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Supremo decide que corte de ponto vale para grevistas do setor público

Por 8 votos a 3, STF manda governo aplicar aos servidores normas válidas para trabalhador da área privada

Felipe Recondo,

Os servidores públicos de todo o País podem fazer greve, mas, a partir da decisão tomada ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF), submetem-se à lei que rege as greves dos trabalhadores das empresas privadas. Isso significa que os funcionários públicos grevistas podem ter o ponto cortado e o salário reduzido no valor correspondente aos dias parados.

Já houve greves de mais de três meses no País - as universidades federais pararam por 99 dias, em 2001. Na ausência de uma legislação, porém, não houve corte de ponto. Isso levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a dizer que essas greves oferecem, na prática, o privilégio de “férias remuneradas”.

O Supremo decidiu que, no caso de paralisações envolvendo setores responsáveis por serviços essenciais - como tratamento e abastecimento de água, distribuição de energia elétrica, assistência médica e hospitalar -, uma parcela dos funcionários tem de continuar trabalhando, apesar da greve.

A decisão foi aprovada por oito votos favoráveis e três contrários. Os ministros derrotados foram Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Joaquim Barbosa. Para Grau, todo serviço público é essencial. Enquanto o Congresso não aprovar uma lei regulamentando esse tipo de greve, valerá a orientação do STF.

O setor público agora se submete à Lei 7.783, de 1989, que obriga os grevistas a comunicarem aos governos, com 48 horas de antecedência, a intenção de paralisar os trabalhos. Em caso de serviços essenciais, a greve deve ser informada com 72 horas de antecedência. Em compensação, os chefes diretos não podem constranger os servidores a não participar da greve, fazendo listas de demissão, cortando gratificação ou suspendendo férias marcadas.

Com a falta de regulamentação pelo Congresso, os servidores podiam parar os trabalhos por tempo indefinido. Dificilmente eram punidos com corte de salário ou reposição dos dias parados. Além disso, não eram obrigados a manter parte dos serviços básicos operando.

RESPOSTA

A decisão foi uma resposta a ações de sindicatos de três categorias - policiais civis do Espírito Santo, trabalhadores em educação de João Pessoa e funcionários do Judiciário do Pará -, que queriam ter assegurado o direito de greve por aumento de salário e melhores condições de trabalho. Ainda reclamavam da falta de regulamentação do tema.

Em 1988, a Constituição estabeleceu que uma lei complementar definiria os limites das greves no setor público. Até hoje, ela não foi votada. Em casos assim, cabe ao STF, quando provocado, definir a regra a ser cumprida. “A essa inércia ou inapetência legislativa corresponde um ativismo judiciário francamente autorizado pela Constituição”, justificou o ministro do STF Carlos Ayres Britto.

O julgamento encerrado ontem havia começado em maio de 2003 e, mais uma vez, os ministros fizeram as vezes do Legislativo. Alguns ministros do STF cogitaram determinar um prazo de dois meses para deputados e senadores aprovarem a lei de greve do setor público. Prevaleceu, porém, a tese de que cabe ao presidente da República enviar um projeto para o Congresso. Os ministros derrotados reconheceram a omissão do Legislativo ao não aprovar a regulamentação da greve no setor público. Queriam, porém, restringir a decisão às três categorias que acionaram a corte.

Fonte: O Estado de S. Paulo, de 26/10/2007

 



Gastos da Previdência e de Estados fazem superávit primário cair para 4,05% do PIB  

A expansão de gastos da Previdência e dos governos estaduais fez o superávit primário do setor público cair em setembro, de 4,12% para 4,05% do Produto Interno Bruto (PIB), no resultado acumulado em 12 meses. A dívida líquida do setor público subiu de 43% para 43,5% do PIB no mês, puxada pelo aumento de gastos e pela valorização do real 

Apesar da ligeira deterioração fiscal, o superávit primário permanece na trajetória para o cumprimento da meta de 3,8% do PIB fixada para 2007. As indicações são de que a dívida líquida voltará a cair neste ano, na comparação com 2006, passando de 44,9% para 44% do PIB. Em geral, os gastos em setembro são um pouco mais intensos do que em meses anteriores, devido ao pagamento da primeira parcela do 13º salário a aposentados e pensionistas. Esse compromisso sazonal fez com que o déficit da Previdência subisse de R$ 2,586 bilhões para R$ 9,158 bilhões entre agosto e setembro. 

