São Paulo começa a implantar penhora on-line de imóveis
Adriana Aguiar
A
cidade de São Paulo deve implantar a penhora on-line de
imóveis no prazo entre um e dois meses, segundo o
presidente da Associação dos Registradores Imobiliários
de São Paulo (Arisp), Flauzilino Araújo dos Santos .
A
iniciativa, pioneira no Brasil, deve começar com um
projeto piloto com duração de seis meses , que será
acompanhado pela Corregedoria Geral do Tribunal de
Justiça de São Paulo. Depois disso, será estendido para
outras cidades do estado.
Enquanto ocorrem os testes, o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) já começou a organizar um projeto de
interligação de dados dos cartórios ainda mais
abrangente e que será usado obrigatoriamente em todo o
País.
Com o
sistema, um processo de bloqueio de venda de bens, que
pode demorar cerca de três a quatro meses, passará a ser
feito em alguns minutos. A nova prática deve impedir que
novas fraudes em execução ocorram e fazer com que
credores tenham a garantia de pagamento.
Segundo o presidente da associação, a penhora eletrônica
de imóveis deve aumentar a segurança nos negócios
imobiliários, já que haverá menos casos de compras de
imóveis que estavam sendo alvo de execução.
A
implantação
A
decisão foi publicada no Diário Oficial e autorizada
pelo corregedor geral da Justiça de São Paulo, Gilberto
Passos de Freitas.
No
ofício, foi estabelecido um prazo máximo de 180 dias
para iniciar o projeto, mas o presidente da Arisp
acredita que isso poderá ocorrer entre um e dois meses,
já que, segundo ele, os cartórios de São Paulo já têm
infra-estrutura de tecnologia para desenvolver o
sistema.
A
idéia é aperfeiçoar o sistema de ofício eletrônico, em
funcionamento na cidade. Este sistema, segundo o
presidente da Arisp, já fez mais de 1 milhão de
pesquisas sobre localização de imóveis de investigados
pelo Poder Judiciário e Administração Pública .
Depois de implantado o sistema no Estado de São Paulo, a
intenção é que outros estados também implantem a penhora
via eletrônica de imóveis.
Pensando nos benefícios que poderão ser trazidos para a
sociedade e para o Judiciário, o Conselho Nacional de
Justiça já montou um grupo de discussão com as entidades
dos segmentos dos cartórios para avaliar como esse
projeto será implantado.
A
idéia, segundo o juiz auxiliar da presidência do CNJ
Alexandre Silva, responsável pelo projeto, é interligar
informações para que sejam feitas, além da penhora
on-line, pesquisas sobre fraudes, carta de arrematação
em leilão ou sustação de protestos, tudo via Internet.
Interligação no País
Segundo o membro do CNJ, na última reunião, ocorrida
semana passada, ficou decidido que todas as entidades de
segmentos de cartórios deverão procurar nos seus estados
o que já existe de sistema eletrônico que pudesse servir
de base para a interligação.
Daqui
a um mês o grupo deverá se reunir para apresentar os
resultados encontrados. Com a escolha do sistema de
base, a área de tecnologia deverá ser consultada para
avaliar qual será o prazo para que sejam desenvolvidos
os outros instrumentos que ainda não existem. "O sistema
deverá ser implantado obrigatoriamente em todos os
cartórios do Brasil".
Segundo o advogado Alexandre Labonia, do escritório
Moreau Advogados o uso da penhora on-line na Justiça
paulistana deve tornar o processo mais rápido e diminuir
consideravelmente a fraude contra credores.
"Não
haverá mais tempo hábil para que um devedor transfira ou
venda um imóvel em execução. Mas, caso a fraude ocorra, esta será mais facilmente identificada pela
Justiça via sistema eletrônico", afirmou.
Com o
novo instrumento de penhora, os compradores de imóveis
também devem ficar mais atentos à regularização da
documentação, segundo o advogado. "Os compradores não
devem protelar a transferência do imóvel ao seu nome
para não correr o risco de sofrer uma penhora por engano
e ter de entrar na Justiça para desfazê-la."
