ICMS
não é faturamento, portanto, não é base para Cofins
por Pedro
Melchior de Melo Barros
Com
efeito, o presente estudo cinge-se à discussão de
aspectos relativos à inclusão dos valores arrecadados
a título de ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins,
conforme entendimento outrora pacificado nos enunciados
de súmulas 68 e 94, editados pelo Superior Tribunal de
Justiça.
O PIS foi
instituído pela Lei Complementar 7/70 (Emenda 1/69,
artigo. 62, § 2º), com a finalidade de promover a
integração do empregado na vida e no desenvolvimento
das empresas, tendo o artigo 3º dessa lei,
posteriormente redefinido pelo o artigo 3º da Lei
9.715/98, disposto que sua base de cálculo seria o
faturamento da empresa.
A COFINS
foi criada pelo Decreto lei 1.940, de 25/05/1982, com a
denominação de Fundo de Investimento Social (Finsocial)
e regulamentada pelo Decreto 92.698, de 21 de maio de
1986. O Decreto lei. 1.940/82 foi expressamente
recepcionado pelo artigo 56 dos ADCT da Constituição
Federal de 1988.
A Lei
7.689/88 e posteriormente a LC 70, de 20 de dezembro de
1991, com fulcro no artigo 195, I, da Carta
Constitucional de 1988, instituíram formalmente a
Cofins, destinada a custear as despesas de saúde,
previdência e assistência social, estabelecendo como
hipótese de incidência o “faturamento mensal”,
assim considerado “a receita bruta das vendas de
mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços
de qualquer natureza” (artigo 2º).
Com a Lei
9.718, de 27 de novembro de 1998, estabeleceu-se, em seu
artigo 2º, “que as contribuições para o PIS/Pasep e
a Cofins, devidas pelas pessoas jurídicas de direito
privado, serão calculadas com base no seu
faturamento”, correspondente, no dizer de seu artigo 3º
e §1º, à “receita bruta”, ou seja, à totalidade
das receitas auferidas, independentemente “do tipo de
atividade exercida e da classificação contábil
adotada para as receitas”.
Indaga-se,
portanto, se no conceito de faturamento previsto no
artigo 195, I, Constituição Federal e na Lei 9.718/98,
permite-se a inclusão do ICMS para fins de composição
da base de cálculo da Cofins.
Estabelece
o artigo 195, I, b, da Constituição Federal, ser a
seguridade social “... financiada por toda a
sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da
lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
e das contribuições sociais do empregador, da empresa
e da entidade a ela equiparada na forma da lei,
incidentes sobre receita ou faturamento”.
Dessa
forma, resta evidente que a regra de competência supra
transcrita apenas autoriza a instituição de contribuição
que grave a receita ou faturamento. A incidência de
contribuição sobre grandeza distinta não encontra
respaldo no texto constitucional. É o que acontece com
a exigência das contribuições referidas sobre o ICMS
devido em cada operação.
O Pleno do
STF, por maioria, dando provimento em parte ao RE
357.950/RS, Rel. Min. Marco Aurélio de Melo, declarou a
inconstitucionalidade do §1º do artigo 3º da Lei
9.718/98 (alteração da base de cálculo do PIS e da
Cofins), porque, dando novo conceito ao termo
“faturamento”, ampliara a base imponível da exação
para abranger a totalidade das receitas auferidas pela
pessoa jurídica, pouco importando o tipo de atividade
por ela exercida e a classificação contábil
porventura adotada para as receitas. Fez prevalecer, então,
o artigo 3º, “b”, da LC 07/70 (Lei 9.715/98) e
artigo 2º da LC 70/91, que consideram faturamento
somente “a receita bruta das vendas de mercadorias, de
mercadorias e serviços e de serviço de qualquer
natureza”.
Dessa
forma, sob o conceito de receita bruta ou faturamento não
parece possível acomodar um tributo que mais
propriamente pode ser classificado como ônus do
contribuinte, pois, afinal, nenhum agente econômico
fatura o ICMS, mas apenas as mercadorias ou serviços.
Sendo o ICMS uma receita do erário estadual,
expressamente prevista no artigo 155, II, CF, não pode
ser tido como fato imponível daquelas exações.
Para
conceituarmos o vocábulo “faturamento” necessário
atermos ao seu sentido etimológico, o qual aponta para
um negócio jurídico advindo de operação mercantil na
qual se percebe valores que ingressarão nos cofres
daqueles que vendam mercadorias ou prestam serviços a
terceiros.
