Supremo decide que corte de ponto vale para grevistas do
setor público
Por 8 votos a 3, STF manda governo aplicar aos
servidores normas válidas para trabalhador da área
privada
Felipe Recondo,
Os
servidores públicos de todo o País podem fazer greve,
mas, a partir da decisão tomada ontem pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), submetem-se à lei que rege as
greves dos trabalhadores das empresas privadas. Isso
significa que os funcionários públicos grevistas podem
ter o ponto cortado e o salário reduzido no valor
correspondente aos dias parados.
Já
houve greves de mais de três meses no País - as
universidades federais pararam por 99 dias, em 2001. Na
ausência de uma legislação, porém, não houve corte de
ponto. Isso levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
a dizer que essas greves oferecem, na prática, o
privilégio de “férias remuneradas”.
O
Supremo decidiu que, no caso de paralisações envolvendo
setores responsáveis por serviços essenciais - como
tratamento e abastecimento de água, distribuição de
energia elétrica, assistência médica e hospitalar -, uma
parcela dos funcionários tem de continuar trabalhando,
apesar da greve.
A
decisão foi aprovada por oito votos favoráveis e três
contrários. Os ministros derrotados foram Ricardo
Lewandowski, Eros Grau e Joaquim Barbosa. Para Grau,
todo serviço público é essencial. Enquanto o Congresso
não aprovar uma lei regulamentando esse tipo de greve,
valerá a orientação do STF.
O
setor público agora se submete à Lei 7.783, de 1989, que
obriga os grevistas a comunicarem aos governos, com 48
horas de antecedência, a intenção de paralisar os
trabalhos. Em caso de serviços essenciais, a greve deve
ser informada com 72 horas de antecedência. Em
compensação, os chefes diretos não podem constranger os
servidores a não participar da greve, fazendo listas de
demissão, cortando gratificação ou suspendendo férias
marcadas.
Com a falta de regulamentação pelo Congresso, os
servidores podiam parar os trabalhos por tempo
indefinido. Dificilmente eram punidos com corte de
salário ou reposição dos dias parados. Além disso, não
eram obrigados a manter parte dos serviços básicos
operando.
RESPOSTA
A
decisão foi uma resposta a ações de sindicatos de três
categorias - policiais civis do Espírito Santo,
trabalhadores em educação de João Pessoa e funcionários
do Judiciário do Pará -, que queriam ter assegurado o
direito de greve por aumento de salário e melhores
condições de trabalho. Ainda reclamavam da falta de
regulamentação do tema.
Em
1988, a Constituição estabeleceu que uma lei
complementar definiria os limites das greves no setor
público. Até hoje, ela não foi votada. Em casos assim,
cabe ao STF, quando provocado, definir a regra a ser
cumprida. “A essa inércia ou inapetência legislativa
corresponde um ativismo judiciário francamente
autorizado pela Constituição”, justificou o ministro do
STF Carlos Ayres Britto.
O
julgamento encerrado ontem havia começado em maio de
2003 e, mais uma vez, os ministros fizeram as vezes do
Legislativo. Alguns ministros do STF cogitaram
determinar um prazo de dois meses para deputados e
senadores aprovarem a lei de greve do setor público.
Prevaleceu, porém, a tese de que cabe ao presidente da
República enviar um projeto para o Congresso. Os
ministros derrotados reconheceram a omissão do
Legislativo ao não aprovar a regulamentação da greve no
setor público. Queriam, porém, restringir a decisão às
três categorias que acionaram a corte.
Fonte: O Estado de S. Paulo, de 26/10/2007
Gastos da Previdência e de Estados fazem superávit
primário cair para 4,05% do PIB
A
expansão de gastos da Previdência e dos governos
estaduais fez o superávit primário do setor público cair
em setembro, de 4,12% para 4,05% do Produto Interno
Bruto (PIB), no resultado acumulado em 12 meses. A
dívida líquida do setor público subiu de 43% para 43,5%
do PIB no mês, puxada pelo aumento de gastos e pela
valorização do real
Apesar da ligeira deterioração fiscal, o superávit
primário permanece na trajetória para o cumprimento da
meta de 3,8% do PIB fixada para 2007. As indicações são
de que a dívida líquida voltará a cair neste ano, na
comparação com 2006, passando de 44,9% para 44% do PIB.