Para
garantir a credibilidade do sistema, o processo de
autorização de bloqueio de bens só poderá ser feito
pelos juízes que forem habilitados pelo processo de
certificação eletrônica da Infra-Estrutura de Chaves
Públicas Brasileiras (ICP-Brasil). Segundo o diretor da
ICP-Brasil, Mauricio Coelho, "é preciso que haja
segurança de que aquela ordem de penhora partiu mesmo do
juiz da causa, e não de terceiros".
Fonte: DCI, de 20/08/2007
Município de São Paulo contesta seqüestro de verbas para
pagamento de precatórios
O
município de São Paulo ajuizou Reclamação (RCL 5463) no
Supremo Tribunal Federal (STF) contra decisão do
Tribunal de Justiça do estado (TJ-SP) que determinou o
seqüestro de verbas para o pagamento de precatórios. A
ação tem pedido de liminar, que será analisada pelo
relator, ministro Carlos Ayres Britto.
O
município paulista alega que o TJ-SP descumpriu decisão
do STF ao determinar o seqüestro de valores que teriam
sido indevidamente atualizados. Para tanto, cita
julgamento em ação direta de inconstitucionalidade que,
ao interpretar dispositivo do regimento interno do
tribunal estadual, firmou o entendimento de que
atualizações de valores de precatórios só podem ser
feitas no caso de erro material ou de inexatidão
aritmética no precatório original.
Nesses casos, a diferença deve ser compensada sem que
seja necessário entrar novamente na fila para pagamento
de precatórios, que obedece a uma ordem cronológica.
Segundo o município de São Paulo, o TJ-SP determinou o
seqüestro de valor que não é “mera atualização de
cálculo”, mas “uma discussão de critérios”. O
procurador-geral do estado de São Paulo, Elival da Silva
Ramos, afirma que o TJ paulista “tem encaminhado ao
Poder Executivo ofícios para a complementação de
pagamento em precatórios cuja previsão orçamentária já
se exauriu de longa data e, mais grave, determinando
seja obedecida a ordem cronológica do precatório
originário”.
Fonte; STF, de 20/08/2007
Cancelamento de certidões de dívida ativa é suspenso
A
PRFN (Procuradoria Regional da Fazenda Nacional na 5ª
Região, com sede em Recife (PE), conseguiu suspender na
tarde desta segunda-feira (20/8) a decisão que anulava
em todo país as certidões de dívida ativa de produtores
rurais, inscritos no Cadin (Cadastro Informativo de
Créditos não Quitados do Setor Público Federal).
A
decisão, concedida pela 8ª Vara de Arapiraca (AL) à
Defensoria Pública da União, também suspendia as
execuções fiscais que tramitam nesta Vara.
No
recurso, movido no TRF (Tribunal Regional Federal) da 5ª
Região, a Procuradoria, órgão da AGU (Advocacia Geral da
União),
alegou que a decisão de primeira instância poderia
causar prejuízos irreversíveis aos cofres públicos, já
que envolve 300 mil produtores rurais e o impacto
financeiro para o erário chegaria a mais de R$ 7
bilhões.
O TRF
destacou que “o estoque de dívidas ativas da União
oriundas de mencionados créditos importa, em todo
território nacional, em 31.023 inscrições, cujo valor
consolidado tem a cifra de R$ 7.037.915.508,15, qual se
verifica na informação trazida nos autos pela
requerente”.
Fonte: Última Instância, de 21/08/2007
Reembolso de impostos estaduais e municipais: uma boa
idéia
Marcelo da Silva Prado
A
prefeitura de São Paulo, por meio da lei nº 14.907/2005,
instituiu um sistema de incentivo a solicitação de notas
fiscais sobre serviços, oferecendo ao tomador do serviço
um crédito equivalente a 30% do ISS (Imposto sobre
Serviços) recolhido para ser abatido do IPTU (Imposto
sobre a Propriedade Territorial Urbana) do imóvel que o
contribuinte indicar. No caso de contribuintes pessoas
jurídicas, o percentual cai para 10% do valor pago a
título de ISS, caindo ainda para 7,5% para condomínios
residenciais e comerciais.