Nesse
sentido, estabelece o artigo 110 do CTN que “a lei
tributária não pode alterar a definição, o conteúdo
e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito
privado utilizados, expressa ou implicitamente, pela
constituição federal, pelas constituições dos
estados, ou pelas leis ordinárias do distrito federal
ou dos municípios para definir e limitar competência
tributárias”.
Resumindo,
consistindo a base de cálculo para fins tributários
num padrão ou unidade de referência utilizada na
quantificação do fato tributário, se o ICMS não
constitui ingresso patrimonial pela circunstância de
simplesmente transitar pelo caixa do contribuinte, tido
como mero agente repassador dos mencionados tributos, não
há como admiti-lo na base de cálculo das contribuições
previstas no artigo 195, I, “b”, CF, posto que estes
incidem sobre a receita ou faturamento.
Aliás,
conforme se observa da alínea “a”, do parágrafo único
do artigo 2º da LC 70/91, o IPI, quando destacado em
separado do documento fiscal, é expressamente excluído
da base de cálculo da Cofins. Da mesma forma é o ICMS
quando incidente no regime de substituição tributária
(artigo 3°, § 2º, I, Lei 9.718/98).
Entretanto,
diferentemente, entende o Fisco Federal que, quando o
contribuinte vende a mercadoria estando embutido no preço
o ICMS esse é receita e, portanto, base imponível do
PIS e da Cofins.
Base imponível,
segundo o mestre Geraldo Ataliba, em “Hipótese de
Incidência Tributária, 6ª ed., SP, Malheiros, 2000,
p. 108”, “...é uma perspectiva dimensível do
aspecto material da h.i. que a lei qualifica, com a
finalidade de fixar critério para a determinação, em
cada obrigação tributária concreta, do quantum
debeatur. A base imponível é a dimensão do aspecto
material da hipótese de incidência. É, portanto, uma
grandeza ínsita da h. i. É por assim dizer, seu
aspecto dimensional, uma ordem de grandeza própria do
aspecto material da h.i.; é propriamente uma medida
sua”.
Nesse
contexto, verifica-se que o sujeito passivo da COFINS não
tem capacidade contributiva sobre receitas auferidas
pelos Estados/Distrito Federal (no caso do ICMS) ou pela
União Federal (no caso de IPI), sua carga tributária
em relação a essas exações limita-se aos valores que
serão destinados ao seu ativo por conta da venda de
mercadorias, prestação de serviços e etc.
Decidindo
a mesma questão ora posta em debate, enfatizou o
eminente ministro Marco Aurélio, nos autos do RE
240.785/MG que faturamento “...decorre, em si, de um
negócio jurídico, de uma operação, importando, por
algum motivo, o que percebido por aquele que a realiza,
considerada a venda de mercadorias ou mesmo a prestação
de serviços. A base de cálculo da Cofins não pode
extravasar, desse modo, sob o ângulo do faturamento, o
valor do negócio, ou seja, a parcela recebida com a
operação mercantil ou similar. O conceito de
faturamento diz com riqueza própria, quantia que tem
ingresso nos cofres de quem procede à venda de
mercadorias ou a prestação dos serviços, implicando,
por isso mesmo, o envolvimento de noções próprias ao
que se entende como receita bruta. Descabe assentar que
os contribuintes da Cofins faturam, em si, o ICMS. O
valor deste revela, isto sim, um desembolso à entidade
de direito público que tem a competência para cobrá-lo
... .”
Assim, se
o ICMS é despesa do sujeito passivo da Cofins e receita
do Erário Estadual, é injurídico tentar englobá-lo
na hipótese de incidência desta exação. A inclusão
do ICMS na base de cálculo da COFINS resulta em tributação
de riqueza que não pertence ao contribuinte. Este, ao
arcar com obrigação de tal ordem, suporta carga tributária
além do que legalmente definido para o regular exercício
da sua atividade econômica e além do que permite a
Constituição Federal.
Sobre a
matéria, segundo acima já ressaltado, continua o
ministro Marco Aurélio, em voto até o momento
acompanhado por seis dos 11 ministros que compõem a
Suprema Corte, sustentando, que, entender de forma contrário,
seria admitir “... a incidência da Cofins sobre o
ICMS, ou seja, a incidência de contribuição sobre
imposto, quando a própria Lei Complementar 70/91, fiel
à dicção constitucional, afastou a possibilidade de
incluir-se, na base de incidência da Cofins, o valor
devido a título de IPI”.