Em geral, os gastos em setembro são um pouco mais
intensos do que em meses anteriores, devido ao pagamento
da primeira parcela do 13º salário a aposentados e
pensionistas. Esse compromisso sazonal fez com que o
déficit da Previdência subisse de R$ 2,586 bilhões para
R$ 9,158 bilhões entre agosto e setembro.
Além de fatores sazonais, os gastos da Previdência
crescem por motivos estruturais, como o aumento do
salário mínimo. Na comparação entre setembro de 2006 e
de 2007, a despesa sobe de R$ 8,670 bilhões para R$
9,158 bilhões. Na proporção com o PIB, o déficit da
Previdência subiu de 1,74% para 1,76%, nos períodos de
12 meses encerrados respectivamente em agosto e
setembro.
Outro fator que contribuiu para a redução do superávit
primário foi a expansão dos gastos de Estados, que entre
agosto e setembro baixaram o superávit de 1,06% para
1,03% do PIB, em períodos de 12 meses. Em setembro, esse
superávit foi de R$ 1,389 bilhão, o menor para um mês de
setembro desde 2003. "Os Estados vinham apresentando
superávits acima do previsto, em virtude de ajustes nos
gastos e aumento da arrecadação", afirma o chefe do
Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes. " Era
esperado que, em algum momento, os Estados começassem a
gastar os recursos economizados."
As
estatais apresentaram superávit de R$ 1,009 bilhão em
setembro, menor que em agosto (R$ 2,244 bilhões) e
setembro de 2006 (R$ 2,516 bilhões). O dado é
insuficiente para afirmar que as estatais passaram a
fazer superávits menores. Segundo Lopes, os resultados
fiscais das estatais são voláteis e as oscilações não
refletem necessariamente uma tendência.
O
governo federal, excluindo o INSS, apresentou superávit
de R$ 10,059 bilhões, maior do que os R$ 8,670 bilhões
de setembro de 2006. O governo central, junto com o
INSS, teve superávit de R$ 812 milhões. O superávit dos
municípios atingiu R$ 128 milhões.
Os
gastos com juros da dívida pública cresceram em
setembro, chegando a R$ 15,473 bilhões, puxados pela
valorização de 6,3% do real no mês. Em agosto, havia
sido R$ 10,948 bilhões. O governo tem posição ativa em
dólar (créditos em dólar maiores do que as dívidas) e
despesa com juros maior quando o dólar se desvaloriza.
Em 12 meses, a despesa com juros subiu de 6,2% para
6,34% do PIB.
O
superávit menor e a maior despesa com juros elevaram o
déficit nominal do setor público, de 2,08% para 2,29% do
PIB, nos 12 meses encerrados em agosto e setembro. A
desvalorização do dólar gerou perda contábil para o BC
nas reservas internacionais, de R$ 14,388 bilhões.
Fonte: Valor Econômico, de 26/10/2007
Precatórios: um paradigma a ser quebrado
No
Brasil, pessoas, empresas e governos agem com total e
absoluta irresponsabilidade porque não têm a quem
prestar contas, e quando isto acontece acaba
prevalecendo a impunidade. O Poder Judiciário,
abarrotado de causas, não consegue realizar sua missão,
acabando por funcionar como um verdadeiro balcão de
rolagem de dívidas para maus pagadores. Cultiva-se,
assim, a "cultura de proteção ao devedor". Aqui,
sentimos até certo constrangimento em sermos credores
nos processos judiciais porque nesta condição somos
vistos como seres ambiciosos, querendo prejudicar o
"coitadinho" do devedor expropriando-lhe bens.
Os
precatórios são requisições de pagamento feitas pelos
juízes que julgaram as ações contra o Estado ao
presidente do tribunal respectivo. O presidente do
tribunal forma uma lista em ordem cronológica dos
créditos e encaminha ao prefeito, governador ou
presidente da República para que inclua no orçamento e
pague, no máximo, até o dia 31 de dezembro do ano
seguinte.