Além de fatores sazonais, os gastos da Previdência crescem por motivos estruturais, como o aumento do salário mínimo. Na comparação entre setembro de 2006 e de 2007, a despesa sobe de R$ 8,670 bilhões para R$ 9,158 bilhões. Na proporção com o PIB, o déficit da Previdência subiu de 1,74% para 1,76%, nos períodos de 12 meses encerrados respectivamente em agosto e setembro. 

Outro fator que contribuiu para a redução do superávit primário foi a expansão dos gastos de Estados, que entre agosto e setembro baixaram o superávit de 1,06% para 1,03% do PIB, em períodos de 12 meses. Em setembro, esse superávit foi de R$ 1,389 bilhão, o menor para um mês de setembro desde 2003. "Os Estados vinham apresentando superávits acima do previsto, em virtude de ajustes nos gastos e aumento da arrecadação", afirma o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes. " Era esperado que, em algum momento, os Estados começassem a gastar os recursos economizados." 

As estatais apresentaram superávit de R$ 1,009 bilhão em setembro, menor que em agosto (R$ 2,244 bilhões) e setembro de 2006 (R$ 2,516 bilhões). O dado é insuficiente para afirmar que as estatais passaram a fazer superávits menores. Segundo Lopes, os resultados fiscais das estatais são voláteis e as oscilações não refletem necessariamente uma tendência. 

O governo federal, excluindo o INSS, apresentou superávit de R$ 10,059 bilhões, maior do que os R$ 8,670 bilhões de setembro de 2006. O governo central, junto com o INSS, teve superávit de R$ 812 milhões. O superávit dos municípios atingiu R$ 128 milhões. 

Os gastos com juros da dívida pública cresceram em setembro, chegando a R$ 15,473 bilhões, puxados pela valorização de 6,3% do real no mês. Em agosto, havia sido R$ 10,948 bilhões. O governo tem posição ativa em dólar (créditos em dólar maiores do que as dívidas) e despesa com juros maior quando o dólar se desvaloriza. Em 12 meses, a despesa com juros subiu de 6,2% para 6,34% do PIB. 

O superávit menor e a maior despesa com juros elevaram o déficit nominal do setor público, de 2,08% para 2,29% do PIB, nos 12 meses encerrados em agosto e setembro. A desvalorização do dólar gerou perda contábil para o BC nas reservas internacionais, de R$ 14,388 bilhões.   

Fonte: Valor Econômico, de 26/10/2007

 


Precatórios: um paradigma a ser quebrado

No Brasil, pessoas, empresas e governos agem com total e absoluta irresponsabilidade porque não têm a quem prestar contas, e quando isto acontece acaba prevalecendo a impunidade. O Poder Judiciário, abarrotado de causas, não consegue realizar sua missão, acabando por funcionar como um verdadeiro balcão de rolagem de dívidas para maus pagadores. Cultiva-se, assim, a "cultura de proteção ao devedor". Aqui, sentimos até certo constrangimento em sermos credores nos processos judiciais porque nesta condição somos vistos como seres ambiciosos, querendo prejudicar o "coitadinho" do devedor expropriando-lhe bens. 

Os precatórios são requisições de pagamento feitas pelos juízes que julgaram as ações contra o Estado ao presidente do tribunal respectivo. O presidente do tribunal forma uma lista em ordem cronológica dos créditos e encaminha ao prefeito, governador ou presidente da República para que inclua no orçamento e pague, no máximo, até o dia 31 de dezembro do ano seguinte. 