Ressalta,
também, o ministro, cujo voto, merece destaque, ser difícil
“... conceber a existência de tributo sem que se
tenha uma vantagem, ainda que mediata, para o
contribuinte, o que se dirá quanto a um ônus, como é
o ônus fiscal atinente ao ICMS. O valor correspondente
a este último não tem a natureza de faturamento. Não
pode, então, servir à incidência da Cofins, pois não
revela a medida de riqueza apanhada pela expressão
contida no preceito da alínea “b” do inciso I do
artigo 195 da Constituição Federal. Cumpre ter
presente a advertência do ministro Luiz Gallotti, em
voto proferido no Recurso Extraordinário 71.758:
"se a lei pudesse chamar de compra e venda o que não
é compra, de exportação o que não é exportação,
de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema
tributário inscrito na Constituição" - RTJ
66/165. Conforme salientado pela melhor doutrina, “a
Cofins só pode incidir sobre o faturamento que,
conforme visto, é o somatório dos valores das operações
negociais realizadas”.
A
contrario sensu, qualquer valor diverso deste não pode
ser inserido na base de cálculo da Cofins. Há de se
atentar para o princípio da razoabilidade,
pressupondo-se que o texto constitucional mostra-se
fiel, no emprego de institutos, de expressões e de vocábulos,
ao sentido próprio que eles possuem, tendo em vista o
que assentado pela doutrina e pela jurisprudência.
(...) Da mesma forma que esta Corte excluiu a
possibilidade de ter-se, na expressão “folha de salários”,
a inclusão do que satisfeito a administradores, autônomos
e avulsos, não pode, com razão maior, entender que a
expressão “faturamento” envolve, em si, ônus
fiscal, como é o relativo ao ICMS, sob pena de
desprezar-se o modelo constitucional, adentrando-se a
seara imprópria da exigência da contribuição,
relativamente a valor que não passa a integrar o patrimônio
do alienante quer de mercadoria, quer de serviço, como
é o relativo ao ICMS. Se alguém fatura ICMS, esse alguém
é o Estado e não o vendedor da mercadoria. Admitir o
contrário é querer, como salientado por Hugo de Brito
Machado em artigo publicado sob o título: Cofins —
Ampliação da base de cálculo e compensação do
aumento de alíquota, em CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS —
PROBLEMAS JURÍDICOS, “que a lei ordinária que defina
conceitos utilizados por norma constitucional,
alterando, assim, a lei maior e com isso afastando a
supremacia que lhe é própria. Conforme o previsto no
preceito constitucional em comento, a base de cálculo
é única e diz respeito ao que faturado, ao valor da
mercadoria ou do serviço, não englobando, por isso
mesmo, parcela diversa. Olvidar os parâmetros próprios
ao instituto, que é o faturamento, implica manipulação
geradora de insegurança e, mais do que isso, a
duplicidade de ônus fiscal a um só título, a cobrança
da contribuição sem ingresso efetivo de qualquer
valor, a cobrança considerada, isso sim, um
desembolso.”
Com essas
considerações, com o devido respeito aos entendimentos
manifestados nos enunciados 68 e 94 das súmulas do STJ,
mas deles discordando, entendemos que se os
contribuintes do PIS e da Cofins não faturam o ICMS,
que se constitui num ônus fiscal, cujo beneficiário é
a entidade de direito público a quem compete cobrá-lo,
os valores que ingressam nos seus cofres não revelam
medida de riqueza apanhada pela expressão contida no
preceito da alínea “b” do inciso I do artigo 195 da
Constituição Federal, assim a impossibilidade da sua
inserção na base de cálculo das aludidas contribuições.
Fonte:
Conjur, de 22/07/2007
O
poder público e a ousadia de inovar
Arnoldo
Wald
O recente
projeto governamental que autoriza a criação de fundações
estatais, que poderão contratar os seus empregados pela
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), se revela da
maior importância em três aspectos. É, em primeiro
lugar, uma maneira de aprimorar o regime dos servidores
do Estado, dando-lhe flexibilidade. É também uma forma
de reduzir os custos do poder público, especialmente
se, no futuro, parte dos atuais funcionários puder ser
substituída por celetistas. Finalmente, é um ato pelo
qual se renova o direito administrativo, não rompendo
com as suas tradições, mas complementando as fórmulas
clássicas de contratação dos funcionários com outras
mais modernas, que se justificam em casos específicos.
O último
aspecto deve ser enfatizado tanto por corresponder a uma
necessidade premente da sociedade brasileira como também
pelo fato de não se tratar de uma iniciativa isolada,
mas de mais um passo para a modernização das instituições.