E
o que fazem os governantes em geral? Poucos pagam
durante o ano em parcelas, alguns deixam para pagar tudo
no último dia do ano e outros simplesmente não pagam. É
bom lembrar que as ações judiciais que dão origem aos
precatórios muitas vezes ultrapassam dez anos de
tramitação no Judiciário. Há casos de ações de
desapropriação com mais de 50 anos desde seu início e
ainda não pagas. Há também servidores, aposentados e
pensionistas sem receber nenhum centavo do que lhes é
devido a título de pensões alimentícias decorrentes de
leis e processos judiciais com mais de 20 anos. A
verdade é que a maioria das pessoas que consegue receber
valores de um processo judicial do Estado, ou já está em
idade avançada ou é herdeiro do titular falecido do
direito. Isso nos leva a uma conclusão: o sistema dos
precatórios privilegia o mau pagador e prejudica o
legítimo credor. Cria, portanto, um sistema ético e
moralmente inaceitável.
Todos os governos do mundo conseguem resolver suas
pendências judiciais, só aqui somos diferentes ou
indiferentes às agruras dos credores. É muito complicado
explicar a um advogado americano ou europeu que o
governo que lesa o cidadão no Brasil não cumpre a
decisão judicial e não paga imediatamente após condenado
pela Justiça.
O
que não pode continuar a acontecer é criarmos soluções
paliativas que onerem os credores - como a Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) nº 12, de 2006 - e que
favoreçam mais uma vez os devedores. Isto gera
insegurança jurídica - e aí não falo apenas dos
credores, mas também dos empreendedores de todo o mundo,
que se ressentem de pelo menos três coisas para investir
em nosso país: respeito aos contratos, segurança
jurídica e um Poder Judiciário forte, independente e
ágil.
Em
sã consciência, que empreendedor de sucesso instalaria,
por exemplo, uma fábrica no Rio de Janeiro, sabendo que,
caso precise recorrer ao Judiciário para litigar contra
o governo, ao fim do processo entrará em uma fila para
receber valores que jamais serão pagos? No ano de 2006,
o Estado do Rio de Janeiro não pagou a seus credores nem
mesmo o valor da correção monetária do estoque de
precatórios existente, o que representa dizer que,
mantido este cenário, quem está no fim da fila jamais
receberá seu crédito. O Rio de Janeiro pagou, no ano
passado, somente R$ 20 milhões em precatórios - apenas
1% do valor da dívida total. Lembre-se que somente em
propaganda eleitoreira o mesmo Estado do Rio gastou mais
de R$ 140 milhões no mesmo ano, ou seja, sete vezes mais
do que o valor despendido para os precatórios.
Há
inúmeras empresas e pessoas devedoras do Estado que não
pagam porque simplesmente não são cobradas com a devida
"determinação". Além disso, existem inúmeros ativos
ociosos do Estado - como imóveis, ações de empresas,
recebíveis de longo prazo etc. A verdade é que foi o
sistema criado para os precatórios que provocou o
problema. Como em outros países não há qualquer prazo
para pagamento, o mesmo ocorre diariamente, sem impactar
significativamente o caixa dos respectivos governos.
Portanto, criando-se uma solução perene e confiável para
o estoque existente de precatórios e uma regra de
transição seria possível, sim, acabar com este sistema.
Cada um aderiria à que mais lhe conviesse ou poderia,
respeitados os seus direitos adquiridos e a coisa
julgada, continuar a perseguir o pagamento.
Há
inúmeras possibilidades - como a compensação de
precatórios com a dívida ativa e com tributos, a
securitização da dívida para absorção pelo mercado
financeiro, a utilização como garantia em execuções
fiscais e a utilização como lastro para empréstimos em
instituições financeiras. Nenhuma delas acarretaria
qualquer desembolso do caixa dos governos devedores. Por
que não fazer então? Porque pagar precatórios representa
apenas cumprir decisões judiciais - não dá voto e nem
paga comissão.
Ouso dizer que a solução do problema em nosso Estado
depende só de um comprometimento com a solução, da
comunicação entre as partes envolvidas e do fato de se
encarar a questão como uma grande oportunidade. Assim, o
Estado se tornará o primeiro da federação a resolver a
questão dos precatórios judiciais e dar uma demonstração
definitiva de credibilidade e seriedade do governo, não
só para a sociedade como para investidores nacionais e
estrangeiros. É imperativo fazer respeitar as decisões
judiciais.