E o que fazem os governantes em geral? Poucos pagam durante o ano em parcelas, alguns deixam para pagar tudo no último dia do ano e outros simplesmente não pagam. É bom lembrar que as ações judiciais que dão origem aos precatórios muitas vezes ultrapassam dez anos de tramitação no Judiciário. Há casos de ações de desapropriação com mais de 50 anos desde seu início e ainda não pagas. Há também servidores, aposentados e pensionistas sem receber nenhum centavo do que lhes é devido a título de pensões alimentícias decorrentes de leis e processos judiciais com mais de 20 anos. A verdade é que a maioria das pessoas que consegue receber valores de um processo judicial do Estado, ou já está em idade avançada ou é herdeiro do titular falecido do direito. Isso nos leva a uma conclusão: o sistema dos precatórios privilegia o mau pagador e prejudica o legítimo credor. Cria, portanto, um sistema ético e moralmente inaceitável. 

Todos os governos do mundo conseguem resolver suas pendências judiciais, só aqui somos diferentes ou indiferentes às agruras dos credores. É muito complicado explicar a um advogado americano ou europeu que o governo que lesa o cidadão no Brasil não cumpre a decisão judicial e não paga imediatamente após condenado pela Justiça. 

O que não pode continuar a acontecer é criarmos soluções paliativas que onerem os credores - como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 12, de 2006 - e que favoreçam mais uma vez os devedores. Isto gera insegurança jurídica - e aí não falo apenas dos credores, mas também dos empreendedores de todo o mundo, que se ressentem de pelo menos três coisas para investir em nosso país: respeito aos contratos, segurança jurídica e um Poder Judiciário forte, independente e ágil. 

Em sã consciência, que empreendedor de sucesso instalaria, por exemplo, uma fábrica no Rio de Janeiro, sabendo que, caso precise recorrer ao Judiciário para litigar contra o governo, ao fim do processo entrará em uma fila para receber valores que jamais serão pagos? No ano de 2006, o Estado do Rio de Janeiro não pagou a seus credores nem mesmo o valor da correção monetária do estoque de precatórios existente, o que representa dizer que, mantido este cenário, quem está no fim da fila jamais receberá seu crédito. O Rio de Janeiro pagou, no ano passado, somente R$ 20 milhões em precatórios - apenas 1% do valor da dívida total. Lembre-se que somente em propaganda eleitoreira o mesmo Estado do Rio gastou mais de R$ 140 milhões no mesmo ano, ou seja, sete vezes mais do que o valor despendido para os precatórios. 

Há inúmeras empresas e pessoas devedoras do Estado que não pagam porque simplesmente não são cobradas com a devida "determinação". Além disso, existem inúmeros ativos ociosos do Estado - como imóveis, ações de empresas, recebíveis de longo prazo etc. A verdade é que foi o sistema criado para os precatórios que provocou o problema. Como em outros países não há qualquer prazo para pagamento, o mesmo ocorre diariamente, sem impactar significativamente o caixa dos respectivos governos. Portanto, criando-se uma solução perene e confiável para o estoque existente de precatórios e uma regra de transição seria possível, sim, acabar com este sistema. Cada um aderiria à que mais lhe conviesse ou poderia, respeitados os seus direitos adquiridos e a coisa julgada, continuar a perseguir o pagamento. 

Há inúmeras possibilidades - como a compensação de precatórios com a dívida ativa e com tributos, a securitização da dívida para absorção pelo mercado financeiro, a utilização como garantia em execuções fiscais e a utilização como lastro para empréstimos em instituições financeiras. Nenhuma delas acarretaria qualquer desembolso do caixa dos governos devedores. Por que não fazer então? Porque pagar precatórios representa apenas cumprir decisões judiciais - não dá voto e nem paga comissão. 