Ao lado da consagração da arbitragem nos contratos de
direito administrativo, que tem sido adotada em virtude
de legislação recente, e das novas fórmulas de cobrança
dos tributos, que estão sendo estudadas, a contratação,
pelo poder público, de servidores pela CLT representará
uma inovação importante dentro de um programa de
desburocratização do Estado.
Na
realidade, a inovação deixou de ser, no século XXI,
uma simples faculdade para ser impor como um verdadeiro
imperativo para garantir o desenvolvimento do país.
Como já se afirmou, recentemente, "nunca antes a
inovação prometeu tanto, para tantos, em tão pouco
tempo". Por outro lado, a evolução do direito e a
reformulação das instituições não devem ser feitas
mediante rupturas. É, pois, preciso reformar sem
destruir, mantendo os valores do passado e
conciliando-os com as novas necessidades.
O
gradualismo não deve, todavia, levar à estagnação
pois, como já lembrava Edmund Burke, "o maior erro
do governo consiste em não fazer nada quando descobre
que só pode fazer pouco". Não há dúvida de que
a tradição burocrática está ancorada na vida
brasileira e que uma reação construtiva se faz necessário.
Efetivamente, se, no passado, o tempo da economia
conciliava-se com o da administração, não é mais o
que acontece hoje. Com a globalização, o ritmo do
poder público deve ser o do investidor. O legislador e
o Poder Judiciário já se convenceram da necessidade de
uma readaptação. A própria Constituição brasileira,
em virtude da Emenda Constitucional nº 19, já
determina que o Estado seja eficiente. Ora, a eficiência
não se compatibiliza com a excessiva burocracia e exige
que as decisões, tanto nos processos administrativos
como judiciais, sejam tomadas em prazos razoáveis,
assegurando-se a todos, ao cidadão e às empresas,
"celeridade de sua tramitação", conforme
estabelece a Emenda Constitucional nº 45, de 2004.
Dois casos
recentes, nos quais houve necessidade de interferência
do presidente da República, evidenciam que a solução
dos processos administrativos de licenciamento e
autorizações, especialmente na área ambiental, não
se realizam em prazos razoáveis. Acaba de ser publicada
a decisão referente à construção das usinas do Rio
Madeira, que levou dois anos, prazo que certamente não
é razoável. Mas, pouco antes, o presidente da República
lembrou, em entrevista, que acabava de se poder dar
prosseguimento à hidrelétrica a ser construída em
Belo Monte, pois tinha sido cassada uma liminar que
perdurara por 20 anos. Por mais que se deva louvar a
atuação do Poder Executivo para impedir a paralisação
de processos, evidentemente que houve, nos mencionados
casos, uma ausência de eficiência, uma falha de
sistema, um excesso de burocracia.
São situações
que merecem encontrar uma solução que independa da
atuação a posteriori do poder público. Temos uma lei
que se aplica ao processo administrativo, com prazos
razoáveis que devem ser cumpridos. As decisões
administrativas, como as judiciais, necessitam de prazos
razoáveis. Se é difícil aplicar novas soluções para
todos os casos, ou realizar, em um curto prazo, uma
reforma em profundidade de administração, medidas
emergências para determinados setores podem e devem ser
tomadas, como se fez no projeto das contratações pela
CLT. Sem prejuízo de manter e aperfeiçoar o sistema
geral, cabe usar a chamada "destruição
criativa" para afastar a aplicação de normas que,
em certos setores, tornaram-se obsoletas, e até
inconstitucionais, por violarem o princípio da eficiência.
Regras especiais se justificam em relação à
infra-estrutura, que já mereceu tratamento próprio no
Plano de Aceleração de Crescimento (PAC).
Trata-se
de elaborar normas especiais, que não violem o princípio
da isonomia por decorrerem da análise econômica,
exigindo soluções peculiares diante de situações
especiais. Se a igualdade consiste em tratar
desigualmente os desiguais, como já afirmava Rui
Barbosa, é hora de complementar o PAC por normas que
lhe possam dar a devida eficiência. É, pois, preciso
termos um regime administrativo que se concilie com as
necessidades do século XXI e que permita investir e
realizar as obras e serviços nos prazos exigidos pela
economia nacional e pelo desenvolvimento do país.
Arnoldo
Wald é advogado, sócio do escritório Wald e
Associados Advogados e professor catedrático de direito
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Fonte:
Valor Econômico, de 24/07/2007
Processo
digital será implantado em quatro anos no Brasil
Quatro
anos. Este é o prazo que o povo brasileiro pode esperar
para que o Judiciário esteja totalmente informatizado
– da folha de pagamento da menor Comarca ao próprio
processo judcial. Um sonho? O secretário-geral do
Conselho Nacional de Justiça garante que não. E
credita esta futura façanha à própria razão de
existir do Conselho do qual ele faz parte desde sua
instalação em junho de 1995.