Eduardo Gouvêa é advogado e presidente da comissão de
defesa de credores públicos e precatórios da seccional
do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB-RJ)
Fonte: Valor Econômico, de 26/10/2007
Incidência de ICMS sobre demanda de potência de energia
volta à discussão no STJ
Um
pedido de vista interrompeu a análise do recurso
especial que trouxe novamente ao Superior Tribunal de
Justiça (STJ) o debate acerca da incidência de ICMS
sobre demanda contratada de potência de energia
elétrica, também conhecida como potência reservada. O
julgamento pode modificar a jurisprudência da Corte, que
é no sentido da não incidência do imposto.
A
tarifa de energia elétrica de grande consumidores, como
as indústrias, diferentemente da tarifa cobrada dos
consumidores comuns, é formada por dois elementos, por
isso, chamada binômia: o consumo e a demanda de
potência. O consumo refere-se ao que é efetivamente
consumido e é medido em Kw/h (Kilowatts/hora). A demanda
de potência refere-se à garantia de utilização do fluxo
de energia; é medida em Kilowatts. Diz respeito ao
perfil do consumidor e visa a dar confiabilidade e
segurança ao fornecimento de energia para os grandes
consumidores, que têm exigência diferenciada de
qualidade de serviço. A demanda de potência é
estabelecida em contrato com a distribuidora.
O
recurso em apreciação na Primeira Seção é da empresa
mineira Celulose Nipo Brasileira (CENIBRA), e foi
motivado por decisão do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais que considerou devido o pagamento de ICMS
(Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços)
sobre a parcela referente à potência reservada.
O
acórdão foi ao encontro da pretensão do Estado de Minas
Gerais, que defende a cobrança, já que, no seu entender,
a demanda de potência reservada seria um dos elementos
na formação do preço da energia. Por outro lado, a
CENIBRA alega que a cobrança é ilegal, pois seria sobre
uma hipotética demanda reservada. Afirma que, como a
energia não fica estocada, à espera da utilização, não
existe fato gerador.
O
ministro João Otávio de Noronha, relator do recurso,
votou pela manutenção da jurisprudência do STJ, no
sentido da não incidência do imposto. Ele citou o
Recurso Especial 222.810, de 14 de março de 2000,
precedente paradigma que vem norteando os julgamentos no
STJ sobre esse tema. Para o relator, não há razão para
alterar o entendimento, já que não há fato gerador de
ICMS. O ministro Noronha ressaltou que considera
essencial ao STJ garantir a segurança jurídica de suas
decisões.
O
ministro Teori Albino Zavaski pediu vista do processo
para melhor exame da matéria. A Primeira Seção torna a
se reunir no dia 14 de novembro, mas não há previsão
para que o julgamento desse caso seja retomado. Ainda
aguardam para votar outros sete ministros.
Fonte: site do Supremo Tribunal de Justiça, 26/10/2007
A normatização da repercussão no recurso extraordinário
1.
Introdução. Repercussão geral, relevância e
transcendência.
O
parágrafo 3º do artigo 102 da Constituição Federal,
acrescentado pela Emenda Constitucional 45, de 8 de
dezembro de 2004, assim dispõe:
“Art. 102 (...) § 3º No recurso extraordinário o
recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das
questões constitucionais discutidas no caso, nos termos
da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do
recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de
dois terços de seus membros.”
Regulamentando o dispositivo constitucional, a Lei
11.418, de 19 de dezembro de 2006, acrescentou os
artigos 543-A e 543-B ao CPC, determinando ainda no
artigo 3º que caberá ao Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal (RISTF) estabelecer as normas
necessárias à sua execução.
O
que é repercussão geral?
Os
parágrafos 1º e 3º do artigo 543-A definem que o recurso
extraordinário oferece repercussão geral em duas
situações:
—
se existem questões relevantes do ponto de vista
econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem
os interesses subjetivos da causa; ou
—
se o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou
jurisprudência dominante do Tribunal.
A
Emenda Constitucional 45/2004 e a Lei 11.418/2006 têm
por objetivo fazer com que somente seja apreciado o
recurso extraordinário que versar a respeito de questão
relevante, que transcenda o interesse meramente
individual das partes em litígio. No caso da existência
de decisão contrária a súmula ou jurisprudência
dominante do STF, a repercussão geral é presumida.