A
lista de prestadores de serviços é extensa: escolas,
hotéis, estacionamentos, cabeleireiros, construtoras
etc., e acredito será uma medida que levará a uma
formalização bastante interessante no setor de serviços
da capital paulistana.
O
sistema já está funcionado, para tanto, o contribuinte
deverá se cadastrar no site da prefeitura de São Paulo
(www.prefeitura.sp.gov.br) e indicar entre o dia 1º e 30
de novembro de cada ano o imóvel que receberá o desconto
do IPTU, podendo ainda acompanhar a evolução dos seus
créditos com relação a cada nota fiscal eletrônica
emitida também pelo site.
A
medida, a meu ver, merece aplausos, pois visa aumentar a
arrecadação tributária pela forma mais correta – o
aumento da base tributável – criando igualmente uma
noção de cidadania, na medida em que as pessoas passarão
a receber a informação de quanto estão pagando de
impostos sobre o serviço contratado e também por que com
essa medida passarão a exigir notas fiscais e ajudarão a
prefeitura de São Paulo no combate à sonegação fiscal.
Na
esteira do exemplo paulistano, a Assembléia Legislativa
do Estado de São Paulo aprovou na última quinta-feira (9
de agosto de 2007) medida semelhante para o ICMS
(Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços),
faltando apenas a sanção do governador. Segundo as
notícias veiculadas no dia seguinte a aprovação do
projeto, o contribuinte que exigir nota fiscal das suas
compras receberá em troca crédito para abater sobre o
IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos
Automotores), ou então, poderá solicitar o reembolso
diretamente em dinheiro.
No
caso da lei estadual a energia elétrica, o gás
canalizado, telefonia, bebidas, automóveis e
combustíveis não gerarão créditos, pois segundo
explicações da Secretária de Fazenda são setores onde
não haveria sonegação, sendo que a medida mira
exatamente em outros setores onde a sonegação é alta.
A lei
estadual ainda demandará a sanção e a regulamentação
pelo governador do Estado de São Paulo, para então
entrar em vigor.
Esses
exemplos, caso bem sucedidos, deverão espalhar-se por
todo o país, e acredito serão uma tendência bastante
positiva de estímulo à formalização, de combate à
sonegação e gerarão no médio prazo um aumento da
arrecadação tributária, desonerando ainda o contribuinte
final. Parece mentira!
Fonte: Última Instância, de 21/08/2007
Simples Nacional soma 3,15 milhões
De
São Paulo
Até o
início da tarde de ontem, as adesões ao Supersimples
somaram 3.154.085 micro e pequenas empresas. Deste
total, 1.337.103 migraram automaticamente do antigo
Simples federal para o novo sistema simplificado de
recolhimento de tributos federais, estaduais e
municipais e outras 1.816.982 fizeram o pedido de
ingresso desde 2 de julho. O prazo para a adesão ao
Supersimples terminou às 20 horas de ontem. Desde a
quinta-feira passada, um dia após a sanção da Lei
Complementar nº 127, que fez as primeiras alterações na
legislação do Supersimples, apenas 33.812 novas empresas
aderiram ao sistema. Na comparação com o Simples
federal, que tinha 2,56 milhões empresas em dia com a
apresentação de declarações, o novo sistema atraiu
apenas 554 mil novas empresas.
De
acordo com informações da Secretaria da Receita Federal
do Brasil, do total de adesões ao Supersimples, o
ingresso de 2.439.185 micro e pequenas empresas (77,33%
do total) ao novo sistema já foi deferido, outras
580.967 (18,42%) possuem algum tipo de pendência e
133.933 (4,25%) tiveram seus pedidos indeferidos por
problemas cadastrais. A maioria das empresas que
solicitaram adesão - 29,28% - é do Estado de São Paulo,
seguido por Minas Gerais, com 12,19% do total, e Rio
Grande do Sul, com 10,09%.