Depois da
resistência inicial oferecida pelo próprio Judiciário,
Tejada acredita que a idéia de um órgão de controle
externo e de gestão estratégica da Justiça vingou.
Hoje, dois anos depois da criação do Conselho,
fiscalizado e fiscalizador andam juntos.
“É uma
relação de amor e ódio”, reconhece Tejada, que na
condição de secretário-geral é o responsável pelo
controle administrativo do conselho.Juiz Federal no Rio
Grande do Sul, Tejada, está no CNJ desde sua instalação
por força da Emenda Constitucional 45, em . Em março
de 2006, assumiu a secretaria-geral do CNJ e lá fica até
abril de 2008. Acompanhou de perto os obstáculos que o
CNJ teve de ultrapassar nesses dois anos de existência.
Hoje, ele
sabe que há resistências, mas comemora que, no geral,
o Conselho Nacional de Justiça foi aceito. A própria
Associação dos Magistrados Brasileiros, que contestou
no Supremo Tribunal Federal a criação do conselho,
quis colocar um de seus representantes como membro da
nova composição, que tomou posse em junho deste ano.
O
conselheiro acredita que a informatização é o grande
desafio do Judiciário, nos dias de hoje. E quando fala
de desafio, não está se referindo especialmente ao
imenso trabalho material de equipar e modernizar o
Judiciário, mas à missão de vencer o conservadorismo
das mentes que operam a Justiça no país. Mas Tejada é
um otimista.
Ao contrário
do que faz crer a lentidão e a pouca eficiência do
sistema, ele sustenta que o processo de informatização
do Judiciário não está atrasado. “No geral, o Poder
Judiciário é muito informatizado. Não perde para os
outros ramos do serviço público. Aliás, até ganha
deles.” Ele explica que a informática é usada para
catalogar os processos em papel. O desafio agora é
digitalizar esses processos e acabar com o papel. Criar
o chamado processo virtual. “O Brasil é pioneiro no
processo virtual, já que o conservadorismo da Justiça
não é só uma prerrogativa brasileira, mas um problema
mundial.”
Em
entrevista à Consultor Jurídico, Sérgio Tejada
avaliou o trabalho do CNJ na sua primeira composição.
Falou também de um assunto polêmico e evitado pelos juízes:
as férias de 60 dias. “Sou suspeito para falar sobre
isso porque falo em causa própria. O que defendo é que
há justificativa para esses dois meses.”
Leia a
entrevista.
ConJur —
O CNJ sofreu muita resistência do Judiciário quando
foi criado. Hoje, dois anos depois, o conselho é
aceito?
Sérgio
Tejada — Sim e não. É uma relação de amor e ódio.
O trabalho do CNJ é aceito de um modo geral. Mas o
Conselho é também um órgão fiscalizador e ninguém
gosta de se fiscalizado. Hoje, os tribunais estão mais
próximos do CNJ, já entenderam seu papel e estão
aceitando as suas propostas de modernização. Recebemos
direto ofício de tribunais dizendo que estão cumprindo
nossas resoluções. Existem resistências, mas são
pontuais. No início, era o contrário: a resistência
era geral e a aceitação era pontual. A própria
Associação dos Magistrados Brasileiros, que contestou
a criação do CNJ no Supremo Tribunal Federal,
trabalhou para que a nova composição do conselho
tivesse um de seus representantes como membro. Tivemos
um progresso grande em relação à aceitação.
ConJur —
Então o CNJ pegou.
Sérgio
Tejada — Eu acho que sim. Os projetos do CNJ pegaram.
Por exemplo, o movimento pela conciliação e o processo
virtual. Há cinco anos, a resistência contra a
informatização do Judiciário era muito grande. Hoje,
os próprios tribunais pedem a informatização.
ConJur —
O que o CNJ fez até agora para tornar a Justiça mais rápida?
Sérgio
Tejada — São dois eixos principais. O primeiro deles
é o incentivo a soluções alternativas dos conflitos,
chamado de movimento Conciliar é legal. A cultura de
conciliação não faz parte do Brasil, que tem a
cultura de litigância. Com o movimento, em um só dia,
8 de dezembro, foram conciliados 40 mil processos. O
outro eixo de atuação do Conselho para acelerar a
Justiça é a modernização. O CNJ está investindo R$
60 milhões para implantar o processo virtual, que é a
melhor ferramenta de combate à morosidade. O processo
virtual pode ser até cinco vezes mais rápido do que em
meio físico, já que quase 70% do tempo do processo é
gasto com a burocracia. É o chamado tempo morto.