Há
manifestação na doutrina identificando a repercussão
geral com a transcendência, no sentido de que “a
repercussão geral traduz a importância metaindividual da
matéria”.[1]
Mas há também opinião no sentido de que repercussão
geral seria a conjugação de relevância e
transcendência.[2] Assim, questão deve ser relevante sob
ponto de vista econômico, político, social ou jurídico
(relevância), assim como deve ultrapassar os interesses
subjetivos da causa (transcendência). Embora não esteja
expresso, isso parece defluir da definição estabelecida
no parágrafo 1º do artigo 543-A do CPC:
“Art. 543-A (...) § 1o Para efeito da repercussão geral,
será considerada a existência, ou não, de questões
relevantes do ponto de vista econômico, político, social
ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da
causa.”
Somados esses entendimentos, pode-se também entender que
questão relevante, sob qualquer dos pontos de vista
mencionados, é aquela que ultrapassa os interesses
subjetivos da causa. Assim, as noções de “relevância” e
de “transcendência” estariam intimamente ligadas, não
sendo possível falar em questão relevante que não seja
transcendente e vice-versa.
Seja como for, o artigo 543-A do CPC não define o que
seria questão relevante “do ponto de vista econômico,
político, social ou jurídico” (aludida relevância),
tampouco quais características são necessárias para
configuração de questões “que ultrapassem os interesses
subjetivos da causa” (aludida transcendência).
Somente a jurisprudência do STF poderá responder a essas
questões. Por ora, o que podem fazer os juristas são
apenas exercícios de uma suposta lógica jurídica,
dizendo qual interpretação julgam “correta”, ao mesmo
tempo em que tentam vislumbrar qual será a interpretação
que prevalecerá ou mesmo pretensiosamente contribuir
para essa interpretação.
Assim, o que pode ser considerado transcendência?
Dizer que devemos entender por transcendência a
característica da questão que terá o condão de atingir,
direta ou indiretamente, um grande número de pessoas não
ajuda na definição do instituto. Parece claro que são
transcendentes, com bem diz o parágrafo 1º acima
transcrito, as questões que “ultrapassem os interesses
subjetivos da causa”. Mas o que significa isso
exatamente?
Parece óbvio que a exigência de que o recurso deve
“ultrapassar os interesses subjetivos da causa”
(transcendência), não significa que a decisão prolatada
em ação individual deverá atingir terceiros, em uma
tresloucada extensão dos limites subjetivos da coisa
julgada.
É
razoável imaginar que transcendência significa ou que o
recurso deve ser capaz de gerar um precedente (leading
case), que irá nortear a interpretação e aplicação do
direito constitucional em casos futuros, ou que se
refere a direitos coletivos, difusos ou individuais
homogêneos.
Nesse sentido, há manifestação da doutrina no seguinte
sentido:
“A
transcendência da controvérsia constitucional levada ao
conhecimento do Supremo Tribunal Federal pode ser
caracterizada tanto em uma perspectiva qualitativa como
quantitativa. Na primeira, sobreleva para
individualização da transcendência o importe da questão
debatida para a sistematização e desenvolvimento do
direito; na segunda, o número de pessoas susceptíveis de
alcance, atual ou futuro, pela decisão daquela questão
pelo Supremo e, bem assim, a natureza do direito posto
em causa (notadamente, coletivo ou difuso).”[3]
E
há opinião defendendo que poderá existir repercussão
geral mesmo em ações individuais, com questões
provavelmente não ocorrerão em outros processos:
“Numa perspectiva vertical, cumpre reconhecer que também
quando estiver em jogo o direito de uma só pessoa, em
situação aparentemente irrepetível, deverá ser
reconhecida a repercussão geral, desde que se trate de
direito fundamental, aí incluídos, como se sabe, os
direitos e garantias individuais e os direitos sociais,
com ênfase na tutela do mínimo existencial.”[4]
Seja como for, parece claro que não se pode restringir o
significado de repercussão geral apenas aos chamados
“processos repetidos”, que o artigo 543-B do CPC alude
ao se referir à “multiplicidade de recursos com
fundamento em idêntica controvérsia”, que enseja um
procedimento especial de análise de recursos
representativos e sobrestamento dos demais. Caso o
alcance fosse apenas esse, o procedimento do artigo
543-B não seria um procedimento específico para tais
recursos, mas sim a regra única de processamento e
julgamento do recurso extraordinário.