Na
semana passada, foi sancionou a Lei Complementar nº 127,
que alterou o Supersimples e amenizou parte das críticas
ao sistema feitas pelas prestadoras de serviços. Mas
muitas outras empresas ainda reclamam do veto ao
aproveitamento de créditos de ICMS e de PIS/Cofins, que
vem fazendo com que, para algumas, a carga tributária
aumente. Hoje os secretários de Fazenda dos Estados
estão em Brasília para uma reunião do Conselho Nacional
de Política Fazendária (Confaz) e devem discutir
propostas sobre o tema.
Fonte: Valor Econômico, de 21/08/2007
Que saudade do AI-5!
ARNALDO MALHEIROS FILHO
O ATO
Institucional nº 5 foi a antilei que instaurou o
antidireito no Brasil, na noite negra de 13 de dezembro
de 1968. Entre outras atrocidades, proibia o habeas
corpus nos casos de crimes contra a segurança nacional e
a economia popular. Só. Para qualquer outra acusação não
havia restrição.
Bastava escrever na capa do processo que se tratava de
um desses crimes e não vigia o direito constitucional de
pedir habeas corpus.
Certa
vez, um promotor da 6ª. Vara Criminal de São Paulo ficou
indignado porque foi interrompido em audiência por um
insistente vendedor de livros e deu-lhe voz de prisão
-por qual crime, por querer vender livros?-, apontando o
delito político de tentar impedir a realização de sessão
legislativa ou judiciária para fazer agitação...
Decorreram 30 dias até que o coitado fosse solto, diante
da evidência de que ele não era um ativista, pois um
habeas corpus era proibido no caso.
Depois de uma fase mais obscura, Geisel passou a falar
numa "abertura", mas ela tinha que ser "lenta, gradual e
segura". Ninguém queria esperar, ninguém queria abertura
"lenta e gradual", mas a palavra "segura" lembrava que
havia gente poderosa à direita do governo capaz de
comprometer os planos liberalizantes.
Foi
quando alguns juristas, como Oscar Dias Corrêa e
Raymundo Faoro -a princípio hostilizados pelos mais
radicais-, passaram a conceber fórmulas "gradualistas"
de encerramento do ciclo autoritário. Por esse tempo, o
jornal "O São Paulo", da arquidiocese de dom Paulo
Evaristo e sob a competente direção de Evaldo Dantas
Ferreira (o repórter que achou Klaus Barbie, o carrasco
de Lyon, no Paraguai), havia se tornado um veículo
importante no combate ao que então se chamava "o
sistema", apesar da censura que sofria. Nele, José
Carlos Dias publicou um artigo que marcou época.
Chamava-se "Por que não o habeas corpus já?". O texto
mostrava que o simples direito de petição ao Judiciário
não haveria de desestabilizar o "sistema" e seria um
grande passo para a volta à normalidade institucional.
A
idéia não vingou, mas lançou uma esperança. Depois de
anos, a democracia finalmente se reinstalou. Mas o AI-5
só excluía o habeas corpus para os crimes contra a
segurança nacional e a economia popular. No mais,
continuava a mesma amplitude de sempre, pois modificá-la
era tarefa que a ditadura militar não ousaria.
Recentemente, temos visto abusos do Estado que nos
tempos negros do AI-5 não ocorriam: os DOI-Codi poupavam
os juízes de autorizar violências. Hoje, porém, há um
consenso segundo o qual qualquer arbitrariedade, se
praticada com ordem judicial, é legítima; as
megaoperações meramente pirotécnicas, à custa da imagem
dos atingidos; a invasão de escritórios de advocacia em
busca de provas contra clientes, coisa que os militares
jamais fizeram. Juízes há -ainda bem que são poucos- que
não disfarçam sua ojeriza ao instrumento da liberdade e
baixam sua miniatura de AI-5 particular, negando
sistematicamente os que lhe são pedidos.