ConJur —
Quer dizer que a principal causa da morosidade da Justiça
é a burocracia.
Sérgio
Tejada — É esse tempo morto. Essa maneira de fazer
andar o processo vem da Idade Média, quando tudo era
feito dentro dos muros e as pessoas estavam próximas. A
burocracia permaneceu até hoje e está emperrando toda
a Justiça. O processo virtual acaba com isso. O
advogado não precisa mais ir até o balcão, apresentar
a petição, carimbar, guardar. No processo eletrônico,
ele junta a petição pela internet em segundos.
ConJur —
Por que o Judiciário resiste tanto à modernização?
Sérgio
Tejada — É o conservadorismo, esta mentalidade que
permanece desde a Idade Média.
ConJur —
Enquanto o Judiciário resiste, a informática pegou em
todo o Brasil.
Sérgio
Tejada — Mas no Judiciário essa resistência está
diminuindo rapidamente. Aqueles que resistem à
informatização usam argumentos improcedentes, por
exemplo, de que o cidadão comum não vai saber lidar
com o processo virtual. Não é verdade. Todo mundo vota
em urna eletrônica, não vota? Dizem também que os juízes
mais experientes são os que mais resistem, mas no órgão
máximo da Justiça, o Supremo Tribunal Federal, existe
um grande projeto de tornar o Recurso Extraordinário
eletrônico e o primeiro despacho virtual dado foi do
ministro Sepúlveda Pertence, decano da corte. O Supremo
luta para mudar a realidade de hoje. Só no ano passado,
foram 680 toneladas de processos desaguados lá.
ConJur —
O Judiciário está muito atrasado nesse processo de
informatização, não?
Sérgio
Tejada — Não é bem assim. O Judiciário engloba
diversas realidades. Temos, por exemplo, ilhas de
tecnologia, como a Justiça Federal, a Trabalhista e a
Justiça de Santa Catarina. Por outro lado, temos a
Justiça de Piauí e de São Paulo, que estão muito
atrasadas.
ConJur —
Mas na média geral, como está a Justiça brasileira em
relação à informatização?
Sérgio
Tejada — No geral, o Poder Judiciário é muito
informatizado. Não perde para os outros ramos do serviço
público. Aliás, até ganha deles. A informática é
bastante usada pela Justiça para localizar os processos
em papel guardados nos arquivos. Se o sistema eletrônico
for desligado, o Judiciário não funciona, ninguém
acha um processo. O que queremos agora é usar a
tecnologia no trâmite do processo, que é a Justiça
que chega na mão da população. E, nisso, o Brasil é
pioneiro, já que o conservadorismo da Justiça não é
só uma prerrogativa brasileira, mas um problema
mundial. No mundo inteiro, o distanciamento que o Judiciário
tem de ter para julgar com equilíbrio faz com que seja
um Poder conservador.
ConJur —
Em quanto tempo todo o processo estará informatizado?
Sérgio
Tejada — Quatro anos.
ConJur —
Rápido assim?
Sérgio
Tejada — Eu acho que sim. A informatização do
processo está indo muito rápido. O processo virtual já
foi instalado na Justiça Federal e está avançado na
Justiça do Trabalho. Todos os estados ou já têm um
piloto de processo virtual ou terão em seguida.
ConJur —
Como homogeneizar a Justiça brasileira?
Sérgio
Tejada — Mma missão importante do CNJ é mudar a visão
de que cada Justiça é uma ilha. Afinal, há processos
que tramitam entre as diferentes esferas da Justiça. O
CNJ está liderando o movimento pela informatização do
processo para que as Justiças possam se comunicar entre
si. Um exemplo bom é o Bacen-Jud, que é a penhora
online. O juiz determina a penhora do seu gabinete e o
sistema procura valores depositados nos bancos do Brasil
inteiro.
ConJur —
Como o senhor avalia o trabalho do CNJ nesses dois anos?
Sérgio
Tejada — A grande dificuldade foi de se organizar, já
que era um órgão totalmente novo e teve de achar os
seus limites de atuação. O conselho trabalhou em duas
grandes vertentes: no controle do funcionamento e no
planejamento da Justiça. Evidentemente que punir juízes
relapsos e anular concursos mal feitos atende a um
anseio social de integridade do Poder Judiciário, mas só
isso não resolve o desejo da população, que é o de
ver a Justiça rápida e eficiente.
ConJur —
Qual é a função mais importante do CNJ: controle ou
planejamento?
