma que a informatização tem um papel importante no Judiciário atual, inclusive mediante a Lei n. 11.419/06, que cuida da informatização do processo judicial, sendo o peticionamento eletrônico viável em vários tribunais, reduzindo gastos e tempo. Ela afirma que não se trata de desvalorizar o papel do desenvolvimento tecnológico no processo, mas, segundo ela, para a realização do interrogatório, não é possível preterir a presença de juiz e acusado frente a frente.

Fonte: site do STJ, de 23/05/2008

 


Legitimidade da defensoria pública em ações consumeristas

A 2ª Câmara Especial Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou recentemente Ação coletiva onde a Defensoria Pública do mesmo estado logrou êxito na pretensão da tutela coletiva dos consumidores, em relação ao direito dos poupadores do Banco Itaú a receberem os expurgos da caderneta de poupança existentes durante a incidência dos planos Bresser, Verão, Collor I e II (processo 70023232820).

Houve recursos do Ministério Público e do Banco Itaú, onde ambos, preliminarmente, alegaram a ilegitimidade ativa da Defensoria Pública para a propositura de ações coletivas, em razão de vedação constitucional, neste particular.

O artigo 5º, XXXII, da Constituição de 1988 estatuiu que cabe ao Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor, razão pela qual o artigo 48 do ADCT determinou que o Congresso, dentro de 120 dias da promulgação da Constituição, elaborasse o Código de Defesa do Consumidor, evidenciando, assim, a vocação constitucional da legislação consumerista.

José Afonso da Silva consigna que: “a Constituição foi tímida no dispor sobre a proteção dos consumidores. Estabeleceu que o Estado proverá, na forma da lei, a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII)”, realçando a importância de sua inserção dentre os direitos fundamentais, ou seja, conferindo àqueles a titularidade de tais direitos, bem como adverte-nos para a regra do artigo 170, V, da CF 88, que toma a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica, o que, nos dizeres de Gomes Canotilho e Vital Moreira, vem a “legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessárias a assegurar a proteção prevista” (In Curso de direito constitucional positivo, 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, páginas. 254 e 255).

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor dispôs no artigo 81 que “a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercido individualmente, ou a título coletivo”Artigo 5º Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros:

I – manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente.

Nesse aspecto, a decisão proferida pelo TJRS sustentou:

“De fato, em leitura literal e apressada do texto constitucional, a ação proposta pela Defensoria Pública só aproveitaria aos consumidores que demonstrassem efetivamente sua condição de necessitados.

Ocorre, todavia, que, em se tratado de norma constitucional, a exegese do dispositivo há de ser sistemática e material, isto é, de molde a garantir sua plena eficácia, e portanto em atenção aos princípios que dão sustentação ética e concreta ao texto fundamental”.

Nada obstante, o STJ já havia decidido com base em fundamentos semelhantes, no julgamento do REsp. 555111 / RJ:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO NO JULGADO. INEXISTÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA COLETIVA DOS CONSUMIDORES. CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL ATRELADOS A MOEDA ESTRANGEIRA. MAXIDESVALORIZAÇÃO DO REAL FRENTE AO DÓLAR NORTE-AMERICANO. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE ATIVA DO ÓRGÃO ESPECIALIZADO VINCULADO À DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO.

I – O Nudecon, órgão especializado, vinculado à Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro, tem legitimidade ativa para propor açãocivil pública objetivando a defesa dos interesses da coletividade de consumidores que assumiram contratos de arrendamento mercantil, para aquisição de veículos automotores, com cláusula de indexação monetária atrelada à variação cambial.

II - No que se refere à defesa dos interesses do consumidor por meio de ações coletivas, a intenção do legislador pátrio foi ampliar o campo da legitimação ativa, conforme se depreende do artigo 82 e incisos do CDC, bem assim do artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, ao dispor, expressamente, que incumbe ao “Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor”. 

III – Reconhecida a relevância social, ainda que se trate de direitos essencialmente individuais, vislumbra-se o interesse da sociedade na solução coletiva do litígio, seja como forma de atender às políticas judiciárias no sentido de se propiciar a defesa plena do consumidor, com a conseqüente facilitação ao acesso à Justiça, seja para garantir a segurança jurídica em tema de extrema relevância, evitando-se a existência de decisões conflitantes. 

Recurso especial provido. 