Mas
agora chegamos ao apogeu: leio na revista "Veja" que há
quem considere o habeas corpus um "nó" para a repressão
e pretende limitar seu uso "a situações muito pontuais",
a fim de que ele não seja um instrumento da impunidade.
Ou
seja, o ímpeto repressivo, aquilo que a juíza
norte-americana Lois Forer chamou de "rage to punish" -a
ânsia de punir-, atropela todas as garantias individuais
conquistadas depois de duras lutas contra a ditadura.
Pior,
quer ir além da ditadura. Nosso Código de Processo Penal
é um monumento do Estado Novo, inspirado no fascismo
italiano. Já há quem diga que os fascistas eram uns
incorrigíveis liberais, que faziam leis cheias de
direitos para os réus, com excesso de recursos gerando
impunidade, como se pedir em juízo fosse uma praga
burguesa.
O
regime hoje não é militar, mas há civis -pior, há até
magistrados- capazes de fazer coisas muito mais graves
contra os direitos individuais.
Nem
mesmo a ditadura militar, com todo o seu aparato
autoritário e antijurídico, chegou a propor a
"limitação" do habeas corpus a "situações muito
pontuais", chegou a proibir aos réus o direito de
recorrer.
Quem
quer amputar o habeas corpus e proibir os recursos quer
que certas violências contra o indivíduo não tenham
remédio, valendo sempre a vontade do Estado, ainda que
representado por um juiz. Socorro! Quero o AI-5 de
volta, pois ele não chegou a tanto.
ARNALDO MALHEIROS FILHO , 57, advogado criminal, é
presidente do Conselho Deliberativo do Instituto de
Defesa do Direito de Defesa.
Fonte: Folha de S. Paulo, de 21/08/2007
A sombra do estado policial
Ministros do STF denunciam as suspeitas de que estão
sendo grampeados – e apontam o dedo para a banda podre
da Polícia Federal
Policarpo Junior
Montagem com fotos de Masao Goto Filho, Selmy Yassuda,
Marcelo Kura, Ricardo Stuckert e Ana Araujo.
Criado com o nome de Casa da Suplicação do Brasil em
1808, o Supremo Tribunal Federal já enfrentou momentos
duros em seus dois séculos de história. Já foi vítima de
dramáticas deformações, como aconteceu nas décadas de
1930 e 1940, quando Getúlio Vargas nomeava ministros sem
consultar ninguém, e já esteve emparedado pela ditadura
militar iniciada em 1964, que chegou a expulsar três
ministros da corte. Agora, é a primeira vez que, sob um
regime democrático, os integrantes do Supremo Tribunal
Federal se insurgem contra suspeitas de práticas típicas
de regimes autoritários: as escutas telefônicas
clandestinas. Sim, beira o inacreditável, mas os
integrantes da mais alta corte judiciária do país
suspeitam que seus telefones sejam monitorados
ilegalmente. Nas últimas semanas, VEJA ouviu sete dos
onze ministros do Supremo – e cinco deles admitem
publicamente a suspeita de que suas conversas são
bisbilhotadas por terceiros. Pior: entre eles, três
ministros não vacilam em declarar que o suspeito número
1 da bruxaria é a banda podre da Polícia Federal. "A
Polícia Federal se transformou num braço de coação e
tornou-se um poder político que passou a afrontar os
outros poderes", afirma o ministro Gilmar Mendes, numa
acusação dura e inequívoca.
As
suspeitas de grampos telefônicos estão intoxicando a
atmosfera do tribunal. Na quinta-feira passada, o
ministro Sepúlveda Pertence pediu aposentadoria
antecipada e encerrou seus dezoito anos de tribunal.
Poderia ter ficado até novembro, quando completa 70 anos
e teria de se aposentar compulsoriamente. Muito se
especulou sobre as razões de sua aposentadoria precoce.