Ouso dizer que a solução do problema em nosso Estado depende só de um comprometimento com a solução, da comunicação entre as partes envolvidas e do fato de se encarar a questão como uma grande oportunidade. Assim, o Estado se tornará o primeiro da federação a resolver a questão dos precatórios judiciais e dar uma demonstração definitiva de credibilidade e seriedade do governo, não só para a sociedade como para investidores nacionais e estrangeiros. É imperativo fazer respeitar as decisões judiciais. 

Eduardo Gouvêa é advogado e presidente da comissão de defesa de credores públicos e precatórios da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) 

Fonte: Valor Econômico, de 26/10/2007

 


Incidência de ICMS sobre demanda de potência de energia volta à discussão no STJ

Um pedido de vista interrompeu a análise do recurso especial que trouxe novamente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o debate acerca da incidência de ICMS sobre demanda contratada de potência de energia elétrica, também conhecida como potência reservada. O julgamento pode modificar a jurisprudência da Corte, que é no sentido da não incidência do imposto.

A tarifa de energia elétrica de grande consumidores, como as indústrias, diferentemente da tarifa cobrada dos consumidores comuns, é formada por dois elementos, por isso, chamada binômia: o consumo e a demanda de potência. O consumo refere-se ao que é efetivamente consumido e é medido em Kw/h (Kilowatts/hora). A demanda de potência refere-se à garantia de utilização do fluxo de energia; é medida em Kilowatts. Diz respeito ao perfil do consumidor e visa a dar confiabilidade e segurança ao fornecimento de energia para os grandes consumidores, que têm exigência diferenciada de qualidade de serviço. A demanda de potência é estabelecida em contrato com a distribuidora.

O recurso em apreciação na Primeira Seção é da empresa mineira Celulose Nipo Brasileira (CENIBRA), e foi motivado por decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que considerou devido o pagamento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre a parcela referente à potência reservada.

O acórdão foi ao encontro da pretensão do Estado de Minas Gerais, que defende a cobrança, já que, no seu entender, a demanda de potência reservada seria um dos elementos na formação do preço da energia. Por outro lado, a CENIBRA alega que a cobrança é ilegal, pois seria sobre uma hipotética demanda reservada. Afirma que, como a energia não fica estocada, à espera da utilização, não existe fato gerador.

O ministro João Otávio de Noronha, relator do recurso, votou pela manutenção da jurisprudência do STJ, no sentido da não incidência do imposto. Ele citou o Recurso Especial 222.810, de 14 de março de 2000, precedente paradigma que vem norteando os julgamentos no STJ sobre esse tema. Para o relator, não há razão para alterar o entendimento, já que não há fato gerador de ICMS. O ministro Noronha ressaltou que considera essencial ao STJ garantir a segurança jurídica de suas decisões.

O ministro Teori Albino Zavaski pediu vista do processo para melhor exame da matéria. A Primeira Seção torna a se reunir no dia 14 de novembro, mas não há previsão para que o julgamento desse caso seja retomado. Ainda aguardam para votar outros sete ministros.

Fonte: site do Supremo Tribunal de Justiça, 26/10/2007

 


A normatização da repercussão no recurso extraordinário

1. Introdução. Repercussão geral, relevância e transcendência.

O parágrafo 3º do artigo 102 da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, assim dispõe:

“Art. 102 (...) § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.”

Regulamentando o dispositivo constitucional, a Lei 11.418, de 19 de dezembro de 2006, acrescentou os artigos 543-A e 543-B ao CPC, determinando ainda no artigo 3º que caberá ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) estabelecer as normas necessárias à sua execução.

O que é repercussão geral?

Os parágrafos 1º e 3º do artigo 543-A definem que o recurso extraordinário oferece repercussão geral em duas situações:

— se existem questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa; ou

— se o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

A Emenda Constitucional 45/2004 e a Lei 11.418/2006 têm por objetivo fazer com que somente seja apreciado o recurso extraordinário que versar a respeito de questão relevante, que transcenda o interesse meramente individual das partes em litígio. No caso da existência de decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do STF, a repercussão geral é presumida.