E
o que pode vir a ser considerado questão relevante, do
ponto de vista econômico, político, social ou jurídico?
Se
o deslinde da questão transcendente for importante para
o desenvolvimento e unificação da interpretação da
matéria constitucional, de modo a contribuir para a
sistematização do direito constitucional, ficará
caracterizada a relevância da questão sob o aspecto
jurídico.
Mas a questão pode ser transcendente sem influenciar a
interpretação ou sistematização do direito. Imagine-se,
por exemplo, um recurso extraordinário em um processo
envolvendo um ente público ou mesmo uma entidade de
direito privada prestadora de serviços assistenciais, ou
mesmo uma empresa pública ou privada, com muitos
empregados, com muitos contratos com fornecedores,
clientes etc. Se a questão em litígio envolver valores
muito elevados, é evidente que a questão é relevante sob
o aspecto econômico, assim como é transcendente por
atingir um grande número de pessoas, que sustentam o
ente público mediante pagamento de tributos, que
dependem dos serviços prestados pelo pela entidade
assistencial ou que dependem dos empregos ou contratos
mantido com a empresa pública ou privada. A questão
poderá ser transcendente e relevante sob o aspecto
econômico, de modo que o recurso extraordinário
oferecerá repercussão geral.
O
mesmo se diga quando a questão, também sem influenciar
na interpretação do direito, é relevante sob o aspecto
social. Tomemos novamente o exemplo de uma entidade de
assistência social, de uma escola ou de um hospital com
ou sem fins lucrativos. Caso demonstrado que a ação
influenciará na prestação dos serviços para um grande
número de pessoas, estará caracterizada a
transcendência. Se essa influência alterar de forma
significativa a prestação dos mencionados serviços, a
questão objeto do recurso será relevante sob o aspecto
social.
Por fim, a questão pode ser relevante sob o aspecto
político. Mas nem toda questão envolvendo política é
relevante. Serão relevantes, por exemplo, questões
envolvendo definição judicial em matéria eleitoral
relativa a validade de pleitos eleitorais relativos a
investidura de membros de poderes e em cargos
importantes da República. A transcendência nesses casos
parece óbvia, já que a definição de quem serão os
membros e ocupantes de cargos importantes dos poderes da
República atinge toda a população.
Mas nada disso se presume: deve ser demonstrado que a
decisão do processo judicial irá influenciar a vida de
muitas pessoas (transcendência), em razão da
contribuição para a sistematização do direito
(relevância jurídica), magnitude dos valores envolvidos
(relevância econômica), influência na prestação de
serviços sociais (relevância social) ou da definição de
quem deve ser os membros ou ocupar cargos importantes da
República (relevância política).
Muitas vezes a questão será relevante em mais de um
aspecto. Por exemplo, poderá a decisão de uma relevante
questão política influenciar na sistematização do
direito constitucional. Nesse caso, a questão será
relevante sob o ponto de vista político e sob o ponto de
vista jurídico. Mas a norma não exige tanto: basta que a
relevância da questão exista sob um dos aspectos
tratados para que, somada à transcendência, fique
caracterizada a repercussão geral.
Seja como for, novamente nos encontramos em um exercício
de suposta lógica jurídica, tentando ou de uma forma
pretensiosa contribuir ou apenas vislumbrar o que o STF
irá definir!
Nesse sentido, a respeito da tentativa de definição do
que seria repercussão geral, merece destaque a lúcida
manifestação doutrinária:
“O
que se passa com tal noção é que ela deve ser objeto de
decantação permanente, de que resultará, com o tempo,
mosaico rico e variegado de matizes.”[5]
Portanto, a definição do que seja repercussão geral e as
respostas a todas indagações acima formuladas somente
podem ser dadas, ao longo do tempo, pela jurisprudência
do STF: Direito é o que o Tribunal diz que é Direito.
2.
Motivos políticos, constitucionalidade e objetivos da
exigência de repercussão geral no recurso
extraordinário.