Seus adversários insinuam que a antecipação foi uma
forma de fugir das sessões sobre o escândalo do mensalão,
que começam nesta semana, nas quais se discutirá o
destino dos quadrilheiros – entre eles o ex-ministro
José Dirceu, amigo de Pertence. A mulher do ministro,
Suely, em entrevista ao blog do jornalista Ricardo
Noblat, disse que a saída de seu marido deve-se a
problemas de saúde. O ministro, no entanto, diz que as
suspeitas de que a polícia manipula gravações
telefônicas aceleraram sua disposição em se aposentar.
"Divulgaram uma gravação para me constranger no momento
em que fui sondado para chefiar o Ministério da Justiça,
órgão ao qual a Polícia Federal está subordinada. Pode
até ter sido coincidência, embora eu não acredite",
afirma.
Os
temores de grampo telefônico com patrocínio da banda
podre da PF começaram a tomar forma em setembro de 2006,
em plena campanha eleitoral. Na época, o ministro Cezar
Peluso queixou-se de barulhos estranhos nas suas
ligações e uma empresa especializada foi chamada para
uma varredura. Ela detectou indícios de monitoramento
ilegal nos telefones de Peluso e do ministro Marco
Aurélio Mello e na linha de fax do ministro Marcelo
Ribeiro, do Tribunal Superior Eleitoral. Com a
divulgação do caso, a PF entrou em cena. Em apenas nove dias, com agilidade incomum, os agentes concluíram que não
havia grampo e indiciaram o dono da empresa por falsa
comunicação de crime. "Fui interrogado durante três dias
pela PF", diz o empresário Enio Fontenelle, que reafirma
a existência de indícios de grampos. Havia interesse de
um candidato ou partido por causa da eleição, tema de
que tratavam os ministros Marcelo Ribeiro e Marco
Aurélio? Alguém na Polícia Federal queria monitorar o
ministro Peluso, que na época cuidava de uma das ações
da Polícia Federal, a Operação Furacão?
Recentemente, as suspeitas se robusteceram. O ministro
Marco Aurélio Mello recebeu uma mensagem eletrônica de
um remetente anônimo. O missivista informava que os
telefones do ministro estavam grampeados e que policiais
ofereciam as gravações
em Campo Grande. O
mesmo estaria acontecendo com conversas telefônicas do
ministro Celso de Mello. Em outros tempos, uma denúncia
anônima e tão pouco circunstanciada não receberia
atenção. No clima atual, Marco Aurélio pediu uma
investigação. O caso foi investigado, mas a Polícia
Federal – ela, de novo – concluiu que a mensagem era
obra de estelionatários fazendo uma denúncia falsa. Há
três meses, quando trabalhava com a Operação Navalha, o
ministro Gilmar Mendes adquiriu a convicção pessoal de
que seus telefonemas são monitorados. "O procurador
Antonio Fernando me ligou avisando que a operação era
complexa e precisava manter algumas prisões", lembra o
ministro. Ele respondeu que não podia manter certas
prisões por inadequação técnica. "Pouco depois, uma
jornalista me telefonou perguntando se eu ia mesmo
soltar todos os presos." Surpreso, o ministro ligou para
o procurador, que lhe garantiu não ter comentado o
assunto com ninguém. Conclui Mendes: "Estavam me
acompanhando pelo telefone".
Com a
libertação de alguns detidos na Operação Navalha, o
ministro Gilmar Mendes julga ter conquistado em
definitivo a antipatia da banda podre da Polícia Federal
– e suspeita que, a partir daí, começou a ser
perseguido. "Apareceram notas em jornais e sites de
notícias dizendo que eu estava soltando alguns dos
presos porque um dos envolvidos era meu amigo. Plantaram
que havia conversas gravadas que provavam isso",
rememora. Publicou-se inclusive que o nome do ministro
estava na lista das autoridades que receberam mimos da
empreiteira Gautama, que coordenava a ladroagem
investigada pela Operação Navalha. "Recebi telefonemas
de jornalistas garantindo que a Polícia Federal tinha
confirmado que meu nome estava na lista", diz. Na tal
lista, constava o nome de Gilmar Melo Mendes, um
engenheiro que não tinha nada a ver com o ministro do
STF, exceto pela homonímia. "Isso foi uma canalhice da
polícia para tentar me intimidar", acusa o ministro. Ele
levou o caso ao ministro da Justiça, Tarso Genro, e
pediu providências à presidente do STF, Ellen Gracie.