Há manifestação na doutrina identificando a repercussão geral com a transcendência, no sentido de que “a repercussão geral traduz a importância metaindividual da matéria”.[1]

Mas há também opinião no sentido de que repercussão geral seria a conjugação de relevância e transcendência.[2] Assim, questão deve ser relevante sob ponto de vista econômico, político, social ou jurídico (relevância), assim como deve ultrapassar os interesses subjetivos da causa (transcendência). Embora não esteja expresso, isso parece defluir da definição estabelecida no parágrafo 1º do artigo 543-A do CPC:

“Art. 543-A (...) § 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.”

Somados esses entendimentos, pode-se também entender que questão relevante, sob qualquer dos pontos de vista mencionados, é aquela que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Assim, as noções de “relevância” e de “transcendência” estariam intimamente ligadas, não sendo possível falar em questão relevante que não seja transcendente e vice-versa.

Seja como for, o artigo 543-A do CPC não define o que seria questão relevante “do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico” (aludida relevância), tampouco quais características são necessárias para configuração de questões “que ultrapassem os interesses subjetivos da causa” (aludida transcendência).

Somente a jurisprudência do STF poderá responder a essas questões. Por ora, o que podem fazer os juristas são apenas exercícios de uma suposta lógica jurídica, dizendo qual interpretação julgam “correta”, ao mesmo tempo em que tentam vislumbrar qual será a interpretação que prevalecerá ou mesmo pretensiosamente contribuir para essa interpretação.

Assim, o que pode ser considerado transcendência?

Dizer que devemos entender por transcendência a característica da questão que terá o condão de atingir, direta ou indiretamente, um grande número de pessoas não ajuda na definição do instituto. Parece claro que são transcendentes, com bem diz o parágrafo 1º acima transcrito, as questões que “ultrapassem os interesses subjetivos da causa”. Mas o que significa isso exatamente?

Parece óbvio que a exigência de que o recurso deve “ultrapassar os interesses subjetivos da causa” (transcendência), não significa que a decisão prolatada em ação individual deverá atingir terceiros, em uma tresloucada extensão dos limites subjetivos da coisa julgada.

É razoável imaginar que transcendência significa ou que o recurso deve ser capaz de gerar um precedente (leading case), que irá nortear a interpretação e aplicação do direito constitucional em casos futuros, ou que se refere a direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos.

Nesse sentido, há manifestação da doutrina no seguinte sentido:

“A transcendência da controvérsia constitucional levada ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal pode ser caracterizada tanto em uma perspectiva qualitativa como quantitativa. Na primeira, sobreleva para individualização da transcendência o importe da questão debatida para a sistematização e desenvolvimento do direito; na segunda, o número de pessoas susceptíveis de alcance, atual ou futuro, pela decisão daquela questão pelo Supremo e, bem assim, a natureza do direito posto em causa (notadamente, coletivo ou difuso).”[3]

E há opinião defendendo que poderá existir repercussão geral mesmo em ações individuais, com questões provavelmente não ocorrerão em outros processos:

“Numa perspectiva vertical, cumpre reconhecer que também quando estiver em jogo o direito de uma só pessoa, em situação aparentemente irrepetível, deverá ser reconhecida a repercussão geral, desde que se trate de direito fundamental, aí incluídos, como se sabe, os direitos e garantias individuais e os direitos sociais, com ênfase na tutela do mínimo existencial.”[4]

Seja como for, parece claro que não se pode restringir o significado de repercussão geral apenas aos chamados “processos repetidos”, que o artigo 543-B do CPC alude ao se referir à “multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia”, que enseja um procedimento especial de análise de recursos representativos e sobrestamento dos demais. Caso o alcance fosse apenas esse, o procedimento do artigo 543-B não seria um procedimento específico para tais recursos, mas sim a regra única de processamento e julgamento do recurso extraordinário.