Sérgio
Tejada — Ambas. O Judiciário não é um Poder
corrupto. É um caso aqui e outro acolá e isso deve ser
combatido para que não evolua. O cidadão que se
submete a um concurso público, por exemplo, tem de ter
a certeza de que o concurso é isento. Portanto, essa
atividade do CNJ de controlar o Poder Judiciário é um
exercício de cidadania importante, assim como a função
de planejar. Não adianta ter uma Justiça 100% correta
que não funciona.
ConJur —
Mas faz parte das funções do CNJ punir juízes?
Sérgio
Tejada — Faz e não faz. A morosidade da Justiça é
um problema estrutural. Não dá para punir um juiz só
porque o processo sob sua responsabilidade demorou dez
anos para terminar. Agora se ficar provado que ele
sentou em cima do processo, aí ele tem de ser punido
sim.
ConJur —
O papel de punir não é das corregedorias dos
tribunais?
Sérgio
Tejada — Isso é uma grande discussão. O Conselho é
um órgão criado para não deixar que aconteça o
corporativismo, e não para concorrer com as
corregedorias. A ele cabe punir quando não há um órgão
de correição. Por exemplo, quem corrige deslizes dos
desembargadores? E dos ministros dos tribunais
superiores? Aí está o papel do CNJ. A ele também cabe
acionar as corregedorias que não punem quando deveriam.
Não há sobreposição de competências, portanto.
Nesses dois anos de existência, o CNJ foi muito ativo
na função de controle. Ele atacou as duas grandes
reclamações nacionais: altos salários, que são
aqueles que ultrapassam o teto constitucional, e o
nepotismo no Judiciário.
ConJur —
Os super-salários foram totalmente combatidos?
Sérgio
Tejada — A grande maioria sim, mas ainda há algumas
pendências que envolvem discussões jurídicas, por
exemplo saber se o super-salário, ainda que ultrapasse
o teto, é um direito adquirido. Há ações pessoais de
juízes que discutem isso, mas são casos isolados. O
nepotismo, hoje também, está absolutamente eliminado
no Brasil. Antes, representava menos de 1% dos funcionários
do Judiciário.
ConJur —
O CNJ gerou polêmica ao revogar a resolução que
regulamentava a proibição das férias coletivas no
Judiciário. Muitos entenderam que o conselho estava
atropelando a Constituição.
Sérgio
Tejada — A Emenda Constitucional 45 proibiu as férias
coletivas atendendo a um pleito da OAB. Mas, na implantação
prática, os maiores atingidos foram os advogados que
atuam nos tribunais de segunda instância. Com o
tribunal funcionando o ano inteiro, eles não têm como
tirar férias e deixar os seus processos tramitando.
Para os juízes, o fim das férias coletivas não mudou
nada, mas os tribunais foram prejudicados porque, agora,
as turmas nunca estão completas. Cada vez, um
desembargador está de férias. Por conta desse cenário,
o CNJ suspendeu o artigo da resolução que dizia que não
aceitaria mais desculpas pela manutenção das férias
coletivas. A idéia do Conselho era repensar o assunto e
ouvir todas as reclamações, mas ele foi mal
compreendido. A Procuradoria-Geral da República foi ao
Supremo dizer que o CNJ estava autorizando as férias
coletivas e o STF mandou restabelecer o artigo. A última
palavra é do Supremo. Portanto, esta questão está
resolvida.
ConJur —
O Judiciário tem 60 dias de férias, além do recesso
de final de ano e dos feriados. Não é muito?
Sérgio
Tejada — Os tribunais superiores marcam as férias e o
recesso juntos. Já os tribunais de segunda instância não
podem mais fazer assim. Quanto aos feriados, são os
mesmos feriados previstos em lei para o resto do serviço
público.
ConJur —
O senhor não acha que há dias de folga de mais?
Sérgio
Tejada — Acho que o Brasil tem feriado demais, mas
isso não é um problema do Poder Judiciário. É um
problema do Brasil.
ConJur —
Mas e os dois meses de férias do Judiciário?
Sérgio
Tejada — Sou suspeito para falar sobre isso porque
falo em causa própria. Sou o primeiro interessado nisso
e não vou falar contra mim. O que defendo é que há
justificativa para esses dois meses. É uma visão
particular minha. O CNJ não tem pronunciamento específico
sobre isso.
ConJur —
Isso não é uma preocupação do CNJ?
Sérgio
Tejada — É um problema do Legislativo. Quem tem de
ver isso é o Congresso Nacional.
ConJur —
Qual é a sua justificativa para defender as férias de
60 dias?