Diz o ministro: "Quando a Justiça começa a ter medo de
conceder um habeas corpus, o problema é da sociedade.
Esse medo hoje já é perceptível".
É
farta a crônica de grampos clandestinos no Brasil,
inclusive nas mais altas esferas do poder. Já se
encontrou grampo dentro do próprio gabinete presidencial
no Palácio do Planalto (João Figueiredo, 1983). Já se
soube de presidente da República cuja residência estava
inteiramente monitorada (Fernando Collor, 1992, Casa da
Dinda). Já se ouviu a voz grampeada de um
vice-presidente da República a cantarolar palavras
melosas para uma jornalista casada (Itamar Franco,
1992). Já houve presidente da República grampeado
autorizando o uso de seu nome nos bastidores do leilão
das teles (Fernando Henrique Cardoso, 1998). A fartura
de casos pode levar à idéia de que a grampolândia é
simplesmente um dado inevitável da vida nacional. Na
verdade, esse pensamento tolerante contribui para
minimizar o problema e, com isso, perpetuá-lo. Os sinais
de que uma banda podre da Polícia Federal está querendo
intimidar os ministros da mais alta corte do Poder
Judiciário brasileiro são gravíssimos – e sugerem que o
país pode estar sendo presa das garras invisíveis de um
embrionário estado policial.
"O
estado policial é a negação das liberdades, indiferente
de posição social ou hierarquia. É uma antítese do
sistema democrático", diz o ministro Celso de Mello,
cuja preocupação pessoal com grampos telefônicos é quase
nula. O ministro fala pouco ao telefone fixo, não usa
celular, mas se revolta com o clima de intimidação no
Supremo. "É intolerável essa atmosfera que vivemos, com
a conduta abusiva de agentes ou órgãos entranhados no
aparelho de estado. A interceptação telefônica
generalizada é indício e ensaio de uma política
autoritária", diz o ministro. "O Judiciário não pode
ficar refém de ações policiais, sob pena de, acusado,
acabar autorizando atos arbitrários", afirma Cezar
Britto, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) e um dos primeiros a denunciar vestígios de um
estado policial no país. "Se o magistrado decide a favor
dos estados e da União, ele está certo. Se decide a
favor do cidadão, é acusado de receber propina. A lógica
perversa segundo a qual o estado sempre tem razão, e os
cidadãos nunca, é um símbolo maior desse estado
policial", diz o advogado.
Os
abusos no comportamento da PF, no entanto, não se
esgotam nas suspeitas de grampo ilegal. Também há
suspeitas de manipulação do conteúdo de gravações feitas
legalmente. Pela lei, os policiais precisam transcrever
todo o diálogo telefônico monitorado, e não apenas um
resumo. "Hoje, pinça-se o que a polícia quer e o que
acha que deve ser informado. Os juízes decidem com base
em extratos. Isso é muito arriscado", diz o ministro Marco Aurélio. Num caso
em exame no Supremo, a PF informou o resumo de uma
conversa telefônica, legalmente monitorada, entre um
ministro do STJ e sua amante. Confrontando-se o extrato
com a íntegra das gravações, descobriu-se que o
motorista do ministro é quem estava falando com a
amante. Em outro caso temerário, o perito Ricardo
Molina, especialista em fonética forense, encontrou
indícios de que a PF pode ter fraudado, possivelmente
por meio de uma montagem, um diálogo que serviu de prova
contra um juiz, acusado de negociar sentenças judiciais.
"Não há segurança sobre a autenticidade das gravações",
afirma Ricardo Molina.