E o que pode vir a ser considerado questão relevante, do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico?

Se o deslinde da questão transcendente for importante para o desenvolvimento e unificação da interpretação da matéria constitucional, de modo a contribuir para a sistematização do direito constitucional, ficará caracterizada a relevância da questão sob o aspecto jurídico.

Mas a questão pode ser transcendente sem influenciar a interpretação ou sistematização do direito. Imagine-se, por exemplo, um recurso extraordinário em um processo envolvendo um ente público ou mesmo uma entidade de direito privada prestadora de serviços assistenciais, ou mesmo uma empresa pública ou privada, com muitos empregados, com muitos contratos com fornecedores, clientes etc. Se a questão em litígio envolver valores muito elevados, é evidente que a questão é relevante sob o aspecto econômico, assim como é transcendente por atingir um grande número de pessoas, que sustentam o ente público mediante pagamento de tributos, que dependem dos serviços prestados pelo pela entidade assistencial ou que dependem dos empregos ou contratos mantido com a empresa pública ou privada. A questão poderá ser transcendente e relevante sob o aspecto econômico, de modo que o recurso extraordinário oferecerá repercussão geral.

O mesmo se diga quando a questão, também sem influenciar na interpretação do direito, é relevante sob o aspecto social. Tomemos novamente o exemplo de uma entidade de assistência social, de uma escola ou de um hospital com ou sem fins lucrativos. Caso demonstrado que a ação influenciará na prestação dos serviços para um grande número de pessoas, estará caracterizada a transcendência. Se essa influência alterar de forma significativa a prestação dos mencionados serviços, a questão objeto do recurso será relevante sob o aspecto social.

Por fim, a questão pode ser relevante sob o aspecto político. Mas nem toda questão envolvendo política é relevante. Serão relevantes, por exemplo, questões envolvendo definição judicial em matéria eleitoral relativa a validade de pleitos eleitorais relativos a investidura de membros de poderes e em cargos importantes da República. A transcendência nesses casos parece óbvia, já que a definição de quem serão os membros e ocupantes de cargos importantes dos poderes da República atinge toda a população.

Mas nada disso se presume: deve ser demonstrado que a decisão do processo judicial irá influenciar a vida de muitas pessoas (transcendência), em razão da contribuição para a sistematização do direito (relevância jurídica), magnitude dos valores envolvidos (relevância econômica), influência na prestação de serviços sociais (relevância social) ou da definição de quem deve ser os membros ou ocupar cargos importantes da República (relevância política).

Muitas vezes a questão será relevante em mais de um aspecto. Por exemplo, poderá a decisão de uma relevante questão política influenciar na sistematização do direito constitucional. Nesse caso, a questão será relevante sob o ponto de vista político e sob o ponto de vista jurídico. Mas a norma não exige tanto: basta que a relevância da questão exista sob um dos aspectos tratados para que, somada à transcendência, fique caracterizada a repercussão geral.

Seja como for, novamente nos encontramos em um exercício de suposta lógica jurídica, tentando ou de uma forma pretensiosa contribuir ou apenas vislumbrar o que o STF irá definir!

Nesse sentido, a respeito da tentativa de definição do que seria repercussão geral, merece destaque a lúcida manifestação doutrinária:

“O que se passa com tal noção é que ela deve ser objeto de decantação permanente, de que resultará, com o tempo, mosaico rico e variegado de matizes.”[5]

Portanto, a definição do que seja repercussão geral e as respostas a todas indagações acima formuladas somente podem ser dadas, ao longo do tempo, pela jurisprudência do STF: Direito é o que o Tribunal diz que é Direito.