Contudo, o acórdão, além de promover a exegese de dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, destacou, ainda, que o art. 5°, inc. II, da Lei 7.347/85, foi alterado pela Lei 11.448/07, vindo a conferir legitimidade à Defensoria Pública para a propositura de Ação Civil Pública, fundamentando a decisão também em lei específica editada no Estado do Rio Grande do Sul (Lei nº. 11.795/02), cujo art. 3°, parágrafo único, VIII, diz: 

“Artigo 3.° — Aos membros da Defensoria Pública do Estado incumbem a orientação jurídica e assistência judiciária, integral e gratuita, dos necessitados, assim considerados na forma da lei, incluindo a postulação e a defesa, em todos os graus e instâncias, dos direitos e interesses individuais e coletivos, além das atribuições contidas na Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (Lei Complementar 82, de 12 de janeiro de 1994) e na Lei Complementar Estadual 9.230, de 07 de fevereiro de 1991, alterada pela Lei Complementar Estadual n.° 10.194, de 30 de maio de 1994. 

“Parágrafo único – No exercício de suas atividades os membros da Defensoria Pública do Estado devem: 

“... 

“VIII – patrocinar defesa dos direitos dos consumidores que se sentirem lesados na aquisição de bens e serviços; 

Sem embargos à tradicional caracterização do Poder Judiciário como ente competente para a composição de conflitos de interesse, devido ao atual contexto social instalado pela globalização, pensamos ser um dever da magistratura sub-rogar-se no desempenho de funções estranhas à de sua competência estrita, com o fim de realizar efetivamente a justiça social, de forma a atingir os fins traçados pelo Estado Democrático de Direito, em resposta ao individualismo que outrora dominava a sociedade. Mais do que nunca, a função do juiz, como “administrador” das tensões sociais, emerge de forma destacada, sendo imperioso registrar o disposto no artigo 5º da LICC, o qual determina que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. 

Em se tratando de defesa do consumidor, o dispositivo acima transcrito deve ser veementemente observado pelos magistrados, uma vez que o paradigma sócio-econômico reclama uma tutela enérgica por parte dos mesmos, e até mesmo em razão do Judiciário assoberbado hodiernamente. Por isso, conferir legitimidade ativa à Defensoria Pública para a propositura de ações coletivas é medida que também ajudará a “desafogar” os órgãos jurisdicionais, prestigiando-se, ainda, a economia e celeridade processuais. 

Foge à sensatez dispensar tratamento individual a situações geradas por uma sociedade de consumo de massas. Da mesma forma, as questões levadas à apreciação do Judiciário devem receber tratamento massivo diante da permissão do ordenamento jurídico pátrio, em homenagem à dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, não havendo maior respeito à democracia do que tratar o mesmo fato de maneira uniforme. 

Kazuo Watanabe, em seus comentários ao CDC, afirmou, de forma categórica, e com rara felicidade, ao discorrer acerca das principais medidas protetivas do consumidor nele previstas, que “de nada adiantará tudo isso sem que se forme nos operadores do direito uma nova mentalidade capaz de fazê-los compreender, aceitar e efetivamente pôr em prática os princípios estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor”. Em outras palavras, tão importante quanto nosso avanço legal, é o correspondente avanço daqueles que têm o dever de garantir a eficácia da lei perante a realidade social a que ela se destina tutelar. Dessa forma, a lei se engrandece. Caso contrário tornar-se-á pequena e ineficaz. 

Causa estranheza o fato de o Ministério Público tentar impedir a Defensoria Pública de figurar no pólo ativo de uma ação coletiva, como esta julgada pelo TJ-RS, uma vez que é sua função institucional zelar pelo efetivo respeito dos serviços de relevância pública, bem como dos direitos assegurados na Constituição Federal, consoante reza o respectivo artigo 129, I. Isto porque logrando êxito naquela actio, a Defensoria Pública certamente garantiu o cumprimento dos preceitos constitucionais atinentes à defesa do consumidor. 

De seu turno, o impedimento pretendido pelo MP só traria prejuízos aos consumidores, atrasando a prestação jurisdicional, além de não cumprir com sua missão institucional, e tudo isso simplesmente para garantir o cumprimento de literal disposição da lei, esquecendo-se que o direito processual, no Estado Democrático de Direito, visa, precipuamente, a prestar de fato a jurisdição aos que dela necessitam, não mais sendo aceitável a discussão de pormenores processuais há muito considerados arcaicos pela moderna doutrina, portanto ineficazes e totalmente divorciados da realidade social. 

Diante de tais considerações, o Ministério Público deve se orgulhar de poder contar com a Defensoria Pública como aliada na exigência do cumprimento dos preceitos constitucionais, especialmente aqueles ligados à dignidade humana, devendo, ainda, lembrar mais uma vez que, como defensor do povo, não deve ser escravo das instituições, na medida em que aquelas devem sim servir ao povo, sob pena de se preterir os legítimos fins do Estado. 

Vitor Guglinski é especialista em Direito do Consumidor.  

Fonte: Conjur, de 24/05/2008