Com
sua experiência no ramo, o perito conta que já encontrou
gravações da PF com duração inferior à registrada na
conta telefônica. Só há duas hipóteses para explicar
esse descompasso: ou a companhia telefônica registrou
que o telefonema teve uma duração maior do que a real ou
a Polícia Federal eliminou um trecho do telefonema. Em
outro caso, um doleiro denunciou que fora extorquido
pela polícia e, como indício probatório, disse que, pelo
telefone, narrara o caso a sua mulher. Como o doleiro
estava grampeado, bastava à Justiça requerer a gravação.
Em contato com a companhia telefônica, a Justiça soube
que, de fato, o doleiro falara com sua mulher no dia e
hora informados por ele, mas a polícia, por "problemas
técnicos", eliminara a gravação dos arquivos... Os
ministros do Supremo também reclamam de que agentes
federais vazam para a imprensa conversas telefônicas –
legais, nesse caso – para constrangê-los. Houve o caso
que tanto abateu Pertence. Em janeiro passado, veio a
público um diálogo entre um advogado e um lobista, ambos
sob investigação da PF, no qual se sugeria que Pertence
receberia 600.000 reais para tomar determinada decisão.
Era mentira, mas a suspeita demorou a se dissipar. "Eu
virei uma noite lendo comentários na internet.
Chamaram-me de tudo que é nome. É muito dolorido", diz
ele. "O que mais me preocupa é que setores do Ministério
Público e da polícia usam a imprensa como instrumento de
desmoralização. O efeito é criar um fato consumado."
Dos
sete ministros ouvidos por VEJA, apenas Eros Grau e
Cármen Lúcia Antunes Rocha não suspeitam de grampos em
seus telefones. "Há uma suspeita generalizada de que
nossos telefones são grampeados. De minha parte não há o
que esconder, mas temos de medir as palavras com fita
métrica", diz o ministro Carlos Ayres Britto. "Hoje,
você não sabe mais quem está ouvindo suas conversas",
conta o ministro Marco Aurélio. "Um dia minha irmã ligou
para falar do espólio de meu pai. Repeti várias vezes
que os valores se referiam ao espólio. Era para quem
estivesse ouvindo entender. Se um ministro do STF tem de
tomar essas cautelas, o que não sofre um juiz de
primeira instância?" Nem é preciso descer aos níveis
inferiores da Justiça. No Superior Tribunal de Justiça,
que também fica em Brasília, o ministro Felix Fischer
não autorizou a prisão de alguns investigados. Em
seguida, começaram a aparecer notas na imprensa de que
seu filho, um advogado, estaria sendo investigado sob
suspeita de venda de sentenças. Felix Fischer chamou o
delegado do caso, acusou a PF de tentar intimidá-lo e só
não lhe deu uns sopapos porque foi contido pelos
presentes.
As
suspeitas de comportamento criminoso da banda podre da
Polícia Federal não podem servir para desacreditar as
ações policiais dos últimos tempos. No atual governo, a
Polícia Federal já fez centenas de operações e tem
mostrado um vigor digno de aplauso. As falhas que
acontecem aqui e ali têm sido usadas para que alvos
legítimos das investigações deflagrem a velha campanha
de desmoralizar a polícia, apenas como meio de se
livrarem eles próprios de investigações. "A força que a
Polícia Federal vem adquirindo institucionalmente está
sendo conquistada porque em regra tem cumprido a lei",
afirma o ministro da Justiça, Tarso Genro. "Os eventuais
erros ou injustiças que a PF tenha cometido foram
originários dela não como instituição policial, mas de
pessoas que ainda não se integraram plenamente na ética
pública de um estado democrático de direito", completa o
ministro. O ideal é que as "pessoas desintegradas" sejam
identificadas e devidamente punidas. Só assim se pode
impedir que a sombra de um estado policial se projete
sobre o estado democrático tão duramente conquistado.
Fonte: Veja, de 22/08/2007