2. Motivos políticos, constitucionalidade e objetivos da exigência de repercussão geral no recurso extraordinário.

Não é segredo para ninguém que o STF e outros tribunais encontram-se abarrotado de processos a espera de julgamento, assim como o volume de processos aguardando julgamento é muito superior à capacidade humana e material de que se dispõe.

Como conclusão óbvia dessa constatação, há demora no julgamento dos processos judiciais.

Não se trata, como a mídia faz freqüentemente, de apenas criticar a “lentidão do Judiciário”, ou mesmo, como alguns juristas também o fazem, de criticar o “formalismo processual” ou o “excesso de recursos”. O fundamental é, partindo de uma realidade fática — ausência de julgamentos céleres — buscar soluções que resolvam o problema.

A Constituição Federal estabelece diversos princípios e garantias, como forma de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), sendo que a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa constituem fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º). Além disso, de forma expressa, a Constituição assegura a todos a razoável duração do processo, com os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII).

Não é difícil concluir que o legislador ordinário deve buscar meios para que esses dispositivos constitucionais sejam concretizados. Não basta apenas a Constituição ser um texto meramente bonito, programático, carregado de boas intenções, mas desprovido de força normativa. O grande desafio de qualquer sociedade constitucional, evidentemente, é fazer com que a Constituição seja cumprida.

Como fazer com que o processo judicial seja célere, de modo que todas as pessoas possam valer seus direitos? Qual a função que Constituição reserva ao STF?

Ao STF compete, por expressa determinação do caput do artigo 102 da Constituição Federal, “a guarda da Constituição”. Quando a alínea “l” do inciso I estabelece a competência para julgar “a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões” e o inciso III estabelece as hipóteses de cabimento de recurso extraordinário, é evidente que se tem como objetivo concretizar a função de “guarda da Constituição” estabelecida no caput do dispositivo.

Há um interesse público, consistente em substituir decisões judiciais em desconformidade com a interpretação dada pelo STF à Constituição, de modo a dar unidade ao direito constitucional brasileiro. Em um processo judicial alçado ao STF, a função outorgada pela Constituição não é, simplesmente, de atender ao interesse individual da parte em litígio, mas sobretudo atender ao interesse público diretamente relacionado com a necessidade de concretização e interpretação uniforme do direito constitucional.

Bruno Mattos e Silva: é advogado, consultor legislativo do Senado e autor do livro Prequestionamento, recurso especial e recurso extraordinário (Ed. Forense).

Fonte: Conjur, de 26/10/2007

 


Estado capta R$ 240 mil na venda de bens de traficantes

O primeiro leilão de bens de traficantes feito pelo governo de São Paulo arrecadou R$ 240 mil — ágio de 79% em relação à soma dos lances iniciais dos 57 lotes vendidos. O dinheiro será revertido para ações de prevenção e combate ao tráfico de drogas. O estado de SP fica com 60% do valor e o governo federal com o restante.

O leilão aconteceu, na manhã de quinta-feira (25/10), e reuniu cerca de 300 pessoas no auditório da Sodré Santoro, em Guarulhos.

Entre as motos, veículos e sucatas leiloadas, os destaques foram para as picapes Ford F250 — vendida por R$ 42 mil (ágio de 50%) — e Silverado (ano 1997) — por R$ 29,5 mil (ágio de 111%).

“O estado já localizou outros 200 veículos que serão utilizados nos leilões que serão realizados em 2008. Agora que já criamos uma sistemática para viabilizar o leilão, pretendemos realizar eventos como este a cada quatro meses", explica o presidente da Comissão Estadual Antidrogas e chefe de gabinete da Secretaria da Justiça, Guilherme Bueno de Camargo.

O comprador não precisa se preocupar com o fato de o dono anterior ser um traficante. A União aplica o perdimento do bem quando o traficante é condenado definitivamente. O veículo ou moto só é colocado à venda após uma inspeção do Detran, que libera toda a documentação.

Fonte: Conjur, de 26/10/2007