Não é segredo para ninguém que o STF e outros tribunais
encontram-se abarrotado de processos a espera de
julgamento, assim como o volume de processos aguardando
julgamento é muito superior à capacidade humana e
material de que se dispõe.
Como conclusão óbvia dessa constatação, há demora no
julgamento dos processos judiciais.
Não se trata, como a mídia faz freqüentemente, de apenas
criticar a “lentidão do Judiciário”, ou mesmo, como
alguns juristas também o fazem, de criticar o
“formalismo processual” ou o “excesso de recursos”. O
fundamental é, partindo de uma realidade fática —
ausência de julgamentos céleres — buscar soluções que
resolvam o problema.
A
Constituição Federal estabelece diversos princípios e
garantias, como forma de construir uma sociedade livre,
justa e solidária (art. 3º, I), sendo que a cidadania, a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa constituem fundamentos da
República Federativa do Brasil (art. 1º). Além disso, de
forma expressa, a Constituição assegura a todos a
razoável duração do processo, com os meios que garantam
a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII).
Não é difícil concluir que o legislador ordinário deve
buscar meios para que esses dispositivos constitucionais
sejam concretizados. Não basta apenas a Constituição ser
um texto meramente bonito, programático, carregado de
boas intenções, mas desprovido de força normativa. O
grande desafio de qualquer sociedade constitucional,
evidentemente, é fazer com que a Constituição seja
cumprida.
Como fazer com que o processo judicial seja célere, de
modo que todas as pessoas possam valer seus direitos?
Qual a função que Constituição reserva ao STF?
Ao
STF compete, por expressa determinação do caput do
artigo 102 da Constituição Federal, “a guarda da
Constituição”. Quando a alínea “l” do inciso I
estabelece a competência para julgar “a reclamação para
a preservação de sua competência e garantia da
autoridade de suas decisões” e o inciso III estabelece
as hipóteses de cabimento de recurso extraordinário, é
evidente que se tem como objetivo concretizar a função
de “guarda da Constituição” estabelecida no caput do
dispositivo.
Há
um interesse público, consistente em substituir decisões
judiciais em desconformidade com a interpretação dada
pelo STF à Constituição, de modo a dar unidade ao
direito constitucional brasileiro. Em um processo
judicial alçado ao STF, a função outorgada pela
Constituição não é, simplesmente, de atender ao
interesse individual da parte em litígio, mas sobretudo
atender ao interesse público diretamente relacionado com
a necessidade de concretização e interpretação uniforme
do direito constitucional.
Bruno Mattos e Silva: é advogado, consultor legislativo
do Senado e autor do livro Prequestionamento, recurso
especial e recurso extraordinário (Ed. Forense).
Fonte: Conjur, de 26/10/2007
Estado capta R$ 240 mil na venda de bens de traficantes
O
primeiro leilão de bens de traficantes feito pelo
governo de São Paulo arrecadou R$ 240 mil — ágio de 79%
em relação à soma dos lances iniciais dos 57 lotes
vendidos. O dinheiro será revertido para ações de
prevenção e combate ao tráfico de drogas. O estado de SP
fica com 60% do valor e o governo federal com o
restante.
O
leilão aconteceu, na manhã de quinta-feira (25/10), e
reuniu cerca de 300 pessoas no auditório da Sodré
Santoro, em Guarulhos.
Entre as motos, veículos e sucatas leiloadas, os
destaques foram para as picapes Ford F250 — vendida por
R$ 42 mil (ágio de 50%) — e Silverado (ano 1997) — por
R$ 29,5 mil (ágio de 111%).
“O
estado já localizou outros 200 veículos que serão
utilizados nos leilões que serão realizados em 2008.
Agora que já criamos uma sistemática para viabilizar o
leilão, pretendemos realizar eventos como este a cada
quatro meses", explica o presidente da Comissão Estadual
Antidrogas e chefe de gabinete da Secretaria da Justiça,
Guilherme Bueno de Camargo.
O
comprador não precisa se preocupar com o fato de o dono
anterior ser um traficante. A União aplica o perdimento
do bem quando o traficante é condenado definitivamente.
O veículo ou moto só é colocado à venda após uma
inspeção do Detran, que libera toda a documentação.
Fonte: Conjur, de 26/10/2007