Sérgio
Tejada — O juiz não é um empregado comum. Não é um
servidor público como qualquer outro. Ele não tem hora
para trabalhar. Além disso, a tarefa de decidir é
muito desgastante. A pressão psicológica em cima do
juiz no dia-a-dia é muito violenta. Mas, como disse,
falo em causa própria.
Fonte:
Conjur, de 23/07/2007
Decisão
do STF sobre improbidade não é vinculante
A ministra
Ellen Gracie, presidente do Supremo Tribunal Federal,
determinou o arquivamento de Reclamações ajuizadas por
três prefeitos do Pará. Eles queriam que a Corte
estendesse a eles os efeitos da decisão que determinou
não ser aplicável a agentes públicos a Lei de
Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92).
Na Reclamação
2.138, o Plenário analisou a aplicação dessa lei no
caso do ex-ministro Ronaldo Sardenberg. O Ministério Público
o acusou de ter viajado a turismo para Fernando de
Noronha em um avião da Força Aérea Brasileira. À época,
Sardenberg era ministro do governo Fernando Henrique
Cardoso. O processo contra Sardenberg, que agora é
membro do conselho-diretor da Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), foi extinto pelo plenário
do Supremo. Isso porque a Procuradoria-Geral da República
não o denunciou perante a corte.
De acordo
com a ministra Ellen Gracie, a decisão valeu para esse
caso e não tem efeito vinculante e também não tem
eficácia erga omnes (para todos). Como os prefeitos não
figuravam como partes naquele julgamento, a decisão não
vale para eles.
Os
prefeitos dos municípios paraenses de Altamira, Brasil
Novo e Vitória do Xingu respondem a ações por
improbidade administrativa. Eles afirmam que as decisões
em seus processos estariam em divergência com a
jurisprudência do Supremo, que segundo eles teria sido
firmado no julgamento da RCL 2.138, e que o resultado
daquele julgamento deveria possuir efeito vinculante.
Nesse
mesmo sentido, o ex-secretário de administração de
Vila Velha (ES) ajuizou Reclamação no Supremo. Além
de citar a RCL 2.138, alegou a possibilidade da Lei de
Improbidade Administrativa vir a ser declarada
inconstitucional no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade 2.182.
A ministra
lembrou que não existe afronta à autoridade de decisão
do STF, já que o julgamento da ADI inda não foi concluído.
Caso
Sardenberg
Ao
analisar a análise Reclamação contra o ex-ministro da
Ciência e Tecnologia Ronaldo Sardenberg, por seis votos
a cinco, o STF concluiu que ministros de Estado devem
ser processados com base na Lei de Crimes de
Responsabilidade (1.079/50), não pela Lei de
improbidade. A decisão é de junho.
A orientação
do Supremo nesse sentido, contudo, pode não durar
muito. Isso porque os quatros mais novos ministros da
Corte — Carlos Ayres Britto, Eros Grau, Ricardo
Lewandowski e Cármen Lúcia — não votaram nesse
processo. Com o placar apertado, a virada pode
acontecer. Apesar de abrir um importante precedente, a
decisão se aplica apenas ao caso de Sardenberg.
A questão
estava parada no Supremo desde 2005. A tendência
vencedora já parecia consolidada na última sessão em
que a matéria foi discutida. Três votos pelo foro
privilegiado não podiam mais ser alterados porque
partiram de ministros aposentados: Maurício Corrêa,
Ilmar Galvão e Nelson Jobim. Os votos dos ministros
Cezar Peluso e Gilmar Mendes também contra a aplicação
da Lei de Improbidade ao caso. O sexto voto, definidor
da questão, foi da ministra Ellen Gracie.
Desde que
foi criada, em 1992, a Ação de Improbidade
Administrativa tem sido uma das principais brigas entre
políticos e Ministério Público. A Lei 8.429/92, que
trata do assunto, não trata da prerrogativa das
autoridades de serem julgados apenas pelas instâncias
superiores.
A Ação
de Improbidade passou a ser usada frequentemente pelo
Ministério Público. No final de 2006, o ministro
Gilmar Mendes acusou o MP de usar a ação com fins políticos,
pessoais ou corporativistas. Daí a sua defesa do foro
privilegiado.
“Além
de evitar o que poderia ser definido como uma tática de
guerrilha perante os vários juízes de primeiro grau, a
prerrogativa de foro serve para que os chefes das
principais instituições públicas sejam julgados
perante um órgão colegiado dotado de maior independência
e de inequívoca seriedade”, disse o ministro do
Supremo.
Fonte:
Conjur, de 24/07/2007